História do brasil moderno ernesto geisel



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Quase toda a guarnição do Paraná havia ficado com o coman- do do III Exército em agosto de 1961. Não que eles fossem franca- mente a favor do Jango, mas estavam subordinados ao comando do Sul. O Paraná, o Rio Grande do Sul e Santa Catarina integra- vam o III Exército, que era comandado pelo general Machado Lopes. Naquele conflito todo, a guarnição havia ficado ao lado do Machado Lopes, contra, portanto, o Denys. Quando cheguei lá, evi- dentemente não me receberam muito bem e estavam visivelmente desconfiados. Não me dei por suscetibilizado. Fiquei no meu co- mando, cuidando das minhas atribuições e, com o correr do tem- po, eles vieram todos a mim. Após alguns meses, a situação estava mais ou menos consolidada a meu favor. Havia um ou outro ele- mento contrário, mas a maioria dos oficiais acabou vindo para o meu lado, em função de conversas, da maneira de tratá-los e de trabalhar.



Meses depois, foi nomeado comandante do III Exército o ge- neral Jair Dantas Ribeiro. Aí começou a se desenvolver a política dos sargentos, apoiada pelo governo, inclusive com a amotinação de sargentos em Brasília. Fundavam-se clubes, faziam-se reuniôes de sargentos. Jair, no seu programa de inspeções, ia ao Paraná, na área sob o meu comando, e eu o acompanhava. Ele era todo do Jango e passou a fazer reuniões com os sargentos a que eu fa- zia questão de assistir. Nessas reuniões, ele sempre falava sobre a importância dos sargentos, procurando valorizá-los, e sobre a ne- cessidade de apoiarem o governo. Acho que o sargento é muito importante na estrutura militar, mas não deve ser instrumento de política partidária.

Durante a campanha do plebiscito que visava a acabar com o regime parlamentar, divergi da atitude assumida pelo general Jair, divergência que, pouco depois, acarretou minha saída do Paraná. A campanha estava em pleno curso, mas ainda indefinida. Jair, possi- velmente sob encomenda, enviou um telegrama ao ministro da Guer- ra, amplamente divulgado pela imprensa, dizendo que, se aquela si- tuação de impasse perdurasse, ele não teria condições de manter a ordem dentro do território do III Exército. Na ocasião, eu estava co- mandando interinamente a 5ª Região Militar e me irritei com esse telegrama, inclusive porque não era a expressão da verdade. Passei- lhe um telegrama dizendo que em minha área, Santa Catarina e Pa- raná, reinava plena tranqüilidade, que não havia qualquer perturba- #



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ção, e que, se algo ocorresse, eu estava capacitado a manter a or- dem. Dei conhecimento desse telegrama ao ministério, no Rio de Janeiro. Aí, evidentemente, entrei na lista negra. É claro que o gene- ral Jair náo gostou e reagiu depois indiretamente, maquiavelica- mente.

Quando houve o plebiscito e o Jango derrubou o parlamenta- rismo, o general Jair, como prêmio por suas atitudes - acho que era a promessa que ele tinha -, foi nomeado ministro. Assumiu o ministério e pouco depois recebi um telegrama dele com este teor: "Estando remanejando os comandos do Exército, consulto o prezado camarada se aceita cargo de subdiretor da Diretoria da Reserva". Era uma diretoria aqui no Rio, insignificante, que cuidava dos inte- resses e dos problemas do pessoal da reserva. O cargo mais insignifi- cante que existe para um general. Passei uma noite remoendo. O que iria fazer? Fiquei pensando nas diferentes soluçôes e, por fim, resolvi enviar um telegrama dizendo que, como general, estava pron- to para desempenhar qualquer função do meu posto. E aí ele me no- meou subdiretor da Reserva, no Rio. Amigos meus, inclusive o Sega- das, que chefiava o Departamento de Administração, conseguiram mudar minha classificação. Havia uma vaga de general nesse departa- mento e fui ser o seu subchefe. Era um cargo burocrático, mas bem melhor que o da Diretoria da Reserva, para o qual o general Jair me havia indicado. Eu estava na Diretoria de Administração quando houve a Revolução de 64.

O senhor mencionou as reuniões do general Jair Dantas Ribeiro com os sargentos. Qual era o objetivo dessa aproximação com as camadas hierarquicamente inferíores do Exército?

