História do brasil moderno ernesto geisel



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Concretamente, o senhor estava preocupado com a atuação des- ses dois generais?

Eu procurava acompanhar o que acontecia. Tinha muitos ami- gos no Exército que conversavam naturalmente comigo e assim esta- va informado. Não estava tão preocupado com a atuação desses ge- nerais, mas interferi porque o procedimento do Frota não era corre- to! Eram dois generais da sua confiança, um deles muito radical, dando a impressão de que o Frota estava montando seu próprio dis- positivo de apoio. Numa emergência, numa dificuldade, se eu tivesse um problema maior com o Frota, eles ficariam do lado dele!

Em janeiro de 1976 o operário Manuel Fiel Filho foi encontrado enforcado nas dependências do II Exército. Como o senhor tomou conhecimento do fato?

Eu estava no Riacho Fundo. Era um domingo, nove, 10 horas da noite, eu estava me preparando para dormir, quando tocou o tele- fone. Era o Paulo Egídio, governador de São Paulo. Ele me contou que tinha havido um segundo enforcamento. Passei uma noite de cão. Não dormi, irritado, pensando em como iria agir. Não falei com nin- #


guém. Fiquei deitado, me virando na cama e matutando no que iria fazer. E vi que a solução era tirar o Ednardo do comando do II Exér- cito. De manhã cedo mandei um recado para o Frota, o Hugo Abreu e o Figueiredo irem ao palácio da Alvorada, porque eu queria falar com eles. Cheguei ao palácio, contei ao Frota o que tinha havido e de- terminei que preparasse o decreto exonerando o Ednardo do coman- do de São Paulo.

O senhor não consultou ninguém?

Não, decidi sozinho durante a noite. Disse ao Frota: "Quero es- se decreto agora de manhã. E manda o Dilermando falar comigo, porque ele vai ser o novo comandante em São Paulo e quero dar-lhe minhas instruçôes. E o teu chefe do CIE também deve ser exonera- do,76 porque ele devia saber o que estava acontecendo e ficou cala- do, quando devia ter informado a você, e você devia ter informado a mim. Parece que ele está envolvido nessa história e está querendo ocultar". Dali a pouco chegou o Dilermando, vieram os decretos, exo- nerei o Ednardo e mandei o Dilermando assumir imediatamente, com as instruções que lhe dei. O Ednardo se chocou. Houve alguns generais que talvez não estivessem bem a par do ocorrido e que acharam que eu estava desmoralizando um general. Mas tinha que ser assim.

Por que foi o governador Paulo Egídio que lhe deu a notícia? Não devería ter sido o general Ednardo o primeiro a lhe comunicar?

A morte do operário ocorreu numa noite de domingo, e o Ednardo estava fora, numa fazenda no interior do estado passando o week-end. O Ednardo era uma boa pessoa, era meu amigo, mas o problema era que ele era displicente e sofreu uma influência que era comum em São Paulo: a atração dos generais pelo meio civil, pelo society. Então, o que acontecia? Aqueles magnatas de São Pau- lo convidavam o general comandante do Exército em São Paulo pa- ra um week-end na sua fazenda, na sua chácara, no seu sítio, o Ednardo era suscetível a isso, ia passar sábado e domingo lá e deixava o Exército à matroca. Num fim de semana ele não estava

76 O chefe do CIE era o general-de-brigada Confúcio Danton de Paula Avelino. #



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em São Paulo, e mataram esse operário. Então veio esse argumen- to: "Ah, ele não sabia". Mas ele era o responsável! Naquela situa- ção, ele não devia se afastar do comando, era displicência. O chefe nessa hora é o responsável. Não tem o direito, quando acontece uma coisa dessas, de dizer: "A culpa é do fulano porque eu dei or- dem e ele não fez". Sempre que acontece um fato, o responsável é o chefe.

Mas existe também o argumento, por parte de alguns comandan- tes e chefes, de que, devido ao tamanho e à complexidade das Forças Armadas, a ordem dada às vezes não chega ao quinto es- calão. Na sua visão, o comandante é responsável até pelo que ocorre no quinto escalão?

