História do brasil moderno ernesto geisel



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Havia muitos problemas no país por essa época: reconstitucio- nalização, eleições de governadores nos estados... Havia questões no Rio Grande do Sul e principalmente em Pernambuco. Fiz duas ou três viagens a Pernambuco, onde o interventor federal tinha um sé- rio desentendimento com o general comandante da região militar.35 Eu ia conversar com os dois, para ter uma visão perfeita das diver- gências que alimentavam e verificar seus fundamentos para poder concluir e opinar. De volta ao palácio com minhas informações, o presidente Dutra, depois do meu relatório verbal, virava-se para mim e dizia: "Agora o senhor escreva isso". Queria o relatório por escrito, não somente para o arquivo, mas também para fixar minha

34... Plano Salte das primeiras letras de saúde, alimento, transporte e energia) foi apresentado ao Congresso por mensagem presidencial em maio de 1948 e só foi apro- vado dois anos depois,. embora representasse o programa a ser executado de 1949 a 1953. 35 Com o fim do Estado Novo, Pernambuco viveu um período de instabilidade políti- ca. Até a posse de Barbosa Lima Sobrinho como governador eleito em janeiro de 1948, o estado teve quatro interventores. #



responsabilidade. Na última vez que fui a Recife, o presidente e o ge- neral Álcio estavam em Petrópolis. Era verão, eu ia entrar em férias e pretendia ir num avião da FAB para Porto Alegre, com a dona Lucy. Um telefonema de Petrópolis do general Álcio pôs o presidente na linha: O senhor vá a Pernambuco porque há novas divergências entre o general comandante da região e o interventor. O senhor vá lá examinar o assunto". Telefonei para a Lucy: "Olha, Lucy desarru- ma a mala que eu não vou mais. . . " Ela ficou zangada: "Estão te ex- plorando!"

Fui para Pernambuco. A crise entre o general e o interventor era uma coisa extremada, uma verdadeira briga, inclusive com cóce- gas de prestígio e de mando - uma situação intolerável. Era a épo- ca em que eram candidatos a governador Cleto Campelo, pela UDN, e Barbosa Lima, pelo PSD. Quando voltei fui a Petrópolis conversar com o general Álcio e depois com o presidente Dutra. Resultado: o presidente mandou chamar o general Canrobert, que era o ministro da Guerra, e o ministro da Justiça, para exonerar os dois: o inter- ventor e o general comandante da região. Eram inconciliáveis, e a divergência estava criando um clima de desassossego na área.

Houve alguma participação do Conselho de Segurança Nacional no fechamento do Partido Comunista?

No que se refere ao Partido Comunista, houve várias perturba- ções populares no Rio que o Conselho controlou. Quem lutou muito para extinguir o Partido Comunista foi o general Álcio, que era um radical nessa questão. Quando o presidente fechou o partido, Pres- tes e vários outros comunistas eram parlamentares e tiveram seus mandatos cassados.36

De um modo geral, os militares queriam o fechamento do Par- tido Comunista. Era a repercussão da Revolução de 35. A posição da Rússia na guerra, praticamente como aliada do Brasil, favoreceu a expansão do Partido Comunista, que cresceu muito, inclusive du-

36 Nas eleições de dezembro de 1945, o PCB elegeu, para a Assembléia Nacional Constituinte, 14 deputados e um senador (Prestes). Seu candidato presidencial Iedo Fiúza obteve 10% dos votos contra 55% do general Eurico Dutra. O partido teve seu registro cancelado em 10 de maio de 1947, e os mandatos de seus representantes fo- ram cassados em 7 de janeiro de 1948. #

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rante o "queremismo" e a candidatura presidencial do engenheiro Fiúza. Em 1945 Getúlio anistiou os comunistas de 35, soltou o Pres- tes, e os dois apareceram juntos num comício. No Congresso, como senador, Prestes declarou que numa guerra entre o Brasil e a União Soviética combateria ao lado das forças soviéticas. E a reação a tu- do isso foi radical.

O Conselho de Segurança se interessava por questões da Consti- tuínte?

