Quando Lott pediu demissão, o ministro que tinha sido esco- lhido para o seu lugar era o Fiúza de Castro. Quis tomar posse na- quele dia mesmo, mas o Lott disse: "Não! Vou preparar os papéis, você vem tomar posse amanhã". Naquela noite houve o golpe. De- pois o Fiúza teve um encontro com Lott e aí deu-se um diálogo mui- to interessante. Lott se desculpou por ter enganado o Fiúza naquela ocasião, ao que o Fiúza respondeu: "Não, você me enganou toda a sua vida!" #
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Qualfoi a posição de seu irmão Orlando nesse episódio?
Meu irmão Orlando, em 1955, servia numa unidade do Rio sob o comando do general Denys e foi a favor da ação do Lott e do golpe. Montaram a seguir a censura à imprensa, designaram o gene- ral Lima Câmara para ser o censor, e ele teve o Orlando como auxi- liar. Assim, o Orlando ficou vinculado à área do Lott. Nós estáva- mos em campos opostos, divergindo, mas éramos amigos, embora nossa intimidade não fosse mais tão grande como era antes.
Quando Juscelino tomou posse, pedi demissão da refinaria de Cubatão, no dia 31 de janeiro de 1956. Meu compromisso era ficar ali durante o governo Café Filho, no máximo. Voltei ao Rio, apresen- tei-me, e Lott mandou-me chamar e contou-me a história toda. Tam- bém mandou chamar o Golbery. Tinha sido instrutor do Golbery e gostava muito dele. Praticamente, queria me convencer de que o pro- cedimento que tivera fora certo e, assim, conseguir o meu apoio. Não concordei e lhe disse: "O senhor não podia fazer isso. O se- nhor não podia nunca ser contra o presidente que o nomeou minis- tro. O senhor não podia se insurgir contra Café Filho". Ficamos nis- so. Aí comecei a tratar da minha arregimentação, para completar o tempo que me faltava.
Nessa ocasião Lott me disse: "Andei pensando, vou substituir o comando da Escola Militar, e o senhor podia ser o novo coman- dante". Respondi: "Não posso ser". Ele: "Mas por quê?" Eu: "Porque não fica bem. O comando da Escola Militar é de general e eu sou um coronel relativamente moderno. O senhor vai passar um atesta- do de incompetência a todos os coronéis que estão na minha frente, e não posso servir para isso". Dali a uns dias, ele de novo: "O se- nhor tem razão. Então o senhor vai comandar a guarnição de San- tos". Respondi: "É um lugar para onde eu não posso ir. Porque se eu for para a guarnição de Santos, a minha casa vai estar todos os dias cheia dos engenheiros da refinaria, que vão conspirar contra o novo superintendente. Irão lá me contar as coisas que o superinten- dente está fazendo, dizer que ele está destruindo o que eu fiz, e as- sim por diante. Vão me obrigar a tomar partido na guerra dentro da refinaria. Não devo ir". Ele: "Ah, é, o senhor tem razão". Lott con- seguira colocar na presidência da Petrobras o Janary Nunes, e me perguntou também por que eu não tinha ficado na refinaria de Cu- batão, dizendo que o Janary era muito bom administrador. Minha resposta foi que, sendo eu um coronel do Exército e o Janary ape- #
nas capitão, não ficaria subordinado a ele. Meu sentimento de disci- plina, de hierarquia, não permitia isso. Janary Nunes era capitão ou major da reserva e tinha sido governador do território do Ama- pá, onde criou nome. Achavam que ele era um administrador extra- ordinário, e Juscelino o colocou na presidência da Petrobras.
Essa foi a minha história com Lott. Ele se relacionara bem co- migo quando eu era subchefe da Casa Militar. Ia ao despacho com o presidente Café Filho, mas geralmente, antes ou depois, passava pe- la Casa Militar e conversava comigo.
No início do governo Juscelino houve uma homenagem a Lott, para lhe oferecer uma espada de ouro. O senhor lembra disso?
Houve, e o Castelo foi contrário. Era amigo do Lott, ambos oriundos da infantaria, e haviam estado juntos em Paris, cursando a Escola de Estado-Maior francesa. Quando Lott foi convidado por Juscelino para permanecer como ministro do Exército e resolveu pe- dir a opinião dos generais sobre a aceitação desse convite, Castelo manifestou-se com a opinião de que ele não devia continuar no car- go no novo governo. A partir daí, Castelo passou a ter problemas com Lott, que chegou a puni-lo.