Sim. Ele é chefe, tem poderes. Às vezes uma coisa dessas acontece, mas o que não é possível admitir é que, tendo acontecido, depois possa acontecer de novo. O chefe tem que ficar alertado pelo fato que aconteceu e que escapou ao seu controle e ter cuidado pa- ra que não aconteça outra vez.

E por isso o senhor puniu o comandante, tirou o general Ednardo?

Eu não puni o comandante, eu procurei resolver um proble- ma do Exército! Também pode ser que tenha sido uma punição. Há exemplos históricos dessas coisas, é claro que em situaçôes completamente diferentes. Na França da Primeira Guerra, naquele drama da ameaça sobre Paris, que acabou com a batalha do Mar- ne, no fim da história, Joffre, que comandava o Exército francês, destituiu não sei quantos generais do comando porque eram gene- rais formados em tempo de paz e quando chegou a guerra só fa- ziam bobagem. Mandou-os para uma cidade no interior da França chamada Limoges, e então ficou essa expressão: quando um gene- ral era afastado, dizia-se que tinha sido limogé. O que acontece é isso: na luta, na batalha, no combate, quando você tem um chefe que é inepto, você afasta. E às vezes afasta de uma maneira osten- siva para servir de exemplo aos outros. Como se dissesse: "Vocês tenham cuidado no procedimento, senão vai acontecer o mesmo com vocês". O Frota não quis compreender isso, e acabei tendo que tirá-lo. #


Em sua opinião, o que aconteceu realmente com Herzog e Fiel Filho? O senhor acha que foi um "acidente de trabalho" da repres- são ou uma provocação intencional de grupos interessados em desestabilizar o processo de abertura?

Não sei. Pode-se fazer todas as conjecturas. Mas a tendência é ficar com a pior hipótese. Inclusive porque, admitindo que o pri- meiro enforcamento tivesse sido voluntário, que o Herzog tivesse se enforcado, o que o chefe, o responsável, tinha que fazer daí por diante? Tinha que tomar todos os cuidados, todas as precauções, e observar todas as normas de controle, de fiscalização, para evitar que um fato desses pudesse se reproduzir. Pode-se fazer a suposi- ção de que fizeram o enforcamento e resolveram continuar, talvez como um desafio. Porque o lógico seria que, tendo havido o fato com o Herzog, quem tomasse conta dos presos recebesse instru- ções para fiscalizar e vigiar, para evitar a reprodução de fatos seme- lhantes.

Esses dois casos seriam, então, um episódio da confrontação de setores militares com seu projeto de abertura?

Havia gente no Exército, nas Forças Armadas de um modo ge- ral, que vivia com essa obsessão da conspiração, das coisas comu- nistas, da esquerda. E a situação se tornava mais complexa porque a oposição, sobretudo no Legislativo, em vez de compreender o ca- minho que eu estava seguindo, de progressivamente resolver esse problema, de vez em quando provocava e hostilizava. Toda vez que a oposição, nos seus discursos, nos seus pronunciamentos, fazia de- clarações ou reivindicava posições extremadas e investia contra as Forças Armadas, evidentemente vinha a reação do outro lado, e as- sim se criavam para mim grandes dificuldades.

No momento da demissão do comandante do II Exército, o minis- tro Frota apoiou a sua decisão?

Concordou. Concordou porque ele também estava indignado, porque não tinha sido avisado de nada. Nem o SNI, nem o chefe da Casa Militar, nem o Frota sabiam. #



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E que instruções o senhor deu ao general Dilermando?

Instruções para que ele procurasse evitar excessos. Se ele ti- vesse que montar alguma operação armada, uma ação contra comu- nistas atuantes, que analisasse adequadamente, para verificar se ti- nha fundamento. Evidentemente, eu não ia tolher sua liberdade de ação. Mas que procurasse examinar todos os casos. Não havia ra- zôes para problemas de enforcamento na prisão. Ele tinha que exa- minar. O Dilermando, no comando do II Exército, embora tivesse ha- vido alguns casos, conduziu-se com muita moderação. O clima de São Paulo modificou-se completamente.

Foi necessário tambémfazer uma mudança nos escalões interme- diários?

