O dono do morro dona marta



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Presidente. Tudo isso é reflexão de tempos atras onde mandei cartas falando

de que o Cláudio poderia causá estando na família, pedindo um denzerrole

e falando o tanto que ele poderia corrompê, manipulá ô mesmo aceita ser manipulado.

E nisso fazendo mais um foco de podridão e obiscuridade na família.

Recentemente recebi uma carta dizendo que cada um que tivece seus problemas

que rezolvece, e pelo que vejo julgam nosso problema como briga de familia,

de crias com crias. Só meu Presidente que o probrema do Santa Marta é problema

da família CV. E problema muito sério vou disser porque. Quando fui

no B. dezenrrolá o responçável era o Japão, ele me disse que iria desenrrolá.

Passô tempo. Nada. Mandei uma carta pro B2, me parece que estava o Alfredo

Dedinho, também não me deram resposta. Mandei outra para o B3 tambem não

obitive resposta! Me diceram que fui pelo caminho errado, que o certo era te

mandado para irmãos que botaria o dezenrrole para a frente, mas para mim o

certo é eu mandá para o grupo. Mesmo que não cejam cimpático a mim! Pois

aprendi que o certo é o certo nunca o errado nem o duvidozo! E que o grupo

não vai por simpatia mas sim pelo certo! Sem respostas conclui que os poderei

da época tinha intereces de não se levá até o fim esse desenrroles. Provo isso

porque o seu Japão tinha precinho, bem como Zé Gordo, e o Sá da Cidade de

Deus aqui no morro onde me trairam! Muitos irmãos reclamam de eu não te

dezenrrolado mas o fiz! E fiz da forma que me pareceu certa! As cartas foram

mandadas pro grupo como agora! Bem como fui no B que foi onde deu para

mim ir. Meu Presidente, O que faltô foi conciencia dos poderes da época de levá

na responça a responsa até o fim.

E na prática, da família.

Se todos nós da Santa Marta estamos cansados de dizê que ele é safado maquiavélico

cínico perguntamos porque ele se mantem apodrecendo a família?

Perguntamos tambem por que não nos leva em conta? porque nossa palavra
até hoje não tem valor? Sei que não tive preso, sei também que cadeia não é

malandraje, sei que muita coisa eu não sei, mas acreditava que se a família tem

algo de mim que não entende me perguntaria e assim desfazendo de qualqué

mal entendido! Digo isso porque comesa a sê figura mais problemas na nossa

mãe família envouvendo os irmãos! !!! Vou espricá.

Minha juventude foi ao baile dos Prazeres, e safados que tentaram invadi o

morro estavam lá como se fase o certo abraçados com o irmão Maitor! Minha

juventude foi dezenrrolá, e a resposta foi que eles são irmãos tambem?? E ele

ainda chamô meu povo para andá junto com eles no baile. Onde já se viu o

certo andá junto com alemão?!?!? Persebo que essa erva daninha que não foi

cortada no tempo que mandei as cartas comesa a amostrá suas raízes! Pois não

iria está abraçado com Maitor se não fozem amigo, coisa que também estranho

pois Maitor quando teve com migo no Salguero falô que o Carlos da Praça era

safado bem como o Cláudio!!! E que tinha conciencia de minha luta! Só mesmo

minhas treze almas benditas e sabidas! Pois nos preocupa esses jestos pois nós

que estamos dentro da razão assim temos a mesma visão outra vez que acabaremos

tendo que se defendê contra membros de nossa própria mãe família C.V.

outra vez. Que é uma lástima, não faz centido?

Cinceramente não faz sentido!!! Não quero que isso acontesa poriso peso

humildimente um dezenrrole até o fim...”


CAPÍTULO 30 ADEUS ÀS ARMAS

A fuga para o México era uma vitória da namorada Luana e do amigo

João Salles. Nos dias mais difíceis do cerco da polícia a Juliano, os dois

o incentivaram muito a mudar de vida.

