Otto maria carpeaux



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eram bem fracos. Era, antes, um contaminado pelo cepticismo de judeus convertidos ou de seitas judaizantes (16), e valeria a pena fazer um estudo comparativo do

Morgante e da Celestina, obras quase contemporâneas. Mesmo assim sendo, Pulei permaneceu um filho autêntico da Toscava. O povo italiano é céptico por índole: vai

à missa, mas não acredita em tudo o que se afirma do alto do púlpito. E bem italiano, do povo italiano, também é o prazer das histó

rias fantásticas, não pelo lado do romantismo, mas pela

deformação caricatural dos contornos. Por isso, os per

16) E. Walser: Lebens-und Glaubensprobleme sus dem Zeitalter der Renaissance. Die Religion des Luigi Pulei, ihre Quellen und ihre Bedeutung. Marburg, 1926.

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Este livro foi digitalizado por Raimundo do Vale Lucas, com a

intenção de dar aos cegos a oportunidade de apreciarem mais uma

manifestação do pensamento humano..
Mas Pulei não tem objetivos de livre-pensador. Outras vêzes, fala como um burguês medieval. Acabamos acreditando que não quer parodiar nada, mas apenas fazer rir:

seria o rei dos lazzi florentinos, alegres e espirituosos, sem arrière-pensées profundas.

Pulei é, em primeira linha, um burguês florentino, sorrindo dos costumes grosseiros - comer muito, beber muito, e o resto - dos populares e da gente dos campos.

Nisso, êle é medieval. É menos da epopéia da cavalaria que êle zomba do que da desfiguração involuntàriamente cômica dessa epopéia nos romances populares; o verdadeiro

aristocratismo não lhe inspira riso, e a propósito da morte de Orlando o humorista sabe escrever versos comovidos e quase sublimes. Mas, em geral, Pulei - como o

autor da Entrée d:"Espagne - não acredita em virtudes extraordinárias dos cavaleiros; como todos os italianos, é republicano por instinto, porque os reis lhe parecem

homens como os outros homens. Cavaleiros, sim; mas as aventuras que se contam dêles, são certamente exageradas e merecem um sorriso céptico. E quem sabe se é verdade

tudo o que se conta de tempos remotos? E aquelas lendas santas que os padres contam no púlpito? Pulei não é ateu nem humanista pagão; os seus conhecimentos clássicos

eram bem fracos. Era, antes, um contaminado pelo cepticismo de judeus convertidos ou de seitas judaizantes (16), e valeria a pena fazer um estudo comparativo do

Morgante e da Celestina, obras quase contemporâneas. Mesmo assim sendo, Pulei permaneceu um filho autêntico da Toscava. O povo italiano é céptico por índole: vai

à missa, mas não acredita em tudo o que se afirma do alto do púlpito. E bem italiano, do povo italiano, também é o prazer das histórias fantásticas, não pelo lado

do romantismo, mas pela deformação caricatural dos contornos. Por isso, os per

16) E. Walser: Lebens-und Glaubensprobleme aus dem Zeitalter der Renaissance. Die Religion des Luigi Pulei, ihre Quellen und ihre Bedeutung. Marburg, 1926.

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sonagens principais são os dois gigantes Morgante e Margutte, e um deles deu o título ao poema. A arte de Pulei consiste na transformação desses contornos desfigurados

em arabescos engenhosos, de esprit inesgotável. Deste modo, a vida inteira transforma-se em arabescos do humorista, em lazzi enormes: quando Margutte morre de rir,

o arcanjo Gabriel vem e anuncia que o defunto rirá no outro mundo por tôda a eternidade, amém. A paródia popular não poupa nada, mas também não destrói nada. É a

maravilha de um humor perfeitamente objetivo.

