Crônicas de uma atenta viajante
Leodegário A. de Azevedo Filho
As Crônicas de Viagem, de Cecília Meireles, em edição da Nova
Fronteira, são um ponto alto não só da sua obra em prosa, mas tam-
bém do conjunto de sua produção literária. Há aqui unidade na diver-
sidade, entendendo-se por unidade o que decorre do ponto-de-vista da
autora, sempre poético e presente em tudo o que escreveu.
E, por diversidade, a variedade dos artifícios e artimanhas do
literário, surpreendendo-nos, nos textos, a crônica propriamente dita
– por si só é um gênero compósito – ao lado de pequenas narrativas
ou quase contos, além do fascinante relato de eventos e passeios até
descrições de paisagens, ou mesmo, ao poema em prosa.
Em tudo transparece ainda o seu gosto pelo folclore, com len-
das, pregões, mitos e costumes variados e cosmopolitas, partindo
quase sempre do cotidiano, para dele extrair o sentido poético e
transcendente que põe nas crônicas.
Temas vários transparecem ou se interpenetram sem esquecer as
diferentes formas de educação dos povos, a música, a pintura, a ar-
quitetura, a escultura, a poesia e a dança. Por isso mesmo é que afir-
ma que “a arte de viajar é uma arte de admirar, uma arte de amar”.
Distinguindo sempre o simples “turista” do verdadeiro “viajan-
te”, ela sabe que “todos os dias são novos e antigos e todas as ruas são
de hoje e da eternidade: e o viajante imóvel é uma pessoa sem data e
sem nome, na qual repercutem todos os nomes e datas que clamam
por amor, compreensão, ressurreição”.
Quando a ficção penetra nos interstícios do texto, Cecília é
sempre guiada por sua imaginação e por suas mãos de fada.
Assim, em forma de crônicas de viagem, nesses textos se revela
toda a rica experiência humana da Poeta em seu contato com pesso-
as e coisas. Viajar, para ela – lendo-se as crônicas reunidas – é
conhecer o mundo, deliciar-se com magníficos instantâneos, visitar
grandes universidades européias ou americanas, participar de con-
gressos internacionais, estabelecer relações com seres humanos re-
presentativos de várias culturas, saborear pratos exóticos, valori-
zando sempre o tempo humano, em sua grandeza e precariedade.
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O poder terapêutico da criança
Marco Antonio Coutinho Jorge
Para o teatrólogo Jerzy Grotowsky, a força de uma grande obra
reside em ela poder abrir-nos portas que nos permitam “transcender a
nós mesmos, para descobrir o que está oculto em nós e consumar o
ato de ir ao encontro dos outros”. Em sua obra Amor, ódio e separa-
ção, Maud Mannoni cita Grotowsky e eu leio nessa sua citação pala-
vras que podem se aplicar a ela mesma. Com uma obra personalíssima,
cuja influência cresceu entre nós cada vez mais desde a década de 70,
a obra de Maud Mannoni ocupa um lugar singular na psicanálise.
Uma das discípulas de Jacques Lacan mais atuantes, ela sempre
buscou traduzir a teoria em sua prática com crianças e adolescentes
severamente perturbados, fazendo com que seu texto não fosse lido
como um manual de receitas clínicas ou dogmas teóricos, mas inci-
dências e reflexos da teorização rigorosa na prática clínica. Seu texto
assume assim um tom diferente das produções psicanalíticas corri-
queiras, e eu diria até mesmo que ele se aproxima do de Freud nesse
aspecto, ele não está preocupado em citar ou recitar, mas em passar
alguma experiência ao leitor, em falar dela e transmiti-la. Assim sen-
do, trata-se de um texto que apresenta uma força discursiva extrema-
mente grande e consegue nos evocar aquilo que em nós está, parado-
xalmente, mais atuante e mais oculto, a nossa própria infância.
