Maria Iara Santos Deodoro



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Maria Iara Santos Deodoro




FAMÍLIA MONOPARENTAL CHEFIADA POR MULHER: UMA HISTÓRIA DE RELIGAÇÂO COM O MUNDO E AUTO-ECOORGANIZAÇÂO.




Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Serviço Social, da Universidade Luterana do Brasil - ULBRA, para obtenção do título de Assistente Social.

Orientadora: Profª. Kelinês Gomes


Canoas


2007

Dedicatória

Á minha mãe

Por toda a resilhência para cuidar e sustentar nossa família, cuja história está inserida nesse trabalho.

Te Amo.

Agradecimentos

Ao meu Deus, que é de todos nós, e aos Orixás que me acompanham em todos os momentos da minha vida.


Ao meu marido Paulo, minhas filhas Paola, Edjana, Khadija, meu filho Luciano, nora Lucimar e neta Mikaella, por ser a minha família.
Á filha Didi, pela disponibilidade e companheirismo nas madrugadas de estudo.
Á filha do coração e colega Jaqueline, pela oportunidade de ser tua ‘mãe’.
Á turma do Afro-Sul/Odomode, pela parceria e confiança no meu trabalho.
Á minha amiga psicopedagoga, Marilene Pare, por estar comigo nos meus momentos de transformação.
Ao grupo de mulheres, as quais chamei de Angola, Luanda, Nigéria, Namíbia, Gana, Gâmbia, Chade, Benin, Guiné e Ruanda, por nossas transformações.
Á assistente social Keila Dias, minha supervisora de campo, que em momento algum me abandonou e vibrava com a forma com que eu conduzia cada encontro.
Ao Prof. Dr. Arno Scheunemann por me apresentar a complexidade.
Á Profª. Drª. Kelinês Gomes, minha supervisora acadêmica, hoje minha orientadora, minha mestra maior, que suavemente me conduziu ao encontro com a complexidade. Com carinho e paciência acompanhou minha lenta, mas consciente, auto-ecoorganização.

Sumário
Introdução


  1. Família, séculos, família.

    1. Família africana, muito além da consangüinidade.

    2. Resistência cultural.

    3. A espiritualidade.

    4. Livre das correntes, presos á miséria.

    5. Transformações históricas de modelos de família.

  2. Monoparental e também mulher.

    1. Simplesmente, Eu Mulher.

    2. Espiritualidade e Corporalidade, estratégias para a auto-ecoorganização.

  3. Odomode, a realidade que sonhei.

    1. Chegando ao mesmo lugar.

    2. Despertar sob a luz dos Orixás.

      1. A ajuda.

      2. Liberdade de escolha.

      3. E assim nasce uma mulher.

      4. Superando seus limites.

      5. Visível ou invisível: a dor é real.

      6. A apropriação do espaço.

      7. Direitos são para quem os conhece.

      8. Beleza, uma questão de visão.

      9. O fim para um novo inicio.

Considerações finais


Referencias bibliográficas
Anexos

Introdução
Apresento este trabalho que intitulei de ‘Família Monoparental Chefiada por Mulher: Uma História de Religação com o Mundo e de Auto-ecoorganização’, com o propósito de legitimar meu processo interventivo curricular acadêmico, do curso de Serviço Social na Universidade Luterana do Brasil. Este trabalho de intervenção foi vivenciado durante os dois semestres do ano de 2006, estendendo-se á 2007/1, período que reservei para redigir as experiências passada nesse processo em forma de trabalho de conclusão de curso.

Durante esta experiência trabalhei com mulheres, na maioria chefes de família monoparental, provedoras e cuidadoras de sua prole. A partir da criação do grupo multifamiliar1 convivemos durante três meses e nos conhecemos mais intimamente, estabelecemos vínculos mais estreitos, trocamos saberes, risos, lágrimas. Juntas emocionamo-nos com os relatos umas das outras e encontramos possibilidades de mudanças em nossas próprias histórias de vida.