- Vá embora. A gente poderá se encontrar lá fora quando você quiser

- disse Luana no último encontro antes do dia marcado para a fuga.

João Salles mandava recado pela irmã de Juliano, Zuleika, que já

prestava serviço na produtora de vídeo do cineasta.

- Se ele deixar o tráfico, mandarei dinheiro, sim. Ele merece uma

oportunidade para viver de outro modo - prometeu Salles.

Mas a idéia de abandonar o tráfico não era uma unanimidade na favela,

muito menos na família. Nas vésperas do dia planejado para a fuga, os

parentes fizeram uma forte campanha contra a renúncia de Juliano ao comando

da boca. As duas mães, que sempre tinham opiniões divergentes,

se uniram para manter o filho como chefão. Elas foram até o esconderijo

dele para pressioná-lo a ficar.

- Foi a tua luta desde os 14 anos, meu filho. Do que valeu a guerra

contra o Zaca, a guerra contra o Claudinho, a guerra contra Carlos da

Praça? Quanta gente já morreu neste morro... - disse a inconformada

Betinha.


- E a rapaziada, como fica, rapá? Tem mais de trinta na atividade e de

repente, necas! Vão apanhá dinheiro onde? - completou Mãe Brava.

- Eu não tenho saída. Tô sem dinheiro pra fortalecê a boca, e se tivesse

grana a polícia tomava da rapaziada na mão grande. E ainda dependo

do desenrole do Comando Vermelho. Cláudio e o Carlos da Praça tão

fazendo a cabeça dos chefões na cadeia. Eles não responderam a minha

carta, caralho. Tão nem aí - queixou-se Juliano.

Betinha encarava a atividade da boca como um emprego que deveria

ser preservado.

- Tá ruim, mas já esteve bom e muito bom! Um dia a polícia te esquece

e vai embora. Hoje a boca vale uma merreca, mas como vamo ficar

sem essa merreca? E o dinheiro da comida, do remédio da tua mãe? Vai

deixá tudo pros alemão, é? - reclamou Betinha.
- Se o problema é falta de arma ou de guerreiro, deixa comigo. Eu

animo a rapaziada, mando vi um reforço rapidinho... Tu confia em mim,

não? - perguntou Mãe Brava.

Juliano explicou que a saída dele poderia ser temporária, uma oportunidade

para cuidar de sua defesa na justiça brasileira. Ele já tinha sido

condenado a 27 anos de cadeia e ainda respondia a outros três processos

por tráfico de drogas, formação de quadrilha e tentativa de homicídio

durante tiroteio com a polícia. Nunca cuidara com a devida atenção de

sua defesa legal.

- Com a ajuda do Salles, posso contratá um advogado aqui para limpá

a minha situação. Vai dá tudo certo - disse Juliano.

- Tu confia demais nos outros, Juliano. Que ajuda é essa, vai durar

até quando? Tu já foi ferrado uma vez e ainda não aprendeu, meu filho

- insistiu Betinha.

- O Salles é um abolicionista, qué ajudá em nome de uma amizade

sincera... É a minha oportunidade... E a Luana também é manera. Ponho

a mão no fogo por ela. É sério - alegou Juliano.

- Tu pare de me fazê de boba, seu moleque. Tu fala a mesma coisa de

todas elas, seu mulherengo - disse Mãe Brava, ameaçadora.

Em outra reunião, com a participação da irmã Zuleika e da irmã de

criação Diva, Juliano foi convencido a abandonar a idéia de renunciar ao

comando do morro.

- A Santa Marta inteira te quer como dono da boca. Tu não pode virar

as costas pra essa gente - disse Diva.

- Exagero, mana, exagero - retrucou Juliano.

- Uma coisa não dá para negar. A polícia está oferecendo dez mil pra

quem te cagüetar e ninguém do morro te entregou até agora. Não dá para

negar. Não dá... - constatou Zuleika.

- Tu tem que segurá esse morro pra rapaziada. Tu acerta teu lado e

eles, como ficam? - perguntou Diva, preocupada em defender os interesses

do pai de sua filha, Paulo Roberto.

