Otto maria carpeaux



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do classicismo em língua italiana. Outro conceito que mudou de significação, foi o platonismo: o do "Quattrocento" procura a reconciliação da nova mentalidade com

o cristianismo, cria uma mística e quase uma religião sincretista; o platonismo do "Cinquecento" é cristão, pretende continuar e apoiar a tradição cristã, ou então

- no caso do neoplatonismo erótico - substituí-la. O platonismo do "Cinquecento" desempenha a função da escolástica no "Trecento", e o "Cinquecento" pode ser definido,

grosso modo, como síntese do humanismo e do "Trecento" ressuscitado. Daí o culto de Dance e Petrarca, daí a possibilidade de a Igreja se aliar ao movimento, aliança

que constitui o primeiro ato da tragédia. O segundo - a reação às catástrofes de 1527 e 153O - foi a procura de uma doutrina, de um ponto firme no caos da decomposição

política e social; o terceiro ato, o da decadência, acaba com a cisão da literatura italiana em duas: a literatura pseudo-heróica, "barrôca", das classes dirigentes,

e a literatura popular e regionalista, separação pela qual a literatura italiana se caracteriza até hoje. A grande síntese do "Cinquecento" fracassara.

Êsse fim lança uma luz retrospectiva sôbre o "Cinquecento". A aparência da síntese nasceu pela colaboração das "classes literárias" no classicismo. São as mesmas

classes que fizeram a literatura do "Quattrocento": a burguesia aristocratizada e os seus "clérigos", os humanistas,

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constituem o bloco "Humanismo"; a pequena-burguesia, sem erudição clássica, e os escritores de origem popular, encontram a sua representação espiritual na Igreja,

e só a invasão do protestantismo na Itália e a sua opressão pela Contra-Reforma destruirão essa representação. A aliança entre Humanismo e Igreja significava, portanto,

uma espécie de união nacional: todos se reconheceram no classicismo, seja o aristocratismo fantástico de Ariosto, seja a lírica petrarquista e o teatro plautino

dos humanistas, seja o conto boccacciano, "burguês", de Bandello; até um catilinário como Lorenzino de Médicis e um popular inculto como Aretino se referem aos modelos

antigos. A história do "Cinquecento" é a história da dissolução daquela "união nacional". As tentativas de encontrar um ponto firme no caos já diferem muito: aristocratismo

de Castiglione, reação cristã entre os humanistas (Girolamo Vida), política do burguês Maquiavel, rusticismo de Folengo. No último ato, a dissensão será completa:

o papel da aristocracia, já subjugada pelos espanhóis, é desempenhado pelos individualistas violentos à maneira de Cellini; os humanistas dedicam-se ao epicurismo

céptico, como Firenzuola, ou a tentativas de reforma religiosa, como o círculo de Vittoria Colonna; o burguês Guicciardini representa a renúncia ao ideal antigo

e a preferência pelo conformismo; e a literatura popular, das farsas rústicas do Ruzzante até à Commedia de]PArte, separar-se-á das tradições classicistas para encontrar

nas raízes do gênio popular tradições mais antigas: as origens da comédia romana.

O caso Savonarola produziu a aliança entre Igreja e Humanismo. Até então, Roma não fôra um dos maiores centros das atividades humanistas. Paulo II, sucessor do Papa-humanista

Pio II, instaura até processo contra Pompônio Laeto e os membros da Academia romana; e os papas da casa Bórgia não eram humanistas. Depois do caso Savonarola, a

situação mudou: com Júlio II, Roma tornase o maior centro do humanismo. Em Roma, como dizia

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Mommsen, sente-se a atmosfera da, história universal; em comparação, Florença sempre foi uma cidade provinciana. E em tôrno de Roma, no deserto da Campanha romana,



onde as ruínas lembram a cada passo a majestade da História, não existe aquela paisagem humana, rústica, que constitui o encanto popular em tôrno da Florença cultíssima.