Não discutíamos no Conselho o que lá se passava. Preocupa- vam-nos, apenas, a saída da ditadura e a reconstitucionalização do país. O que se debatia lá na Constituinte não nos motivava. Tomáva- mos conhecimento apenas pelos jornais. Tampouco participávamos da organização partidária. Eu era essencialmente militar, não me preocupava com isso. Também não me interessei pela questão do pe- tróleo. Houve debates no Clube Militar a esse respeito com o general Horta Barbosa e outros, mas não participei de nenhum. Na época existia o Conselho Nacional do Petróleo, cuja criação foi patrocinada pelo general Góes, considerando as dificuldades de abastecimento desse combustível durante a guerra. Depois, o próprio General Góes criticava o Conselho do Petróleo, achando que era inoperante... Eu não me envolvia em assuntos políticos e outros que não fossem de natureza militar, mas sei que havia muita radicalização, principalmen- te em torno do petróleo.37

Em 1947 o senhor deixou o Conselho de Segurança e foi ser adi- do militar no Uruguai.

Sim. Em abril de 1947, o general Álcio me disse: "Arrume a sua mala, para ser adido militar no Uruguai". Tirei minhas férias e depois fui ser adido em Montevidéu, onde passei dois anos e meio com minha família.

37 O Conselho Nacional do Petróleo foi criado em 29 de abril de 1938. recebendo am- plos poderes para controlar as atividades ligadas à produção, ao refino e à comercia- lização do petróleo. Em fevereiro de 1947, o presidente Dutra designou uma comis- são, sob sua direção, para elaborar o Estatuto do Petróleo. Aberta a discussão sobre a participação do capital estrangeiro na indústria petrolífera, tomou corpo uma rea- ção nacionalista que produziu conferências e debates no Clube Militar. Foi essa a ori- gem da campanha "O petróleo é nosso", em meio à qual foi criada a Petrobras. #

Esse posto era considerado um prêmio?

Em parte, sim. Os adidos são selecionados às vezes em fun- ção de relações com chefes, outras vezes em razão do mérito mili- tar. Em qualquer caso, são oficiais destacados entre seus pares e que, antes de partir para as novas funções, fazem um estágio de adaptação e são obrigados a apresentar um trabalho escrito sobre te- ma militar relativo ao país para o qual foram nomeados.

De modo geral, a nomeação era um reconhecimento das quali- dades do militar para desempenhar essa função. Aí entravam as suas performances dentro do Exército, o que ele tinha produzido, o que tinha realizado, sua conduta. Outro argumento era a constitui- ção da família, por causa da representação social. Hoje em dia pare- ce que há critérios fixados para a escolha, mas o relacionamento pessoal continua a ter grande peso. fui adido por influência do gene- ral Álcio, senão não teria sido, naquela ocasião. Quando ele me indi- cou, argumentei que podia continuar na Secretaria do Conselho de Segurança, que tinha ainda muito tempo no Exército para ser adi- do, ao que ele me respondeu: "Não, você agora tem empresário, futu- ramente pode não ter" - o empresário era ele. Possivelmente já es- tava sofrendo da doença de que veio a falecer.

O Uruguai naquela época não tinha nenhuma relevância mili- tar para nós. Era importante por causa do Perón. Os uruguaios, que eram governados pelo Partido Colorado, viviam preocupados com o Perón, e ali tínhamos mais possibilidades de obter informa- ções sobre a situação na Argentina do que o adido que estava em Buenos Aires. Muitas informações sobre a Argentina eu recebia atra- vés de uruguaios, dependendo do grau de confiança e de relaciona- mento que tinham comigo.

A vida de adido no Uruguai era movimentada. O país era mui- to interessante e seu povo era hospitaleiro. Viviam uma fase de apo- geu, com comércio livre, muita importação. Era o país da liberdade, e ainda estava sob a influência do estadista Battle, que queria fazer do Uruguai a Suíça da América. A vida social era intensa. Havia dias em que éramos convidados para um almoço, um coquetel e, por fim, um jantar. Eles eram muito impontuais. Uma vez fui convi- dado para um jantar que seria às nove horas da noite, e quando cheguei com a Lucy fui recebido por alguém que me disse que a se- nhora da casa ainda estava na cidade fazendo compras. O jantar co- meçou a ser servido às 22 horas. Houve um almoço na embaixada,

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em que a principal convidada era uma senhora da alta sociedade, que só chegou às três horas da tarde. E o almoço estava marcado para meio-dia e meia. . . A impontualidade era a regra e eu era uma vítima, porque sempre fui pontual. Mas era uma boa gente, e nos re- lacionamos muito bem.

