Le Courrier de Lusotopie


Texto de orientação científica



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Texto de orientação científica

Certas imagens são muito duradoiras. Assim uma marca conhecida de vinho do Porto cobre periodicamente a França de cartazes elegantes que jogam com o contraste entre uma silhueta de mulher inteiramente vestida de preto, levando à cabeça uma pesada carga, no primeiro plano, e no fundo uma paisagem luminosa, com casas de cores vivas. Para vender o seu produto, esta marca aposta assim numa imagem arcaizante de Portugal, este « Portugal do antigamente » que o Norte da Europa tanto gosta de visitar no Verão... Ora, se uma publicidade como esta atinge o seu objectivo mercantil, é porque corresponde a uma imagem mental ainda profundamente difundida no público-alvo.


Argumentário


Apesar desta imagem persistente, Portugal conheceu desde o 25 de Abril não só uma revolução democrática, como também uma impressionante mutação económica e social. É agora uma nação moderna da Europa. Claro que continua a haver problemas, mas de toda a evidência reduziu-se muito o contraste entre este país e a Europa « forte », por vezes chamada « banana azul ».

Ora Portugal, ao mesmo tempo que é esta nação moderna da Europa, é também o mais antigo Estado-Nação da Europa com fronteiras (quase) estáveis. Do ponto de vista identitário o país cumula assim precocidade e longevidade, mesmo se admitirmos que a identidade é uma recriação permanente. Na definição da identidade portuguesa contemporânea, confrontada ao duplo desafio da integração europeia e da mundialização, o peso da História é por isso considerável, talvez maior do que em qualquer outra parte. Isto provoca por vezes contradições, tal como se verificou na altura da Expo'98. O objectivo estratégico do Governo português era oferecer aos milhões de visitantes estrangeiros esperados uma imagem do país radicalmente modernizada. Mas para o efeito apostou-se fortemente na evocação do passado dos Descobrimentos, com um tema central sobre os « Oceanos », uma nova ponte « Vasco da Gama », uma nova estação ferroviária « Oriente »... Daí resultou uma certa confusão entre objectivos modernistas e referências arcaizantes: as invocações quinhentistas também deviam representar o país moderno, em rápida mutação, o do ISCTE, do ICS, do IST ou de Siza Vieira, de José Saramago ou de General D.

Todas as nações têm um lógico orgulho do seu passado. A particularidade portuguesa talvez seja de fazer deste passado, hoje em dia ainda, um elemento-chave da problemática política. Por isso qualquer tentativa de definição do que significa hoje em dia o conceito « Portugal » deve integrar o tempo, a longa duração. Tanto mais que neste caso a longa duração não é só a de uma sociedade, mas também a de um Estado e de uma nação.
A ideia mestre das Quartas Jornadas de Estudos internacionais da Lusotopie é reunir e fazer dialogar medievistas e especialistas de ciências políticas, geógrafos e peritos em relações internacionais, literários e antropólogos, para reflectir nesta « fecunda tensão » que resulta da coincidência entre estas duas constatações: 1. Portugal é uma nação moderna da Europa; 2. Portugal é o mais antigo Estado-Nação da mesma Europa com fronteiras constantes.

Objectivos


Estudar uma Nação na longa duração é um grande desafio que necessita focalizar a atenção sobre um número limitado de sub-temas. Tencionamos assim estruturar a reflexão em função das seguintes « grandes interrogações » (cuja ordem aqui apresentada poderá ser modificada):

– a relação de Portugal com a sua própria História e a sua identidade estatal

– a relação de Portugal com a Ibéria (Espanha, Galiza...)

– a relação de Portugal com o seu próprio espaço nacional (centro/periferias, Conti-nente/ilhas, litoral/interior, Norte/Sul, Lisboa/Porto, regionalização/municipalismo...)

– a relação de Portugal com o seu espaço/língua e cultura (lusitanidade/lusofonia)

– a relação de Portugal com o espaço-mundo (Atlântico, Europa, Norte/Sul, África...)

– será o 25 de Abril solúvel na história portuguesa? (terá sido ruptura ou mera peripécia, verdadeiro arranque ou simples sobressalto?)

– Portugal, uma tranquila certeza de ser - mas como, para quê, e para fazer o quê?

