História do brasil moderno ernesto geisel



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Como era o sistema de informações nesse período em que o se- nhor esteve na 2ª Seção do Estado-Maior do Exército?

A 2ª Seção compreendia duas subseções. Uma se preocupava com as informações do exterior, e a outra com informações sobre a situação interna do Exército. Nas informações do exterior, interessa- vam-nos, particularmente, os países da América do Sul. Afora o que a imprensa e outras publicações forneciam, procurávamos estar a par do exército que tinham, seu armamento, sua doutrina militar, conhecer as biografias dos principais chefes, a situação política, os partidos etc. E essas informações geralmente nos eram transmitidas pelos nossos adidos militares - quando eu era adido militar no #

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Uruguai, colhi muitas informações que iam para essa subseção: qual a ordem de batalha, os efetivos, o armamento. Eram elementos necessários para a eventualidade de um conflito armado. Tínhamos também informações dos Estados Unidos, da França, da Inglaterra e de alguns outros países sobre a evolução dos armamentos, a dou- trina militar e a organização. Enfim, tinham-se todas as informações necessárias sobre a evolução militar no mundo e, de modo particu- lar, na América do Sul, e fazia-se para a chefia do Estado-Maior um informe periódico relatando-as. A outra subchefia, que tratava da si- tuação interna do Exército, preocupava-se com o seu estado moral, com os problemas que se manifestavam dentro das suas unidades - questões de disciplina, reivindicações, questões relacionadas com a qualidade do fardamento, do armamento, da alimentação da tro- pa, da instrução, eventuais conspirações, comunismo etc. - preve- nindo, pela informação, qualquer anormalidade que pudesse surgir. Colhiam-se também informações sobre a situação interna do país, eventuais conflitos e perturbações mais graves da ordem. Um rela- tório mensal era dirigido ao chefe e divulgado entre os grandes co- mandos.

O Exército, naquele tempo, tinha duas subchefias. Uma contro- lava a 2ª e a 3ª Seções, de Informações e de Operações, e a outra a 1ª e a 4ª, de Pessoal e de Serviços. As informações da 2ª Seção iam para o chefe do Estado-Maior do Exército, que as transmitia ao minis- tro da Guerra. O chefe do Estado-Maior do Exército quando assumi a 2ª Seção era o general Zeno Estillac Leal, irmão do Newton Estillac Leal. Era um homem muito mais qualificado que o Newton, em cultu- ra e inteligência. Depois foi o general Brayner, que tinha chefiado o Es- tado-Maior da FEB.

Estava em vigor, naquela altura, um acordo do Brasil com os Estados Unidos, segundo o qual estes mantinham na ilha de Fernan- do de Noronha uma estação para controlar um programa de mísseis que lançavam sobre o Atlântico.48 Eram instalações que comporta- vam essencialmente um posto de observação e de coleta de dados. Cabia ao Exército, por intermédio do Estado-Maior do Exército, ou

48 O acordo, assinado em 17 de dezembro de 1956, tinha por base o Tratado Intera- mericano de Assistência Recíproca de 1947 e o Acordo Militar de 1952, e assegurava a permissão do governo brasileiro para que os americanos instalassem uma estação de rastreamento de foguetes em Fernando de Noronha. #

seja, da 2ª Seção, e do Comando Militar sediado em Recife, o contro- le das atividades locais dos norte-americanos e a fiscalização das cláusulas do acordo.

Tínhamos algum contato com as 2ªs seções da Marinha e da Aeronáutica, mas só formalmente. Naquele tempo não havia maior vinculação entre uma força e outra, apenas relaçôes cordiais de ca- maradagem. O inter-relacionamento das três forças era atribuição do Estado-Maior das Forças Armadas.

O Serviço Federal de Informações e Contra-Informações (SFICI)foi criado nessa época?

Esse serviço não existia na minha época. Foi criado quase no fim do governo do Juscelino, e funcionava ligado à Secretaria do Conselho de Segurança. Alguns oficiais, quatro ou cinco, foram enviados à Inglaterra e lá fizeram estágio prático durante alguns me- ses, para aprender o funcionamento de um serviço de informaçôes. O Serviço Federal de Informações tinha atuação especial em relação ao comunismo. Como já mencionei, havia, particularmente no Exér- cito, uma infiltração de oficiais comunistas no gabinete do ministro Lott que, à procura de apoio, começou a se cercar desses elemen- tos. Vários tinham muito valor. Haviam participado da FEB na Itália e lá, em contato com os partigianí, se tornaram comunistas. Ou- tros, porém, já eram comunistas havia mais tempo.