Poder fazer o sujeito deparar-se continuamente com o novo é
uma das funções mais primordiais de um psicanalista em sua práti-
ca. Alain Didier-Weill contou que Freud em uma de suas reuniões
com o grupo de psicanalistas que o cercava inicialmente pôde certo
dia ouvir Rank falar sobre sua concepção do trauma do nascimen-
to. Ao terminar sua exposição, os discípulos de Freud alvejaram-no
de críticas, considerando suas idéias como absolutamente contrári-
as às teorias de Freud. Como Freud estivesse silencioso, calado,
sem dizer uma única palavra, os mesmos discípulos pediram a ele
que também se pronunciasse sobre o que acabava de ouvir. Freud
disse, então, que precisaria de um certo tempo para refletir sobre o
que acabara de ouvir, pois achara-se surpreso diante de algo tão
novo. Alain Didier-Weill comenta a esse respeito que os discípulos
de Freud responderam a Rank a partir de Freud, mas que Freud, ele
mesmo, estava implicado no processo da experiência: Freud não
tinha Freud para responder a partir dele, mas sim a experiência
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
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psicanalítica como referência maior.
Nesse congresso, cujo tema geral parafraseia o texto freudiano
“bate-se numa criança”, minha intervenção se resumirá em evocar
o poder terapêutico que a criança pode apresentar para cada um de
nós, adultos. Esse poder terapêutico da infância, que justifica que
se denomine essa mesa-redonda de “A infância necessária”, quero
ilustrá-lo por meio de um exemplo cinematográfico recente, o
belissimo filme Central do Brasil, de Walter Salles Jr., um filme
que foi feito, igualmente ao texto de Maud Mannoni, com os senti-
mentos e as palavras absolutamente articulados. Em Amor, ódio e
separação, Maud Mannoni diz que há dois tipos de educação que
se opõem: “uma, fundamentada na aparência e no sucesso a qual-
quer preço, levando em conta unicamente a realidade, e a outra,
deixando ao indivíduo o tempo de se buscar, de descobrir seu cami-
nho, segundo um trajeto em que o importante é conseguir garantir a
qualidade das relações humanas. Nesse espaço há lugar para a ale-
gria e a fantasia”. Com essa assertiva, Mannoni parece estar co-
mentando o filme Central do Brasil. Aliás, falar da infância en-
quanto necessária é o mesmo que dizer, quase que de modo
interpretativo, que o mundo de hoje, com seus ideais imediatistas,
recalca a criança. Os efeitos mais imediatos disso têm sido a obser-
vação cada vez mais crescente de crianças envolvidas com armas e
crimes, drogas e até mesmo assassinatos, unindo-se aos adultos no
que estes têm de pior; ou, então, sendo alvo de estupro, pedofilia e
toda forma de exploração.
O filme é a história de Dora e do menino Josué e mostra a trans-
formação operada na mulher pelo menino. Dora, a personagem femi-
nina principal, é uma mulher sem escrúpulos. Ela vive de escrever
cartas para os nordestinos analfabetos que vivem no Rio de Janeiro e
desejam manter contato com seus entes queridos no nordeste. Mas
Dora não envia a seus destinatários as cartas que escreve; ela as guar-
da numa gaveta ou simplesmente as rasga e embolsa o dinheiro do
correio. Ela representa, assim, a falsa possibilidade de comunicação
daquelas pobres e solitárias pessoas vivendo num mundo inóspito e
diferente do de onde vieram. Assim agindo, Dora iludia os pobres
coitados analfabetos que acreditavam ter enviado sua mensagem para
pessoas queridas. Ela era a encarnação da farsa, da mentira; sua vida,
era apenas uma sobrevivência cotidiana. Como o menino Josué diria
várias vezes para ela, ela não valia nada.
Josué perde sua mãe, morta atropelada por um ônibus, atrope-
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lamento que é um símbolo do atropelo urbano e da violência da
cidade grande que mata em segundos. Josué fica só na gare da Cen-
tral do Brasil e Dora se aproveita disso para vendê-lo para um poli-
cial que trafica crianças com o objetivo de comprar uma televisão
nova com controle remoto!... Vende-se uma criança para ter o aces-
so ao prazer medíocre da TV, outro signo de uma cultura que, inte-
ressada no prazer imediato e no consumo, é capaz de vender seus
mais importantes valores.