Eles queriam captar o apoio da classe dos sargentos para uma eventualidade. Se os oficiais fizessem algum movimento, pode- riam ter a oposição dos sargentos e ser neutralizados. O sargento, dentro da estrutura militar, é uma figura de valor porque é quem tem contato mais direto com o soldado. Mas a situação geral era confusa. Aquela revolta dos sargentos em Brasília, em setembro de 1963, nunca ficou muito clara. Qual era o objetivo real daquele mo- vimento? Nunca foi devidamente esclarecido. Era o problema do vo- to dos sargentos, da eleição de sargentos... O que houve foi que o #

Jango não combateu a revolta, mas o Exército combateu e liquidou o movimento.

E o Comando Geral dos Trabalhadores? Como era visto na época?

No fundo era uma organização política muito de esquerda. Não era uma organização que visasse diretamente, honestamente, à situação do trabalhador. Havia muita demagogia, muito interesse de voto partidário. Era um foco comunista, sob a capa de ser uma or- ganização de proteção dos trabalhadores. Na realidade seu objetivo era mais político. Quando os marinheiros se revoltaram em 1964, onde foram se acolher? Onde se reuniram em assembléia? No Sindi- cato dos Metalúrgicos. Por que é que foram para o Sindicato dos Metalúrgicos?

O senhor vê aí alguma semelhança com 35? Por que a esquerda era tão influente?

Em 35 houve muito menos subversão. Não havia CGT. A ação comunista era muito menor, apesar de, nessa época, o comunismo russo já se encontrar em plena expansão. Havia a influência da União Soviética mantendo uma representação clandestina no Brasil. A corrente comunista existia, mas não era tão influente e ativa co- mo foi depois. A Rússia tinha participado da Segunda Guerra, sofri- do a invasão nazista, mas no fim, vitoriosa, disputava a supremacia com os Estados Unidos. Nós, todavia, estávamos francamente partici- pando da ação anticomunista, vinculados à política do Ocidente, à política dos Estados Unidos.

Há vários fatores que explicam essa influência do comunismo no Brasil. É resultado da situação do país: do seu atraso, das doen- ças, do analfabetismo, do problema social, do egoísmo das classes dominantes, da má distribuição de renda. O clima interno é favorá- vel à doutrina porque ela oferece o céu na terra e muita coisa mais. É uma utopia que, para o indivíduo descontente e sofredor, ou para o sujeito desligado da realidade, para o sonhador, é considerada pos- sível. É uma utopia principalmente porque não considera as peculia- ridades da natureza humana, que fazem do homem um eterno insa- tisfeito, querendo sempre mais e, na generalidade das situações, não levando em conta o bem dos seus semelhantes. Muitos não pen- #

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savam assim e se deixavam levar pela doutrina comunista, aparente- mente igualitária. Outros foram comunistas por recalques, por insu- cessos da vida, por frustrações. Quando o comunista está convenci- do do acerto da sua doutrina, não há ninguém que o convença do contrário. É uma doença incurável. #

9 - A conspiração contra João Goulart

As conspirações contra João Goulart começaram logo no momento da posse?

Desde a posse. O regime parlamentar não funcionava. Estava o Tancredo Neves como primeiro-ministro, e o Jango fazia questão de assistir às reuniões do ministério, influindo de certa forma nas decisões do primeiro-ministro, que era condescendente. Quando o Tancredo renunciou, o ministério se dissolveu. Aí surgiu o problema da formação do novo ministério. Quantos ministérios Jango tentou fazer? Quantos primeiros-ministros foram por ele indicados e quan- tos foram rejeitados? Aí o regime parlamentar se deteriorou, e isso era o que o Jango e seus mentores queriam para retornar ao presi- dencialismo. Tendo que aceitar a imposição do parlamentarismo, Jango ficou diminuído. Restaurando o presidencialismo, recuperou sua posição, embora em detrimento da vida nacional.53

53 O governo parlamentarista de João Goulart teve três gabinetes, chefiados sucessiva- mente por Tancredo Neves (8 de setembro de 1961 a 26 de junho de 1962), Brocha- do da Rocha (10 de julho a 14 de setembro de 1962) e Hermes Lima (18 de setem- bro de 1962 a 24 de janeiro de 1963). A volta ao presidencialismo se deu por deci- são do plebiscito realizado em 6 janeiro de 1963. #



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Qual sua opiníão pessoal sobre João Goulart?