Pulei é o único poeta dos tempos modernos que lembra Aristófanes. O traço comum mais significativo é o "naturalismo", a representação e apresentação mais do que

franca de todos os lados da natureza humana, inclusive dos físicos - atitude que não teria sido possível tomar antes da Renascença e do descobrimento, pelos humanistas,

do "naturalismo" da Antiguidade greco-romana. Neste sentido Pulei também é "humanista", ou antes, é a expressão extrema do realismo renascentista dos pintores e

poetas florentinos. Sem dúvida, esse realismo nada tem que ver com o humanismo própriamente dito, o humanismo dos eruditos quattracentistas, movimento livresco,

literatura de segunda mão. A convivência deste humanismo e daquele realismo, tão típico do "Quattrocento", torna-se problema difícil. Custou muito descobrir e revalorizar

o realismo quattrocentista, de Lourenço e Pulei. O reverso da medalha é a desvalorização do humanismo : antigamente, os humanistas pareciam pensadores corajosos,

precursores da Reforma e até do livre-pensamento; agora, parecem passadistas, reacionários, idólatras de um outro passado que não o cristão - a diferença importa

pouco - substituindo a fé cega nas autoridades da Igreja pela fé cega nas autoridades Cícero e Sêneca. Evidentemente, é preciso reconsiderar o problema inteiro,

procurando uma distinção mais

nítida entre Renascença e Humanismo (17).

17) H. O. Taylor: Thougth ano Expression in the Sixteenth Century. 2 vols. New York, 192O.

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 441

A distinção entre a Renascença e o Humanismo do "Quattrocento" não pode ser realizada sem reconsiderar o problema inteiro da Renascença e das renascenças, do Humanismo

e dos humanismos. Quando se tratava de reabilitar - para compreender - a literatura "medieval", foi preciso destruir o próprio termo "Idade Média", salientando-se

o papel da renascença carolíngia, da renascença ottoniana, da "Proto-Renascença" do século XII; de modo que a "grande" Renascença, a do "Quattrocento" e "Cinquecento",

principalmente italiana, perdeu o aspecto de singularidade, de fenômeno único. Agora, quando se trata de definir melhor a Renascença do "Quattrocento", cumpre acentuar

as diferenças entre as renascenças sucessivas, sem perder de vista o resultado precioso daqueles outros estudos: o fato de não haver, durante os séculos "medievais",

solução de continuidade da tradição greco-romana. O estudo das tradições antigas nas artes plásticas medievais fornece para esse fim documentos e conclusões im

portantes (18 ).

A renascença carolíngia devemos o serviço inestimável de ter conservado a maior parte da literatura romana; mas a produção original dos monges e mestres-escolas

de Carlos Magno é paupérrima. Em geral, não vão além da reunião e agrupamento de citações de autores antigos. Da mesma maneira, os pintores que iluminaram os manuscritos

carolíngios, contentaram-se em copiar originais romanos ou bizantinos, hoje em parte perdidos. Se foi realmente assim, a arte de copiar deve ter sido, no século

IX, maior do que em qualquer século posterior: pois os retratos e paisagens, naquelas miniaturas - Evangeliário do

18) O estudo do problema das renascenças sucessivas, do ponto de vista da história das artes plásticas, foi iniciado pelos estudiosos reunidos em tôrno da "Bibliothek

Warburg". Cf: A. Warburg: Gesammelte Schrilten. Hamburg, 1934. Resumo dos resultados em E. Panofsky: "Renaissance ano Renaissances". (In: KenVou Review, VI/2, 1944.)

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HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 443

tesouro da catedral de Aquisgrano, Saltério da Biblioteca universitária de Utrecht, Codex Aureus da Biblioteca Nacional de Munique, Evangeliário de Godescale na

Bibliothèque Nationale de Paris - são grandes obras de arte, tão perfeitas que durante muito tempo foram consideradas como trabalhos de pintores bizantinos. Revelam

que aquêles monges dominaram perfeitamente os meios de expressão da arte greco-romana. Se foram "citações" pictóricas, então está demonstrado que a "renascença carolíngia"

não foi uma renascença, e sim a continuação ininterrupta da tradição antiga. Os poetas e pintores carolíngios não tinham a consciência de que utilizavam uma arte

alheia em espírito diferente.