Contudo, Dora tem uma amiga, Irene, que, ao saber do ocorri-
do, repudia sua ação, adverte-a de que deve-se tratar de tráfico de
órgãos de crianças e termina sua repreensão com uma única e pre-
cisa frase: “Tudo tem limite!”. Dora se arrepende de seu ato, conse-
gue recuperar o menino e decide levá-lo até o nordeste para que ele
reencontrasse seu pai. Dora ainda não sabia, mas era a si mesma
que ela ia reencontrar ao ajudar Josué a buscar o pai. Esse pai,
motivo de toda a trama da história, é precisamente quem não apare-
ce em nenhum momento. Embora ausente, ele move os personagens
em sua direção. Por implicar a Lei, a busca desse pai é o que vai
produzir as mudanças subjetivas.
A viagem de Dora e Josué para o nordeste é cheia de percalços e
contratempos. Na verdade, Dora tenta várias vezes demitir-se dessa
função, ela ainda oscila entre abandonar o menino ao seu destino e
levá-lo até o pai. Mas a interrogação profunda de Josué sobre o pró-
prio pai vai, aos poucos, impondo-se a Dora como algo necessário,
vital. No ônibus, Josué pergunta a Dora qual daqueles homens ali
tinha cara de ser pai; em cada rosto masculino, Josué vislumbra a
possibilidade do pai...
Quando Dora e Josué ficam totalmente sem dinheiro, é do me-
nino que parte a idéia de Dora escrever cartas, só que desta vez do
outro lado, cartas daqueles que estando no Nordeste querem se co-
municar com os que partiram para o Rio, mas, desta vez, tendo ido
até o outro lado para o qual as cartas que redigia no Rio se dirigiam,
Dora não deixa de colocá-las no correio. Agora ela envia as cartas
que redige e restaura o vínculo entre os seres que ela própria havia
ajudado a romper.
Dora, por meio dessa travessia à qual o menino a conduziu,
passou a considerar os sujeitos em questão não mais como presas
que ela podia enganar, fingindo enviar suas cartas. Não, agora Dora
dá valor às histórias narradas nas cartas por aqueles homens e mu-
lheres tão sofridos e sozinhos, ela como que se sensibilizou com as
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histórias humanas de todos os que buscam seu auxílio para escre-
ver, pois tudo se passa como se, de fato, no convívio com Josué,
Dora tivesse se humanizado ela mesma: é também um pouco de sua
história, de sua infância, que ela pôde rememorar com Josué. Dora
se redime com Josué, volta a ter algo da leveza e da alegria infantis.
Nesse sentido, uma das mais belas cenas do filme é aquela em
que, de forma semelhante à imagem de Nossa Senhora com o meni-
no Jesus no colo e em contraponto a ela, vê-se Dora deitada no colo
de Josué, mostrando que o conforto vem aí da criança e não da
mulher adulta, em que a criança mostra toda a sua força criativa.
Dora já estava amando aquele menino, ela já pensava em levá-
lo de volta consigo para o Rio quando, por acaso, eles encontram os
meio-irmãos do menino. Estes revelam ter uma vida organizada,
com trabalho e bem-estar material, e recebem acolhedores Josué.
Josué fica com eles e Dora parte de noite depois de ter sentido que
cumpriu sua missão. A separação de Dora e Josué é sofrida para os
dois, mas assim como Josué foi devolvido para sua história, com
seus irmãos, Dora nesse momento é igualmente devolvida a si mes-
ma, a seus sentimentos, a seu passado, a sua própria infância.
Já no ônibus de volta, sozinha, ela escreve uma carta para
Josué. Ela chora e ri ao mesmo tempo, e é notável que agora, pela
primeira vez, ela não mais esteja escrevendo as palavras que os
outros ditam para ela. São suas próprias palavras que ela põe no
papel, dirigidas ao menino de quem acaba de se separar. E o que ela
diz é muito simples, muito eloqüente e muito profundo: “No dia que
você quiser lembrar de mim, dá uma olhada na fotinho que a gente
tirou junto. Eu digo isso porque tenho medo que um dia você tam-
bém me esqueça. Tenho saudades do meu pai. Tenho saudades de
tudo... Dora”.
Em entrevista a Jurandir Freire Costa, Walter Salles Jr. fala da
“redenção trazida pela presença significativa do outro”. O que é
de chamar a atenção é que esse outro pode ser, para cada um de
nós, a palavra salutar da criança alegre e criativa que cada um
traz dentro de si.