A busca por um grupo hologramático2 (onde uma representa o grupo, e o grupo representa todas) onde a parte está no todo, assim como o todo também está na parte (Morin, 2000), e a elaboração de encontros dinâmicos e criativos, foi um grande aliado na assiduidade das mulheres, assim como no resultado. Resultado que aconteceu para cada uma de maneira diferente, respeitando o tempo e o espaço em particular, de cada uma.

Outro fator relevante para o grupo foi o novo olhar para a prática profissional, com respaldo epstemiológico3 do paradigma da complexidade, que me permitiu transitar por caminhos de dúvidas e questionamentos, sobre as verdades e não verdades, acompanhada de quatorze mulheres rumo á auto-ecoorganização4.

Divido este trabalho em três capítulos, para explicitar por quais caminhos andei na história da família e do povo negro, relatando algumas intimidades, sofrimentos e transformações pelos séculos afora. Para abordar a mulher que mesmo sendo monoparental e com enormes responsabilidades, de sustento e cuidado com a família, não deve esquecer-se ser Mulher, assim viajei pelo ontem, para entender o hoje e, se necessário, mudar o amanhã.

No primeiro capítulo apresento a família, abordando a família negra desde a escravidão até os tempos atuais, com o propósito de chamar a atenção para as especificidades que envolvem esta etnia, possibilitando assim um melhor entendimento dessa família hoje. Não diferente abordo a família caucasiana, que ao longo dos séculos apresenta transformações, assim como a família negra, acompanhando a evolução do mundo, a qual interage e abre espaço para novas configurações familiares diferente do modelo tradicional que ainda figura como padrão, mas que não é o único. A contemporaneidade evidencia as novas configurações familiares, onde dou vistas á família monoparental chefiada por mulher, e a mulher chefe de família.

O segundo capítulo se refere á família monoparental chefiada por mulher e mulher chefe de família que, apesar de nos dois casos a mulher ser a líder da família, são conceitos diferentes. Sendo este o espaço em que dou vistas á essa mulher que atende a tudo que sua família necessita, sem atender suas próprias necessidades. Vejo a mulher negra como exemplo do provável surgimento dessa configuração de família. Logo trago a importância do fortalecimento da mulher, sujeito independente de suas outras funções e papéis, e as possibilidades e benefícios que podem encontrar também na espiritualidade e corporalidade.

O terceiro capítulo eu reservei para a apresentação da instituição na qual desenvolvi as transformações que esta passou, assim como minha íntima implicação em relação a ela. Trago também o processo interventivo do Serviço Social na instituição e o relatório da minha prática profissional, através de quatorze encontros, sob a luz dos Orixás.

Finalizo este trabalho com as minhas considerações finais, que não encerram meu fazer profissional, mas estabelece um marco que encerra uma primeira fase e abre caminhos para, quem sabe, muitos outros. E por último apresento as referencias bibliográficas, que aprendi a trabalhar e valorizar, pela importância na construção desse trabalho, o valor da sustentação teórica.


  1. Família, Séculos, Família

Independente do tempo e do espaço, das transformações, do formato, da moral e dos costumes, a essência da família é sempre a mesma . Formada por um conjunto de pessoas, liderada por um dos membros, que agrega e protege, sem entrar no mérito da visão de cada época e da realidade cultural, econômica, social e política, a família por séculos assim permanecerá, pois estudiosos apontam que não há sinais de que esta instituição tão antiga e flexível esteja sentenciada ao fim, (Wagner, 2002), uma vez que se movimenta e se molda acompanhando a evolução da humanidade, se re-significando em cada realidade.

É muito recente o estudo das famílias no Brasil, somente nas últimas décadas, surgiu o interesse dos estudiosos em aprofundarem-se na compreensão da dinâmica familiar brasileira na atualidade, pois trata-se de "um fenômeno nem sempre tão simples de definir e até mesmo pesquisar", segundo Wagner (2002). A história da família brasileira acompanha e retrata a evolução da Europa, sem muito preocupar-se em construir sua própria história e sem aceitar as culturas indígena e negra que também fizeram parte desse processo histórico. Os índios, como já habitavam o Brasil, resistiram à escravidão que lhes foi imposta naquela sociedade pelos colonizadores. O conhecimento do território e a extração de suas necessidades da natureza para a própria sobrevivência foram fatores de grande contribuição para explicar por que a maioria dos índios não se deixou escravizar, trazendo, inclusive, prejuízos para o colonizador. Segundo Silveira e Mello:
Como estavam em seu chão, estes fugiam com relativa facilidade e, a princípio, ainda tinham força suficiente para, organizados, contra-atacar os agressores de seu mundo, destruindo-lhes plantações e construções fortificadas. (2001:10)