Não. Isso ficava por conta dele. Aliás, em relação a um dos principais responsáveis, um coronel do Estado-Maior do II Exército, eu também disse ao Frota: "Tira esse oficial de São Paulo, do conta- to com a tropa, e transfere para a área de serviços, onde ele não vai poder atuar dessa forma". Tempos depois o Frota veio me dizer: "O general Marcondes, que comanda em Mato Grosso, é amigo do coronel e pediu para o coronel servir com ele". Respondi: "Isso con- traria o que eu queria fazer, mas quem classifica os coronéis, os te- nentes-coronéis e os majores não sou eu. Isso é atribuição sua. Se você quiser colocá-lo em Mato Grosso, coloque, mas veja as conse- quências". Mais tarde aconteceu que o general Marcondes veio co- mandar aqui no Rio, e aí se deu o episódio do Riocentro. Na minha opinião esse coronel provavelmente estava envolvido.

É o coronel José Barros Paes, não é?

É. Era um exaltado, um dos que queriam levar a coisa a ferro e fogo.

Esses episódios revelavam a autonomia desses órgãos de repres- são?

De certa forma. Era o problema dos DOI-Codi, do Cenimar,

do Cisa. . . #


E qual era o papel do SNI nisso tudo?

O SNI não era executante, o SNI era um órgão de informação. Ele acompanhava. É preciso ver que o SNI também tinha muita gen- te ligada à area da linha dura, que era uma área que vinha desde o começo, desde o tempo do Castelo, com o Costa e Silva. Era uma área difícil. Um dos fatores que é preciso levar em conta é que eu não podia ficar com as Forças Armadas e principalmente o Exército contra mim. Eu precisava que o Exército ficasse do meu lado, inclu- sive para chegar ao ponto final que foi a saída do Frota. Então eu não podia tomar uma série de medidas, nem policiar diretamente o general comandante que comandava aqui, ali ou acolá. Isso inclusi- ve não era meu papel, mas dos ministros. Se eu fosse me aprofun- dar nesse sentido não fazia mais nada. O combate à subversão era um dentre os muitos temas que eu tinha que atender. Era um dos problemas. Eu também não podia ser radicalmente contrário ao combate. Podia ser contrário aos métodos, aos procedimentos, à ma- neira de combater, e sobre isso eu muito conversava, e muitas vezes procurava convencer. #

22 - Congresso, governadores

e oposição civil

Como foi o seu relacionamento com a área política?

Na área da Arena, não tive maiores problemas. De vez em

quando havia reivindicações pessoais, mas de um modo geral eu con-

vivia bem com a Arena, inclusive pela ação do Petrônio Portela, que

atuava principalmente no Senado com um grande poder de lideran-

ça. Na Câmara também havia elementos capazes, como Marco Maciel

e Francelino Pereira. Havia ainda o José Bonifácio, que era um políti-

co hábil, e o Célio Borja, que às vezes divergia um pouco porque era

mais liberal. O problema maior era a oposição. E na oposição desta-

cavam-se os radicais, o que às vezes nos levava à cassação.

A Arena tinha convenções periódicas, nas quais eram escolhidos

seus líderes. O senhor participava dessas convenções, orientava so-

bre quem deveria ser indicado?

Além daqueles maís ligados a mim, que já mencionei, eu tinha

outras ligações na Arena por intermédio do Golbery e do próprio

Falcão. Então, os problemas da Arena eram conversados e discuti-

dos com essas pessoas. Houve várias convenções a que compareci.

Houve uma sobre o problema da cidade e do campo. Também havia #



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conversas para a escolha do presidente da Câmara, dos líderes etc., mas nunca forcei soluções. O líder na Câmara durante muito tempo foi o Zezinho Bonifácio. Era um homem que vinha de regimes ante- riores, o que era muito bom porque ele não tinha cócegas, conduzia o seu problema facilmente. Mas de vez em quando desgarrava com uma loucura que destoava do que nós pretendíamos ou imagináva- mos. Às vezes eu o chamava e, após minhas observações, ele se dis- punha, sem dificuldades, à retificação. Era hábil, era do ramo, no qual já vivia havia muitos anos.

A Arena o auxiliou no seu projeto de distensão política, ou era um partido sem iniciativa?