O anacronismo só se torna evidente na "Proto-Renascença" do século XII. Assim como as estátuas da fachada da catedral de Reims são expressões de espírito gótico

em formas gregas ou quase gregas, assim também os "humanistas", clérigos ou leigos, do século XII, misturam sem escrúpulos expressões antigas e cristão-feudais:

o Aristóteles, citado nos seus tratados, é um monge e escolástico; Virgílio, um poeta cristão; Heitor e Aquiles, Enéias e Dido, nas epopéias medievais, são cavaleiros

feudais e amantes provençais: Alexandre Magno, um cruzado. Diz-se que "à Idade Média faltava o senso histórico"; mas isso quer dizer que não se sentia a diferença

essencial entre os tempos remotos da Antiguidade e o próprio tempo. Também isso é antes tradição viva do que renascença.

A "grande" Renascença italiana do século XV, do "Quattrocento", continuou esta tradição "medieval": aproxima-se da Antiguidade com o realismo ingênuo que a caracteriza

- realismo de Lourenço, de Pulci. Êsse realismo florentino, toscano, italiano, é de origem burguesa ou popular: reflete as condições sociais da Itália do século

XV. Aquêle anacronismo transformou-se em identificação perfeita da Itália "moderna" com a "antiga"; o feudalismo já desaparecera, e com êle o aspecto feudal da Igreja,

que é

agora uma Igreja de humanistas. Os burgueses de Florença já não se distinguem sensivelmente dos burgueses atenienses: Lourenço é um Péricles renascido, Pulci um



novo Aristófanes; até Savonarola será um Cleon em hábito de monge. A identificação parece total.

Não podia, porém, ser esta a atitude dos intelectuais, dos humanistas que não participaram da economia burguesa, senão como "secretários", "historiógrafos" e professares

- parasitos da prosperidade alheia. Por isso, entre êles, até os descrentes ficaram fiéis à Igreja, potência essencialmente antiburguesa. Sentiam-se como despaisados.

Aquela identificação não lhes parecia perfeita; ao contrário, quanto mais se lhes aprofundaram os conhecimentos da Antiguidade, pretenso paraíso das letras e belas-artes,

tanto mais dolorosamente sentiam a diferença entre a "Sa crosancta Vetustas" e a atualidade burguesa, nada livre de resíduos antipáticos de aristocratismo feudal

e "superstições cristãs". Pela primeira vez, a Antiguidade se apresentou em distância histórica, sem anacronismo. O resultado é uma literatura passadista, nostálgica,

romântica. E, tratando-se de humanistas, começa como literatura em língua latina.

O "passadismo reacionário" dos humanistas não se repara logo, porque grande parte da literatura latina do "Quattrocento" é extremamente licenciosa - tentativa curiosa

de recuperar o naturalismo sexual da Antiguidade.

Poggio Bracciolini (19), o descobridor feliz de tantos ma

nuscritos latinos, ainda se parece com os goliardos medievais; as suas Facetiae, as histórias alegres e obscenas, à maneira de Boccaccio, que os altos funcionários

da Cúria Romana costumavam contar nas reuniões noturnas do "Bugiale" (sala das mentiras) do Vaticano, lembram os fabliaux. Antonio Beccadelli, chamado Panormita

(1394-1471),

19) Gianfrancesco Poggio Bracciolini, 138O-1459.

E. Walser: Poggius Florentinus. Leben uno Werke. Leipzig, 1914.

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HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 445

autor dos epigramas obscenos do Hermaphroditus, também foi comparado a um goliardo. Indubitàvelmente "moderno"

já é o patrício veneziano Francesco Barbaro (2O) : grande

homem de Estado e homem religioso, o moralista do tratado De re uxoria tem contudo opiniões bastante avançadas sôbre o amor físico, embora as exprima sempre com

serenidade aristocrática, enquanto Enea Silvio Piccolomini, mais tarde papa Pio II, não dissimula, na novela De duobus amantibus, a sensualidade do celibato forçado.

O grande poeta que conseguiu a transfiguração integral do "humano, humano demais", é Giovanni Pontano (21) ; está quase esquecido, por causa da "língua morta" em

que escreveu; mas a perda é nossa. Para êle, o latim não era língua morta; escreveu em latim com a naturalidade de um Catulo, mas com espírito moderno. Não a sua

maior obra, mas a mais característica, é De amore coniugali, poema sôbre o amor de esposos, de uma sensualidade dionisíaca e senso quase religioso da importância

do amor físico; só em Coventry Patmore se encontram versos comparáveis, mas de densidade menor. Complementos parecem os epitalâmios para o casamento de suas filhas,

os arroios para o filhinho Lúcio, e os Versus iambici, canções fúnebres, profundamente sentidas, escritas quando lhe morreram mãe, espôsa e filho.

