História do brasil moderno ernesto geisel



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Mas o fato é que essa história levou à saída do Jango do Mi- nistério do Trabalho, e à saída do Espírito Santo Cardoso do Minis- tério do Exército.

Nos anos 50já se chamava a ESG de "Sorbonne"?

Essa foi mais uma expressão pejorativa dos que não sabiam o que era a Escola e não gostavam dela. Apelidaram o corpo perma- nente como o grupo da Sorbonne: "uns homens metidos a besta, a serem sabidos". Mas o que é a Sorbonne? Na verdade a Sorbonne é apenas uma universidade como outra qualquer. Ela apenas tem maior tradição, pois existe desde a Idade Média.

40 Em 8 de fevereiro de 1954, um memorial assinado por 42 coronéis e 39 tenentes- coronéis foi encaminhado ao ministro da Guerra, general Ciro do Espírito Santo Car- doso, em protesto contra a exigüidade dos recursos destinados ao Exército e a pro- posta do ministro do Trabalho, João Goulart, de aumentar em 100% o salário míni- mo. Em conseqüência do episódio os dois ministros foram exonerados. #

Dentro da doutrina da ESG, como fica a relação dos militares com a política?

Os militares devem ficar fora da política partidária, mas não da política geral. O Exército deve estar sempre preparado para po- der fazer a guerra. Isto é, um Exército deve ter armamento adequa- do, suprimento e demais meios necessários. Tem que estar prepara- do na formação dos seus oficiais. A eficiência militar é importantís- sima, mas não depende só do Exército. Se o governo não der recursos, o Exército, assim como a Marinha e a Aeronáutica, isto é, as Forças Armadas, não terão os meios necessários para condu- zir a guerra e alcançar a vitória. E há coisas que às vezes têm que ser providas com bastante antecedência para o treinamento e forma- ção de pessoal, inclusive para a mobilização. O Exército, em tem- pos de guerra, terá que se expandir e crescer utilizando as reservas formadas durante a paz. O que se procura também é conscientizar o meio civil do que ele é obrigado a fazer, ou terá que fazer, para poder enfrentar as vicissitudes de uma guerra através da força mi- litar.

No entanto, o militar não deixa de ser um cidadão e, indivi- dualmente, tem o direito de ter pensamento político. Não deve, é cla- ro, prevalecer-se da força que a nação lhe confiou para atender sua posição política, que é necessariamente individual. Contudo, em oca- siões de crise, quando o país está ameaçado por graves dissensôes internas, fomentadas por dirigentes políticos que se desviam de seu encargo de conduzir o país à realização das aspirações nacionais e utilizam o poder para satisfazer seus interesses e ambições pessoais e de seus apaniguados, a nação fica em perigo, e os militares, em conjunto, poderão ter que atuar com suas forças para afastar drasti- camente o perigo manifesto.

Quanto ao fato de muitos políticos baterem na porta do quar- tel, devo dizer que isso sempre existiu. Vocês não conhecem a his- tória do Castelo? Quando os políticos começavam a aliciar, a son- dar os militares, ele vinha com a história das "vivandeiras batendo nos portões dos quartéis". As vivandeiras eram as mulheres que acompanhavam o Exército na Guerra do Paraguai, eram as lavadei- ras, as que viviam ali por perto da tropa. Castelo dizia que os polí- ticos eram as vivandeiras porque toda vez que o político começa a se exacerbar nas suas ambições ele logo imagina a revolução. E a #

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revolução é feita pelas Forças Armadas. Por isso ele vai bater na porta do quartel, vai procurar seduzir o militar. Neste momento em que estamos aqui conversando, há muitos dizendo: "Temos que dar um golpe! Temos que derrubar o presidente! Temos que voltar à ditadura militar!" E não é só o Bolsonaro, não! Tem mui- ta gente no meio civil que está pensando assim. Quantos vêm falar comigo, me amolar com esse negócio: "Quando é que o Exército vai dar o golpe? O senhor tem que agir, é preciso voltar!" São as vivandeiras ! 41

O que é mais forte: a pressão dos civis batendo nas portas dos quartéis ou a aspiração de alguns militares querendo liderar politi- camente o país?