Ela podia ter sido mais combativa. Tinha alguns elementos combativos. Não sei se o que houve foi falta de convicção, mas po- dia ter ajudado mais.

Nas eleições legislativas de 1974, no início do seu governo, houve um crescimento do MDB. Issofoi decorrência do seu projeto de dis- tensão? Ou seja, a censura foi abrandando, e com isso a oposição ganhou uma oportunidade maior de se expressar?

Pode ter sido, não sei. Indiscutivelmente em 74 a oposição te- ve um bom avanço. Na Câmara dos Deputados nem tanto, mas no Senado conseguiram muitas cadeiras. Em parte isso se deveu à pro- paganda, mas houve também outras razões. Antes da eleição para o Congresso foram eleitos os novos governadores, e não sei como foi a sua ação política. Talvez os nomes escolhidos como candidatos da Arena ao Senado não fossem os melhores. Em São Paulo, o candi- dato era Carvalho Pinto, um homem de primeira ordem. Tinha sido governador do estado e ministro da Fazenda do Jango. Era consi- derado probo, capaz, com grandes qualidades morais. Pouco tempo antes da eleição, Carvalho Pinto teve um enfarte. Paulo Egídio me te- lefonou e perguntei-lhe por que não o substituía por outro candida- to. Ele achou que não dava mais. Carvalho Pinto enfartado, no hos- pital, continuou candidato e, naturalmente, foi derrotado. Não podia fazer campanha. Aí criou-se a figura do Quércia, que era prefeito de Campinas e se elegeu senador. No Rio Grande do Sul foi o Bros- sard que se elegeu pela oposição. Acho que as escolhas dos nossos candidatos não foram boas. Embora continuássemos a ter a maioria no Senado e na Câmara, a vantagem da Arena diminuiu. Já não tí- #



nhamos mais o quorum necessário para fazer reformas constitucio- nais. E aí vieram críticas ao meu governo. Pode ser que o meu go- verno tivesse culpa por esse resultado eleitoral, não sei. Também não sei até que ponto pesou a influência do governo anterior. Mas encarei o resultado como um fato natural.

De queforma o governo anterior teria influído no resultado da eleição?

Não sei se o crescimento da oposição não era um reflexo do governo do Médici, que nos últimos tempos não se interessou pelo quadro político. Ele tinha tal superioridade numérica no Congresso e na opinião pública, a Arena estava tão poderosa, dominando a área política, que se acreditava que as vitórias anteriores iriam se re- petir. Não houve a preocupação de fazer uma análise mais profunda da situação política. Não estou atribuindo a culpa ao Médici, mas, ao fazer uma análise fria, pode-se admitir essa hipótese.

O senhorfazia campanha para os candidatos da Arena?

Não fiz propriamente campanha. Procurei motivar os governa- dores. Às vezes, nos lugares aonde eu ia, abordava-se o problema eleitoral, e eu não podia me eximir.

O senhor achava que isso era um dever do presidente da República?

Era um dever naquelas circunstâncias. Eu era o presidente da República, mas a minha origem, a minha formação e a razão de eu ser presidente era que eu vinha da área revolucionária. Então, se co- mo presidente eu tinha prerrogativas, também tinha responsabilida- des. Além do mais, eu era presidente de honra da Arena. Para ser candidato à presidência da República, tive que me filiar à Arena.

Esse crescimento do MDB teve algum aspecto positivo para o seu governo?

Acho que não. Acho que a oposição, tendo crescido, se tornou mais virulenta, e essa virulência gerou uma reação e um fortaleci- mento da linha dura. Se a oposição tivesse uma melhor compreen- são das minhas intenções e fosse menos radical, talvez se conduzis- se de outra forma. Mas se exacerbaram: "Vamos aproveitar!" #



<384 ERNESTO GEISEL>

Em 1975, foi feita a fusão do estado da Guanabara com o estado do Rio de Janeiro. Há uma versão segundo a qual o objetivo da fusão teria sido neutralizar aforça do MDB na cidade do Rio de Janeiro.

Não é verdade, tanto assim que quando Faria Lima deixou o governo, o MDB ganhou de novo a eleição com Chagas Freitas.

