O dono do morro dona marta



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prestado um depoimento contra eles na justiça. Como o pai não estava

na casa, mataram a mãe. Ela mandou um recado aos matadores pelos

moradores da favela.

- Diga pra esses covardes que não vou morrê antes de matá um por

um deles!

Zaca sabia que Luz fora da quadrilha de Cabeludo, mas por ser mulher

nunca a perseguiu. Também nunca desconfiou que ela fosse espiã

inimiga, que iria ajudar no planejamento da invasão. Nem que na hora

da retomada do morro pudesse ter um papel importante nas buscas aos

esconderijos de seu grupo.

Luz pôs o capuz e uma sandália de borracha e partiu com o grupo de

Juliano em direção ao barraco do homem de maior confiança de Zaca,

Caga Sangue. Ninguém estava em casa. Em seguida, ela e os parceiros

seguiram em direção ao provável esconderijo das armas do inimigo, num

casebre do beco do Sossego. Como havia movimento lá dentro, cercaram

o barraco antes de serem notados. Alguém percebeu a movimentação e

saiu para a rua, sem esconder a curiosidade. Eram três crianças sob os
cuidados da irmã mais velha, de 13 anos. Juliano, constrangido, passou a

mão na cabeça da menor, de cinco anos, que chorava assustada.

- Que fria, hein, Juliano? - comentou um dos homens.

- Fria uma porra! Pode invadi que tem! - interferiu Luz, revoltada

com a indecisão dos homens parados à porta.

- Vamo entrá, sim, mas cuidado com as crianças. Cadê a tua mãe?

- perguntou Juliano para a chefe da casa.

- Está trabalhando, só volta à noite - respondeu a menina.

- Tem que perguntá cadê o pai, Juliano. Ele é o bicho! - disse Luz,

inconformada.

- Tá bem, Luz, tá bem-repetiu Juliano, procurando acalmar a amiga.

- Essas crianças tão se fazendo de mané, cara! Dá uma geral na casa

que acha, eu sei do que eu tô falando - insistiu Luz.

Era o barraco de um soldado de Zaca, que abandonara o morro de madrugada,

junto com o pessoal do Pituca. Não havia muito o que procurar

no espaço de três metros quadrados. Revistaram sem sucesso os dois velhos

armários usados como divisórias entre o quarto, a sala e a cozinha.

Também nada encontraram no meio da montanha de roupas amontoadas

no chão. já desistiam de procurar quando um guerreiro desconfiou do

peso de uma lata de mantimentos. Estava cheia de feijão preto, aparentemente.

Luz jogou o conteúdo da lata sobre a mesa. O barulho do impacto

de pedaços de aço na madeira mostrou que embaixo do feijão havia dezenas

de projéteis de fuzil.

- Não falei, porra? Ele saiu de pinote e deixô o bagulho aí.

Recolhida a munição, o grupo partiu mais confiante, seguindo os passos

de Luz, para vasculhar um a um os barracos da quadrilha de Zaca,

na parte alta do morro. Pelo aparelho radiotransmissor, Juliano orientava

seus comandados a ostentar armas pelo caminho, mas evitou disparos

para não despertar a atenção dos policiais da Escadaria. Desde a última

guerra a PM manteve a ocupação do antigo QG de Cabeludo, o Bar do

Guerreiro, agora conhecido como DPO, a Delegacia de Patrulhamento

Ostensivo.

Por cautela, concentraram-se na parte alta do morro enquanto confirmavam

se todos os inimigos haviam fugido. As primeiras notícias vindas

pelo rádio confirmaram a troca de comando do morro. A voz era de Car
los da Praça:

- Alô, comandante, alô, comandante? Câmbio!

- Fale, patrão. É julíano! Câmbio!

- Novidades por aí? Qual é a posição? Câmbio!

- Tudo manero, dentro do previsto. Ocupando terreno. Câmbio.

- Vai com cautela. Pituca já fez contato pra receber o dinheiro. O

morro já é nosso! Câmbio.