Já houve épocas em que os militares queriam liderar o país. Na época em que os generais permaneciam muito tempo na função, eles se tornavam um pouco caudilhos. Cordeiro foi um. Góes foi ou- tro. Denys e Zenóbio também. Lott seguiu o mesmo caminho, mas seduzido pelo grupo comunista que estava com ele. Isso de certo modo acabou, porque o general Castelo, quando foi presidente, fez uma lei que limita o tempo de permanência do general no Exército. Vejam, por exemplo. o caso do Cordeiro. O Cordeiro foi general com trinta e tantos anos. Acho que não tinha 40 anos. Ficou como gene- ral mais de 20 anos. O Góes, na Revolução de 30, era tenente-coro- nel. Terminou a revolução, foi promovido a coronel, no dia seguinte a general-de-brigada, e um ano depois a general-de-divisão! De tenen- te-coronel a general-de-divisão, que então era o último posto da car- reira, foi um percurso meteórico, feito em dois, três anos. Ele aí foi ficando no Exército, sempre tendo funções de chefia: chefe do Es- tado-Maior, ministro do Exército, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Com muita influência, esses generais começavam a ter maior vinculação com os políticos, e possivelmente aí se geravam ambições de lado a lado. Acho que hoje em dia pode haver um ou outro caso, mas a influência dos políticos é maior que a dos mili- tares.

41 Este trecho do depoimento foi concedido em 28 de julho de 1993, durante o gover- no Itamar Franco. Jair Bolsonaro, ex-militar, era deputado federal pelo RJ. #

Entre nós, no Brasil, a vinculação dos militares com a políti- ca é tradicional. Isso vem da nossa formação, acho que vem até do Brasil Colônia. O que houve no Império? Quantos políticos quise- ram ser militares, através da Guarda Nacional? Quantos generais foram políticos? O que era o Barbacena, que perdeu a guerra con- tra a Argentina na batalha do Passo do Rosário? E, depois, quan- tos militares participaram do problema do 7 de abril, da deposi- ção de Pedro I? E do problema da maioridade? O que foi o proble- ma do Osório de um lado, Caxias de outro? O que foi o problema do Deodoro, comandante de armas no Rio Grande do Sul, brigan- do com o chefe federalista Gaspar Silveira Martins? Sempre houve militares envolvidos na política, e isso continuou com a República: por exemplo, o problema do Hermes da Fonseca na campanha civi- lista do Rui Barbosa. É sempre a política entrando no Exército. Isso é mais ou menos tradicional. Tenho a impressão de que, à me- dida que o país se desenvolve, essa interferência vai diminuindo. Presentemente, o que há de militares no Congresso? Não contemos o Bolsonaro, porque o Bolsonaro é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar. Mas o que há de militar no Congresso? Acho que não há mais ninguém. Minha opinião é que, à medida que o tempo passa, essa ingerência vai diluindo e desa- parecendo. Tem raízes históricas, mas agora, com a evolução, vai acabar.

Mas também sempre houve uma certa prevenção dos militares contra os políticos.

Sim, no Império os políticos eram os "casacas". Um dos pro- blemas sérios que houve neste país foi a Guerra do Paraguai. O Exército se exauriu nessa guerra de cinco anos. Quando voltou foi menosprezado, relegado, tiraram-lhe os recursos e se criaram as questões militares. Os políticos se metendo com os militares, pu- nindo etc. Aí há um outro problema com graves repercussões. No tempo do Império, a força armada preferida, aristocrática, e que ti- nha todas as atenções, era a nossa Marinha. O neto do imperador foi para a Marinha. Eram os nobres. E o Exército, coitado, era me- nosprezado, não tinha nada, esfarrapado. Na República, o Exército tomou conta, com Deodoro e Floriano. E a Marinha se ressentiu. A Marinha sempre manifestou receio da criação de um Ministério da Defesa, no pressuposto da preponderância do Exército. Procurou- #



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se melhorar essa situação, inclusive, com a criação do Estado- Maior das Forças Armadas,42 fazendo rodízio na sua chefia. Ora o chefe é um oficial do Exército, ora um da Marinha, ora um da Ae- ronáutica.

Na nossa história, se quisermos nos aprofundar, encontrare- mos as raízes de alguns fenômenos contemporâneos. A pesquisa ade- quada sempre encontrará uma causa pertinente.