Pessoalmente só tive um contato, quando ele chegou a Brasília em 1961, de avião, para tomar posse. Houve naquela época alguns problemas com a Aeronáutica. Primeiro foi a "Operação Mosquito", cujo objetivo óbvio seria abater o avião. Depois quiseram impedir o pouso em Brasília, colocando tonéis na pista. Eu reagi dizendo: "Não permito. Já que resolveram dar posse, ele toma posse. Vamos cumprir aquilo com que nos comprometemos". Fui ao aeroporto, de onde foram retirados os tonéis, e esperei o avião. Recebi Jango jun- to com o presidente Mazzilli e fomos deixá-lo na Granja do Torto. No automóvel, ao se despedir, Jango me disse: "Preciso ainda con- versar com o senhor". Respondi: "Quando o senhor quiser". É claro que ele não me chamou nunca, nem eu fui procurá-lo. Eu não tinha qualquer interesse nessa conversa.

A conspiração começou a tomar maior vulto quando o Jango derrubou o parlamentarismo, foi para o presidencialismo e passou a ser dominado pelo Dante Pellacani e uma série de outros líderes sindicais que mandavam e desmandavam. Vieram mais tarde o comí- cio da Central do Brasil, com as reformas de base, e a revolta dos marinheiros. Um fato grave foi a posição dos fuzileiros navais, com o almirante Aragão, que era comunista. Por fim, houve o compareci- mento ao Automóvel Club, para uma reunião com os sargentos.54 O clima tornou-se agitado e tenso, e muitos dos que estavam indeci- sos, como nós dizíamos, "em cima do muro", decidiram-se pela revo- lução.

Quando se anunciou que haveria uma reunião do Jango com os sargentos, alguns companheiros vieram a mim com a proposta de cercar o acesso ao Automóvel Club com elementos de confiança, e assim impedir a realização da reunião. Fui contrário a isso, dizen- do: "Deixem que se faça a reunião; agora, quanto pior, melhor para a nossa causa".

54 O comício da Central do Brasil realizou-se em 13 de março de 1964. Nele João Goulart discursou em defesa das reformas de base e chegou a assinar dois decretos preparando sua implementação. No dia 25 de março um grupo de marinheiros e fuzi- leiros navais participou de reunião que havia sido proibida pelo Ministério da Mari- nha, mas, em vez de ser punido, recebeu o apoio do vice-almirante Cândido Aragão. Finalmente, em 30 de março, o presidente compareceu ao Automóvel Club para uma festa dos sargentos. aos quais prestou solidariedade. #

Como funcionava a conspiração no meio militar? Quem se articula- va com quem? Como eram feitas as ligações?

Tínhamos diversos companheiros e conversávamos muito: meu irmão, meus colegas, Muricy, Ulhoa Cintra, Cordeiro, Sizeno e mui- tos mais aqui no Rio. E nos estados também havia muitos contatos. Tínhamos uma idéia comum, mas não creio que houvesse uma atua- ção planejada. Mamede, no comando da Escola de Estado-Maior, esta- va envolvido. Golbery atuava num quadro maior, junto ao empresaria- do. Lacerda, no meio civil, também estava engajado. O movimento es- tava mais concentrado na área do Rio de Janeiro, com ramificações em Minas, São Paulo, Rio Grande e Paraná.

Conversávamos no próprio Ministério do Exército, nas salas em que trabalhávamos. Os companheiros vinham, trocavam-se infor- mações, mas, como já disse, não havia uma preparação direta do movimento. Achávamos que ia haver um levante geral, como aconte- ceu. É claro que, tendo sido desencadeado o movimento em Minas, embora precipitadamente, tínhamos que dar imediata continuidade. Foi quando se fez o movimento no Rio de Janeiro e quando os ofi- ciais procuraram fazê-lo em São Paulo, embora tivessem inicialmen- te a oposição do Kruel, que era do Jango. Quando o Jango chegou em Brasília em 1961 para assumir o governo, o Kruel veio junto com ele. Depois se tornou um controlador do Exército na Casa Mili- tar da Presidência. Viu que o movimento tinha proporções muito grandes e resolveu entender-se com o Jango para que dissolvesse o CGT e abandonasse a esquerda e o comunismo. Como o Jango não cedeu, teve um pretexto para aderir à revolução.