Confirmada a saída de Pituca, juliano deu continuidade à busca de

algum retardatário e percorreu alguns barracos para exigir pessoalmente

que os parentes dos inimigos abandonassem o morro antes do anoitecer.

Também marcou para a noite a ocupação de uma área de valor afetivo

e estratégico: o Cantão, onde nasceu a primeira boca-de-fumo da Santa

Marta. Até lá ninguém poderia ceder à tentação de visitar parentes, amigos,

namoradas.

- Sem essa de procurá o colo da mamãe, tô avisando! Guerra é guerra,

sem vacilo, rapaziada - alertou Juliano.

Só obedeceram às ordens de Juliano os voluntários que não tinham

parentes e amigos no morro. A desobediência dos outros foi involuntária,

pois não precisaram sair à procura de ninguém. Foram os pais, irmãos,

amigos e namoradas que saíram de seus barracos para encontrar os homens

pelas ruas. Durante toda a tarde, cada passo deles era acompanhado

por dezenas de pessoas, que queriam conhecer os novos donos da favela.

O próprio Juliano deixou de cobrar obediência à regra criada por ele

mesmo quando uma criança o segurou pela perna e o questionou com

uma voz frágil:

- Você é o meu pai? Você é o meu pai?

Júlio William tinha de idade o tempo que juliano passou afastado dele

e da mãe Marisa, que foi levá-lo de surpresa ao encontro do pai. Num

primeiro momento Juliano não reconheceu o filho. Como Marisa estava

ali, logo Juliano se deu conta de que estava diante da família que nunca

teve por perto e abraçou o filho. Conversaram e trocaram abraços, mas

não por muito tempo. Ainda se sentia inseguro, temia alguma reação do

inimigo. Por precaução, Juliano mandou mulher e filho para casa. Despediu-

se deles com a promessa de chamá-los à noite para dormirem juntos

em algum barraco a ser escolhido como esconderijo.
No começo da noite os contatos de Juliano com Carlos da Praça pelo

radiotransmissor se intensificaram. De Copacabana, o chefe providenciava

a convocação de mais voluntários para enfrentar uma provável retaliação

do grupo de Pituca, que reclamava do desrespeito ao acordo. Da Praça

deixara de quitar a divida de 27 mil dólares como havia sido tratado,

e estava disposto a manter o calote. No morro, num primeiro momento,

ninguém foi informado do golpe, com exceção de Juliano.

A ocupação de todos os pontos estratégicos e a chegada de mais

voluntários trouxeram a certeza de que a favela fora retomada. À noite,

quando eram reduzidas as chances de uma invasão policial, os mais

exaustos aproveitaram a chegada do reforço para beber e lanchar nos

botequins. Alguns amigos da Turma da Xuxa que não participaram do

bonde -, Soni Jocimar e Mentiroso - foram encontrar Juliano no Cantão

para dar os parabéns pela vitória. Os três gostaram de saber que os amigos

estavam assumindo o controle da boca, mas, como todos, também

ficaram preocupados com o tipo de negociação encaminhada por Alen.

- Esse Pituca enlouqueceu. Imagine o que vai acontecê quando Zaca

soubé que ele vendeu o morro? - disse Mentiroso no meio da roda de

amigos.

Juliano aproveitou o comentário para revelar aos amigos que o desfecho



da negociação era o calote.

- Precisamo ficá atento porque o Pituca tá levando um banho do Carlos

da Praça, que decidiu não pagá porra nenhuma.

A confissão assustou Alen.

- É foda, Juliano. Isso é caozada, aí. Como vai ficá minha responsa?

Os cara vão dá o troco em cima de mim - reclamou Alen, preocupado

com uma provável represália do inimigo.

- Eu também fui apanhado de surpresa. Loucura do Carlos da Praça.

Mas vai dá tudo certo - tentou acalmar Juliano.

- Tô gostando disso, não. Mais cedo ou mais tarde os caras vão querê

se vingá. Aí já é, disse Alen.

Juliano gostou de rever os amigos, mas não pôde dar muita atenção

a eles por causa da pressão exercida por Carlos da Praça, que não parava

de dar ordens pelo radiotransmissor.