O senhor foi promovido a coronel no tempo da ESG?

Sim. Em abril de 1953 fui promovido a coronel. Eu tinha que ter dois anos de comando como oficial superior para poder prosse- guir na carreira, para poder pensar em algum dia chegar a general. Como major não consegui que me dessem comando, como tenente- coronel tampouco. Resolvi então sair da ESG e conseguir o coman- do de um corpo de tropa. Fui designado para comandar um grupo de artilharia que ficava no Leblon. Era o 8º Grupo de Artilharia de Costa Motorizada.

O senhor estava portanto comandando o 8º GACM durante a crise que levou ao suicídio de Getúlio. Como o senhor via a situação?

Víamos a situação se agravando dia a dia. Vivíamos no regime de prontidão, mas o Grupo não saiu do quartel, pois não houve qualquer movimentação de tropa, a não ser a de rotina. Embora es- tivesse perfeitamente informado do que ocorria, desde o atentado ao Lacerda,43 até as apurações da autoria do crime no inquérito do Ga- leão, não tive participação em nada. Nos quartéis, muitos eram con- tra Getúlio, e a influência do Lacerda era grande. Lacerda ia para a

42.O Estado-Maior das Forças Armadas foi criado em 25 de julho de 1946, pelo De- creto nº 9.520, com o nome de Estado-Maior Geral. Em 1948 adquiriu sua denomina- ção atual. 43 No dia 5 de agosto de 1954 o jornalista de oposição Carlos Lacerda sofreu um atentado na rua Tonelero, do qual resultou a morte do major-aviador Rubens Vaz. La- cerda responsabilizou o governo de Getúlio Vargas pelo ocorrido, e as investigações, inicialmente a cargo da polícia, passaram a ser feitas pela Aeronáutica na base aérea do Galeão. Com a confirmação do envolvimento da guarda pessoal do presidente no atentado, a oposição intensificou sua campanha exigindo a renúncia de Vargas, que vi- ria a se suicidar em 24 de agosto de 1954. #



televisão falar e rabiscar suas denúncias no quadro-negro e galvani- zava a atenção de muita gente, inclusive na área militar, principal- mente na Aeronáutica. Houve o problema da morte do major Vaz, que sensibilizou e se prestou à exploração da classe, embora sem muita razão, porque ele estava ali realmente como um guarda-cos- tas do Lacerda. Mas, em essência, era um assassinato.

Lacerda também era um homem muito contraditório. Conheço a história dele no tempo em que Castelo era presidente. Era muito inteligente, um homem terrível na hora do discurso, na argumenta- ção. Basta recordar a guerra que fez contra o jornalista da Última Hora, o Samuel Wainer: "Samuel Wainer foi financiado pelo Banco do Brasil, sob o patrocínio do Getúlio!" A acusação foi terrível. Cul- minou na comissão parlamentar de inquérito da Câmara para pro- var que Samuel Wainer não era brasileiro e, por isso, não podia ser jornalista.

Ao lado da influência do Lacerda entre os militares, principal- mente no Rio, verificava-se que Getúlio estava muito desgastado nas Forças Armadas. Achávamos que, depois que deixou o governo em 45, Getúlio não deveria ter voltado. Mas voltou e voltou muito enfra- quecido. Apesar de ter tido uma grande votação na eleição, a oposi- ção foi muito grande. Havia fortes correntes contrárias a ele, por causa da influência do Jango, da política trabalhista que ele estava executando. Tudo culminou no incidente da morte do major Vaz, com o comprometimento do Gregório, o chefe da segurança presi- dencial. Não víamos com bons olhos aquela guarda pessoal do Getú- lio, que foi organizada pelo Benjamim. Eram indivíduos desclassifica- dos, na maior parte recrutados em São Borja. Esse quadro foi se tornando muito desfavorável ao Getúlio. Pessoalmente, ele tinha pre- dicados admiráveis. Era um homem sereno, corajoso, honesto e com muito espírito público. Entretanto, a imagem dele já era muito diferente da que tinha tido na época de 30. Aquele problema do Vaz e as conclusões do inquérito efetuado no Galeão levaram à reunião ministerial em que Getúlio se licenciou e, a seguir, ao suicídio.