A crítica de Diva inspirou Juliano a optar por um caminho que agradasse

a todos os lados.

Manteria o plano de fuga para o México, mas não abandonaria a sua

condição de dono da Santa Marta. Deixaria em seu lugar alguém que
fosse da confiança dos homens e das mulheres de sua família, que se revelaram

defensoras radicais do comércio clandestino de drogas. O único

nome que representava o consenso era o de seu cunhado, amigo desde os

tempos da Turma da Xuxa, o caxangueiro Paulo Roberto.

- É o cara! Tem vivência. Teve preso com teu pai, Paulista, tem uma

filha com tua irmã Diva, lá dentro de casa, meu filho - aprovou Mãe Brava.

Zuleika também achou boa a escolha.

- Tá bom. Podia ser o Tá Manero também. O importante é não dar

mole não para os alemão. Quanto sangue teus amigos deram por esse

morro? E depois entregar assim sem luta... desmoraliza, desmoraliza.

A aprovação de Betinha passou antes por uma exigência imposta a

Paulo Roberto. Ele teria que prestar contas semanais, com o envio de

dinheiro para a família no morro do Chapéu Mangueira. De todas as pessoas

consultadas por Juliano, somente o missionário Kevin não gostou da

escolha de Paulo Roberto devido a sua trajetória de caxangueiro.

- Ele não tem afinidade com o tráfico. Assaltante gosta de resultado

imediato. Não é de ficar plantando aos poucos para colher lá na frente...

Não acho confiável - disse Kevin.

- Mas aí, a mulher dele é minha irmã, meus dois irmãos ficam de olho

nele e ainda tem a Mãe Brava, que é a sogra, pra infernizá a vida do cara

se ele inventá alguma trairagem. É o cara, Kevin - concluiu Juliano.

Minutos antes da hora combinada de fugir para o México, Juliano

precisou atrasar trinta minutos, tempo para a última despedida. Passara

os últimos dias ocupadíssimo com as negociações de sua renúncia e não

sobrara tempo de se encontrar com Milene, uma jovem morena de 16 anos

por quem havia se apaixonado durante as aulas de informática. O namoro

começou por influência da irmã dela, Maria, sua velha amiga. Ela sugeriu

que Milene ensinasse a ele as lições básicas de computador, sobretudo

as relacionadas com a rede mundial de comunicação, a internet. As aulas

noturnas foram na casa de Milene e eram vigiadas de perto pela mãe, o

que impedira o namoro com mais liberdade. Juliano só conseguiria driblar

a vigilância num dia inadequado para as suas pretensões. Justamente

no domingo marcado para a fuga ao México Juliano a convidou para um

“rápido encontro” de despedida em algum lugar da favela.


A fuga teve que ser adiada para segunda-feira e depois novamente

remarcada por causa do sumiço de Juliano. Somente Kevin sabia que os

dois estavam escondidos na Toca e aproveitou para espalhar a notícia de

que ele já teria ido embora do morro. No domingo seguinte, quando Juliano

finalmente reapareceu, a polícia ainda continuava as buscas dentro

da favela. Era preciso retomar cada detalhe do plano. A fuga só aconteceria

no começo da noite, com a invasão por Juliano do terreno do Clube

Gurilândia, que ficava a 200 metros do limite da favela.

Juliano pulou o muro dos fundos do clube que fazia divisa com a área

de floresta da Santa Marta.

Cruzou todo o pátio, vazio no fim de semana, até as proximidades do

portão principal, vigiado por dois guardas particulares. Em vez de evitá-

los, Juliano fez questão de sair por ali para aproveitar a oportunidade de

se despedir da dupla. Os dois eram conhecidos dele, moravam na favela.

Desejaram boa sorte ao fugitivo assim que uma moto potente, uma Honda

CB-500, parou em frente ao portão do clube. O motoqueiro usava um

capacete e passou outro, que trouxera pendurado no braço, a Juliano.