Desta maneira os indígenas travavam batalhas bem sucedidas e provocavam destruição em plantações e construções, o que acarretava gastos e perdas que os latifundiários e comerciantes passaram a considerar excessivamente pesados para o empreendimento. Dessa forma, iniciava-se o processo de exclusão/inclusão, uma vez que o índio não se deixou escravizar e que foi excluído da sociedade iniciada pelo colonizador para se incluir na própria terra. O homem branco teve dificuldade em aproximar-se do índio para escravizá-lo, afinal eram eles os donos daquela terra e como tal, a conheciam como ninguém.

Para reverter esse quadro, os colonizadores encontraram uma solução muito mais rentável, o trafico de negros africanos. A escravidão negra trouxe mão-de-obra barata, o que gerava muito lucro para a economia européia. Essa dialógica5 exclusão / inclusão possibilita ao índio e ao negro escravo formas de se auto-organizarem. Igualmente aos índios, os negros resistiram à essa escravidão, onde muitos inclusive perderam a vida. Mas diferentemente dos índios, a grande desvantagem estava no domínio de território ou para ser mais específico, na falta deste, uma vez que eram arrancados do seu habitat natural, deixando para trás sua dignidade, sua identidade6, marginalizados e acorrentados como bichos, perdendo sua liberdade, isso em prol de um regime onde o lucro estava acima de tudo, sem considerar que uma nação não se constrói somente com base na economia.

Neste contexto, século à século, a família brasileira apresenta suas transformações, sem dar vistas às culturas indígena e negra, que fizeram e ainda fazem parte da formação social, econômica, cultural, política e histórica da nação chamada Brasil. A partir da retrospectiva indígena e negra, trago um breve relato para lembrar as mudanças na evolução histórica da família, incluindo a negra, onde me identifico, e que por muitas vezes é esquecida, mas nem por isso é menos importante do que as outras. Segundo Zilles:


"A palavra família deriva do latim Famulus, significando o conjunto de servos e dependentes de um chefe ou senhor. Na verdade, entre os antigos gregos e romanos entendia-se que esposa, filhos, servos livres e escravos eram Fâmulus de um patriarca." (2002:9)
Este conceito de família não enquadra-se para a família africana, pois transpõe esses limites, a família africana esta relacionada diretamente com um conjunto de relações pessoais, espirituais que envolvem a comunidade e a ancestralidade do povo africanos e seus descendentes. Isto perpassa os laços consangüíneos, “os membros de uma mesma etnia consideram-se geralmente irmãos.” (Mattoso, 1982:125), o que abordarei mais profundamente no próximo sub-capítulo.


    1. Família Africana, Muito Além da Consangüinidade.

Apesar de não ser o foco deste trabalho, creio ser apropriado fazer um breve relato sobre a família africana, sua formação, mitos, costumes e crenças, para assim abordar e melhor compreender a família negra no Brasil, chamada de afro-brasileira, desde a escravidão até os tempos atuais. A constituição da família africana perpassa os laços consangüíneos, mas é um conceito muito além disso, tem relação direta com amizade, comunidade, irmandade, descendência, ancestralidade e espiritualidade. Segundo Matoso, 1982:125: “As sociedades africanas fundamentam-se, pois na linhagem.” A autora nos aponta que para as sociedades africanas o parentesco encontra-se fundamentado nas relações com seus antepassados comuns, sendo assim, diversas famílias africanas compartilham do mesmo ancestral.