Eu trabalhava de manhã e de tarde. Lá só tínhamos um adido residente que era eu, e por isso meu relacionamento era não só com o Exército, mas também com a Marinha e com a Aeronáutica. Nós, adidos de vários países que lá serviam, aliviávamos os nossos problemas, inclusive do ponto de vista financeiro, criando uma asso- ciação dos adidos - os americanos, os argentinos, o mexicano, eu e outros mais. Geralmente, quando dávamos uma recepção, o fazía- mos em conjunto. Quando oferecíamos um almoço, também. Com isso conseguíamos equilibrar os nossos orçamentos. O salário era bom, mas variável em função do país onde servíamos. Era pago em dólar e englobava a representação. O dólar daquele tempo era muito mais valorizado do que o de agora. Eu ganhava 1.600 dólares por mês. Mas era dinheiro!

Esses dois anos e meio no Uruguai foram um período muito agradável na minha vida. Os brasileiros eram bem tratados, fizemos amigos. Fiquei lá com minha mulher, os dois filhos e uma amiga da Lucy, uma dama de companhia que a ajudava com as crianças.

Certa ocasião, o adido da Aeronáutica dos Estados Unidos, que tinha um avião à sua disposição, nos convidou para um pas- seio. Fomos, todos os adidos com as senhoras, a Bariloche, na Ar- gentina. Depois de Bariloche sobrevoamos a cordilheira dos Andes, até Mendoza. Estivemos em Buenos Aires, antes de retornarmos a Montevidéu. Passamos uns 10 ou 15 dias nessa viagem.

Era a primeira vez que o senhor fazía um passeio assim, de la- zer?

Era. Outra ocasião, vim ao Brasil na comitiva do presidente uruguaio em visita oficial ao nosso país. Com ele também vinha o comandante do Exército uruguaio. Foi nessa época que o general Ál- cio faleceu. Fui ao seu enterro.

Fiquei no Uruguai até fevereiro de 1950. Voltei já como tenen- te-coronel e fui servir no Estado-Maior das Forças Armadas como adjunto da 3ª Seção, de operaçôes. O chefe do Emfa era o general Salvador César Obino, que tinha sido meu comandante em Porto #



Alegre. Era um distinto general, muito bom homem, muito correto, muito simples. Quando o general Obino saiu, entrou o general Góes. Aí Getúlio já tinha sido eleito presidente, e Góes tinha ido a Canossa para se reconciliar com ele.

No Emfa não se discutia política mas, de um modo geral, não queríamos a eleição de Getúlio. Pois ele não tinha sido posto para fora do governo por nós?

Getúlio estava associado ao nacionalismo, e havia uma ala mili- tar atuante no Clube Militar que era muito nacionalista.

Sim, sobretudo a ala do general Newton Estillac Leal, que foi então o primeiro-ministro da Guerra do Getúlio. Mas eu não partici- pava dos conflitos de idéias e de posiçôes no Clube Militar. Só fui atuar nas eleições do Clube anos depois. Naquela época era assedia- do pelos meus colegas, mas não participava. Achava que aquilo tu- do era bobagem, sem finalidade objetiva, e que o pessoal estava se envolvendo em campanhas que constituíam um desvirtuamento da função militar. A campanha "O petróleo é nosso", por exemplo, era um desvirtuamento. É claro que o Exército tinha interesse em resol- ver o problema do abastecimento nacional de petróleo, mas não era razão para uma campanha radical, ainda mais uma campanha em que havia envolvimento com políticos.