Seus irmãos Orlando e Henrique apoiaram o movimento?

Orlando apoiou. Estava fazendo o curso na Escola Superior de Guerra, era a favor da revolução e conspirava. Henrique foi parti- dário da revolução, mas já estava na reserva, no Rio Grande do Sul, plantando trigo. Foi para a reserva como coronel porque se de- sentendeu com o Lott e a partir daí passou a trabalhar com os fi- lhos. Já a participação do Orlando foi ativa. Não tinha comando, mas os amigos do seu círculo, todos eles conspiravam. Ele se enten- dia muito comigo. Cada um de nós, além dos amigos comuns, tinha outros amigos e companheiros com os quais conversava, trocava in- formações, inclusive de natureza pessoal, e analisava o desenvolvi- mento da situação. #

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Orlando havia sido chefe de gabinete do ministro Denys na época da renúncia do Jânio. Evidentemente, era muito ligado ao Denys contra a posse do Jango e ficou muito marcado por isso. Bri- zola, como já narrei, alardeava que na época o Orlando tinha man- dado bombardear o palácio do governo em Porto Alegre, o que era uma invencionice. Não tinha nenhum fundamento. Mas ele ficou marcado e passou todo o governo do Jango sendo preterido nas pro- moções a general-de-divisão. Só foi promovido na última promoção que o Jango fez. Não sei se o promoveram achando que ele já não tinha capacidade de ação ou já tinha sido castigado suficientemente. Mas ficou numa função secundária, de diretor de Engenharia. Ape- sar de tudo, resolveu resistir, não se transferindo para a reserva, in- clusive para participar da revolução.

Na preparação da revolução, Golbery teve uma ação impor- tante. Já estava na reserva, e os empresários de São Paulo e do Rio criaram uma organização que se chamava Ipes,55 da qual ele se tor- nou executivo. A classe empresarial começou a se envolver no pro- blema. Alguns governadores também começaram a participar da conspiração, como Magalhães Pinto, Ademar de Barros, Lacerda, Me- neghetti. O movimento cresceu muito, inclusive porque houve mobi- lização das mulheres e do clero. Realizou-se a célebre marcha da Igreja pela família,56 que foi um movimento grande em São Paulo e no Rio. Não estou de acordo quando se considera essa revolução um golpe militar. Realmente foi um movimento político, militar e po- pular. Foi um movimento quase que espontâneo.

O senhor chegou a ter algum contato com o Ipes?

Não com o Ipes, mas com o Golbery. Não conheço o Ipes. Sei que, congregando o interesse da classe empresarial, difundia a idéia de um movimento contra o Jango. O Ipes era um meio de comunica-

55 O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais foi lançado em novembro de 1961 e ofi- cialmente fundado em 2 de fevereiro de 1962. Reunia empresários contrários às ori- entações políticas de esquerda. 56 A Marcha da Família com Deus pela Liberdade realizou-se em São Paulo em 19 de março de 1964, com o objetivo de sensibilizar a opinião pública contra o governo. Também no Rio foi organizada uma Marcha da Família, mas em 2 de abril, quando já havia caído o governo João Goulart. #

ção, de difusão. Tinha adeptos em São Paulo, no Rio, em Minas, no Paraná, em toda parte.



Os contatos dos militares com os empresários se faziam principal- mente através do general Golbery. E com os políticos?

Com os políticos também se conversava, mas não com todos, porque, por vezes, havia receio de inconfidências. Em Minas, creio que os maiores contatos com os políticos foram feitos pelo general Guedes. Em São Paulo, era o Cordeiro quem conversava com Ade- mar de Barros. No Sul havia o Meneghetti, no Paraná o Nei Braga, e aqui no Rio a turma lacerdista: Sizeno e outros.

O senhor teve algum contato com o pessoal do Ibad?57

O Ibad era uma organização política, uma articulação que pre- tendia a predominância no Congresso. Meus contatos naquela época eram exclusivamente na área militar. Um dos nossos problemas era escolher o chefe da revolução. E o homem mais indicado, pelo no- me, pelas qualidades pessoais, era o Castelo.