Nessa época o senhor também participou do Conselho Nacional do Petróleo. Como o senhorfoi para lá?

Na época vagou o lugar de representante do Exército no Conse- lho, que era constituído por representantes de várias entidades: Exército, Marinha, Aeronáutica, indústria, comércio etc. - militares e civis. Esses representantes reuniam-se uma vez por semana, uma tarde inteira, e discutiam os problemas supervenientes. Deu-se a va- ga e me nomearam, certamente porque eu tinha dirigido a refinaria de Cubatão. Para mim era função de muito trabalho. Eu recebia muitos processos para relatar, geralmente os mais complicados. Já não havia sábado nem domingo em que eu não ficasse em casa estu- dando processos, fazendo pareceres. A função de membro do Conse- lho era exercida sem prejuízo da que eu tinha no Estado-Maior e era remunerada com umjeton de 200 cruzeiros por sessão. #

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O maior trabalho que enfrentamos foi o problema suscitado pela refinaria de Capuava. Essa refinaria, como a Ipiranga e a de Manguinhos, fora construída por capital privado antes da criação da Petrobras. Ficou então reconhecido o direito de permanecerem fun- cionando nessa condição de empresas privadas. Contudo, estavam proibidas de aumentar a capacidade de refinação com que haviam sido autorizadas a funcionar. Não podiam crescer. E na refinaria de Capuava a tendência era crescer, era aumentar. Quando se viu, em vez de refinar 20 mil barris, que era a sua capacidade legal, estava refinando 31 mil. Aí a Petrobras reclamou, porque refinando 31 mil ela estava prejudicando as suas próprias refinarias. Juscelino resol- veu autorizar Capuava a refinar 31 mil, mas em proveito da Petro- bras, mediante uma justa remuneração. Tratava-se então de saber qual devia ser a justa remuneração. Foi quando eu tive que relatar o processo correspondente.

Mais tarde, o presidente do Conselho do Petróleo foi exonera- do, e em seu lugar assumiu a presidência o Alexínio Bittencourt, coro- nel como eu, mas mais moderno. Pedi exoneração do Conselho por incompatibilidade hierárquica. Lott mandou me chamar e indagou: "Por que o senhor pediu demissão do Conselho?" Respondi: "Porque não posso ficar num conselho cujo chefe é mais moderno do que eu. Não posso me submeter a essa chefia. É meu amigo, não tenho nada contra ele, mas é uma questão de princípio". "Mas eu não vou exone- rá-lo", foi a sua resposta. Novamente respondi: "O senhor vai me ti- rar, senão vai me obrigar a ser indisciplinado". Ele: "Não, eu não tiro porque o senhor tem que ficar lá". Perguntei: "Diga-me uma coisa, sr. ministro. Se fosse o seu caso, o senhor ficaria?" Ele pensou e em se- guida virou-se para mim e disse: "É, o senhor tem razão". Saí do Conselho do Petróleo. Meses depois, o Alexínio brigou com o Janary saiu do Conselho e foi para lá um general. No dia seguinte Lott me nomeou de novo para o Conselho. Ali quem defendia a Petrobras éra- mos eu e o Jesus Soares Pereira, contando com o apoio dos repre- sentantes da Aeronáutica e da Marinha. Os representantes da indús- tria e do comércio, muitas vezes, eram contrários. Eu não tinha parti- cipado da campanha que concluiu pelo monopólio, mas, convivendo com o problema nacional do petróleo, na refinaria de Cubatão e no Conselho, tornei-me seu partidário. #

No Conselho Nacional do Petróleo, o senhor também foi relator do processo de criação da fábrica de borracha sintétíca.