- Como estão as coisas aí no Cantão? - perguntou Da Praça.
- Sob controle. O reforço tá chegando, mas ainda falta gente. As laterais

tão descobertas - reclamou Juliano.

- Segura o pessoal aí no Cantão pra mostrar força na entrada principal.

Sacumé! Os alemão podem voltar a qualquer momento. E a polícia,

tá na área?

- Por enquanto nada. É até estranho. Não saíram lá da Escadaria, os

mesmos de sempre, soldados do DPO.

- Cuidado, devem está armando alguma.

- Ninguém vai dormi, vamo ficá na atividade, patrão. E essa história

do dinheiro do Pituca? Isso não vai dá merda, não?

- Esse desenrole é meu, não se mete.

Claudinho e o irmão Raimundinho ficaram encarregados de proteger

o acesso oeste do morro, pelo lado do Cruzeiro e do Cantão, e de vigiarem

a parte mais alta, que abrangia as áreas da Pedra da Boa Fé e o Beirute,

lugares muito íngremes e desertos em alguns pontos por causa dos

rochedos. Havia também ali montanhas de lixo, que cobriam a área onde

dezenas de barracos foram destruídos no incêndio de 1969.

Sobrou para Juliano o patrulhamento da região central, de maior concentração

de barracos, becos e vielas. Era a parte de moradias mais precárias,

porque ficava ao mesmo tempo distante do pé e do alto. Os moradores

tinham enorme dificuldade para subir com material de construção

para suas casas. E se fossem depender de entrega, tinham que sempre

pagar pelos carretos mais caros do morro. Na cobertura dessa área mais

populosa ficaram com Juliano os mais experientes: Mendonça e Luz.

A primeira providência estratégica foi distribuir o maior número de

olheiros pelo ponto mais vulnerável, o acesso leste, lado da Escadaria,

onde fica o plantão da Polícia Militar. O menino Paranóia, conhecido dos

guerreiros desde o tempo em que era o principal mensageiro do morro,

foi escolhido por Juliano para a função de informante exclusivo dele. A

função prioritária era informá-lo pessoalmente sempre que algum estranho

entrasse na favela. Já com a segurança dos levantamentos de Paranóia,

Juliano passaria a noite circulando de beco em beco à frente de um

bonde de 15 homens.

Abandonou o patrulhamento uma única vez, quando Du trouxe um

recado urgente da família: a mãe Betinha e as duas irmãs estavam à es
pera dele na casa da paraibana Mada, no beco das Maravilhas. Para não

chamar atenção, Juliano foi até lá sozinho.

- Te disse, não, mãe, que o morro voltaria a sê nosso? - falou Juliano

ao trocar o primeiro abraço com a mãe.

- Isso é uma loucura, meu filho. O Zaca já está sabendo disso? - perguntou

Betinha.


- Tem mais volta, não, mãe. O Comando Vermelho tá do nosso lado.

As irmãs estavam ali por motivos diferentes. Zulá veio criticá-lo. Ela

estava namorando um soldado da quadrilha de Pituca que teve que fugir

do morro de madrugada para não morrer. Zuleika tinha saudades, não o

via desde a viagem a Salvador. Queria saber das novidades e estava entusiasmada

com a ocupação da favela.

- Estava na hora de expulsar aquele bando de babaca - disse Zuleika,

com a intenção de atingir a irmã Zulá.

- Você está é com inveja, Zuleika. Claro, nenhum deles quis saber de

você e aí só te resta apelar mesmo - rebateu Zulá.

- Na moral, Zulá, namorá com um alemão? Aproveita que ele fugiu e

tira esse cara da tua vida - sugeriu Juliano.

- O quê? Eles vão voltar ainda mais fortes. Você é que vai dançar se

não sair fora dessa, Juliano - falou Zulá.

- Você devia sentir vergonha, Zulá, vergonha! - criticou Zuleika.

- Eu quero é que vocês se fodam!

- Você precisa se internar numa cliníca psiquiátrica, Zulá. Você faz

tudo para ferrar o seu irmão, já notou isso? - disse Zuleika.