Em Roma não é possível o realismo do "Quattrocento". Tudo ali é grandioso, clássico, e o poder que lá reside tende sempre a identificar-se com a Roma antiga. Os

humanistas de Roma sentiam-se romanos. Identificaram a Roma antiga com a Itália atual. O ideal do "super-homem" burguês-aristocrático do "Quattrocento" tem agora

um conteúdo mais concreto, um conteúdo romano, italiano, nacional. A literatura dessa gente será grandiosa, pomposa, entre o digno e o bombástico, com veleidades

de zombar dos incultos e dos estrangeiros bárbaros. Se o fundamento dessa civilização fôsse aristocrático, já seria uma literatura barrôca. Mas essa civilização

é, apesar das grandiosidades romanas, essencialmente burguesa, e assim nasce o fenômeno que é típico das civilizações burguesas: o classicismo.

Houve gênios classicistas, como Goethe; e o grande talento sem gênio encontra no classicismo terreno sobremodo propício: é o caso dos Corneilles, Popes, Alfieris.

Mas, em geral, está inerente ao classicismo a imitação hábil, :"o maneirismo, o convencional ismo; e o classicismo italiano não faz exceção. Sobretudo a poesia lírica

ressente-se da imitação infatigável de Petrarca e dos conceitos platonizantes do amor, e a comédia, de tanta vivacidade e abundância, foi sufocada pelo impacto do

modêlo Plauto. Essa objeção de convenci onalismo não se pode, porém, fazer, de modo algum, a Ariosto: o seu poema fantástico-romântico, embora continuação do poema

de Boiardo, com o qual não tem nada de comum a não ser o assunto, não é uma imitação, nem foi imitado, porque é inimitável. Ariosto é sui generis, e a explicação

dêsse


mistério não reside apenas no gênio individual do autor; Ariosto, tendo começado a carreira com poesias latinas e voltando-se só mais tarde para a poesia italiana,

autor de uma epopéia fantástica de cavalaria e ao mesmo tempo poeta de sátiras realistas, êsse Ariosto parece pertencer menos ao classicismo do que ao "Quattrocento".

Ludovico Ariosto (2), apesar do seu gênio, é um dos poetas mais "fáceis" da literatura universal. Não precisa de comentários nem impõe esforços de interpretação.

Se aventuras de cavaleiros tivessem para o homem moderno o mesmo interêsse que o noticiário dos jornais, o Orlando Furioso poderia ser lido como um romance policial.

Mas não é, hoje, legível assim, e quanto mais a crítica se aproxima do poema, tanto mais dificuldades surgem. O problema não é explicar o que está escrito no Orlando

Furioso, mas explicar porque foi escrito. Segundo a lenda,

2) Ludovico Ariosto, 1474-1533.

Poesias latinas; Orlando Furioso (primeira edição, 1516; segunda, emendada, 1521; definitiva, 1532) ; Satire (1517/1531).

Comédias: I Suppositi (15O9) ; Cassaria (1512) ; Negromante (152O) ; Lena (1529).

Edições: Orlando Furioso, por Santorre Debenedetti, 3 voas., Bari, 1928.

Liriche, por G. Fatini, Bari, 1924. Commedie, por O. Guerrini, Milano, 1883.

F. De Sanctis: "L:"Orlando Furioso". (In: Storia delta letteratura italiana, 1871; 2.a ed. por B. Croce, vol. II. Bari, 1911) G. Tambara: Studi sulle satire di Ludovico

Ariosto. Udine, 1899. E. G. Gardner: The King of Court Poets. London, 19O6.

G. Bertoni: VOrlando Furioso e Ia Rinascenza a Ferrara. Modena, 1919.

L. D:"Orsi: Le commedie di Ludovico Ariosto. Milano, 1924.

L. Ambrosini: Teocrito, Ariosto, minori e minimi. Milano, 1926. H. Hauvette: VArioste et Ia poésie chevaleresque à Ferrare. Paris, 1927.

A. Momigliano: Saggio su VOrlando Furioso. Bari, 1928.

B. Croce: Ariosto, Shakespeare e CorneiZle. 2.a ed. Bari, 1929. M. Catalano: Vita di Ludovico Ariosto. Genève, 1931. C. Grabher: Sul teatro di Ariosto. Roma, 1947.