Fui. Eu era muito amigo de um engenheiro da Petrobras que fora comigo para Cubatão, Leopoldo Miguez de Melo. Era o técnico mais inteligente que havia na Petrobras, mais imaginativo e mais criador. Ele me procurou dizendo que o Brasil devia ter uma fábri- ca de borracha. Importávamos pneus, que não se produziam no Bra- sil porque não tínhamos borracha, a não ser a natural, disponível em pequena quantidade. E a Petrobras tinha condições de produzir as matérias-primas necessárias para alimentar uma fábrica de borra- cha. A Petrobras então encaminhou o processo ao Conselho, e fui seu relator. Havia também outra proposta de uma empresa privada do exterior, aliás muito mal fundamentada, que contava com uma certa simpatia do palácio do Catete. Lott, entretanto, queria que a fá- brica fosse da Petrobras. Antes de eu relatar o processo, mandou- me chamar e passou a me dar uma aula sobre borracha. Ele tinha o hábito de ensinar. Falou da produção de borracha e concluiu di- zendo que eu devia me manifestar no relatório a favor da Petrobras. Respondi-lhe: "Ministro, o senhor está perdendo o seu tempo, por- que esse assunto eu estou estudando há dois meses. Não se preocu- pe comigo, com o meu parecer. O senhor deve se preocupar é com o palácio do Catete, porque lá é que estão os contrários à Petro- bras". Afinal, foi a Petrobras autorizada a fazer a fábrica, a Fabor. Existe até hoje, está em funcionamento e recentemente foi privatiza- da. Fica junto da refinaria Duque de Caxias, mas como uma unida- de independente. A refinaria fornece produtos à Fabor, onde são transformados em matéria-prima para a produção da borracha sinté- tica.

O senhor mencionou que teve contato no CNP com Jesus Soares Pereira.

Sim. Ele também era membro do Conselho e acabamos nos entendendo bem. Nossas idéias eram mais ou menos comuns no se- tor do petróleo. Em todos os problemas relacionados à Petrobras na- quela época nós trabalhamos em conjunto. Defendíamos o monopó- lio, inclusive frente às investidas do pessoal de Capuava. Jesus era um homem de primeira ordem, honesto, relativamente pobre, dedi- cado e sonhador. Também conheci o Rômulo de Almeida, mas super- ficialmente. Não tínhamos muito contato. Gostava mais do Jesus, #

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era mais objetivo. Mais tarde, na Revolução de 1964, Jesus foi cas- sado naquela primeira turma do Costa e Silva. Lutei para ver se o tirava dali mas nada consegui.

Em 1960, quando o marechal Denys se tornou ministro da Guer- ra, o senhor foi para o gabinete do ministro. Como foi essa mu- dança?

Lott se candidatou à presidência da República e teve que se de- sincompatibilizar. O ministro escolhido foi o marechal Denys, que co- mandava o I Exército. Nessa época, meu irmão Orlando era o chefe do Estado-Maior do I Exército. Era general-de-brigada e servia com o Denys. Um dia, recebi em casa a visita do Orlando, que me disse: "O Lott vai ser candidato e vai sair do ministério, o Denys vai assumir e eu vou ser o chefe do gabinete do ministro. O Denys mandou convidar você para servir no gabinete". Perguntei-lhe então: "O Denys mandou me convidar ou é você que, como irmão, quer que eu vá?" Disse o Or- lando: "Não, ele mandou convidar". Respondi: "Você sabe que eu sou contra uma série de coisas que se tem feito por aí. Vou pensar". Aí conversei com o Golbery e com outros companheiros e eles acharam que eu devia ir, porque eu podia influenciar e ajudar a resolver certas questões que achávamos erradas. Fui conversar com o Denys. Disse- lhe: "O general Orlando me transmitiu um convite para servir no seu gabinete. Desejo saber se o convite é seu, se o senhor está de acordo". Ele: "É meu, quero sua colaboração". Nessa conversa perguntei se ele ia manter o Exército fora da campanha eleitoral ou ia apoiar o Lott. Ele me disse: "O Exército vai ficar fora. Não vai se envolver". Se hou- vesse o intuito de o Exército apoiar o Lott, eu não iria para o gabinete.