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A identidade revigorada dos galegos
Maria do Amparo Tavares Maleval
Olhade a Galiza erguerse
paseniñamente
de tódolos supricios.
Construíndo,
antre o desamparo e a inxuria,
o propio universo.
(Luís Seoane)
Até há bem pouco, entre nós pouco se sabia sobre os galegos.
Mesmo nos meios intelectuais, as referências quase que se restringiam
ao passado medieval, em que se notabilizaram como poetas, então cha-
mados trovadores, que, juntamente com os portugueses e outros povos
ibéricos ou das adjacências, se expressavam em galego (ou galego-
português). Por volta do século XII, as peregrinações a Santiago de
Compostela, hoje capital da Galiza, atingiram o seu apogeu, o qual
certamente contribuiu para o prestígio da língua, tornada koiné literária
do Trovadorismo, e que alcançaria o seu ápice no século seguinte.
A acadêmica Nélida Piñon, de ascendência galega, muito con-
tribuiu para divulgar, através das suas narrativas ficcionais, outro
movimento histórico desse povo, desta vez contrário ao medieval,
já que concernente à sua diáspora. Através do inesquecível perso-
nagem Madruga, de A República dos Sonhos, fixa-se o drama dos
que partem “ao encontro de uma terra arrastando a memória da
outra”. Também outros escritores, galegos ou descendentes, evo-
cam no Rio as rias ancestrais, como Reynaldo Valinho Alvarez,
Domingo González Cruz ou Gonzalo Armán.
Mas o que é um galego para o comum das pessoas no Brasil?...
Aurélio registra, em seu Dicionário, ao lado de “natural ou habitante
da Galiza”- região situada a noroeste da Península Ibérica, perten-
cente ao reino de Espanha -, outras acepções, como “estrangeiro, sem
distinção de nacionalidade” ou “indivíduo louro” - acepções nordesti-
nas -; e ainda uma das alcunhas pejorativas do português.
No entanto, o galego não é um estrangeiro qualquer, muito
menos um português depreciado. Os galegos tiveram, sim, uma pro-
funda crise de identidade, que os atingiu naquilo que um povo tem
de mais definidor - a língua própria. Desde a unificação da Espanha
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pelos Reis Católicos, nos fins do século XV, fora relegada à comu-
nicação oral, à desprestigiada condição de “fala de labregos”, isto
é, de rudes campesinos. Ressurge como língua literária, escrita, no
século XIX, na poesia de Rosalía de Castro, Curros Enríquez e
Eduardo Pondal. Juntamente com todos os demais componentes da
identificação desse povo, é novamente abafada pela ditadura de
Franco, a partir de 1936. Mas novamente ressurge das cinzas, qual
fênix, para o que muito contribuíram os emigrados, que lutaram no
exílio - principalmente em Cuba e na Argentina - por dotar a terra-
mãe inclusive de símbolos próprios, como a bandeira e o hino.
Hoje, solucionados os problemas econômicos e políticos cau-
sadores da diáspora, podemos identificar os galegos não apenas
como um povo trabalhador e hospitaleiro, mas um povo que tem
uma língua oficialmente reconhecida, falada e escrita a par do
castelhano na Comunidade Autônoma da Galiza, dotada de cultura
própria e rica, dentro do mosaico cultural que é atualmente a
Espanha. Além do mais, a capital compostelana vem readquirindo
o seu prestígio religioso e místico, sendo muitos os que têm percor-
rido o Caminho de Santiago e registrado em livros a sua experiên-
cia, dos quais o exemplo mais assombroso é, sem dúvida, Paulo
Coelho, campeão internacional de vendas. Porque, diríamos para
concluir, com o poeta galego Miguel Anxo Fernán-Vello, “o camiño
é un silencio na alma como un vidro, / delicada substancia de sécu-
los e olvido / frente à morte que foxe desta luz entrañada, / deste
mar, desta terra, deste regreso à vida”.
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Lisboa, jardim da Europa
Maria do Amparo Tavares Maleval
Lisboa é atualmente considerada, nos meios intelectuais euro-
peus, como uma das mais atraentes cidades da Europa, ombreando
com a encantadora Praga, na Tchecoslováquia. Muito tem contri-
buído para isso a redescoberta da Geração de Orpheu, que promo-
veu, na década de 30, a estética do Modernismo. Mário de Sá Car-
neiro, Almada Negreiros, dentre outros, têm as suas obras revisitadas
com crescente interesse. Mas sobretudo Fernando Pessoa é hoje
reconhecido como um dos poetas mais geniais do século XX.