Como se deu a conversão do general Castelo à conspiração?

Castelo sempre tinha sido legalista. Na Revolução de 24, ele combateu os revolucionários. Mas foi vendo o quadro nacional se de- teriorando com o Jango, tinha tido suas desavenças com o Lott, e aos poucos, depois de muita conversa, veio para a área da revolução. Quem o convenceu a participar da revolução, no meu entender, foi o Ademar de Queirós, que era seu amigo fraternal. Ademar era um tem- peramento completamente diferente do Castelo e tinha sido sempre revolucionário, pelo menos a partir de 1930. Foi contra o Lott no gol- pe de novembro de 1955, sofreu no exílio em Mato Grosso e lá foi punido disciplinarmente. Era francamente revolucionário e foi aos poucos catequizando o Castelo.

57 O Instituto Brasileiro de Ação Democrática foi fundado em maio de 1959 com o propósito de combater o comunismo no Brasil. Nas eleições de 1962, patrocinou can- didatos de oposição ao governo de João Goulart.

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Muitos de nós não gostávamos do Castelo na vida militar inclusi- ve eu e meu irmão Orlando, por causa do seu feitio, por ser irônico. Ele tinha sido instrutor do meu irmão Henrique na Escola de Estado- Maior, e Henrique lhe fazia críticas, não sei se fundadas. Orlando tam- bém serviu com ele na Escola de Estado-Maior e lá, uma ocasião, eles se desentenderam. Quando eu era chefeh de gabinete da Diretoria de Motomecanização com o general Álcio Souto, Castelo várias vezes quis me levar para ser instrutor da Escola de Estado-Maior, de que era co- mandante. Estava organizando na Escola um novo curso sobre o em- prego de grandes unidades blindadas, curso esse que eu tinha feito em Leavenworth, nos Estados Unidos, e me convidou para dirigi-lo. Eu disse: "Sirvo aqui numa função de confiança com o general Álcio Souto. É preciso que o senhor se entenda com ele. Se ele concordar, eu vou". Álcio Souto disse-lhe que não, que não abria mão da minha colaboração. Tempos depois, Dutra foi eleito e Álcio foi ser chefe da Casa Militar, saindo da Diretoria de Motomecanização. Castelo voltou à carga junto ao Álcio: "Agora o senhor vai sair, o major Geisel vai fi- car liberado, e renovo o convite para que ele vá para a Escola de Esta- do-Maior". O Álcio respondeu: "Não! Ele aqui me ajudava e para onde eu for ele vai também, para me ajudar. Vai comigo para a Secretaria do Conselho de Segurança". Ou seja, duas vezes Castelo me convidou.

Castelo tinha alguns generais amigos, contrários a nós e liga- dos ao sistema Jango. Eram Cunha Melo, Henrique Moraes e Napo- leão Nobre. O Ademar de Queirós foi a ele, já na conspiração, e dis- se: "Castelo, você tem que se livrar desse pessoal, que é do Jango, e procurar gente capaz que possa assessorá-lo". Ele perguntou: "É, mas quem?" E o Ademar, que era meu amigo, disse: "Tem o Geisel e o Golbery". Castelo: "Mas eles não vão querer. Eles querem?" Aí o Ademar foi me procurar. Passamos algumas horas conversando, ele procurando me convencer. Eu não queria aceitar mas acabei indo trabalhar com o Castelo e por fim me dei muito bem com ele. Hou- ve um período inicial de falta de intimidade e de uma certa descon- fiança recíproca, mas ao fim de algum tempo, após alguns meses de convivência, nós nos entendíamos muito bem.

Por que o senhor achava que o general Castelo era a pessoa mais indicada para chefiar o movimento?

Era o general que tinha mais nome no Exército, ocupava a che- fia do Estado-Maior do Exército e estava sendo trabalhado pelo Ade- #

mar. Fez uma conferência na Escola das Armas muito interessante, em que caracterizou a posição do Exército e sua responsabilidade no problema da ordem interna, já aí implicitamente considerando a atuação nociva do governo Jango. Essa conferência foi o divisor de águas. A partir dali Castelo passou a integrar o setor revolucionário, embora muito discretamente. Íamos ao Estado-Maior conversar com ele. Éramos todos generais, embora de graduações diferentes. Ele contava pouca coisa e só perguntava: "O que há de novo? O que vo- cês contam?" Mas não dizia como via os acontecimentos.

guando o general Castelo aderiu à conspiração, quem formava o estado-maior revolucionário?