W. Binní: Metodo e poesia di Ludovico Ariosto. Messina, 1948. W. Binní: Storia delta critica ariostesca. Lucra, 1951.

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HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 467

o Cardeal de Ferrara, ao receber a obra das mãos do poeta, disse: "Messer Ludovico, onde achaste tôdas essas loucuras?" A atitude do homem moderno diante do Orlando

Furioso deve ser mais ou menos a mesma. O intuito do autor -

"Le donne, i cavalier, l:"arme, gli amori, Le cortesie, 1:"audaci empresa io canto" -

deixa-nos frios. A loucura de Orlando porque Angélica ama a Medoro, as aventuras de Astolfo e Rodomonte, os amôres de Ruggiero e Bradamante - é difícil conceber

como todos êsses nomes foram outrora tão familiares a qualquer homem culto de qualquer nação assim como hoje nos são familiares os personagens de Balzac e Dostoievski.

Até ao fim do século XVI, em menos de 7O anos, havia 7O edições italianas dessa obra e traduções para tôdas as línguas. Daí a "desculpa" usual da existência do poema:

o Orlando Furioso com os seus cavaleiros valentes, que já não fizeram guerras sérias, com as suas damas amorosas e cultas, com as suas intrigas e cabalas, seria

o espelho perfeito da sociedade aristocrática do tempo. Bertoni revelou tôdas as paralelas entre o poema e a vida ociosa, culta e céptico-corrompida da côrte de

Ferrara, e a arte de Ariosto compara-se, as mais das vêzes, aos quadros, suntuosos como gobelinos, de Rubens e Paolo Veronese. Ariosto, porém, não era pintor-cortesão.

Era um homem estudioso, ,livresco,, que durante grande parte da sua vida estêve exilado da côrte, desempenhando altas funções administrativas na Garfagnana, região

de camponeses e ladrões que lhe amarguraram a vida. De muitas coisas assim êle se queixa nas Satire, modelos de sátira horaciana, espirituosas sem malícia, realistas

sem grosseria, obras de um homem inteligente e muito bom. Ariosto é perfeitamente capaz de ser realista: quando a vida lhe revela os seus lados menos agradáveis

e também menos pomposos: nas sátiras assim como nas comédias, imitações vivacíssimas de

Plauto, modernizando os costumes da comédia romana, apresentando-nos as aventuras amorosas, de nenhum modo aristocráticas, da jeunesse dorée de Ferrara com môças

duvidosas. Das outras coisas que Ariosto viu em Ferrara - os crimes terríveis do Cardeal Ippolito, apaixonado por Angela Bórgia, mandando cegar seu irmão Giulio

e castrar o outro irmão, Ferrante - e do saque horroroso de Ravena, ao qual assistiu, de tudo isso o leitor do Orlando Furioso não adivinha coisa alguma. De espelho

da época não se pode falar. O Orlando Furioso é pura invenção; o próprio autor não nos pede que acreditemos na realidade das suas fantasias. À imaginação do maior

gênio não teria sido suficiente para inventar "tantas loucuras% e por isso Ariosto resolveu continuar a obra de Boiardo, colocando os cavaleiros bárbaros da Idade

Média no ambiente fino da Renascença. Os cortesãos e humanistas de Ferrara não acreditaram na historicidade nem na possibilidade daquele mundo romântico, e o próprio

Ariosto também não. Ao contrário, Ariosto ironiza continuamente os seus personagens, sublinha, em apartes maliciosos, a,inverossimilhança das façanhas e o absurdo

das paixões, e deixa-nos perplexos, com a pergunta nos lábios: por que o poeta inventou um mundo para considerá-lo depois com tanto cepticismo?

A atitude de Ariosto com respeito a mundo e vida reais era o cepticismo. A realidade não lhe importava. Em vez de chamar-lhe céptico, seria mais exato chamar-lhe

indiferente. O seu poema não é o espelho fiel de um mundo brilhante e suntuoso; tampouco o seu cepticismo irônico é o reflexo da decomposição social e moral daquele

mundo. O mundo é, para Ariosto, um caos desordenado de criaturas e coisas absurdas; só um deus seria capaz de fazer disso um cosmo, e Ariosto não se julga divino.