2O) Francesco Barbaro, 1398-1454.

P. Gothein: Francesco Barbaro. Fruehhumanismus und Staatskunst in Venedig. Berlin, 1932.

21) Giovanni Pontano, 1426-15O3.

Amores; De amore coniugali; Versus iambici; Lepidina; Hendecasyllaborum seu Baiarum libri H; Urania; Asinus; Charon; De hortis Esperidum; Egidio.

Edição por B. Soldati, 2 vols., Firenze, 19O2.

C. M. Tallarigo: Giovanni Pontano e i suoi temei. 2 vols. Napoli, 1871.

B. Croce, M. Scherillo e outros: In onore di Giovanni Pontano nel V centenario delia sua nascita. Napoli, 1926. G. Toffanin: Pontano. Bologna, 1938. A. Altamura:

Pontano. Napoli, 1938.

O sentimento de amor, em Pontano, tem algo de cósmico: compreende a paisagem e o universo, vivificando tudo, de modo que as divindades e personagens mitológicas

- artifícios fastidiosos em outros poetas - são, em Pontano, a coisa mais natural do mundo. O poema Lepidina, que celebra o casamento do rio Sebeto com a ninfa Partênope,

personificação de Nápoles, é a obra-prima do poeta úmbrico, tão perfeitamente naturalizado na cidade do gôlfo, da qual todos os lugares queridos, personificados

em ninfas, nereidas e tritões assistem à festa, verdadeira sinfonia paisagística. Mas a maior obra de Pontano é o poema didático Urania: explicação poética das doutrinas

astrológicas, e na verdade um pendant dionisíaco de Lucrécio, um grandioso hino à luz do sol e das estrêlas e à terra que iluminam -

" Sic omnis ab alto

Natura est; sequitur leges quas scripsit aether.

Ipse Deus laeto spectat mortalia vultu."
O cristianismo parece abolido. Pontano, grande patriota italiano, é anticlerical nos seus diálogos, violento contra o Papado e o clero. Mas o mesmo Pontano, patrício

do santo de Assis, sabe escrever os hinos mais comoventes à Virgem e ao Crucifixo. A coerência não foi o seu lado mais forte. No fundo era um burguês pacato, um

intelectual oportunista, desejoso de guardar a independência interior e a liberdade de gozar da família, das mulheres, dos livros e estudos, da paisagem e do universo

inteiro, e do qual ficam, com as suas próprias palavras, alguns "Hendecasyllabi beati", quer dizer, versos felizes.

O teórico do "naturalismo" quattrocentista é Lorenzo

Valia (2`:"). No seu diálogo De voluptate, aparece Antonio

22) Lorenzo Valia, 14O7-1457.

De voluptate; De voluntate et vero bono; De libero arbítrio; Elegantiarum latinae linguae libri VI; Dialecticae disputationes; De Donatione; Historiaram Ferdinandi

regis libri III. G. Mancini: Vita di Lorenzo Valia. Firenze, 1891.

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HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 447

Beccadelli, o poeta licencioso do Hermaphroditus, disputando contra Leonardo Bruni Aretino, representante da união oportunista entre cristianismo e estoicismo, que

era a filosofia comum dos humanistas, herdada das leituras medievais de Boécio. Beccadelli, no diálogo, é o portavoz de Valia contra êsse estoicismo cristão. Ressuscita

a figura, amaldiçoada havia séculos, de Epicuro: o prazer, afirma, é o verdadeiro objetivo da vida humana, e o epicurismo é perfeitamente compatível com o cristianismo,

que também aspira a um prazer: o da beatitude eterna. Valia é mais conhecido como adversário feroz da filosofia aristotélica e como agudíssimo crítico histórico:

descobriu que a famosa doação constantina, sôbre a qual os Papas baseavam o seu poder temporal, era uma falsificação. O livre-pensador Valia até é humanista contra

o humanismo : em vez de idolatrar Lívio, o historiador elegante do rei Fernando de Nápoles traduziu Tucídides; atacou Cícero, o ídolo dos humanistas, substituindo

a sua autoridade .estilística pela de Quintiliano, do qual Poggio Bracciolini acabava de descobrir o manuscrito da Institutio oratoria; e Valia considerava como

obra principal da sua vida os Elegantiarum linguae latinae libri VI, nos quais restaurou o uso clássico da língua latina. Valia, exercendo crítica histórica, preferindo

o gramático Quintiliano ao orador Cícero, restabelecendo o uso de uma língua já não falada, só pode ser caracterizado como historicista; historicismo de oposição,

irreverente, reverso do passadismo nostálgico dos outros humanistas. Valia é também historicista no restabelecimento anacrônico da moral epicuréia. E essa combinação

de historicismo com "naturalismo" é bem classicista. Um verdadeiro classicismo no "Quattrocento" "primitivo" só é possível como restauração historicista do naturalismo

moral dos antigos. Pontano apresenta o naturalismo de maneira ingênua; êle é mesmo assim, por natureza. A tentativa de apresentar o naturalismo moral

como poesia histórica, sucessão legítima da poesia antiga, eis o classicismo de Poliziano.

Ambrogio Poliziano (2% considerado como humanista, parece apenas um imitador virtuosíssimo dos autores clássicos; mas considerado como "naturalista", poeta do hedonismo

alegre, parece então aplicar a mesma virtuosidade à celebração dos prazeres efêmeros da "bella giovinezza" do seu amigo e patrão Lourenço. De qualquer modo, parecerá

virtuose vazio que sabe fazer tudo com a mesma elegância. Daí a grave injustiça tantas vêzes cometida contra êsse poeta autêntico. Em Poliziano encontram-se o realismo

"primitivo:", popular, de Lourenço, e a poesia culta de Pontano; a ligação é feita pelo historicismo, do qual Valia era o representante, pela vontade consciente

não

de imitar os antigos, e sim de sentir e escrever como os antigos. Pelo seu historicismo, Poliziano é o primeiro classicista das literaturas européias; e, já por



isso, uma figura de alta significação histórica. Mas êle seria apenas isso, reproduzindo fria e elegantemente os modelos antigos, como tantos outros classicistas

posteriores, se nêle não houvesse uma angústia secreta que dá vida à sua poesia.

Poliziano foi humanista eruditíssimo, um dos fundadores da filologia moderna. Está cheio de reminiscências latinas e gregas, e na edição crítica das suas poesias

ita


23) Angelo Ambrogini Poliziano, 1454-1494.

Favola di Orfeo (1471) ; Stanze per Ia Giostra (1478) ; Strambotti; Canzoni a bailo.

Em latim: Silvae; Ambra; Rusticus; Miscellanea (1489).

Edição: Stanze, Orfeo e Rime, por G. Carducci, 2.8 ed., Bologna, 1912. - Poesie latine, por J. Dei Lungo, Firenze, 1867. A. Fumagalli: Ambrogio Poliziano. Roma,

1914. P. Micheli: La vita e le opere di Ambrogio Poliziano. Livomo, 1917.

G. Vaccarella: Saggio sulla Rinascenza e ta poesie di Ambrogio Poliziano. Palermo, 1921.

E. Rho: La lírica di Ambrogio Poliziano. Torino, 1923.

L. Malagoli: Le Stanze e VOrfeo e lo spirito dei Quattrocento. Roma, 1941.

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HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 449

lianas, por Carducci, aparecem indicadas, quase em todos os versos, alusões e paráfrases de Teócrito, Horácio, Virgílio, Ovídio. justamente nas poesias italianas

Poliziano é mais convencional:

"Zefiro già di be:" fioretti adorno

Avea de:" menti falta ogni pruina: Avea fatio al suo vido già ritorno La stanca rondinella peregrina: Risonava Ia selva intorno intorno Soavemente all:" ôra mattutina:

E Ia ingegnosa pecchia al primo albore Giva predando or uno or 1:"altro fiore."