- Vou mandá um sombrero de presente pra vocês, aí - prometeu Juliano

aos vigias enquanto subia na garupa do motoqueiro. Em seguida

partiram acelerando forte em direção ao túnel Rebouças. Na mesma hora,

o missionário Kevin e a namorada Luana, que estavam dentro de um

carro estacionado a cinqüenta metros dali, saíram na mesma direção para

vasculhar o caminho por onde a moto iria passar. Entraram no túnel,

seguiram pelo viaduto Paulo de Frontin em direção à Linha Vermelha,

que fazia a ligação da cidade com algumas estradas de saída do Rio. Dali

ligaram para o celular de Juliano, que estava na garupa da moto.

- Evitem a Linha Vermelha. Sujeira. Sujeira. Tem uma blitz da PM

bem perto da entrada do Galeão - disse Kevin.

A Linha Vermelha era uma extensão do viaduto por onde o fugitivo

trafegava. Por sorte, o aviso do missionário chegou a tempo para que o

motoqueiro descesse a primeira rampa e seguisse por outro caminho. A

avenida Brasil estava próxima e virou uma opção ideal de fuga devido ao

grande congestionamento, enaltecido pelas orações de Juliano.

- Obrigado, meu Pai, por mais um dia de liberdade... Vamo nessa,

Calibra! Ninguém vai fazê uma blitz com um transito desse jeito - gritou
Juliano ao motoquetro.

O missionário e a namorada os aguardavam no acesso da rodovia

Presidente Dutra, a estrada mais movimentada do país, principal ligação

entre os estados do Rio e de São Paulo. Seguiram direto pela estrada e

mantiveram a estratégia do carro à frente da moto para fazer a checagem

dos riscos do caminho. Só pararam trinta quilômetros depois do primeiro

posto da Polícia Rodoviária Federal.

Passada a tensão das saídas do morro e da cidade, Juliano ficou eufórico

por encontrar Luana num lugar já sem muito perigo.

- Falei não, meu amor? Eu voltaria breve! Tá tudo certo. Agora ninguém

me segura mais. Pra me pegá só se for lá no México, mulhé - disse

Juliano entusiasmado.

- Calma, a caminhada está só começando. Tem muito chão pela frente!

- retrucou Luana.

Tomaram um café no posto de gasolina, dispensaram o motoqueiro e

em seguida voltaram para a estrada, para viajar durante toda a madrugada

até a cidade de Juquetiba, entre os estados de São Paulo e Paraná.

A despedida foi em um pequeno hotel às margens da estrada. Descansaram,

algumas horas, acertaram detalhes do plano completo de fuga,

marcaram um encontro no exterior e se separaram.

Luana voltou para o Rio de Janeiro, enquanto Kevin e Juliano seguiram

viagem de ônibus em direção à fronteira do Paraguai.

Pararam um dia em Foz do Iguaçu para estudar o caminho que fosse

de menor risco para sair do país. Resolveram seguir a rota do contrabando

formiga da Ponte da Amizade.

Compraram algumas sacolas de plástico baratas, das mais usadas pelos

compradores de muamba no Paraguai, e embarcaram num ônibus de

preço popular que fazia a linha Foz do Iguaçu-Ciudad del Leste. Também

estrategicamente escolheram a hora do início do rush das compras, às

nove da manhã.

O foragido Juliano e o amigo Kevin estavam em pé no meio do ônibus

cheio de muambeiros quando os policiais dos dois lados da fronteira

deram o sinal de passagem livre na ponte.

Quarenta e cinco minutos depois, os dois desembarcaram no terminal

de Ciudad del Leste. Antes de procurar um hotel, foram conhecer ali
perto um dos maiores mercados de produtos contrabandeados do mundo.

Juliano ficou encantado com a quantidade de armas, os preços e as facilidades

para a compra.

- Caralho. Os guerreiros precisam conhecer isso aqui... dá vontade de

enchê um caminhão aí e distribuir pra galera toda...