Célio Borja, além de presidente da Câmara, teve um papel impor- tante na fusão.

Não me recordo de detalhes da atuação do Célio Borja, mas participei, e muito, da questão da fusão. Procuramos atuar no senti- do de melhorar a divisão administrativa do país. Na divisão em es- tados, que é uma divisão histórica, originada nas capitanias hereditá- rias, temos estados pequenos, como Sergipe e Alagoas, e temos monstros, como Mato Grosso, Amazonas, Pará, Minas Gerais, Bahia. A divisão é muito irregular. Acreditamos que, com o tempo, com a evolução, haverá fracionamentos. O Brasil vai ter, futuramente, 30, 40, ou mais estados.

No caso do Rio de Janeiro, quando a capital foi transferida pa- ra Brasília, ficamos com a aberração da Guanabara, que passou a ter o mesmo status, a mesma posição política que os outros esta- dos e, no fundo, era apenas uma grande cidade. Do ponto de vista histórico, a Guanabara era parte do estado do Rio de Janeiro. No tempo do Império, tornou-se o Município Neutro, onde o imperador e seu primeiro-ministro mandavam. Depois, mandava o presidente da República. Achávamos que a solução lógica era incorporar a Gua- nabara ao Rio de Janeiro, e foi o que se fez. O Congresso aprovou a fusão, e escolhi para primeiro governador, a quem cabia fazer a fu- são, o almirante Faria Lima. A operação não foi fácil: imaginem fun- dir as polícias, a área escolar, o professorado, a Justiça... Mas Faria Lima soube levar adiante. Havia resistências no estado do Rio. Ain- da hoje em dia querem retornar à situação anterior. Com a fusão, perderam-se três senadores, um governador, um secretariado, um tribunal de justiça, uma assembléia estadual. Quantos empregos os políticos perderam! Reagem até hoje. Há jornais do antigo estado do Rio que ainda falam mal da fusão e querem o retorno com o des- membramento. #



Quem foi o mentor da fusão?

Isso já estava nas minhas cogitações antes de assumir a presi- dência da República. Já era um assunto que se analisava e desde então foi acertado. Depois aprofundou-se o estudo. Golbery Heitor e Petrônio prepararam a solução. Estudou-se como se tinha de fazer e preparou-se a legislação. Reclamam de eu não ter feito um plebisci- to. Ia ser dispendioso e eu não pretendia mudar a minha decisão. Acho que a fusão foi uma solução adequada, que vem proporcionan- do bons resultados. O norte do estado adquiriu maior desenvolvi- mento, crescendo economicamente, apesar do distanciamento dos centros de consumo e dos portos de exportação.

Havia também o projeto de transformar o território de Rondô- nia num estado. Fui contrário, considerando que lá não havia ainda pessoas suficientemente habilitadas para formar uma assembléia le- gislativa, um tribunal de justiça, para serem eleitas senadores, depu- tados etc. Mais tarde, Figueiredo fez a mudança. Segundo o meu ponto de vista, cometeu-se um grave erro, uma barbaridade, ao se elevar prematuramente Rondônia, Amapá e Roraima a estados e ao se criar o estado de Tocantins.

Por que uma barbaridade?

Porque não há infra-estrutura, não há gente. Um estado des- ses tem que fazer três senadores, oito deputados federais, tem que ter juízes, uma assembléia legislativa, uma universidade. Não há co- mo, porque não há gente adequada. Passa a ser uma ficção de esta- do, própria para dar empregos à custa do governo federal, que conti- nua a pagar os funcionários que lá existiam anteriormente. No Acre, até hoje é o governo federal que paga o funcionalismo. A massa do funcionalismo é constituída pelos antigos funcionários do governo fe- deral. Foi pura demagogia da Constituinte.

No meu planejamento, íamos criar um território, que é esse atual estado de Tocantins. Como já estava quase no fim do meu go- verno, resolvi não fazer. Pois bem, acabaram criando um estado. Era uma região deficitária do estado de Goiás, que queria a separa- ção porque se livrava dos encargos. A separação foi feita para aten- der ao deputado Siqueira Campos. #

<386 ERNESTO GEISEL>

Que estados lhe deram mais trabalho em seu governo?