Não havia um comando único. Em Minas estava o Mourão, que atuava de modo independente. Havia o Costa e Silva, que en- trou na revolução muito por influência do Jaime Portela. Havia ain- da o Cordeiro, que andava por São Paulo e Paraná. Não havia um comando único da revolução, mas para o nosso grupo, no qual esta- vam Ademar, Mamede, Muricy Cintra e Orlando, como principais, o chefe era o Castelo. Para outros, porém, não era: era o Costa e Sil- va. Castelo, repito, era legalista e foi entrando na conspiração à me- dida que viu o governo do Jango se deteriorando, sobretudo após o comício da Central, à medida que cresceram as indisciplinas na área militar, dos sargentos e marinheiros. Isso influiu muito nele, cujo espírito militar era muito arraigado. Havia muito tempo, desde o Lott, ele estava vendo o quadro político piorando. Havia vários problemas muito graves, entre eles o comunismo, inclusive pela sua infiltração nas Forças Armadas.

Como Costa e Silva entrou na conspiração?

Não conheço os detalhes, mas acho que Costa e Silva, no co- meço, não era revolucionário. Ele deve ter sofrido muito, como já disse, a influência do Jaime Portela. Quando se convenceu de que a revolução vinha, achou evidentemente que era melhor estar com ela. Eu conhecia o Costa e Silva, tinha relações com ele, e sabia que era muito amigo do Amaury Kruel, desde o Colégio Militar, e o Kruel era muito amigo do Jango. Castelo também tinha sido muito amigo do Kruel, mas na campanha da Itália se desentenderam e passaram a ser, de certa forma, adversários. #



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O senhor acha que Costa e Silva "pegou a cauda do cometa"?

É possível. Há um fato que observei em relação ao Costa e Silva e que me deixou, na época, cismado com ele. Eu era general e coman- dava a Artilharia no Paraná. Meu quartel-general ficava num antigo quartel e abrigava uma série de pequenas unidades: certos serviços re- gionais, a companhia do comando da região militar, a companhia de manutenção motomecanizada, além do serviço de abastecimento de combustíveis. Costa e Silva havia ido em férias ao Sul de automóvel, passou por Curitiba e se abasteceu nesse posto dentro do meu quar- tel. Tinha, como já disse, relações comigo. Várias vezes na vida militar tínhamos nos encontrado, ele era adido militar na Argentina quando estive lá com o general Góes e tivemos então muitos contatos. Ele abasteceu o carro e foi incapaz de entrar no meu gabinete, onde eu me encontrava, para me fazer uma visita, conversar comigo. Foi embo- ra. Eu soube que ele tinha estado lá porque no dia seguinte me disse- ram: "O general Costa e Silva esteve ontem aqui abastecendo o carro". Pensei: "Por que ele não me procurou? Por que não foi falar comigo, apesar das nossas relações pessoais? Será que é porque eu estou no índex?" Não sei. Nunca procurei explicar isso, também nunca pergun- tei a ele. Mas ficou no meu subconsciente uma desconfiança.

Qualfoi o papel dos coronéis na conspiração?

Muitos estavam mais ou menos envolvidos, mas só atingiram projeção depois. Andreazza, por exemplo, era oficial de infantaria, amigo do Golbery. Depois virou para o outro lado, foi para o gabine- te do Costa e Silva e aí se fez. Foi um dos campeôes da candidatu- ra do Costa e Silva para presidente da República. Mas antes disso já era um oficial bem conceituado, inclusive como instrutor.

Os coronéis não fariam a revolução sozinhos?

Alguns poderiam. Mas quase todos, no Rio, se uniram ou ao Castelo ou ao Costa e Silva. Nós procurávamos fazer a revolução, tanto quanto possível, dentro da hierarquia, para preservar a autori- dade militar. Daí a chefia do Castelo, a posição do Costa e Silva e do Cordeiro. Isso caracterizaria um movimento que, nós achávamos, correspondia aos anseios do Brasil, do povo brasileiro. Não era uma aventura. Tinha base sólida. #


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