E ofato é que no início do governo Juscelino o senhor voltou para São Paulo.
Sim. Acabei indo para Quitaúna, em fins de março de 1956, para comandar um grupo de artilharia antiaérea e terminar minha arregimentação. Lá tive dois problemas complicados. Um, quando eu já estava no fim da arregimentação, foi o falecimento do meu fi- lho. Era um rapaz muito bom, muito benquisto. Estava fazendo o curso secundário em Osasco, tinha 16 para 17 anos. . . Era muito bom aluno, muito dedicado. Uma tarde, no quartel, havia um jogo de futebol, e ele foi assistir. Foi de bicicleta. Para chegar ao quartel devia atravessar a via férrea. Não havia cancela, nem sirenes ou se- máforos. Não sei se foi imprevidência ou distração dele. Foi atropela- do por um trem em alta velocidade e teve morte instantânea. Foi uma morte estúpida, um drama terrível na nossa vida. Ficou aí uma ferida que custa a cicatrizar. Depois disso, eu não podia mais ficar em Quitaúna, principalmente pela minha mulher. #
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Ocorreu também em Quitaúna um outro problema que revela a mesquinhez do Lott. Havia uma vaga de subcomandante no grupo de artilharia, e ele classificou para essa vaga um oficial que eu já co- nhecera anteriormente, e que, no meu modo de ver, não prestava. Era o Jefferson Cardim de Alencar Osório, reconhecido comunista. Mais tarde, em 64, ele se exilou e, com o apoio do Brizola em Mon- tevidéu, fez uma incursão armada pelo Rio Grande com uma dúzia de malucos como ele. Chegou quase até o Paraná, de onde foi repeli- do e fugiu. Havia acontecido o seguinte. O grupo de artilharia de Quitaúna tinha apoiado o golpe do Lott, e esse foi um dos fatores, talvez um dos mais decisivos, para consolidar sua posição em São Paulo e evitar que Jânio acolhesse os fugitivos e procurasse montar lá um governo dissidente. O grupo tinha muito poder de fogo. Ao la- do havia um regimento de infantaria que aderiu ao grupo e também apoiou Lott. Pouco tempo depois que cheguei, houve uma eleição no Clube Militar, disputada pela chapa amarela e a chapa azul. A cha- pa amarela era a que vinha do Estillac Leal, era a do pessoal da es- querda e do Lott. E a azul era a da Cruzada Democrática. No quar- tel-general da região militar havia uma urna onde cada sócio do clu- be depositava seu voto. A grande maioria dos oficiais votou na chapa azul.47 Eu não tratei desse assunto no quartel, de maneira al- guma, mas foram dizer ao Lott: "O senhor está vendo? O Geisel es- tá há pouco tempo lá e todo mundo já virou, estão todos com a cha- pa azul". Lott resolveu, então, colocar o comunista atrás de mim. Acabei tendo que puni-lo pelas faltas que veio a cometer. Era um ele- mento perturbador na vida do quartel. Eu o conhecia desde quando fui adido militar no Uruguai. Seus assentamentos continham nume- rosas punições. Sua história pessoal também era complicada. Ele ti- rou a mulher de um oficial do Exército uruguaio e se juntou com ela. Lá pelas tantas, pelo que consta, ele "a suicidou" e se casou com a filha dela. História terrível! E essa filha criava problemas em Quitaúna, na Vila Militar, onde residiam os oficiais com suas famí- lias. Tinham dois filhos. Depois de muitas observações que lhe fiz e conselhos que lhe dei, tive que puni-lo, poucos dias antes da morte do meu filho.
47 Ainda assim, nas eleições de maio de 1956 para a presidência do Clube Militar, a chapa amarela, encabeçada pelo general João de Segadas Viana, venceu a chapa da Cruzada Democrática, que tinha à frente o general Nicanor Guimarães de Sousa. #
Terminado o meu tempo de arregimentação, e como eu não queria mais ficar em Quitaúna, vim para o Rio. Fui servir no Estado- Maior do Exército como chefe da 2ª Seção, que trata de informa- ções. Encontrei no Estado-Maior o Golbery, servindo como subchefe na 3ª Seção, a de operações. Estavam no Estado-Maior outros com- panheiros que eram do nosso grupo, entre eles Ednardo d'Ávila Me- lo, que depois eu tive que exonerar do comando do II Exército em São Paulo.