Almoçaram sanduíche em uma banca de camelô e voltaram à rodoviária

decididos a entrar no primeiro ônibus que estivesse de saída para

Assunção. Só viajariam no dia seguinte, bem cedo, em direção à capital.

A chegada em Assunção, no começo da noite, assustou Juliano por

causa da forte presença de policiais nas ruas. Em menos de uma hora

eles foram abordados duas vezes. Os policiais queriam saber qual era o

motivo da viagem.

Nas duas ocasiões, Juliano só foi liberado depois de apresentar aos

policiais paraguaios o seu passaporte novo, falsificado com o nome de

um amigo morto na guerra do tráfico.

- O parceiro morreu, mas continua me protegendo, aí - disse Juliano

para Kevin. Decidiram voltar para a rodoviária e seguir viagem para

longe daqueles policiais, rumo ao México. Foram direto para o extremo

norte do país, onde foram novamente abordados pela polícia.

Dessa vez, além de apresentar o passaporte falso, tiveram que pagar

propina para cruzar para o lado argentino. Passaram durante a madrugada

pelas cidade de Santa. O dia amanhecia quando chegaram em Gueves.

Era inverno, frio de três graus. Exaustos, trêmulos, entraram no primeiro

hotel barato perto da rodoviária, embora estivessem sem moeda local

para o pagamento do pernoite.

Acordaram com fome e sem moeda argentina no bolso, saíram para

trocar dinheiro numa casa de câmbio. Caminharam cinco quilômetros e

não encontraram nenhuma. Só quebraram o jejum cinco horas depois,

quando Juliano subiu num pé de manga em uma pracinha. As frutas não

estavam maduras, mas mesmo assim eles comeram meia dúzia.

Depois do almoço improvisado, Kevin descobriu na lista telefônica

da cidade o endereço do consulado argentino para tentar trocar o dinheiro

brasileiro. Foi a pé até lá, onde a recepcionista o fez esperar durante duas

horas pelo chefe de gabinete do cônsul, um jovem gentil e desconfiado.

- Qual é a sua nacionalidade? - perguntou o argentino.
- Sou brasileiro, sociólogo. Estou viajando com um colega fotógrafo

- respondeu Kevin.

- Qual o motivo da viagem?

- Vamos fazer um livro e o roteiro de um filme sobre a viagem de um

traficante brasileiro que quer virar um zapatista no México.

- Quem está produzindo?

- A produção é de um grande banco do Brasil. Temos dinheiro. Só

precisamos trocar um pouco do nosso dinheiro brasileiro... Por isso o

procurei aqui...

O chefe de gabinete fez a troca de duzentos reais, o equivalente a duzentos

dólares, pela moeda local. E telefonou para a dona do hotel onde

Kevin e Juliano estavam hospedados para que ela aceitasse o pagamento

das diárias em moeda brasileira, por meio de um depósito de dinheiro

enviado do Brasil em seu nome. A dona do hotel aceitou o pedido do

consulado e se tornou mais atenciosa com os dois brasileiros. Preparou

uma cesta de frutas e mandou a camareira deixar sobre a mesa do quarto

deles. Na manhã do dia seguinte, ofereceu aos dois um café da manhã

reforçado, como cortesia da casa.

Ainda ressentidos da fome do dia anterior, os dois comeram o máximo

que puderam, principalmente porque não sabiam quando poderiam

comer novamente. Demoraram uma hora para devorar várias fatias de

bolo, diferentes tipos de biscoito e pães recheados com queijo, presunto,

embutidos defumados, patês. Tomaram café, chocolate, suco de laranja,

vários potes de iogurte de morango e cereais. Puseram na mochila

todas as frutas que sobraram da cesta servida na noite anterior e partiram

do hotel, que lhes ofereceu transporte gratuito até a rodoviária.