Após esses diálogos, fui então para o gabinete, chefiando a 2ª Di- visão. Denys tinha um serviço de informações pessoal que era todo complicado. No primeiro dia fui indicar os oficiais que iam servir co- migo na minha divisão, que estava ligada também a informações e cui- dava de todos os problemas dos generais, tais como movimentação, promoção, classificação etc. Entre os nomes que indiquei, havia um oficial que tinha sido meu aluno na Escola Militar, de muito valor: Sér- gio Ari Pires. Indiquei-o, e no dia seguinte o Orlando veio a mim e dis- se: "Esse não pode". Perguntei: "Por que não pode?" Ele: "Porque é gol- pista". Aí retruquei: "Golpistas são vocês. Se essa é a questão, vocês é que não podiam estar aqui. Você, o Denys, todos vocês foram golpis- tas. Agora, se eu indiquei esse oficial é porque ele é bom e tenho con- #

fiança nele. E mais, se vocês vierem com essa história de golpista e não golpista eu vou embora daqui". Minha indicação foi aceita e o Sér- gio Ari Pires foi nomeado para o gabinete. Estou citando esta ocorrên- cia para mostrar a que ponto tinha sido distorcida a mentalidade den- tro do Exército.

Na 2ª Divisão do gabinete passei a ter muitos problemas. Co- meçaram as greves, principalmente nos transportes. A Rede Ferroviá- ria de São Paulo entrou em greve e o problema foi afeto a mim. Es- colhi um colega que servia em São Paulo para ser o interventor nas ferrovias paulistas e ele conseguiu enfrentar o problema e resolvê-lo satisfatoriamente. Juscelino não se interessava pelo assunto. Foi nes- sa época que conheci Armando Falcão, que era ministro da Justiça. Enquanto Juscelino, por temperamento, não tomava conhecimento, Falcão era ativo e fazia uma frente conosco para resolver os proble- mas das greves aqui no Rio.

O senhor teve algum contato mais próximo com o presidente Jus- celino? Como avalia seu governo?

Só tive contato com ele uma vez, antes de ele ser presidente. Eu estava com o Juracy e outros amigos, num domingo de manhâ, em Copacabana, na casa do Drault Ernanny quando o Juscelino apa- receu. Conversando, ele disse ao Juracy: "Preciso que você me dê umas aulas sobre petróleo, sobre Petrobras, porque eu não sei nada disso". Fiquei impressionado com o fato de um homem público che- gar àquela altura da vida sem conhecimento do problema do petróleo.

Seu governo realizou muita coisa positiva mas também criou problemas muito sérios. Fui contra, e ainda acho que foi um erro, a construção da capital em Brasília. Os surtos inflacionários que o Bra- sil está sofrendo começaram no governo Juscelino. O CPDOC publi- cou um livro com o depoimento de Lucas Lopes,49 que foi colabora- dor de Juscelino e que saiu do ministério por causa da inflação. Ele era contra a construção de Brasília. A construção de Brasília, em cur- to espaço de tempo, sem uma prévia preparação, inclusive de supri- mento dos materiais necessários para inaugurar em um determinado dia, elevou o seu custo extraordinariamente. Tijolos foram transporta-

49 Lopes, Lucas. Memórias do desenvolvimento. Rio de Janeiro, Centro de Memória da Eletricidade no Brasil/CPDOC, 1991. #

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dos em avião. Não se fez uma infra-estrutura preliminar, uma base pa- ra poder construir a cidade. Então tudo era transportado em avião, em caminhão, a longa distância. E a ladroeira que houve? Houve la- droeiras incríveis! Para levar o pessoal para lá, inclusive o Supremo Tribunal Federal e o Congresso, criaram a dobradinha. Quem servia em Brasília passava a ganhar salário dobrado. Hoje em dia Brasília é um problema, com o afluxo de numerosa população carente, atraída pela miragem da capital. A vantagem que trouxe, no meu modo de ver, foi dar algum desenvolvimento ao Brasil central. Goiás, por exem- plo, ganhou muito. O sul do Pará também. Mas esse desenvolvimento poderia ter sido feito mesmo sem a construção e o funcionamento da capital. O resultado é que a capital funciona mal. O Congresso, por exemplo, tem número para funcionar apenas dois dias na semana, porque nos demais dias os congressistas estão viajando para os esta- dos. Continuo a achar que não foi uma boa solução.