Houve governadores que me decepcionaram, por serem relati- vamente medíocres. No Maranhão, por exemplo, houve um proble- ma difícil na indicação do candidato a governador, por causa do con- flito existente entre Sarney e Vitorino Freire. Eu era amigo havia vá- rios anos do Vitorino Freire, como também depois fui do Sarney. Eram completamente irreconciliáveis. E o Vitorino era muito desabri- do. Dizia desaforos de todo jeito sobre o Sarney. Então acabei por escolher um governador por indicações. Era um homem probo, mas estabanado, relativamente medíocre.77 Fui só uma ou duas vezes ao Maranhão. Era um estado que eu imaginava que podia ter maior de- senvolvimento, como estado de transição entre a área da seca e a área amazônica, mas não foi possível fazer muita coisa, por causa do governador. Assim mesmo se fez alguma coisa, quando se resol- veu explorar o minério de ferro de Carajás. Havia um problema en- tre o Pará e o Maranhão. O Pará queria que o escoamento do miné- rio de Carajás fosse feito por Belém, queria fazer um terminal marí- timo já fora do estuário do Amazonas, para onde o minério seria transportado em barcaças pelo Tocantins. A outra solução era fazer um porto em Itaqui, na área de São Luís do Maranhão, e levar o mi- nério para lá por via férrea. uando assumi o governo estava esse problema plantado. Minha decisão foi ir por Itaqui, porque transpor- tar milhares de toneladas de minério de ferro em barcaças pelo rio Tocantins não me parecia viável. Não se teria rendimento. Então se fez a ferrovia para Itaqui, e isso ajudou a desenvolver o Maranhão.

No Amazonas, o candidato a governador foi indicado pelo Mo- raes Rego. Mas também era um problema, era um pobre de espíri- to, e por isso não se conseguiu fazer quase nada.78 Rio Grande do Norte e Minas eram os dois únicos estados cujos governadores, pe- las constituições estaduais, tinham mandatos de cinco anos e não de quatro. Era uma imitação do governo federal, onde o presidente tem mandato de cinco anos. Eu me empenhei em acabar com isso. Mandei fazer um entendimento com o governádor de Minas, Rondon Pacheco, um homem de primeira ordem, que muito razoavelmente concordou com a redução do seu mandato. Fez-se uma emenda à

77 Trata-se de Osvaldo da Costa Freire Nunes. 78 Trata-se de Enoc Reis. #

Constituição do estado e, para substituí-lo, foi eleito Aureliano Cha- ves. Quando se tratou do Rio Grande do Norte, o governador não concordou e foi passear no estrangeiro, gozando a vida. Pareceu-me um verdadeiro desafio. Afinal foi substituído, como os outros, e o novo governador, Tarcísio Maia, foi muito bom. Acabei cassando es- se ex-governador com o AI-5.79

Os outros governadores, de um modo geral, eram bons. Com eles não tive maiores problemas. Alguns estados foram muito ajuda- dos. Ao Espírito Santo, por exemplo, dei grande apoio. É um estado que tem muitas possibilidades para se desenvolver e que hoje em dia está muito bem. Outro estado que também teve muito apoio do meu governo foi Santa Catarina. Mato Grosso também. Piauí foi um estado muito ajudado, inclusive porque o Veloso é de lá e conhece sua penú- ria. Os governadores, de modo geral, me apoiavam e trabalhavam bem.

Com que governadores o senhor tinha um contato pessoal mais estreito?

Eu me dava muito bem com o governador de São Paulo, Pau- lo Egídio Martins. Era amigo meu, tinha pontos altos e pontos bai- xos, mas foi um bom governador. Seus maiores problemas eram com os excessos da área revolucionária, aos quais era contrário. Eu me dava muito bem, também, com o governador de Minas, Aurelia- no Chaves. É meu amigo até hoje. O governador do Rio de Janeiro, Faria Lima, era meu amigo, fora comigo diretor da Petrobras. Tam- bém me dava bem com o Élcio Álvares, do Espírito Santo, senador hoje em dia. De modo geral eu não fazia grande distinção entre eles. Procurava, sempre, conviver em harmonia.


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