- Eu? É ruim, heÍn! Vocês dois é que tão sempre do lado errado...

- O tempo vai mostrá que eu tô do lado certo, irmã. Vou mudá a vida

de vocês todas... - Juliano tentou apaziguar a irmã.

- Sei, o Cabeludo vivia falando a mesma coisa... - retrucou Zulá.

A discussão acabou com a chegada de Du, que estava ofegante, tenso.

- O pessoal do Cantão tá pedindo reforço, Juliano. Tem uma ameaça

de invasão lá embaixo.

- Qual é? São os cana?

- É um movimento estranho, ninguém sabe direito.

Não havia tempo para despedidas. Mas Zuleika ainda conseguiu abra


çá-lo e atrair a atenção de Juliano para pôr no cordão preto que ele usava

no pescoço uma medalha da protetora Nossa Senhora Aparecida. Irritada,

Zulá foi embora sem falar com ninguém. Betinha pediu desculpas à

dona da casa e, ao se despedir do filho, tirou de dentro de uma sacola de

plástico o presente que trouxera, uma camiseta do Botafogo Futebol e

Regatas. A essa altura, Juliano já tinha sua atenção voltada para a adolescente

Veridiana, de 15 anos. Ele a conheceu cinco anos antes, no tempo

das experiências sexuais com a mãe dela, Madá.

- Menina, tu virou mulher! Vamo dá uma volta aí, tu tem que me mostrá

esse morro, que eu não conheço mais nada.

Apesar da insistência de Du, Juliano sumiu com Veridiana e só voltou

depois de quase uma hora e ainda mais impressionado com a beleza

dela.

- Você é linda demais pra sê de outro cara. Vai sê minha pra sempre.



Pode avisá sua mãe - disse Juliano ao ser forçado por Du a se despedir

de Veridiana.

- Caralho, Juliano. Vambora, caralho!

- Dá pra resistir a essa menina, não, Du.

Juliano e Du correram pelas vielas escuras em direção ao local da

provável invasão. No caminho encontraram Paranóia, que estava ofegante

e parecia assustado.

- Tu sumiu, comandante! Tá a maior confusão lá no Cantão.

Juliano mandou o menino Paranóia avisar Raimundinho do perigo de

invasão e desceu pelo beco do Jabuti em direção ao Cantão. Com Du à

frente para sondar os perigos do caminho, seguiram em silêncio, atentos

aos movimentos, ainda sem saber quem era o inimigo que os ameaçava.

Se fossem os inimigos, quem atiraria primeiro? E se fossem os policiais,

a tática seria de ataque ou de recuo?

Os olheiros do Cantão viram com nitidez, e os que estavam no paredão

do beco do Jabuti confirmaram: um motoqueiro entrou na rua de

acesso ao morro, chegou às proximidades da favela e retomou pelo mesmo

caminho. Minutos depois três carros particulares fizeram o mesmo

percurso da moto. Saíram da rua São Clemente, contornaram a praça

Corumbá e entraram na Marechal Francisco de Moura, uma pequena ladeira

sinuosa que levava até a Escadaria. Cem metros à frente apagaram
os faróis e saíram do campo de visão dos olheiros, provavelmente estacionaram.

Pouco à frente havia uma bifurcação: se os carros seguissem

à direita, muito provavelmente seriam da polícia, pois era o caminho do

posto policial da Escadaria. À esquerda era a pequena rua Jupira, pouco

mais de cem metros de paralelepípedos, que também acabava no pé do

morro, no lado oeste, em frente à quadra da Escola de Samba, para onde

estavam apontadas todas as armas dos homens sob o comando de Claudinho.

Minutos depois, dois dos carros apareceram na bifurcação e entraram

devagar à esquerda, causando movimentação e nervosismo entre os

homens, parte deles novatos no crime. Alen estava sobre uma laje, como

auxiliar de Mendonça, o único armado do grupo. E ele tinha dificuldade

em manusear uma velha espingarda calibre 12. Do alto, eles viram na

retaguarda a chegada do bonde de Juliano e mandaram um breve assovio

como saudação.