O senhor evidentemente não se identificava com o general Lott, a despeito de suas teses nacionalistas. Inversamente, se identificava com Juarez Távora?
O que nós mais víamos no Juarez era o revolucionário: o revo- lucionário de 22, de 24 etc. Ele tinha muitas idéias com as quais eu não concordava, mas indiscutivelmente era um homem de méri- to, tinha valor. Muitos dos meus camaradas não eram propriamente do grupo do Juarez, não tinham relações pessoais com ele. Golbery por exemplo, tinha apenas relações superficiais.
A propósito da posição nacionalista do Lott e da posição mais internacionalista do outro grupo, que eu apoiava, e da aparente in- coerência da minha posição, posso dizer que esse fator não era leva- do em conta. O que realmente nos preocupava, e era motivo funda- mental da nossa divergência, era a situação interna do país, a influ- ência crescente dos oficiais comunistas, a maneira excessivamente centralizadora de o Lott administrar o Exército, e o governo do Jus- celino, cujo conceito pessoal era muito desfavorável.
Como era o sistema de informações nesse período em que o se- nhor esteve na 2ª Seção do Estado-Maior do Exército?
A 2ª Seção compreendia duas subseções. Uma se preocupava com as informações do exterior, e a outra com informações sobre a situação interna do Exército. Nas informações do exterior, interessa- vam-nos, particularmente, os países da América do Sul. Afora o que a imprensa e outras publicações forneciam, procurávamos estar a par do exército que tinham, seu armamento, sua doutrina militar, conhecer as biografias dos principais chefes, a situação política, os partidos etc. E essas informações geralmente nos eram transmitidas pelos nossos adidos militares - quando eu era adido militar no #
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Uruguai, colhi muitas informações que iam para essa subseção: qual a ordem de batalha, os efetivos, o armamento. Eram elementos necessários para a eventualidade de um conflito armado. Tínhamos também informações dos Estados Unidos, da França, da Inglaterra e de alguns outros países sobre a evolução dos armamentos, a dou- trina militar e a organização. Enfim, tinham-se todas as informações necessárias sobre a evolução militar no mundo e, de modo particu- lar, na América do Sul, e fazia-se para a chefia do Estado-Maior um informe periódico relatando-as. A outra subchefia, que tratava da si- tuação interna do Exército, preocupava-se com o seu estado moral, com os problemas que se manifestavam dentro das suas unidades - questões de disciplina, reivindicações, questões relacionadas com a qualidade do fardamento, do armamento, da alimentação da tro- pa, da instrução, eventuais conspirações, comunismo etc. - preve- nindo, pela informação, qualquer anormalidade que pudesse surgir. Colhiam-se também informações sobre a situação interna do país, eventuais conflitos e perturbações mais graves da ordem. Um rela- tório mensal era dirigido ao chefe e divulgado entre os grandes co- mandos.
O Exército, naquele tempo, tinha duas subchefias. Uma contro- lava a 2ª e a 3ª Seções, de Informações e de Operações, e a outra a 1ª e a 4ª, de Pessoal e de Serviços. As informações da 2ª Seção iam para o chefe do Estado-Maior do Exército, que as transmitia ao minis- tro da Guerra. O chefe do Estado-Maior do Exército quando assumi a 2ª Seção era o general Zeno Estillac Leal, irmão do Newton Estillac Leal. Era um homem muito mais qualificado que o Newton, em cultu- ra e inteligência. Depois foi o general Brayner, que tinha chefiado o Es- tado-Maior da FEB.