Discordo também dessa história de querer fazer 50 anos em cinco. É verdade que Juscelino desenvolveu muita coisa, mas quanto à indústria automobilística, por exemplo, ele teve que proporcionar fa- vores excepcionais para que as montadoras se estabelecessem aqui. Concentrou, ademais, toda a indústria em São Paulo. Por quê? Não houve preocupação com o desenvolvimento das outras regiões. De- pois, muito depois, é que se conseguiu ter a Fiat em Minas Gerais. No meu governo surgiu a oportunidade de instalarmos uma nova fá- brica de caminhões pesados. Existiam duas indústrias de caminhões pesados no Brasil, ambas em São Paulo, e viria uma terceira, sueca. Vencida a resistência das duas que já existiam e que obviamente não queriam mais uma concorrente, surgiu a questão: onde vai ser instala- da? "Em São Paulo", foi a resposta. Eu disse: "Não, por que em São Paulo? Por que não vamos mudar um pouco, para evitar o congestio- namento em São Paulo e atender a outra região? Vamos sediar no Pa- raná!" Apesar das objeções, acabei insistindo, e a fábrica foi para o Paraná, onde está até hoje e muito bem.50 A tendência, no entanto, é concentrar tudo em São Paulo. Uma vez um jornalista me perguntou:

"Por que o senhor é contra São Paulo?" Respondi: "Eu não sou con- tra São Paulo, sou a favor do Brasil. Não tenho nada contra São Pau- lo, mas acho que é preciso desenvolver o país, evitar essa excessiva concentração. Sem falar na Amazônia, temos que olhar para o Para-

50 Trata-se da fábrica Volvo. #

ná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Bahia, Minas Gerais e Espíri- to Santo, temos que ver o que é possível fazer no Nordeste, onde as condições são, de fato, extremamente difíceis. O Sul tem condições ótimas! Minas,Espírito Santo e Bahia também podem ter".

Juscelino, contudo, foi concentrando tudo em São Paulo, do ponto de vista industrial. E a loucura de fazer Brasília... Ele já não governava mais o Brasil, ele vivia absorvido por Brasília, com prazo fixo para inauguração. Hoje em dia ele é lembrado como um grande presidente e ganhou uma estátua especial em Brasília.

E o rompimento de Juscelino com o FMI? Qual sua impressão so- bre isso?

Não acompanhei os detalhes, mas sei que ele não quis aceitar as imposições do FMI. Podia não aceitar, mas não precisava ir ao rompimento. O Brasil dependia muito do exterior, e depende cada vez mais, à medida que cresce economicamente. Mas com o rompi- mento ele agradou a corrente de esquerda. Toda ela bateu palmas. Ele recebeu o Prestes no palácio do Catete numa festa, agradando aos partidários do Lott, que era um candidato muito fraco.

Como foi a campanha presidencial de 1960?

A do Lott foi muito ruim. Não acompanhei direito, mas me contaram que ele foi ao Rio Grande do Sul e lá, em um comício, fa- lando aos colonos, foi ensinar como é que se devia plantar milho... Riram na cara dele. O colono está há tantos anos plantando milho e vem um general ensinar como é que se planta?! Jânio, por sua vez, já naquele tempo se revelava meio doido. Eu era a favor dele porque entre os dois achava que era o menos ruim. Além disso, Lott estava cercado pelos comunistazinhos do Exército e pelos pele- gos do Jango. Havia perdido um pouco da influência no Exército pe- la ação do Denys, que não quis envolvimento na campanha.

O papel do Juscelino, por sua vez, foi bem passivo. Ele aca- bou tendo que aceitar o Lott mas queria o Juracy Juracy era o can- didato da UDN, e quem o liquidou e fez o Jânio foi o Lacerda. Jus- celino gostaria de ver o Juracy candidato. Tinham boas relações, mas o Lacerda torpedeou. Juracy tinha muita experiência, muita ha- bilidade, e tinha também suas manhas. Foi governador da Bahia co- mo tenente. Já imaginou o que é isso? E foi um excelente governa- #



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dor. Ficou muito prestigiado por lá. Não creio que fosse dominado pelo Juscelino. Quando saiu do governo, realmente Juscelino tinha a idéia fixa de voltar a ser presidente.

E quanto aos levantes contra Juscelino na Aeronáutica: Jacarea- canga, Aragarças?

Acompanhei isso na função que ocupava no Estado-Maior. Fo- ram movimentos precipitados e sem qualquer possibilidade de êxi- to. Quem trabalhava contra o Juscelino era o almirante Pena Boto. Era um visionário e um obcecado contra o comunismo. Vivia tam- bém no mundo da lua.