Quanto a sua forma de organização, a família africana foi baseada também no poligamismo, cada homem pode ter quantas esposas e filhos puder sustentar, além de agregar irmãos mais novos, filhos mais velhos, viúvas desamparadas de parentes falecidos e etc, dando proteção e moradia individual para os agregados, inclusive para as esposas, chegando ao ponto em que a família virava uma pequena aldeia. Essa formação de aldeia remete-nos instantaneamente à lembrança de guetos, vilas, que hoje abrigam um considerável número de famílias negras, mantendo assim a tradição africana.
O ancião tem lugar privilegiado na família africana, assim como os ancestrais, “os mortos”. O ancião, chamado de Griot7, é detentor da sabedoria que é adquirida em toda sua vida e registrada em sua memória, para quando mais velho, repassar aos jovens da comunidade essa experiência, acumulada em uma vida, pela oralidade. Conforme cita Pesavento:
“Os registros históricos e culturais dos africanos eram transmitidos oralmente alguns indivíduos em particular, como os “Griôs” (espécie de menestréis) ou como os “Doma” (depositários de conhecimentos), cumpriam importante papel na transmissão do saber tradicional. A frase “cada ancião que morre na África é uma biblioteca que se perde” expressa muito bem a situação em que conhecimentos, valores, concepções, enfim, todo o patrimônio cultural é passado oralmente às novas gerações.” (1988:05).
A autora nos traz a força da oralidade na cultura africana figura dos mestres do saber, os “Griôts” com eles, registrado em suas memórias, estão a história e a cultura do seu povo, que é transmitida aos jovens da comunidade, perpetuando assim, todo um patrimônio imaterial do povo negro. Já o ancestral, “o BaKulo”8, é merecedor de todo o respeito, pois foi através dele que se iniciou toda a história da família. Cada família ou comunidade preserva o seu BaKulo e seus sucessores.

Yerbi, ao descrever a aldeia do rei Gbenu no Daomé, hoje Benim, relata:


“A casa de Gbenu era a segunda maior do conjunto, por que a maior era a casa do culto dos ancestrais, onde estavam enterrados os ossos de Tauhwyio, o fundados do clã. Nenhum homem podia demonstrar desrespeito pelos antepassados , construindo uma casa maior do que aquelas. A simples idéia era inconcebível, até mesmo para um chefe.” (1977:21).

A descrição do autor nos mostra a importância de um Bakulo para sua comunidade, conhecido no Brasil nos terreiros de santo (que são as casas para os cultos aos Orixás) como Egun9, pois ele além de fundador de um clã passa a ser, pós morte, o orientador espiritual de sua comunidade e à ele dedicam todo respeito. Constata-se assim a força da espiritualidade do povo negro no culto das religiões de matriz africana, que estão intimamente ligadas à vida dos Orixás, manifestadas pela rotina diária como cantar, dançar, caçar, pescar, estar triste ou alegre, nascer ou morrer. Para tudo há um Deus (Orixá) regente, não só para as questões do homem, mas principalmente da natureza.

Na África, cada Orixá está ligado originalmente a uma cidade ou país inteiro, uma vez que se trata de um ser mortal, divinizado, que em vida, realizou atos de benevolência ou bravura, estabeleceu vínculos com fenômenos naturais, reconhecido como divindade, um Òrìsà. Justificando a falta de um panteão dos Orixás hierarquizado, único e idêntico, podendo ser um Orixá cultuado em lugar e desconhecido em outro.

Abro aspas neste momento para fazer uma observação e um questionamento que muito me inquietou. A mitologia africana é traduzida por vários autores, dos quais alguns pontuam a nação a qual estão se referindo e outros generalizam a África. No que se refere à religião, como já foi citado, cada cidade ou país tem suas divindades próprias. Foi então que observei que o nome Orixá (Òrìsà) é utilizado para definir as divindades de todo o continente africano, sendo que a palavra Òrìsà pertence ao vocabulário Iorubá10. Será que os pesquisadores renderam-se à complexidade das tradições africanas? Ou será proposital, uma vez que o Ioruba para nós brasileiros tornou-se uma espécie de língua oficial africana? Fecho aspas.