Seguem para cada uma algumas pistas possíveis, nem obrigatórias nem limitativas, no mero intuito de incentivar a reflexão.
1. A relação de Portugal com a sua própria História e a sua identidade estatal

– O Estado português é um Estado-Nação que, apesar de uma história atribulada, não conheceu uma ruptura tão fundadora como a que viveu a França em 1789-1793. Então qual é a sua natureza, quais as suas referências essenciais?

– No decorrer do processo de afirmação indentitária, de que maneira foi, e é, (re)construída a história da independência portuguesa (e das suas sucessivas refundações)?

– Qual é a parte deste processo que pode explicar e caracterizar a relação entre Estado e cidadão?

– A tradição corporativa portuguesa parece resultar em grande medida de um esforço do Estado monárquico para controlar a burguesia. Pelo contrário, o corporativismo mais conhecido no resto da Europa decorreu do desejo de autonomia da burguesia em relação ao Estado: como explicar esta diferença?

– Porquê e de que maneira a história nacional continua a ser um elemento importante do debate político actual? Quais as consequências?

– Como explicar a formidável mobilização popular de 1999 em prol de Timor, sem ter em conta a resistência ao tempo do velho mito asiático? Como explicar, por outro lado, o silêncio quase total relativamente a Angola?
2. A relação de Portugal com a Ibéria (Espanha, Galiza...)

– Como explicar a fraqueza dos laços históricos com a Galiza?

– Como se traduz hoje em dia o jogo do balançar permanente entre iberismo e atlantismo?

– Há actualmente uma entrada em força dos investimentos espanhóis, que de uma certa maneira substitui a velha dependência inglesa, mas também a relativa variedade dos laços económicos que manteve o país a seguir ao 25 de Abril. Se olharmos com o recuo histórico para a evolução das relações económicas portuguesas, como qualificar afinal o papel dos laços com o país vizinho, na dupla procura da autonomia e do equilíbrio na multidependência?

– Sentidos e usos da noção de fronteira, de raia.

– Como conciliar o centralismo português e a facilidade com que foi oficialmente reconhecido o mirandês, dialecta/língua ibérica mas não lusitana?

– Como conciliar o tradicional juridismo português e o pragmatismo da sua vivência fronteiriça (touradas de Barrancos, estatuto de Olivença, política da água...)?

– Pode haver muitas interferências, mais ou menos encobertas, entre o jogo Portugal/Espanha e os jogos internos do próprio Portugal (província/Terreiro do Paço, Norte/Sul, Porto/Lisboa...): em que medida Espanha é actor e/ou pretexto do debate político e territorial português, tal como Portugal o é no jogo entre Galiza e Madrid?


3. A relação de Portugal com o seu próprio espaço nacional (centro/periferias, Conti-nente/ilhas, litoral/interior, Norte/Sul, Lisboa/Porto, regionalização/municipalismo...)

– Tendo outra vez em conta as fortes similitudes entre os centralismos francês e português, como explicar o contraste entre o debate francês sobre a Córsega e o consenso sobre a larga autonomia dos arquipélagos luso-atlânticos, inclusivé com bandeiras próprias?

– Pondo de lado o caso das « Ilhas adjacentes », como explicar a fraqueza relativa das identidades regionais em Portugal? Resulta tão somente das modestas dimensões do país?

– Aliás, serão afinal tão fracas estas identidades como geralmente se afirma? Não serão pelo contrário bem assumidas, só que de uma maneira de que não conseguem dar conta os discursos hoje dominantes em matéria de identidade territorial? Mas então como, e porquê? Será por afirmação incontrolada do bairrismo/municipalismo, ou por mudança dos próprios territórios, ou ainda por mutação das maneiras de se identificar (o subúrbio em vez da província, o grupo em vez do lugar...)?

– Qual a responsabilidade da história, em particular da época contemporânea (desde o liberalismo até ao Estado Novo), nestas eventuais especificidades das afirmações regionais?

– Aos contrastes clássicos (entre províncias, Norte/Sul...) sobrepõem-se agora, com a evolução económica e sociocultural, outras distorsões regionais, que também acabam por ter traduções em termos de identidade regional (litoral/interior, cidade/campo...) e até consequências políticas (recusa da regionalização no referendo de 1998). Como pode evoluir esta sobreposição de recortes indentitários, quais as suas consequências na fragmentação identitária, e na relação entre cidadão e espaço nacional?