Com a posse de Café Filho, o senhorfoi para o Gabinete Militar Como se deu isso?

Rodrigo Otávio era o subchefe da Casa Militar, sob a chefia de Juarez. Eu era amigo do Juarez e tinha boas relaçôes com Rodrigo Otávio, embora divergindo em muitas questões. Aconteceu que hou- #



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ve uma crise no governo e foi exonerado o ministro da Viação e Obras Públicas.44 Rodrigo Otávio foi nomeado ministro em seu lu- gar, e ficou vago o cargo de subchefe da Casa Militar. Rodrigo se lembrou de mim para substituí-lo, e Juarez concordou. Eu não que- ria aceitar o cargo porque iria interromper minha arregimentação. Acharam porém que era necessária a minha designação. Eu tinha co- nhecido Café Filho nos meus tempos de Rio Grande do Norte e, em- bora não tivesse depois cultivado relações com ele, acabei indo tra- balhar no Catete. Com isso, minha carreira militar ficou novamente truncada, porque, como já disse, o oficial superior precisava ter dois anos de comando.

Na Casa Militar acompanhei o governo do Café Filho. Tive boas relações com ele, embora eu nunca abordasse problemas políticos do governo. Quando se anunciou a descoberta de petróleo no Amazonas, num poço perfurado em Nova Olinda, fui com Café até Manaus e, a seguir, para o local do poço. A informação do geólogo responsável pe- la área foi de que se comprovava o pouco valor da estrutura do lo- cal, sendo muito limitadas as reservas descobertas e não se justifican- do seu aproveitamento. Voltamos, como era natural, muito decepcio- nados. Foi o meu primeiro contato objetivo com nosso problema de petróleo. Viajei também na comitiva de Café Filho na sua visita a Por- tugal. Fomos de avião até Casablanca e de lá, num navio de esqua- dra, a Lisboa. A recepção e o tratamento que os portugueses nos dis- pensaram foram excepcionais. Ficamos vários dias em Portugal, hospedados no palácio de Queluz. Estivemos em Coimbra, na univer- sidade, no Porto e, por fim, visitamos, com acompanhamento de gran- de marcha popular, Guimarães, a cidade de Afonso Henriques, de on- de se originou o reino português. Nosso regresso foi por via aérea. Minhas conversações eram, principalmente, com o Juarez. Dava-me também com o chefe da Casa Civil, o deputado Monteiro de Castro. E ficamos ali convivendo com crises. A maior era a crise cambial, o déficit da balança comercial, a falta de divisas. Toda semana se fazia leilão de divisas para atender a um e a outro, para poder importar o necessário. Era um problema muito complicado.

44 Trata-se de Lucas Lopes. que se exonerou diante da anuência de Café Filho em ler, em 29 de janeiro de 1955, um manifesto de generais contra a candidatura de Jusceli- no Kubitschek. a quem era ligado. #



Quando o senhor estava no Gabinete Militar Juarez foi secretário- geral de um Conselho Coordenador de Abastecimento Nacional. O senhor participou disso?

Não, mas eu sabia dos problemas. Houve um muito complica- do, em matéria de preços de gasolina. A Cofap, que depois virou Sunab,45 era chefiada por Pantaleão Pessoa, um general reformado de muito renome, e o ministro da Fazenda era o Gudin. Gudin que- ria aumentar o preço da gasolina e Pantaleão era contra, porque is- so influía no custo de vida. Gudin achava que a influência no custo de vida era pequena e que havia justificativa para aumentar. Então houve uma discussão acirrada e, ao final, Pantaleão saiu da Cofap.

O Gabinete Militar se mantinha totalmente à margem dos proble- mas políticos?