Verger, traduz o Orixá “aqui sim Iorubá”, como:
”Orixá é uma força pura, àse imaterial que só se torna perceptível aos seres humanos incorporando-se em um deles”. Esse ser escolhido pelo orixá, um de seus descendentes aquele que tem o privilégio de ser “montado” por ele. Torna-se o veículo que permite ao orixá voltar à terra para saudar e receber as provas de respeito de seus descendentes que o evocam.” (2002:19)
O que o autor nos diz é que a única maneira que os seres humanos possuem de manter contato visual e direto com um Orixá, é através do fenômeno da possessão, em que o Orixá escolhe um dos seus descendentes para representá-lo e assim possibilita o seu retorno à Terra. Sem ainda falar em sincretismo11, podemos referendar os santos católicos, que em vida também estabeleceram vínculos que lhes garantissem controle sobre algum fenômeno, que pós-morte, por meio de manifestações “milagrosas”, são reconhecidos e invocados para socorrer aqueles que deles necessitam.

Contudo, a fé12 e a crença estão presentes nos dois cultos religiosos, mas a diferença está estabelecida nas manifestações, onde os santos católicos não se utilizam do fenômeno da possessão, enquanto os Deuses africanos comunicam-se com os mortais através do fenômeno de possessão. ”As histórias da passagem da vida terrena para a condição de Orixá, possuidores de um axé (força) poderoso, é contado e conservado pelo povo negro através das lendas, que carregam na memória”. (VERGER, 2002: 09). E perpetuada nas práticas religiosas de matriz africana, desde o advento da escravatura até os dias atuais, discriminados pelas Américas juntamente com os negros.

Os negros africanos, quando escravizados, foram espalhados aleatoriamente para diferentes países das Américas e das Antilhas, provenientes das várias regiões da África, inescrupulosamente, famílias separadas, mulheres abusadas, crianças abandonadas à sorte por serem ‘peças’ que provavelmente não resistiriam ao martírio do confinamento a um porão imundo de um navio superlotado. É difícil denominar em poucas palavras o horror da escravidão. Uma multidão de cativos que não falavam a mesma língua, de hábitos diferentes, religiões distintas, reis, rainhas e súditos, ali, essas diferenças não importavam. Ou será que para os cativos essa mistura tinha importância?

Com tantas diferenças num mesmo lugar, proporcionadas pela mistura casual de negros do continente africano, busco através das palavras de Verger, salientar um sentimento comum a todos eles: “Em comum, não tinham se não a infelicidade de estarem, todos eles, na indigna condição de escravos, longe de suas terras de origem.” (VERGER, 2002:22). Sendo assim, até aqui o destino dos cativos parecia ser o mesmo, não importando onde o navio iria aportar. Limito-me a falar do negro que veio para a América do sul, mais precisamente para o Brasil, pois é sobre família afro-brasileira que me proponho, neste trabalho, a falar.

Por ser um tema muito amplo, limito-me a falar do negro, que veio para a América do Sul, mais precisamente para o Brasil, direcionando assim melhor desenvolvimento deste trabalho. Considerando ainda que o “Brasil é o segundo país no mundo em população negra, superado apenas pela Nigéria” (Silveira, 2002). E principalmente por minha implicação como negra e brasileira, constantemente instigada pela cultura do meu povo.



    1. Resistência Cultural.

Os escravos embarcados na África rumo ao Brasil, procediam principalmente da Costa Ocidental. Pertenciam a diversos grupos, com diferentes culturas e com uma organização social, políticas e econômicas bem estruturadas. As nações africanas mais identificadas entre os cativos no Brasil foram os Gegê, Ijexás, Bantus e Nagôs, que ao chegarem na terra desconhecida tiveram necessidade de sair da homeostase13, para auto-ecoorganizarem-se, o que proporcionou aos cativos a busca pela comunicação oral, que pelo que se observa, os Bantus e os Nagôs influenciaram bastante na formação de uma língua onde todos poderiam se comunicar, ao que parece ter sido usado o vocabulário Nagô, cujo idioma é o Iorubá, como modelo nas práticas religiosas considerando os cânticos, preces e rituais que se mantém até hoje nos terreiros do Brasil. Isso não significa que a língua das outras nações foram excluídas por completo. Ao que parece essa língua surge para comunicação secreta entre os cativos, uma vez que, ao chegarem no Brasil, seus donos tratavam logo de domesticá-los, inclusive ensinando-lhes a falar (Mattoso, 1982).