Estava em vigor, naquela altura, um acordo do Brasil com os Estados Unidos, segundo o qual estes mantinham na ilha de Fernan- do de Noronha uma estação para controlar um programa de mísseis que lançavam sobre o Atlântico.48 Eram instalações que comporta- vam essencialmente um posto de observação e de coleta de dados. Cabia ao Exército, por intermédio do Estado-Maior do Exército, ou
48 O acordo, assinado em 17 de dezembro de 1956, tinha por base o Tratado Intera- mericano de Assistência Recíproca de 1947 e o Acordo Militar de 1952, e assegurava a permissão do governo brasileiro para que os americanos instalassem uma estação de rastreamento de foguetes em Fernando de Noronha. #
seja, da 2ª Seção, e do Comando Militar sediado em Recife, o contro- le das atividades locais dos norte-americanos e a fiscalização das cláusulas do acordo.
Tínhamos algum contato com as 2ªs seções da Marinha e da Aeronáutica, mas só formalmente. Naquele tempo não havia maior vinculação entre uma força e outra, apenas relaçôes cordiais de ca- maradagem. O inter-relacionamento das três forças era atribuição do Estado-Maior das Forças Armadas.
O Serviço Federal de Informações e Contra-Informações (SFICI)foi criado nessa época?
Esse serviço não existia na minha época. Foi criado quase no fim do governo do Juscelino, e funcionava ligado à Secretaria do Conselho de Segurança. Alguns oficiais, quatro ou cinco, foram enviados à Inglaterra e lá fizeram estágio prático durante alguns me- ses, para aprender o funcionamento de um serviço de informaçôes. O Serviço Federal de Informações tinha atuação especial em relação ao comunismo. Como já mencionei, havia, particularmente no Exér- cito, uma infiltração de oficiais comunistas no gabinete do ministro Lott que, à procura de apoio, começou a se cercar desses elemen- tos. Vários tinham muito valor. Haviam participado da FEB na Itália e lá, em contato com os partigianí, se tornaram comunistas. Ou- tros, porém, já eram comunistas havia mais tempo.
Nessa época o senhor também participou do Conselho Nacional do Petróleo. Como o senhorfoi para lá?
Na época vagou o lugar de representante do Exército no Conse- lho, que era constituído por representantes de várias entidades: Exército, Marinha, Aeronáutica, indústria, comércio etc. - militares e civis. Esses representantes reuniam-se uma vez por semana, uma tarde inteira, e discutiam os problemas supervenientes. Deu-se a va- ga e me nomearam, certamente porque eu tinha dirigido a refinaria de Cubatão. Para mim era função de muito trabalho. Eu recebia muitos processos para relatar, geralmente os mais complicados. Já não havia sábado nem domingo em que eu não ficasse em casa estu- dando processos, fazendo pareceres. A função de membro do Conse- lho era exercida sem prejuízo da que eu tinha no Estado-Maior e era remunerada com umjeton de 200 cruzeiros por sessão. #
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O maior trabalho que enfrentamos foi o problema suscitado pela refinaria de Capuava. Essa refinaria, como a Ipiranga e a de Manguinhos, fora construída por capital privado antes da criação da Petrobras. Ficou então reconhecido o direito de permanecerem fun- cionando nessa condição de empresas privadas. Contudo, estavam proibidas de aumentar a capacidade de refinação com que haviam sido autorizadas a funcionar. Não podiam crescer. E na refinaria de Capuava a tendência era crescer, era aumentar. Quando se viu, em vez de refinar 20 mil barris, que era a sua capacidade legal, estava refinando 31 mil. Aí a Petrobras reclamou, porque refinando 31 mil ela estava prejudicando as suas próprias refinarias. Juscelino resol- veu autorizar Capuava a refinar 31 mil, mas em proveito da Petro- bras, mediante uma justa remuneração. Tratava-se então de saber qual devia ser a justa remuneração. Foi quando eu tive que relatar o processo correspondente.