O Gabinete era solicitado pelo quadro político. Quiséssemos ou não, o ambiente levava a isso, e às vezes pediam nossa opinião. Tratou-se do problema da sucessão presidencial. Houve inicialmente uma tentativa de acordo com o Jânio para a candidatura ao gover- no. Jânio naquele tempo já era meio maluco. Conheci-o quando se inaugurou a refinaria de petróleo em Cubatão.46 Fui a Cubatão acompanhando Café Filho, e, terminada a inauguração, Jânio convi- dou o presidente para ir à cidade de São Paulo. Fomos de automó- vel, Café Filho, Jânio, eu e o motorista. Na conversa Jânio queria passar o parque do Ibirapuera para o governo federal. Tinha havido lá uma exposição, e ele queria que todo o acervo ficasse a cargo do governo federal, juntamente com o parque. Café Filho ficava só ou- vindo e dando um risinho. Era muito irônico. Conversaram muito e depois já noite, sem que Jânio nos tivesse oferecido sequer um ca- fé, voltamos de avião de São Paulo para o Rio.

45 A Comissão Federal de Abastecimento e Preços, criada em dezembro de 1951, fa- cultava ao governo federal intervir no domínio econômico para assegurar a livre distri- buição de produtos necessários ao consumo. Foi substituída pela Superintendência Nacional de Abastecimento, criada em setembro de 1962. 46 A Refinaria Presidente Bernardes [Cubatão-SP) teve seu projeto aprovado em 1949, foi construída entre 1950 e 1954 e foi inaugurada por Café Filho em 16 de abril de 1955. #



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Houve a seguir o problema da candidatura do Juarez. Cordei-

ro era muito contra. Era governador de Pernambuco, e quando apa-

recia se manifestava contra a candidatura do Juarez, a quem fazia

restrições. Quando o Juarez se exonerou para ser candidato, apro-

veitei a circunstância para sair também e me arregimentar, desta

vez no Regimento Escola de Artilharia, em Deodoro, onde eu havia

servido como capitão. Para mim era muito agradável voltar lá como

coronel e comandar o regimento. O substituto do Juarez foi o gene-

ral Bina Machado, e o meu, indicado por mim, foi o coronel José

Canavarro Pereira, que depois comandou o Exército em São Paulo.

Fui comandar o Regimento-Escola, mas estava lá havia apenas

três meses e meio quando me chamaram. Tinha havido uma crise

na refinaria de petróleo de Cubatão, um problema de ordem pes-

soal entre facçôes que se digladiavam pelo domínio da refinaria. Ha-

via indisciplina. Num acidente em uma das unidades de operação,

um operador havia morrido. Era preciso que alguém fosse normali-

zar o trabalho na refinaria, que era a única de maior porte que o

Brasil tinha na época. Refinava 45 mil barris de óleo por dia. Relu-

tei em ir. Sofri pressão do ministro Lott e incentivo do Edmundo de

Macedo Soares. Contra meu argumento de que não entendia nada

de refino, ouvia o argumento de que não se tratava de um problema

técnico, mas de um problema administrativo, disciplinar. Acabei ten-

do que ir para Cubatão.

7 - Desenvolvimentismo

e cisões militares

Que problemas o senhor encontrou em Cubatão?

Havia lá duas facções. Uma era a facção que tinha construído a refinaria, que havia trabalhado nas obras de engenharia com mui- to sacrifício e achava que tinha o direito de ocupar postos. Havia também uma equipe técnica que vinha de fora e que tinha sido pre- parada para operar a refinaria - o que era adequado. Muita gente se envolveu entre essas duas correntes para ver quem realmente pre- dominava. Um desses foi o ex-superintendente da refinaria, amigo do Juracy, que era um técnico militar. Ele me contava a sua histó- ria e, por fim, me perguntava: "Você não acha que eu tenho razão?" Eu respondia: "Não acho nada. Se disser que você tem razão, passo a tomar partido e não terei autoridade para resolver a situação". Aí vinha a outra corrente cantando a ladainha toda: "O senhor não acha?" Eu respondia: "Não acho nada. Vamos trabalhar".

Fui para Cubatão em setembro de 1955 e me pus a trabalhar, auxiliado principalmente por dois técnicos da Petrobras que levei comigo, e conseguimos resolver uma série de problemas. Afora os problemas de ordem pessoal, havia outros: um deles era o da am- pliação da refinaria, na base de um projeto que visava a aumentar #

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a capacidade para 60 mil barris por dia; outro era o da água de re-

frigeração captada no rio Cubatão, que tinha elevada quantidade de

descarga sólida e produzia o entupimento dos intercambiadores

que deviam assegurar o resfriamento dos equipamentos e trocas de

calor com o óleo bruto a ser refinado. A refinaria era obrigada a

desligar os equipamentos e fazer uma parada para a limpeza dos in-

tercambiadores, passando a ter um funcionamento irregular, com

elevados prejuízos. Conseguimos, com outros técnicos, resolver esse

problema eliminando a carga sólida por intermédio de uma barra-

gem que fizemos no leito do rio. O terceiro problema foi ultimar a

construção da fábrica de asfalto, anexa à refinaria, e cuja obra se fa-

zia com muita lentidão. Foi a primeira fábrica de asfalto do Brasil.