Quando eu estava em Cubatão, o Jaime Portela de Melo, que depois veio a ser o factótum do Costa e Silva, me procurou. Eu o co- nheci quando servia na Paraíba, ele era aspirante e foi classificado na bateria que eu comandava. Começou a vida de oficial como meu subordinado, procurei orientá-lo, prepará-lo para a função. Depois saí de lá e o perdi de vista. Um dia ele veio ao meu gabinete em Cu- batão me contar que estavam preparando um movimento contra o Juscelino, que contavam com isso e com aquilo, contavam com Per- nambuco, mais não sei o quê - muita fantasia. Tudo para fazer um movimento e derrubar o Juscelino, que já estava eleito. Ele disse tex- tualmente: "No balanço que temos feito, vimos que estavam faltando os irmãos Geisel. Eu queria que o senhor nos ajudasse participando disso e convencesse o seu irmão a participar também". Uma longa história. Perguntei-lhe: "Vem cá, vocês vão fazer um movimento, e quem é que vai governar esse país? Vocês vão entregar o governo ao Pena Boto, que é outro maluco?" Ele: "Não, não. Nós vamos fazer um triunvirato". Eu digo: "Mas um triunvirato?! Você não sabe que is- so nunca deu resultado na história do mundo? Se são três, um de- les vai dominar e vai acabar botando os outros dois para fora. Triun- virato só serve para dividir". Perguntei também: "Quem é que vai ser do Exército?" Ele respondeu: "Vai ser o general Etchegoyen". Argu- mentei: "Mas o Etchegoyen? É um homem correto, muito bom, mas reconhecidamente de poucas luzes!" Ele: "Mas nós vamos botar gen- te atrás do Etchegoyen. O senhor, por exemplo, podia ir para lá". Não me contive: "Ah, você quer que eu seja eminência parda? Não conte comigo". Ele ficou danado da vida e desde então passou a ser meu inimigo, e do Orlando. Posteriormente tivemos outros inciden- tes, durante e após a Revolução de 1964. #

6 - Os militares, a política

e a democracia

Quais foram suas impressões do governo Dutra?

Dutra foi um governante que manteve a tranqüilidade dentro do país, teve atitudes positivas, fechou o Partido Comunista, mas seu governo foi relativamente medíocre. Era o governo da legalida- de, daquela história que se conta, que o Dutra sempre consultava o "livrinho", a Constituição. Mas ele fez uma coisa que considero incrí- vel num país como o nosso. O Brasil tinha acumulado, com as ex- portaçôes feitas durante a guerra, grandes reservas de divisas. Tí- nhamos créditos e grandes saldos na Inglaterra e em alguns outros países. Dutra liquidou essas divisas! Comprou o ferro-velho dos in- gleses, a Leopoldina e outras estradas de ferro que não deviam va- ler mais nada. O resto ele consumiu em importações de toda nature- za, sem benefício para o país. Foi a época em que o Brasil ficou co- nhecido como "o país dos Cadillacs". Dutra podia ter empregado nossas divisas na compra de coisas de que o país realmente necessi- tava, mas comprou apenas alguns navios petroleiros de pequena to- nelagem que só serviam para o transporte de petróleo na lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul. No fim do governo, ele acordou e fez #

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o Plano Salte.34 Do ponto de vista do desenvolvimento, seu governo foi ruim. Mas manteve a ordem, a paz e a tranqüilidade dentro do país e assegurou a liberdade da eleição do Getúlio em 50, embora os dois não se entendessem mais.

No início do governo Dutra o senhor estava na Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional. Como foi essa experiência?

O Conselho de Segurança Nacional era um órgão de assessora- mento do presidente da República nos assuntos relacionados com a segurança nacional, que funcionava junto à própria Presidência. Os ministros participavam do Conselho, mas em questões de natureza es- pecífica ele podia funcionar apenas com a presença daqueles direta- mente interessados na matéria. Dispunha de uma Secretaria Geral, di- rigida pelo secretário-geral do Conselho, que era o chefe do Gabinete Militar da Presidência, de um gabinete, de várias seções especializa- das, e da Comissão da Faixa de Fronteira. Era servido por oficiais de estado-maior das três Forças Armadas, e por civis especializados. Era secretário-geral, naquela época, o general Álcio Souto. Eu era major e integrava uma das seções.


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