– Por outro lado, de que maneira poderá a modernidade necessária na gestão territorial actual conviver com a agora sólida tradição municipalista a nível dos concelhos, ao mesmo tempo muito grandes (por exemplo em comparação com os seus equivalentes franceses, as pequenas « communes ») et muito pequenos em relação ao nível de gestão e poder regional que se desenvolve um pouco em toda a Europa menos aqui (por exemplo estas regiões que foram recentemente rejeitadas?

– Municipalismo, bairrismo, caciquismo: em que consistem eventuais particularismos portugueses e como se explicam? Em que medida o municipalismo actual é inovador e também herança, mais ou menos encoberta: a) de verdadeiras tradições genuinamente populares; b) do liberalismo/elitismo oitocentista controlado pelo sistema rotativista (cf. olhares ferozes dos romancistas da época: J. Dinis, Camilo, Eça...); c) do Estado Novo, que favoreceu sistematicamente o patriotismo local, ao mesmo tempo como incarnação prática da sua ideologia autárcica e como compensação à proibição da crítica política)?

– Evoca-se por vezes a possível constituição de um eixo "nortenho" Porto/Vigo (ou Porto/Santiago, nem sempre com os mesmos apoios aliás...), modificando a geopolítica interna regional, nacional e peninsular. Manobra (de quem e para quê?) ou realidade possível?

– Que destino para o regionalismo das ilhas adjacentes na época da mundialização? Qual o custo admissível para manter operacionais noções como as de "continuidade territorial" ou de "solidariedade territorial"?


4. A relação de Portugal com o seu espaço/língua e cultura (lusitanidade/lusofonia)

– Qual a imagem que tem Portugal da lusofonia? Será a de uma mera dilatação da lusitanidade? Qual a imagem que ele tem do Outro? Qual a imagem, por outro lado, que a lusofonia, por ser mundial, lhe dá de si mesmo?

– Será realidade o auto-proclamado (por quem e quando?) « país de brandos costumes », a proclamada ausência de racismo em relação ao Outro, nomeadamente os presentes no espaço português: trabalhadores imigrados, minorias étnicas (ciganos)..., mero tabú ou exagerada prudência política em relação a questões que podem explodir dentro em breve?

– Como explicar a enorme importância da literatura na vida portuguesa e no identitário nacional?

– Como é que Portugal pode utilizar as situações de ponto de intersecção em que se encontra (Europa/lusofonia)?

– Como gerir a língua (comum, partilhada?) com os países parceiros, a relação com os crioulos, e sobretudo com o irmão gigante (Brasil)?


5. A relação de Portugal com o espaço-mundo (Atlântico, Europa, Norte/Sul, África...)

– Como se define Portugal dentro dos novos espaços (Europa, mundialização)?

– Como explicar a força do mito brasileiro em Portugal, em contraste com a fraqueza do mito português no Brasil, e a raridade dos estudos brasileiros em Portugal, a não ser em literatura?

– Como explicar a fraqueza dos partidários da descolonização no decorrer dos anos sessenta, inclusivé no interior do regime então vigente e nas suas elites? Porque é que naquela altura a burguesia portuguesa não seguiu este caminho? Como se explica o facto que ela não seja, por exemplo, de tipo « holandês » (país também de dimensões modestas), com forte tradição de exportação de capitais?

– E hoje em dia, qual a relação da mesma burguesia com os « subsídios » europeus, dos quais se diz que o país não pode viver sem eles, tal como não podia viver sem as colónias? Poderá o surto recente e impressionante das relações económico-financeiras com o Brasil inverter esta tradicional fraqueza da extraversão?

– Diz-se geralmente que Portugal foi um "bom aluno" no uso dos fundos estruturais europeus, enquanto que a Grécia teria sido o "aluno mau". Quais as razões de fundo? Meramente políticas e governementais, ou também socioculturais? Não seria necessário para compreendê-las estudar a formação social das elites portuguesas?

– Qual o papel de Portugal nas relações externas e no imaginário dos países que colonizou, desde o Brasil (uma independência sem descolonização), passando por Goa (uma descolonização sem independência), pela África (uma libertação praticamente sem transição), até Macau (uma descolonização negociada) e Timor (uma descolonização fortemente « externa », mas que paradoxalmente deu importante papel simbólico à antiga metrópole)?