Juliano jogou-se ao chão e, deitado, apontou o fuzil em direção aos

possíveis inimigos. Claudinho também estava atento ao movimento dos

dois carros que avançavam pela Jupira, na curva com formato de meia-

lua. Vários parceiros deitaram-se ao lado dele e se posicionaram para o

combate.

Dali dava para ver que os carros estavam cheios de homens e que

alguns mostravam o bico da arma pelas janelas. Apagavam e acendiam

os faróis, como se estivessem avisando que estavam em missão de paz.

Ainda era cedo para saber.

Juliano arrastou-se para ficar ao lado de Claudinho. Os dois estavam

nervosos devido à incerteza.

Não tiravam os olhos dos carros e combinaram uma ação para barrar

a entrada daqueles estranhos armados. O medo deles era de que o bonde

fosse formado por policiais civis ou PMs que trabalhavam à paisana, os

do Serviço Reservado.

- Se forem os homi vamo dispará pro alto - sugeriu Juliano.

- Mas se eles não recuá? - perguntou Claudinho.

- Nesse caso a gente vaza pro alto.

- E se eles cercarem pelo alto?

- O Raimundinho segura o pipoco lá em cima. Vamo ouvi os tiros dele


bem. Os carros avançavam bem devagar, enquanto os homens abriam a

porta para sair depressa. Um deles acionou um objeto escuro que tinha

nas mãos. Era uma lanterna que emitia uma luz alaranjada, muito usada

para sinalizar perigo de acidente nas estradas. O movimento circular da

luz cor de laranja chamou a atenção dos homens de Juliano, que continuaram

paralisados, tensos, com as armas apontadas para a Jupira.

- Maracanã! - gritou Juliano para testar se os homens do bonde conheciam

a senha do dia.

- Garrincha! - respondeu alguém do grupo, que estava na frente da

quadra da Escola de Samba.

A contra-senha correta acalmou Juliano.

- Caralho! É gente nossa!

- Deve sê do Comando. Aquele sinal de lanterna é coisa do CV - disse

Claudinho.

O último dos três carros se aproximou e estacionou na frente dos

outros, bem perto do fim da rua. Os homens da linha de frente estavam

escondidos sobre as lajes a uns 50 metros dali. O olheiro Paranóia foi o

primeiro a reconhecer os visitantes que saíram pelas portas traseiras do

Tempra.

- Olha lá, o Santo e o Difé - avisou Paranóia.



A chegada à favela dos dois irmãos de criação de Juliano, Santo e

Difé, logo ficaria esclarecida. Era o primeiro bonde de reforço do Comando

Vermelho, providenciado pelo pai Paulista, que continuava preso

em Bangu 1 com os principais dirigentes da organização. Eles trouxeram

de empréstimo uma dúzia de revólveres, centenas de balas calibre 38 e

duas caixas de projéteis de alta velocidade. A visita era o reconhecimento

de que o morro teria, a partir daquele dia, uma nova administração, com

um trio de gerentes formado por Raimundinho, Claudinho e Juliano, escolhidos

pelo dono, Carlos da Praça, e aprovados pela cúpula do CV.

Como a função exigia armamento adequado, a aquisição de uma arma

de guerra virou prioridade dos novos gerentes e marcaria a primeira demonstração

de poder de Juliano na Santa Marta.


CAPÍTULO 13 JOVELINA!

Alemão, mané, otárío.

Melhor sair voado.

Ou toma de ponto 50.

Pra sair detonado.

Já é cevê! Cevê!

(Funk)

A primeira prova de poder de Juliano no trio de gerência representou



um desafio pessoal de grande risco. Sem dinheiro para importar uma

arma de alta potência, teve de negociar com os vendedores do mercado

negro, que oferecem armas roubadas ou já usadas em algum crime.

A oferta que mais o agradou era uma arma muitas vezes disparada

contra os barracos da Santa Marta. Um fuzil de uso pessoal de um homem

temido até pelos traficantes. No bilhete enviado pelo vendedor a

Juliano havia apenas a identificação alfanumérica AK-47.