É apenas poeta, utilizando-se daquele material para tecer combinações imaginárias, infinitas, que têm tão pouco "sentido" como as combinações reais. Daí, o grande

papel do

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"meraviglioso" no poema; Ariosto não acreditava em fei

ticeiros nem em milagres, mas os outros acontecimentos

da vida são porventura mais verossímeis? Os amôres que

constituem o assunto principal - o herói não é o guer

reiro Orlando, mas o louco Orlando, furioso por amor

- e as batalhas e lutas que servem só para interromper a

monotonia e são, por sua vez, tão monótonas que é pre

ciso ironizá-las, tudo isso é puro arbítrio. A arte de

Ariosto consiste na transformação dêsse arbítrio em lei

do seu mundo fantástico. O meio para consegui-lo é

puramente verbal, ou antes, musical. O Orlando Furioso não é um quadro; é, segundo a expressão justa de Croce, um "tema con variazioni", tão irreal como o são tôdas

as obras musicais. Em certo sentido, uma composição musi

cal é sempre uma obra de :"Tart pour l:"art", porque as leis da composição musical não têm nada que ver com as leis que regem êste mundo. O Orlando Furioso é assim:

a sua estrutura não é determinada pelo assunto, mas pelo ritmo; é uma "melodia infinita", composta de oitavas-rimas. Ariosto é o maior mestre da ottava rima; é o

instrumento com que êsse artista puro do "Quattrocento" domina as desarmonias e dissonãoncias da vida cinquecentesca, harmonizando aventuras e crimes, loucuras e

nobrezas, sabedoria e doidice, tudo numa harmonia maravilhosa, puramente imaginária, e contudo não menos real do que qualquer outra realidade. Ou antes, Ariosto

considera êsse seu mundo mais real do que o real: porque da "realidade" do seu tempo nada ficou; mas no poema ficou

".... quell:" odor che sol riman di noi."

Dominando a realidade pela arte, Ariosto é um clássico. O classicista adapta a sua arte ao mundo, enfeitando-o com decorações ilusórias; por isso os classicismos

servem tão bem às civilizações burguesas, nas quais a arte só tem a função de um ornamento. Êsse conceito é aplicável a grande parte da literatura cinquecentista,

em primeira li

nha à poesia lírica e à comédia. Mas a multiplicidade das formas impõe distinções.

A primeira e mais importante dessas distinções refere-se ao fato de que parte da literatura classicista está em latim e outra parte em italiano. Os autores são,

muitas vêzes, os mesmos; em todo o caso, trata-se de humanistas que deixaram o latim para escrever em italiano, ou então que preferiram logo a língua vulgar. Quem

conhece o orgulho dos humanistas com respeito aos seus conhecimentos latinos, estranhará o fato, tanto mais quanto aquêle orgulho não era injustificado.

No "Quattrocento", o latim ainda era língua erudita; no século XVI, falava-se e escrevia-se o latim com a maior naturalidade, como uma língua viva. Contudo, a poesia

latina do "Cinquecento" (3) não é de primeira ordem. Basta citar Andrea Navagero (1483-1527), o erudito editor de Cícero, Terêncio, Lucrécio,- Virgílio, Horário,

Ovídio, Tibulo e Quintiliano, trabalhando para a casa editôra Aldus Manutius, em Veneza; a posteridade o conhece sobretudo como o poeta que sugeriu a Boscán a introdução

das formas métricas italianas na poesia espanhola. De importância muito maior é a prosa latina, da qual Cícero foi o supremo modêlo. Poliziano já escreveu um latim

bem ciceroniano. Mas só no "Cinquecento" aparece a plêiade dos "ciceronianos" ortodoxos. O maior é Jacopo Sadoleto (:"), o digno bispo de Carpentras e um dos prelados

mais nobres daquela época corrompida. Sobrevive em antologias pelo epigrama latino que fêz quando desenterraram o grupo de Laocoonte. O latim era quase a sua língua

materna; escreveu o diálogo Phaedrus de laudibus philosophiae para substituir o diário perdido de Cícero, e não ficou aquém do modêlo. O mais famoso dos ciceronianos

é Pietro Bembo

3) A. Sainati: La Zirica latina deZ Rinascimento. Pisa, 1919.

4) Jacopo Sadoleto, 1477-1552.