Votei no general Cordeiro para a presidência do Clube Militar em 1950. Mais tarde, as chapas do Clube passaram a ter uma colo- ração: a da esquerda, comunizante, era amarela, e a outra era azul. Um dos que trabalhavam muito pela chapa azul era o João Figueire- do. Participei depois da campanha em que Castelo foi candidato con- tra Joaquim Justino Alves Bastos. Fui inclusive escrutinador. Passei uma noite contando votos. Cada voto que contava a favor do Caste- lo, um oficial comunista impugnava. Foi uma noite inteira de briga, para apurar duas urnas. No fim nós perdemos.38 Mas eu não me apaixonava por isso. Havia muitos oficiais que também não se envol-

38 A eleição para a presidência do Clube Militar em 1950. marcada pela discussão so- bre o petróleo, foi vencida pela chapa nacionalista. encabeçada pelos generais Newton Estillac Leal e Júlio Caetano Horta Barbosa, que derrotou a chapa dos generais Osval- do Cordeiro de Farias e Emílio Ribas Júnior. Desta última fazia parte. entre outros, o então coronel Humberto Castelo Branco, que anos depois, em 1958, concorreu à pre- sidência do Clube, sendo derrotado pelo general Justino Alves Bastos. #

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viam. Essas disputas em geral eram travadas por grupos radicais servindo no Rio de Janeiro. Grande parte do Exército, entretanto, não estava no Rio. Havia uma grande guarnição militar no Rio Gran- de do Sul e outras mais reduzidas, com efetivos menores, em todos os estados. Essas questões repercutiam nos estados, mas com inten- sidade bem menor. Na capital, a disputa era mais acesa.

Enquanto isso, eu vivia muito mais o problema do Estado- Maior das Forças Armadas. Ali também havia influência comunista. Chefiava uma seção do Estado-Maior o Hercolino Cascardo, que era capitão-de-mar-e-guerra. Era um revolucionário de 24, da revolta do encouraçado São Paulo, e fora interventor do Rio Grande do Norte em substituição ao Aluísio Moura que, como já disse, foi exonerado após minha desavença com ele. Hercolino era um homem da esquer- da, francamente da esquerda. Usava a técnica da obstrução, procu- rando invalidar todas as proposiçôes elaboradas pelas demais se- çôes. Trazia a auréola de grande revolucionário. Acabou sendo exo- nerado do Estado-Maior, em virtude do seu procedimento.

Quando Góes Monteiro assumiu a chefia do Emfa, parece que o se- nhor o acompanhou numa viagem à Argentina. Como foi isso?

O Brasil fez um acordo militar com os Estados Unidos, e os argentinos queriam, por nosso intermédio, conseguir algo semelhan- te. Começaram a insistir, por meio do Luzardo, que era nosso em- baixador em Buenos Aires, e Getúlio acabou mandando o Góes em missão para conversar com os generais argentinos. Eu era tenente- coronel, oficial do Estado-Maior, e fui com ele. Na viagem, éramos Góes com a senhora, eu e dois ajudantes-de-ordem. Passamos vá- rios dias em Buenos Aires recebendo homenagens, Góes conversan- do muito, mas não resolvendo nada objetivamente com os argenti- nos, apenas tranqüilizando-os. Quando chegamos lá, puseram um médico à disposição dele. O médico foi examinar o coração do Góes e ficou preocupadíssimo, achou que ele poderia morrer a qualquer momento. Andávamos, por isso, com muito cuidado durante a via- gem. Visitamos Evita, que já estava muito doente, com leucemia. Pe- rón mantinha-se ainda exuberante no poder.

Durante a Segunda Guerra Mundial Perón foi germanófilo. Fi- cou neutro no conflito. Havia, da nossa parte, uma preocupação com a atitude da Argentina, que passou a ser considerada um possí- vel inimigo potencial na América do Sul. Mas depois da guerra os #



argentinos ficaram mais ligados a nós, de certa forma por causa do Getúlio e da atuação do embaixador Luzardo. Alega-se, mas isso nunca ficou comprovado, que Getúlio, antes da sua eleição, havia as- sumido altos compromissos com Perón.