A noção de família que os negros escravizados trouxeram da África foi um dos fatores que contribuiu para a organização e resistência dos cativos, pois unidos não meramente por laços consangüíneos, mas pela desgraça da escravidão, pelo sofrimento do açoite e das torturas, buscaram em seus ‘irmãos’ de cor um alento. Mesmo não se conhecendo ou tampouco se comunicando oralmente, já se consideravam em família, pelo fato de pertencerem ao mesmo continente e a barbárie, por mais que os países de origem ficassem a grandes distâncias geográficas.

A ruptura com a terra mãe, a África, e com a prática diária de seus costumes imposta pelo regime escravocrata, fez com que os negros cativos se auto-ecoorganizassem para não perderem suas referências, principalmente as culturais. Desta forma utilizaram-se da música e da dança para expressar seus mais diversos sentimentos como dor, saudades, raiva, alegria, amor, sedução, luta... durante as lidas nos canaviais, cafezais e senzalas. Algumas destas práticas sofreram modificações para desviar a atenção dos senhores de suas reais intenções.

A cultura negra resistiu e hoje as músicas e danças trazidas e modificadas pelos negros africanos ainda persistem, muitas pertencendo inclusive ao folclore brasileiro atual, como no caso da capoeira, maracatu, samba, maculelê, jongo...

Mas nem sempre isso foi possível, trago como exemplo as relações afetivas que não eram levadas em consideração pelos senhores de escravos. Mesmo quando a partir da pressão da Igreja Católica em persuadir os senhores a casar seus escravos que viviam maritalmente, não garantiam privilégio algum aos cativos que oficializassem sua união perante Deus, pois sua condição de escravo permanecia, assim como todos os direitos de senhor sobre suas ‘peças humanas’, inclusive o de venda, resultando na separação de membros das famílias. Como nos relata Mattoso no trecho abaixo:
Na verdade, o direito civil não dá qualquer privilégio aos casais confirmados pelo sacramento religioso, pois o senhor pode continuar a separar os que a igreja uniu, vendendo ou doando separadamente pai, mãe, filhos". São muitas as incertezas que cercam a família escrava, mesmo após a abolição da escravidão, como libertos, tiveram grandes dificuldades em constituir ou preservar suas famílias. (1982: 126)
Conforme a citação acima, esta legislação é a única informação disponível sobre as alforrias outorgadas pelos governos brasileiros e não esclarecem muito sobre os casamentos de escravos. Este, porém, não é um fato isolado, pois de tudo que diz respeito ao período de escravidão e pós-escravidão brasileira pouquíssimos são os registros oficiais. Toda a reconstituição da história do negro no Brasil foi montada como um quebra-cabeça, através de alguns registros isolados ou por “Griots”, os mestres da oralidade, que passam de geração a geração suas histórias verbalmente. Grande parte da falta de registros históricos neste período devemos à ‘generosidade’ do Sr. Dr. Rui Barbosa, jurista respeitado que ao proteger a nação dos ex-senhores de escravos que reivindicavam indenizações por conta da abolição da escravatura, ordenou a queima de documentos referentes ao período da escravidão.

Se o motivo para justificar foi realmente este, não me cabe julgar depois de tanto tempo, mesmo achando tão improvável. Entretanto, sendo ou não este o motivo para a queima dos documentos, a conseqüência é trágica para o negro afro-descendente que teve sua história destruída. Hoje, fazem parte de uma esmagadora minoria os negros que podem dizer de qual local ou região da África vieram seus antepassados, uma vez que para isso não há registros. A falta dessas informações, apesar de frustrantes, não é empecilho para alguns segmentos da comunidade negra se mobilizar em resgatar essa história. Este fato se deve muito por estar pontuado na mística trazida da África pelos antepassados escravizados.




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