– O que também levanta o problema da lusofonia: mesmo que definitivamente abandonadas as nostalgias du lusotropicalismo, como definir uma lusofonia que não seja mera expansão da lusitanidade?


6. Será o 25 de Abril solúvel na história portuguesa? (terá sido ruptura ou mera peripécia, verdadeiro arranque ou simples sobressalto?)

A revolução do 25 de Abril foi por vezes apresentada como sendo uma « revolução residual » do passado, que se explicava pelo atraso de um Portugal mantido pela ditadura em estado arcaico. No entanto, foi um momento democrático de grande importância, em que surgiram algumas das interrogações que vão ser também as do século XXI na Europa.

– Por exemplo, qual a ligação entre democracia, modernidade e modernização? Na altura, a ideologia liberal ainda não imperava por inteiro, nem era tida por sinónima da modernidade. Como ver o problema hoje, e a maneira como foi então discutido?

– Outra questão levantada em consequência deste momento histórico: ainda existirá um capitalismo português?

– Em que medida a internacionalização da economia nacional, aberta primeiro pelo 25 de Abril e a seguir pela integração europeia (1986), afinal modificou a sua secular dependência em relação ao estrangeiro? Terá sido tão somente pela substituição dos principais parceiros (Alemanha, França e Espanha por exemplo em lugar do Reino Unido e do antigo Ultramar), das vias utilizadas (rodoviária e aérea em vez de marítima e ferroviária) e dos tipos de trocas (industriais ou turísticas em vez de agrícolas e migratórias), ou também terá havido, de maneira mais essencial, uma transformação na repartição dos tipos de tarefas, funções e graus de autonomia relativa?

– As rápidas mutações económicas tiveram evidentemente consequências sociais, tanto no próprio país como sobre a emigração. Serão justificados os sonhos de « Califórnia europeia »? Ainda se pode falar de classe operária e de camponesinato portugueses, ou será que a evolução dos tipos de actividades e de pluriactividade terão realmente dado origem a novas formas de relações sociais, a novos tipos de tensões e conflitos, para os quais seria preciso outros modos de pensar as dinâmicas sociais?

– A emigração, em vez de forma de acesso a uma vida melhor, não terá afinal transformado os que partiram, e que ainda vivem fora do país, em « vencidos da História », afinal menos « modernizados » que os que ficaram na terra? E no entanto, não são eles os primeiros verdadeiros "europeus"?

– Como Portugal vive e pode viver a sua recente transformação em terra de imigração?


Por fim, umas reflexões transversais : Portugal, uma tranquila certeza de ser – mas como, para quê, e para fazer o quê ?

Portugal é com toda a certeza um dos países da Europa que hoje em dia menos se interrogam sobre a sua identidade, as suas fronteiras, a justeza da sua existência enquanto Estado... Interroga-se muito sobre si próprio, isto sim, mas não para encontrar justificações da sua existência, nem da sua coerência, nem para se convencer da sua genuinidade essencial.

– Então para quê? Em que consiste a angústia existencial portuguesa? Foi, e já não é, terra de ideologia oficial, terra de missionação. O país tinha vocação: para a descoberta; a cristandade; os valores do passado; e até fugazmente para reinventar a revolução, ou o humanismo. Mais recentemente substituiu este tipo de objectivos grandiosos por um mais prático e limitado, bem concreto: a modernização. Está mais ou menos atingido. E agora?
O projecto das Quartas Jornadas de Estudos Internacionais de Lusotopie é uma iniciativa luso-francesa, em parceria CENPA /Associação Lusotopie, e espera poder inserir-se no âmbito de « Porto 2001 ».

Por ser o Norte de Portugal berço histórico da nação portuguesa; por se apoiar nos sólidos e multifacetados laços que unem as duas cidades gémeas de Bordéus e do Porto; enfim pela coincidência deste projecto com o evento Porto-Capital europeia da Cultura, os organizadores optaram por organizar estas Quartas Jornadas de Estudos Internacionais de Lusotopie nesta cidade do Porto.


Projecto de texto submetido à discussão pública

redigido por Michel Cahen (Lusotopie) e François Guichard (CENPA)

Bordéus, Abril/Outubro 2000



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