Mesmo um simples turista poderá, em Lisboa, tornar-se ínti-
mo do grande Pessoa. Isto porque sentado nos aguarda à Rua
Garrett, tornado estátua ao lado do café que muito freqüentara,
para nosso orgulho chamado A Brasileira. Fotografar-se junto a
ele é, pois, um imperdível programa - se não pelo amor à poesia,
pela familiaridade do ambiente, proporcionada pela denominação
do citado Café, ou, ainda, pela esperança de ser profética a colo-
cação de Pessoa à direita d’A Brasileira, apontando para a
consubstancialização do Quinto Império no Brasil.
Subindo por uma das ruas transversais à citada, estamos em
pleno coração da boêmia tradicional, com as suas numerosas casas
de fado. Se o Poeta continuar ao nosso lado, poderemos ouvi-lo
murmurar que, ao contrário do que possamos sentir, “o fado não é
alegre nem triste”, ou que nas suas linhas melódicas “os Deuses
regressam legítimos e longinqüos”.
Deixando o Bairro Alto, gostoso é flanar pela Baixa lisboe-
ta, em direção ao Tejo, pela Rua Augusta, principalmente, palco
de apresentação dos artistas itinerantes. E sentir o agradável do
clima, a urbanidade das pessoas, o aroma da excelente cozinha
dos nossos avós lusitanos, que rescende dos restaurantes vários.
Ou, afastando-nos mais, sonhar com os que partiam para os “ma-
res nunca dantes navegados”, esses lusíadas imortalizados por Camões
no poema-maior, que possibilitaram a D. Manuel o epíteto de rei Ven-
turoso. O Mosteiro dos Jerônimos e a Torre de Belém são edificações
que atestam a glória deste que foi o mais rico soberano cristão do seu
tempo, quando inclusive foi encontrada a nossa Terra de Santa Cruz.
Mas, dentre os tantos outros lugares que poderíamos com satisfa-
ção percorrer, destaca-se o Castelo de São Jorge. Dele temos não ape-
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nas uma das mais belas e abrangentes vistas da cidade, com o seu
gracioso casario limitado pelo rio Tejo, mas uma possibilidade de evo-
carmos o passado medieval a partir da observação das suas ruínas. E se
fazem presentes as agruras dos cercos de que foi vítima, outrora. Pri-
meiramente, imaginamos o cerco comandado por Afonso Henriques à
Lisboa dos mouros nos primórdios da nacionalidade portuguesa, hoje
revivido de forma irônica pelo prêmio Nobel de literatura, José Saramago,
no romance História do cerco de Lisboa, de 1989.
Em seguida, acorre à nossa memória a heróica resistência dos
portugueses verdadeiros, segundo o insigne cronista-mor Fernão
Lopes, ao cerco do rei de Castela. Vencidos os inimigos, acometidos
os seus principais pela peste, a cidade firma-se no seu papel de forte
esteio e coluna de Portugal, no dizer do cronista. E D. João, Mestre
de Avis, inaugura uma nova dinastia, que realizou a gesta da Expan-
são, que nos deu origem.
A Expo 98, Feira Mundial centrada no comércio e em eventos
culturais, realizada com o apoio do Mercado Comum Europeu, co-
incidiu com os 500 anos de descoberta do caminho marítimo para
as Índias. E a cidade, tornada então Capital Cultural da Europa,
recebeu inúmeros visitantes, numa rememoração dos áureos tem-
pos manuelinos, em que atraía as atenções pelo cosmopolitismo e
pelo fausto da corte real.
Enfim, se Lisboa é hoje assaltada por legiões de imigrantes que se
acotovelam nos bairros de lata, semelhantes às nossas favelas, ou in-
festam os seus bons ares com o odor nefasto dos seus excrementos; se
já não é tão segura e limpa como há poucos anos, no entanto ainda
continua sendo um “jardim da Europa à beira-mar plantado”, à espera
de que lhe colhamos as flores.
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