O bilhete não tinha assinatura, mas todos sabiam que era de Peninha.

A rejeição à proposta só não foi unânime por causa da teimosia de Juliano.

- Alguém tem que avisá lá o Peninha que tô interessado. Mas quero dá

uns pipocos antes de fechá o negócio - disse Juliano, já à procura de um

avião para a tarefa. Um adolescente e dois meninos se candidataram. Tênis,

Pardal e Nem. Desde a retomada do morro pelo CV, os três vinham

pedindo uma oportunidade de prestar serviço à boca, como Pardal e Nem

faziam no passado, quando consertavam os chuveirinhos da rede de água.

Tênis tinha 17 anos, era muito velho para a tarefa.

Conformou-se ao ouvir o não de Juliano. Os outros dois, ao contrário,

fizeram pressão. Nem estava com 13 anos. Pardal, com 11.Os dois calçavam

chinelos de borracha e juraram que poderiam levar a mensagem em

alta velocidade.

- O bagulho de vocês é tampá cano aí. Moleque doente do pé não

pode sê avião, não. De que jeito? - perguntou Juliano.

- Já tô bom das ferida, Juliano. Aí, posso corrê no avião, posso mes
mo - disse Pardal.

- Podemo fazê em dupla, um protege o outro - sugeriu Nem.

- Tá bom, tá bom, mas tem que voá, caralho.

Os dois meninos jogaram os chinelos num canto e partiram correndo

descalços com o bilhete nas mãos para entregar a Peninha.

O soldado da Polícia Militar recusou a proposta de Juliano, com o pedido

de experimentar a arma. E mandou um novo bilhete pelos meninos

aviões: “Vem buscar na minha mão.”

Apesar da reprovação de toda a quadrilha, Juliano aceitou a primeira

exigência de Peninha. Acompanhado de Raimundinho e Mendonça,

desceu até as proximidades do posto policial da PM. Parou a uns vinte

barracos da Escadaria e mandou Pardal e Nem de volta, com novo recado

a Peninha, que aguardava a resposta com impaciência.

Depois de quase uma hora, Peninha apareceu de surpresa sobre uma

laje, pelas costas do grupo de Juliano.

- Aí, vacilão! Vai querer ou não vai querer essa porra?! - disse Peninha.

Juliano tentou esconder o susto ao ouvir a voz de Peninha às suas

costas.


- Falô, tô ligado. Vamo conversá, vamo conversá - disse Juliano.

- Eu, conversar? Tu acha que tô a fim de conversa mole, rapá?

- Onde tá a bichona?

- Qual é, rapá, tu mostra o dinheiro aí primeiro!

- Tá na mão, tá na mão! Mas tá lá no alto.

Frases de efeito de lado a lado não impediram o avanço das negociações.

Marcaram um encontro para fechar negócio para mais tarde no

Tortinho, o pequeno campo de futebol, no alto. Na hora marcada, Peninha

subiu o morro de carro pelo acesso de Laranjeiras, por trás da favela.

Levou com ele um grupo de soldados em mais dois carros. Juliano já esperava

no alto de um barranco, de onde tinha uma grande visão da zona

sul do Rio. Junto dele, estavam dois homens de sua confiança, Mendonça

e Raimundinho, além de um grupo de vinte jovens espalhados na área

próxima, alguns escondidos, prevenidos contra uma possível cilada.

Os soldados estacionaram os carros mas ficaram em volta deles, escudos

improvisados. Cem metros separavam os dois grupos.


- Chega aí, na moral, Peninha! - disse Juliano.

- Que moral, rapá? Tu já viu bandido dar ordem pra polícia? Vem tu

aqui! - respondeu Peninha.

- Mostra aí a mercadoria - insistiu Juliano.

- Quer ver mesmo? Posso mostrar daqui pra vocês todos, com um tiro

só.


- Vou até aí vê esse barato de perto.

Raimundinho quis acompanhar Juliano, mas foi impedido.

- Tu fica. Os homis querem a tua cabeça, cara! Segue com a rapaziada


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