Pagaram o equivalente a 89 dólares por duas passagens de ônibus que

os levariam de Santa Fé até Jalababa, cidadezinha do deserto de Atacama,

no Chile. Foram 18 horas de viagem cansativa, com mais de trinta

paradas em rodoviárias de pequenas cidades e vilarejos, sob uma temperatura

de sete graus negativos. Na chegada, os dois estavam resfriados

- com febre, sinusite e dor de garganta - e sem roupas adequadas para

enfrentar o rigoroso inverno.

O frio provocava dores nos pés, nas mãos, no rosto, em todas as partes

descobertas do corpo. Logo que saíram da rodoviária de Jalababa, en
traram na primeira pensão que parecia barata, para se protegerem rapidamente

do frio. Pretendiam dormir apenas uma noite, mas a receptividade

festiva dos outros hóspedes fez Juliano mudar de idéia.

- Saio nunca mais daqui não, Kevin. Olha aí, foi Nossa Senhora Aparecida

que me mandô pra esse lugar, aí! - disse Juliano para Kevin, entusiasmado

com o tipo de cigarro que os jovens passavam de mão em

mão na festa que acontecia em volta de uma fogueira no pátio central da

pensão. Havia uma mesa que impressionou Juliano porque estava coberta

de garrafas de vinho e de rum, latas de cerveja e alguns montes de maconha.

Eufórico, superou a barreira da linguagem, fez amizade com vários

hóspedes japoneses e europeus, comunicando-se por mímica ou pedindo

apoio ao missionário como intérprete.

- Diga pra esse japonês, Kevin, que eu sô um favelado. Ele vai curtir,

japonês gosta de coisa diferente - pediu Juliano.

Depois de uma semana no deserto de Atacama, o missionário Kevin

achou que sua parte no plano de fuga estava concluída. Juliano conquistara

amizades importantes, começara a resolver sozinho cada detalhe da

produção da viagem ao México e acertara um encontro com a namorada

Luana no caminho. A partir desse ponto ele seria mais útil no Brasil,

onde continuaria a fazer os contatos com os zapatistas para agendar um

encontro com o subcomandante Marcos.

O missionário voltou ao Brasil um dia depois do maior golpe já sofrido

até então por Juliano.

Durante a madrugada a quadrilha foi surpreendida por uma emboscada

durante a troca de plantão do amanhecer. Ninguém reagiu porque

foram pegos de surpresa pela traição de um de seus parceiros. À frente do

exército inimigo estava justamente o homem escolhido por Juliano para

ficar em seu lugar durante a fuga para o México, o cunhado e caxangueiro

Paulo Roberto. Foi dele, durante o ataque da madrugada, os primeiros

avisos de que um golpe estava em curso.

- Aí, Juliano já é. Agora quem manda sô eu. Quem não tá comigo tá

contra mim, tá entendendo? Tem um dia pro pinote! - ele disse aos homens

que estavam no plantão.

O pessoal da quadrilha de Juliano só começou a entender melhor o

golpe quando os irmãos de Paulo Roberto, Germano e Galego, deram a
primeira paulada nas costas de Tatau, um dos soldados da boca. Junto

com Tênis, Tatau cuidava da segurança na parte alta do morro. O parceiro

conseguiu fugir pela sua rota secreta que levava pelo caminho da floresta

ao morro do Cerro Corá. Mas Tatau, que estava acompanhado da menina

Katinha, não teve tempo nem de reagir.

Tatau e Katinha foram arrastados pelos cabelos para a área central da

favela. Os homens de Paulo Roberto queriam cometer as atrocidades no

meio do maior número possível de pessoas.

Tatau teve os olhos perfurados e sofreu várias mutilações antes de

ser metralhado. A companheira Katinha teve uma das pernas quebrada

por tiros de fuzil. Só depois de horas de sofrimento permitiram que fosse

levada para um hospital.

Era o segundo namorado que Katinha perdia num intervalo de três

meses. E naquele ano de 1998, outro ex-namorado dela também seria

morto numa operação policial.

Katinha ficou meses internada para se recuperar das graves fraturas

da perna. Até o início de 2003 continuava com dor e se queixava de seqüelas,

a perna quebrada ficou mais curta. Ela estava morando de favor


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