G. Puglia: Jacopo Sadoleto. VaUe di Pompei, 1923.

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((r)), o autor de Epistolaram familiarum 1. VI e de diálogos que reunem à dignidade inata da língua a vivacidade coloquial das cartas de Cícero - mas Bembo foi um

dos primeiros que se passaram para a língua vulgar; como Castiglione, o autor do Cortegiano, que começou com um De oratore, e tantos outros. Essas mudanças estão

relacionadas com a famosa briga entre ciceronianos e erasmianos: em 1528 - o ano imediatamente seguinte ao saque de Roma - Erasmo, o chefe do humanismo cristão,

lançou contra os ciceronianos o seu Ciceronianus, acusando-os de romanismo falsificado e de preferência unilateral pelos valores estéticos da língua. O ataque não

conseguiu bem o seu fim: o anticiceronianismo partiu de um ponto de vista religioso que pode agradar aos protestantes; mas o protestantismo já estava voltado contra

Erasmo, humanista e católico incorrigível. Justamente os chefes do movimento protestante na Itália - Bernardino Ochino, Aonio Paleasio e o espanhol Valdés - eram

grandes ciceronianos. A acusação mais séria de Erasmo foi a de falso romanismo, que acertou; o círculo humanista de Roma já estava dissipado, depois da catástrofe

de 1527. O sonho romano desapareceu, substituído, mais uma vez, por aquela melancolia passadista, da qual em todos os séculos Virgílio foi o modêlo. Foi então que

Sannazaro escreveu o poema De pariu virginis, poema cristão em estilo virgiliano, e Vida a sua Christias. Mas êsse virgilianismo cristão estava fora dos interêsses

e capacidades dos humanistas, indiferentes em matéria de religião.

Para os humanistas, Virgílio não era o "pagão em Advento", o profeta meio cristão da Écloga IV. Para os humanistas, Virgílio era o poeta clássico dos classicistas,

a

5) Cf. nota 9.



R. Sabbadini: Storia dei Ciceronianismo. Torino, 1885.

L. Borghi: Umanesimo e concezione religiosa in Erasmo di Rotterdam. Firenze, 1935.

A. Renaudet: Erasme et Utalie. Paris, 1946.

encarnação da Razão poética que sabe bem compor e redigir em versos. "Degli altri poeti onore e lume", no dizer de Dante, que também alegorizara em Virgílio a "Razão",

não a dos racionalistas, mas a que tem ao mesmo tempo sentido místico, como o noas dos estóicos, o sentido divino, espalhado em tôda a parte do mundo. Os humanistas

deviam simpatizar com êsse conceito do "Trecento"; possibilitou-lhes uma idealização e estilização análoga do amor.

Em 1525 Pietro Bembo publicou, em Veneza, o diálogo Prose delta volgar lingua, em que afirmou, com coragem notável, a superioridade da língua italiana sôbre a latina.

O primeiro esbôço dessa obra, escrita durante muitos anos, é mais ou menos de 15OO, e foi realmente ou mentalmente dedicado a uma senhora veneziana, da qual conhecemos

só o nome, Elena. O motivo do trabalho foi a lembrança de Dante, que se exprimiu em volgar para . ser entendido pela amada; a origem da poesia amorosa do "Cinquecento"

é, pois, a mesma que a do "Trecento" (6). O estudo pormenorizado dessas origens justifica-se, senão por outros motivos, pela enorme importância futura do petrarquismo

de Bembo na poesia espanhola, na francesa, na inglêsa.

A poesia amorosa em língua italiana, que Bembo tinha em mente, não pode ser a dos provençais nem apoiar-se em teorias escolásticas. Quem quises se tornar ao pé da

letra o amor platônico, discutido no Cortegiano, de Castiglione, e nos tratados de poética do tempo, estaria muito errado. O século XVI é uma época de sensualidade

desenfreada e de grosseira brutalidade dos costumes. Rabelais é mais verídico do que Leone Ebreo, e até na poesia de Ronsard se encontram expressões inesperadas.