Mais tarde, o presidente do Conselho do Petróleo foi exonera- do, e em seu lugar assumiu a presidência o Alexínio Bittencourt, coro- nel como eu, mas mais moderno. Pedi exoneração do Conselho por incompatibilidade hierárquica. Lott mandou me chamar e indagou: "Por que o senhor pediu demissão do Conselho?" Respondi: "Porque não posso ficar num conselho cujo chefe é mais moderno do que eu. Não posso me submeter a essa chefia. É meu amigo, não tenho nada contra ele, mas é uma questão de princípio". "Mas eu não vou exone- rá-lo", foi a sua resposta. Novamente respondi: "O senhor vai me ti- rar, senão vai me obrigar a ser indisciplinado". Ele: "Não, eu não tiro porque o senhor tem que ficar lá". Perguntei: "Diga-me uma coisa, sr. ministro. Se fosse o seu caso, o senhor ficaria?" Ele pensou e em se- guida virou-se para mim e disse: "É, o senhor tem razão". Saí do Conselho do Petróleo. Meses depois, o Alexínio brigou com o Janary saiu do Conselho e foi para lá um general. No dia seguinte Lott me nomeou de novo para o Conselho. Ali quem defendia a Petrobras éra- mos eu e o Jesus Soares Pereira, contando com o apoio dos repre- sentantes da Aeronáutica e da Marinha. Os representantes da indús- tria e do comércio, muitas vezes, eram contrários. Eu não tinha parti- cipado da campanha que concluiu pelo monopólio, mas, convivendo com o problema nacional do petróleo, na refinaria de Cubatão e no Conselho, tornei-me seu partidário. #
No Conselho Nacional do Petróleo, o senhor também foi relator do processo de criação da fábrica de borracha sintétíca.
Fui. Eu era muito amigo de um engenheiro da Petrobras que fora comigo para Cubatão, Leopoldo Miguez de Melo. Era o técnico mais inteligente que havia na Petrobras, mais imaginativo e mais criador. Ele me procurou dizendo que o Brasil devia ter uma fábri- ca de borracha. Importávamos pneus, que não se produziam no Bra- sil porque não tínhamos borracha, a não ser a natural, disponível em pequena quantidade. E a Petrobras tinha condições de produzir as matérias-primas necessárias para alimentar uma fábrica de borra- cha. A Petrobras então encaminhou o processo ao Conselho, e fui seu relator. Havia também outra proposta de uma empresa privada do exterior, aliás muito mal fundamentada, que contava com uma certa simpatia do palácio do Catete. Lott, entretanto, queria que a fá- brica fosse da Petrobras. Antes de eu relatar o processo, mandou- me chamar e passou a me dar uma aula sobre borracha. Ele tinha o hábito de ensinar. Falou da produção de borracha e concluiu di- zendo que eu devia me manifestar no relatório a favor da Petrobras. Respondi-lhe: "Ministro, o senhor está perdendo o seu tempo, por- que esse assunto eu estou estudando há dois meses. Não se preocu- pe comigo, com o meu parecer. O senhor deve se preocupar é com o palácio do Catete, porque lá é que estão os contrários à Petro- bras". Afinal, foi a Petrobras autorizada a fazer a fábrica, a Fabor. Existe até hoje, está em funcionamento e recentemente foi privatiza- da. Fica junto da refinaria Duque de Caxias, mas como uma unida- de independente. A refinaria fornece produtos à Fabor, onde são transformados em matéria-prima para a produção da borracha sinté- tica.
O senhor mencionou que teve contato no CNP com Jesus Soares Pereira.
Sim. Ele também era membro do Conselho e acabamos nos entendendo bem. Nossas idéias eram mais ou menos comuns no se- tor do petróleo. Em todos os problemas relacionados à Petrobras na- quela época nós trabalhamos em conjunto. Defendíamos o monopó- lio, inclusive frente às investidas do pessoal de Capuava. Jesus era um homem de primeira ordem, honesto, relativamente pobre, dedi- cado e sonhador. Também conheci o Rômulo de Almeida, mas super- ficialmente. Não tínhamos muito contato. Gostava mais do Jesus, #
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era mais objetivo. Mais tarde, na Revolução de 1964, Jesus foi cas- sado naquela primeira turma do Costa e Silva. Lutei para ver se o tirava dali mas nada consegui.
Em 1960, quando o marechal Denys se tornou ministro da Guer- ra, o senhor foi para o gabinete do ministro. Como foi essa mu- dança?