São visões encantadoras do belo mundo mediterrâneo, as que começam com êsses versos conhecidíssimos das Stanze; mas os pormenores são livrescos, não são vistos,

não dão um quadro completo. São antes uma série de belíssimas variações musicais sôbre um tema antigo. As Stanze não têm conteúdo significativo pelo menos parece

assim - são uma série de paisagens, caças, festas, num mundo de pura imaginação: sonho alegre e vazio de um culto gozador da vida. Por isso, De Sanctis profetizou

ex eventu que a "voluttà idillica" de Poliziano levará à musicalidade vazia de Metastasio e da ópera. Com efeito, seu Orfeo é a primeira ópera italiana; mas também

uma pastoril de frescura toscava. O cultíssimo Poliziano, último requinte da civilização florentina, é ao mesmo tempo representante de uma poesia juvenil:

"Nel vago tempo di sua verde etate" -

assim começam as Stanze. Poliziano gosta de estudar ao ar livre, entre árvores e flôres, e a primavera - Botticelli a pintou - é como a redentora dos seus instintos:

"Ben venga maggio,

E il gonfalon selvaggio".

Nas poesias latinas é que o naturalismo de Poliziano rebenta com tôda a fôrça, num erotismo muito mais lascivo do que o de Pontano; e ao mesmo tempo consegue a maravilha

de exprimir na língua "morta" o sabor da paisagem da Toscava. Poliziano é um realista latino. Para êsse historicista, o passado transformou-se em vida, sem as falsidades

do passadismo. Éle mesmo se tornou homem antigo, unidade perfeita de alma e corpo. É a síntese do humanismo romântico com o realismo de Lourenço.

Não realizou integralmente êsse ideal anticristão ou antes acristão, pré-cristão. O cristianismo recalcado volta como platonismo, nesse amigo do platonisa cristão

Marsilio Ficino. As Stanze, aparentemente sem conteúdo sério, revelaram-se à análise ideológica como "alegoria da vida do espírito", poesia platônica. Não tem muita

significação a poesia religiosa de Poliziano, os seus hinos à Virgem; o seu credo está na apóstrofe à deusa Palas: "O sacrosancta Dea, figlia di Giove". A angústia,

pouco pagã, de Poliziano encontra-se na poesia erótica, perturbada pelos presságios da angústia maior que lhe causou o fim desgraçado da vida. Poliziano tem algo

de um Oscar Wilde, mais culto e mais delicado. Logo depois vem Savonarola.

A luz dessa nova interpretação, já não é possível traçar uma linha reta de Poliziano a Metastasio; a história da literatura italiana perde um aspecto dramático.

Em compensação, revela-se o verdadeiro lugar de uma das obras mais esquisitas dessa literatura: a Hypnerotomachia Po

liphile, de Francesco Colonna (24). O romance enorme,

24) Francesco Colonna, 1432-1527.

Hypnerotomachia Poliphile, ubi humana omnia non nisi somnium

esse docet. (A primeira edição, de 1499, é a mais bela produção da famosa oficina de Aldus Manutius, em Veneza.)

C. Popelina Le songe de Poliphile. Paris, 1883.

V. Zabughin: L:"oltretomba classico, medievale, dantesco del Renascimento. Roma, 1922.

L. Fierz-David: Der Liebestraum des Poliphile. Ein Beitrag zur Psychologie der Renaissance. Zuerich, 1948.

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HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL

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cheio de descrições de obras de arte, palácios, jardins, foi classificado entre as obras típicas do "Cinquecento", produto máximo da "conspicuous consumption" dos

nouveaux riches do século XVI. Mas é, por outro lado, obra de um padre, pretendendo dar uma espécie de itinerário místico da alma, procurando imitar a visão de Dante;

e a apresentação da viagem fantástica como sonho lembra bastante o Roman de Ia Rose. A Hypnerotomachia Poliphili seria bem medieval; mas o fim da viagem e a suprema

felicidade de Polifilo é a contemplação da Vênus nua. Francesco Colonna não é inteiramente humanista nem inteiramente trecentista. O seu fim é a criação de um mundo


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