As teorias escolásticas, embora ainda muito estudadas, não eram su

6) Cf. o capitulo sôbre Bembo em Toffanin (nota 1), e:

V. Cian: Un decennio delia vita di Pietro Bembo. Torino, 1885.

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ficientes para conseguir aquela idealização e estilização dos fatos reais, das quais uma arte classicista precisa para se apresentar decente em boa sociedade. A

solução foi oferecida pelo platonismo, ou antes, neoplatonismo, do judeu espanhol Leone Ebreo (:"), que escreveu em italiano os Dialoghi d:"amore. Era um homem muito

culto, no seu pensamento influíram o neoplatonismo do filósofo judeu medieval Avicebron, a mística dos vitorinos e de Bonaventura, o platonismo de Ficino. Contudo,

é um pensador original. A sua idéia do amor como princípio universal preparou o caminho ao monismo de Giordano Bruno e Spinosa, que estudavam assiduamente o Ebreo,

e a sua meia identificação do amor platônico com o amor sensual excitou a época: Leone exerceu influência profunda sóbre Bembo e Castiglione, Ronsard e Du Bellay,

Fray Luis de León e Camões, Montaigne e Cervantes; êstes dois últimos incluíram os Dialoghi d:"amore entre os seus livros preferidos. Leone é um grande estilista,

e os seus períodos revelam, em meio de exposições sêcas e estéreis,

inesperada fôrça poética. A teoria do amor de Leone Ebreo deu ao "Cinquecento" latinizado a coragem de fazer poesia erótica em língua italiana; os próprios Dialoghi

d:"amore, escritos em Volgar, são tratados e poesia ao mesmo tempo. As formas dessa poesia não podiam ser outras senão as nacionais, as italianas : o sonêto e a

canzone.

Com essas formas métricas introduziu-se o vocabulário e a sintaxe de Petrarca. O petrarquismo tornou-se lei rigo

7) Leone Ebreo (Judas Abarbanel), 1475-15O8.

Dialoghi d:"amore (escritos -tre 15O2 e 15O5, publicados em 1535). Edições por S. Caramella, Bari, 1929, e por C. Gebhardt, Heidelberg, 1929.

Joaquim de Carvalho: Leão Hebreu, Filósofo. Coimbra, 1918.

H. Pflaum: Die Idee der Liebe, Leone Hebreo. Tuebingen, 1926. L. Tonelli: L:"amore nella poesia e nel pensiero del Rinascimento. Firenze, 1933.

G. Fontanesi: II problema deli:" aurore nele opera di Leone Ebreo. Venezia, 1934.

rosa Nasceu uma poesia viciada nas raizes pela idealização filosófica e pseudofilosófica e pelo convencionalismo da expressão.

A poesia lírica italiana do "Cinquecento" (s) são tem muito boa fama, e a leitura de uma das grandes antologias revela realmente uma monotonia quase insuportável.

Em parte, porém, essa monotonia é a da perfeição formal, assim como acontece em Andrea del Sarto e outros pintores contemporâneos. Atrás dessa perfeição encontram-se,

às vêzes, pensamentos originais e até - mais raramente - expressões novas, mesmo no mais difamado dos cinquecentistas, em Bembo. E entre o grande número de poetas

insignificantes aparecem alguns autênticos, como Galeazzo di Tarsia e Gaspara Stampa. É verdade, no entanto, que faltam as grandes personalidades, e que não há evolução

alguma: a poesia cinquecentista acabou como principiara Por isso, não importa a ordem em que os poetas sejam tratados. "Plus ça change, c:"est Ia même chore".

O decano é Pietro Bembo (a), teórico platônico nos Asolani - belo panorama, aliás, das conversas espirituosas, no ambiente artístico da Veneza de 15OO - e poeta

convencional, imitador exato de Petrarca. No seu tempo,

G. Thomas: Êtude sur I:"expression de I:"amour platonique dana Ia poésie italienne du Moyen Age et de ia Renaissance. Paris, 1892.

M. Pieri: Le petrarquisme au XVIe Mcle. Marseille, 1895.

A. Galleti: "La lírica volgare del Cinquecento e l:"anima del Rinascimento". (In Nuova Antologia, agôsto de 1929.) Antologias:

L. Frati: Rime di poeti del XVI secolo. Bologna, 1873.

Lirici del Secolo XVI (Biblioteca clássica econômica Sonzogno, Milano, 1879),

9) Pietro Bembo, 147O-1547.

Epistolaram familiarum libri VI; De Vergilü tolice et Terentü


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