Lott se candidatou à presidência da República e teve que se de- sincompatibilizar. O ministro escolhido foi o marechal Denys, que co- mandava o I Exército. Nessa época, meu irmão Orlando era o chefe do Estado-Maior do I Exército. Era general-de-brigada e servia com o Denys. Um dia, recebi em casa a visita do Orlando, que me disse: "O Lott vai ser candidato e vai sair do ministério, o Denys vai assumir e eu vou ser o chefe do gabinete do ministro. O Denys mandou convidar você para servir no gabinete". Perguntei-lhe então: "O Denys mandou me convidar ou é você que, como irmão, quer que eu vá?" Disse o Or- lando: "Não, ele mandou convidar". Respondi: "Você sabe que eu sou contra uma série de coisas que se tem feito por aí. Vou pensar". Aí conversei com o Golbery e com outros companheiros e eles acharam que eu devia ir, porque eu podia influenciar e ajudar a resolver certas questões que achávamos erradas. Fui conversar com o Denys. Disse- lhe: "O general Orlando me transmitiu um convite para servir no seu gabinete. Desejo saber se o convite é seu, se o senhor está de acordo". Ele: "É meu, quero sua colaboração". Nessa conversa perguntei se ele ia manter o Exército fora da campanha eleitoral ou ia apoiar o Lott. Ele me disse: "O Exército vai ficar fora. Não vai se envolver". Se hou- vesse o intuito de o Exército apoiar o Lott, eu não iria para o gabinete.
Após esses diálogos, fui então para o gabinete, chefiando a 2ª Di- visão. Denys tinha um serviço de informações pessoal que era todo complicado. No primeiro dia fui indicar os oficiais que iam servir co- migo na minha divisão, que estava ligada também a informações e cui- dava de todos os problemas dos generais, tais como movimentação, promoção, classificação etc. Entre os nomes que indiquei, havia um oficial que tinha sido meu aluno na Escola Militar, de muito valor: Sér- gio Ari Pires. Indiquei-o, e no dia seguinte o Orlando veio a mim e dis- se: "Esse não pode". Perguntei: "Por que não pode?" Ele: "Porque é gol- pista". Aí retruquei: "Golpistas são vocês. Se essa é a questão, vocês é que não podiam estar aqui. Você, o Denys, todos vocês foram golpis- tas. Agora, se eu indiquei esse oficial é porque ele é bom e tenho con- #
fiança nele. E mais, se vocês vierem com essa história de golpista e não golpista eu vou embora daqui". Minha indicação foi aceita e o Sér- gio Ari Pires foi nomeado para o gabinete. Estou citando esta ocorrên- cia para mostrar a que ponto tinha sido distorcida a mentalidade den- tro do Exército.
Na 2ª Divisão do gabinete passei a ter muitos problemas. Co- meçaram as greves, principalmente nos transportes. A Rede Ferroviá- ria de São Paulo entrou em greve e o problema foi afeto a mim. Es- colhi um colega que servia em São Paulo para ser o interventor nas ferrovias paulistas e ele conseguiu enfrentar o problema e resolvê-lo satisfatoriamente. Juscelino não se interessava pelo assunto. Foi nes- sa época que conheci Armando Falcão, que era ministro da Justiça. Enquanto Juscelino, por temperamento, não tomava conhecimento, Falcão era ativo e fazia uma frente conosco para resolver os proble- mas das greves aqui no Rio.
O senhor teve algum contato mais próximo com o presidente Jus- celino? Como avalia seu governo?
Só tive contato com ele uma vez, antes de ele ser presidente. Eu estava com o Juracy e outros amigos, num domingo de manhâ, em Copacabana, na casa do Drault Ernanny quando o Juscelino apa- receu. Conversando, ele disse ao Juracy: "Preciso que você me dê umas aulas sobre petróleo, sobre Petrobras, porque eu não sei nada disso". Fiquei impressionado com o fato de um homem público che- gar àquela altura da vida sem conhecimento do problema do petróleo.
Seu governo realizou muita coisa positiva mas também criou problemas muito sérios. Fui contra, e ainda acho que foi um erro, a construção da capital em Brasília. Os surtos inflacionários que o Bra- sil está sofrendo começaram no governo Juscelino. O CPDOC publi- cou um livro com o depoimento de Lucas Lopes,49 que foi colabora- dor de Juscelino e que saiu do ministério por causa da inflação. Ele era contra a construção de Brasília. A construção de Brasília, em cur- to espaço de tempo, sem uma prévia preparação, inclusive de supri- mento dos materiais necessários para inaugurar em um determinado dia, elevou o seu custo extraordinariamente. Tijolos foram transporta- 130>128>126>122>
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