Por outro lado, as divergências do pessoal também foram resolvi-

das, com a efetiva atribuição aos técnicos dos encargos operacio-

nais. A área administrativa estava em Santos, separada da refina-

ria. Determinei sua mudança para Cubatão, junto da refinaria, o

que me permitia acompanhar pessoalmente todas as atividades. Eu

percorria a refinaria várias vezes por dia, mantendo a presença jun-

to aos locais de trabalho e o contato com todos os setores. Atuei

muito, também, na parte administrativa e acabei conhecendo o pro-

blema técnico da refinação e o problema do petróleo em geral. Mi-

nha preocupação foi obter a coesão interna, acabar com a dissidên-

cia, fazer com que a refinaria produzisse o que tinha de produzir e

resolver os problemas do dia-a-dia. Constatei, por exemplo, que ha-

via um grande desperdício de material espalhado no terreno da refi-

naria. Mandei recolher, catalogar, pôr no almoxarifado e computar

na contabilidade.

Nesse meio tempo, quando Café Filho estava hospitalizado,

deu-se o golpe do Lott com a participação dos políticos, aqui no

Rio de Janeiro. Eu estava fora do Exército, não tinha nada com

aquilo, mas evidentemente fui contra. Achei que o Lott não podia fa-

zer o que fez. Houve uma tentativa de levar o governo para São

Paulo, e foram feitos preparativos nos hotéis, em Santos, para rece-

ber o pessoal que estava no cruzador Tamandaré. Mas a guarnição

militar de São Paulo resolveu apoiar a ação do Lott, e Jânio não

sustentou qualquer reação. Conseqüentemente, o Tamandaré não

veio a Santos. A situação se manteve calma e não houve maiores

problemas. #

< DESENVOLVIMENTISMO E CISÕES MILITARES 121>

Nesse episódio do 11 de novembro de 1955, o senhor não tinha contato com nenhuma das duasfacções em choque?

Não. A justificativa para o golpe era que estaria em marcha uma conspiração para não deixar Juscelino tomar posse. Nessa su- posição foi dado o golpe, em caráter preventivo. Não sei se realmen- te havia fundamento. Certamente algumas cabeças mais radicais pen- savam em impedir a posse de Juscelino, mas não tinham maior ex- pressão. Eduardo Gomes talvez fosse contrário à posse, Juarez também, mas eles não teriam condiçôes de levar a força do Exército a ser contra.

Em meio a esse clima, houve o enterro do general Canrobert, quando Mamede fez um discurso que foi considerado por Lott uma infração à disciplina. Não conheço o teor do discurso, mas acredito que devia ser realmente de natureza política e infringir a disciplina. Por isso Lott quis punir o Mamede. Este, no entanto, não estava sob a jurisdição do Ministério do Exército, pois servia no Estado- Maior das Forças Armadas. Mas Lott era teimoso e queria prender o Mamede. Teve uma audiência com o presidente interino, o deputa- do Carlos Luz, que foi de uma inabilidade incrível: fez o Lott espe- rar numa ante-sala, por muito tempo, antes de recebê-lo. Foi uma desconsideração. O presidente da República com uma audiência mar- cada para receber um ministro, e deixar o ministro cozinhar numa cadeira? Lott insistiu na necessidade de punir o Mamede, e diante da negativa do Luz, pediu demissão e foi para casa. Quem articulou todo o movimento foi o Denys, que comandava o I Exército. Lott, em casa, não tinha pensado em golpe. O Denys foi convencê-lo, e o Lott acabou concordando. Naquela noite Golbery foi preso, juntamen- te com os oficiais que estavam no palácio do Catete. Prenderam to- dos, inclusive o Juarez.


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