Tive nessa viagem, que foi de navio, longas conversas com Góes sobre os homens e as coisas do Brasil. Góes era uma figura polêmica, mas se preocupava muito com a profissionalização do Exército. Não sei se ele era dispersivo ou o que era, porque na reali- dade não conseguia levar a bom termo o que idealizava. Talvez por- que a rotina fosse muito grande e a displicência fosse geral.

O quefazia o Emfa nesse período?

Tratava de questões de segurança, organização, eficiência e em- prego das Forças Armadas. E, principalmente, da coordenação des- sas forças, o que era muito importante porque, não existindo um Mi- nistério da Defesa, mas três ministérios, cada um cuidando de si sem maior vinculação com os outros, era necessário a interferência de um órgão capaz de assegurar, através do planejamento, a conjuga- ção de esforços. O Conselho de Segurança Nacional também tratava dos problemas de segurança, tendo em vista a participação dos mi- nistérios civis. Procurava coordenar a participação dos ministérios civis nas questões de segurança nacional, dentro do conceito de guerra total: da guerra que não é apenas das Forças Armadas, mas de toda a nação. Essa noção de guerra total foi uma conseqüência da Primeira Guerra. Foi quando as guerras deixaram de ser essen- cialmente das Forças Armadas e passaram a envolver toda a nação.

Qual era o papel da Escola Superior de Guerra naformulação da doutrina de segurança nacional?

A Escola Superior de Guerra foi criada quando o general Obi- no era chefe do Estado-Maior e eu ainda estava no Uruguai. Foi es- colhido para organizá-la o general Osvaldo Cordeiro de Farias, que foi o seu primeiro comandante.39 A ESG resultou desse conceito de guerra total.

39 A Escola Superior de Guerra foi criada em outubro de 1948. Seu primeiro coman- dante foi Cordeiro de Farias, de 1949 a 1952. #



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Na organização da Escola e do seu programa de trabalho, tive-

mos a colaboração e a influência americanas. No início, a Escola

contava com alguns oficiais americanos que funcionavam como assis-

tentes. Matriculavam-se militares e civis, todos devidamente selecio-

nados. Os civis eram voluntários, mas aceitos pela sua qualificação

profissional, pelas funçôes que exerciam na vida nacional, na indús-

tria, no comércio ou no próprio governo, inclusive no Itamarati. Rea-

lizava-se ali um intercâmbio entre militares e civis, e eram aborda-

das múltiplas questões, não tanto de estratégia militar, mas da vida

nacional, da preparação do país para enfrentar uma guerra, do de-

senvolvimento, da mobilização, dos transportes etc. Esses assuntos

todos eram ventilados através de conferências com debates e traba-

lhos de grupo.

Fui matriculado na ESG em 1952. Fazíamos o curso, mas tam-

bém pertencíamos ao corpo permanente da Escola. No corpo perma-

nente serviam oficiais da Marinha, da Aeronáutica e do Exército. Do

Exército, nessa ocasião, estavam lá entre outros Muricy, Golbery-

foi quando eu me reencontrei com ele -, Mamede e Rodrigo Otávio.

Discutimos muitos problemas para formular os programas, as apos-

tilas, para organizar as conferências etc. Havia diversos conferencis-

tas selecionados, tanto civis como militares. San Tiago Dantas era

um deles. Normalmente trabalhávamos em equipe, e havia discus-

sões acaloradas, principalmente com Rodrigo Otávio. Geralmente,

Golbery Mamede e eu tínhamos um ponto de vista comum, mas Ro-

drigo Otávio divergia. Então discutíamos e dificilmente chegávamos

a um acordo.

No fim do ano estava previsto um exercício, no conjunto da tur-

ma, sobre segurança nacional, que se prolongaria por vários dias.

Nosso comandante já era o Juarez. Cabia a nós, do corpo permanen-

te, organizar as bases desse trabalho. Era um exercício que envolvia

planejamento. Eu e Golbery de um lado, e Rodrigo Otávio de outro,

passamos toda uma noite discutindo. Tínhamos duas soluções, a nos-

sa e a dele. Não houve maneira de chegarmos a um acordo. No dia

seguinte de manhâ, quando o Juarez chegou na Escola e nos inda-

gou sobre o trabalho, informei-o sobre a nossa divergência. Disse-lhe

que tínhamos um projeto, e Rodrigo Otávio outro. Não havia muito

tempo disponível, porque daí a uma hora o tema devia ser apresenta-

do ao conjunto de estagiários. Juarez decidiu pela nossa proposição.

O exercício foi realizado durante toda a semana e foi muito provei-

toso.

Acho que a ESG foi importante porque conseguiu transmitir pa- ra uma boa parte do setor civil, mais responsável, informações e es- tudos sobre o problema da segurança do país, mostrando que aque- le náo era um problema só dos militares, mas de toda a nação. Os militares são responsáveis em parte pela segurança nacional, mas nu- ma eventualidade de guerra, de ameaça à segurança do país, sua ação é limitada. É a maioria da nação que vai dar os meios, os re- cursos etc. para defender o país. Havia a noção no Brasil, e talvez ainda haja na cabeça de muita gente, de que a guerra é um proble- ma só dos militares. No entanto, a guerra é também um problema dos políticos, dos economistas e das demais forças vivas da nação. Assim como se mobiliza o pessoal para ir para a guerra, para ser soldado, há mobilização civil no setor de indústrias, no setor de pro- dução agrícola etc. A mobilização é de todos, para assegurar a vida nacional e permitir fazer a guerra e vencê-la. A ESG procurou, e acredito que em boa parte conseguiu, conscientizar e mostrar a cer- tos setores civis que, assim como os militares se preparam para a guerra, como profissionais da guerra, da luta em si, os civis também têm que pensar nesse problema. Se é que querem, como devem, se preocupar com a segurança do país. Há muitos temas, não propria- mente militares, mas ligados às áreas civis, que envolvem ou inte- gram o problema da guerra, que eram ventilados na ESG. Procurava- se conscientizar a elite civil de que ela tinha que começar a pensar nessas coisas, porque víamos a perspectiva da guerra dos Estados Unidos com a União Soviética, na qual o Brasil certamente ficaria en- volvido.

A ESG foi a instituição formuladora de uma doutrina de segu- rança nacional, realizando uma integração doutrinária entre o meio militar e o meio civil. Não tinha nada a ver com os problemas emer- gentes, principalmente políticos, que estavam acontecendo no país. Dentro da ESG, nas conferências e nos debates, essas coisas nunca foram discutidas. Se a gestão do Getúlio estava certa ou errada, se Getúlio devia ficar ou não devia ficar, se devia ser deposto, nenhum desses assuntos de política interna entrava ali. Mas é natural que à margem do curso, nas conversas, se debatessem muitos problemas, muitas questões. Discutiu-se muito a orientação do governo Getúlio, a eventualidade da candidatura do Juscelino. E formavam-se grupos e idéias em torno dessas questões e de outras da conjuntura e dos problemas nacionais. #

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Em fevereiro de 1954,foi divulgado o "Manifesto dos coronéis", que representou uma estocada séria no governo de Getúlio.40 Es- se documento saiu da ESG?

Esse manifesto não era da ESG propriamente. Oficiais da Es- cola Superior de Guerra estavam envolvidos, mas o manifesto era um assunto de que muitos outros oficiais do Exército também parti- ciparam. Era uma crítica ao governo pela indiferença com que eram tratados os problemas militares, pelo estado de decadência de mui- tas unidades militares do ponto de vista material e de organização. Era uma crítica geral às autoridades superiores, principalmente do Exército. Era esse o sentido do manifesto. Foi redigido por um gru- po de oficiais, entre eles Golbery e Mamede. Ademar de Queirós, muito meu amigo, era um dos líderes. Quase todos os oficiais da Es- cola assinaram. Eu declarei que não assinaria. Disse: "Não assino, porque acho que isso é um ato de insubordinação. É um ato de in- disciplina do qual não participo. Vocês podem ter toda razão, pode estar tudo muito certo, mas eu não assino". E também ficamos nis- so. Não discutimos. Eu respeitava a posição deles, como eles respei- tavam a minha. Nessa matéria, sempre fui, dentro do Exército, mui- to independente. Nunca fui de grupo. Sempre procurei me manter independente e com as minhas normas de procedimento.


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