Otto maria carpeaux



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em pobreza penosa, na sua casa em San Casciano, nos campos, longe da cidade. Reintegrado no serviço diplomático, foi expulso, depois, pelos republicanos, desta vez

como partidário dos Médicis. Estava sempre no campo errado, e só uma vez teve sorte: quando êle, o republicano, morreu antes da morte da República de Florença. Esta

biografia não é muito simpática; parece de um oportunista. Um caminho de reconciliação provisória com o secretário florentino seria considerá-lo mesmo como florentino

: êle é da gente mais alegre e espirituosa do mundo, está cheio de conceitos jocosos e aperçus surpreendentes, no diálogo vivacíssimo das suas comédias, ou quando

zomba amargamente, na novela Belfagor, das suas próprias misérias conjugais e econômicas e da superstição dos incultos. Maquiavel é florentino. E a Florença da sua

época, ainda muito rica e civilizadíssima, mas já fraca e mero objeto das combinações políticas das grandes potências, essa Florença é um excelente pôsto de observação.

Maquiavel é observador. Já como secretário de Estado brilhava menos pela ação diplomática do que pelos relatórios lúcidos. Observou as coisas com maior liberdade

de visão quando estêve exilado, e então compreendeu o grande problema da Itália: a simultaneidade de uma civilização extraordinária e de uma decadência, moral e

política, completa. Maquiavel é o primeiro espírito latino a enfrentar o problema da decadência; Georges Sorel empregará êsse têrmo; Maquiavel preferiu dizer "corrutela".

Procura os motivos e torna-se historiador. As Istorie fiorentine são o relatório das revoluções e dissensões que tornaram impotente a cidade mais culta da Itália.

A conclusão é pessimista: a fôrça estava sem "virtü", e a "virtil" sem fôrça; daí o desastre. Como remediar? Reunir a fôrça e a virtude, para acabar com a "corrutela",

quer dizer, para

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di Machiavelli,

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munir Florença e a Itália de um poder real tão grande como o poder espiritual da sua civilização. Para restabelecer a República em Florença e expulsar da Itália

os invasores bárbaros, é preciso identificar "Virtú" e "Forza". E essa identificação é o germe do maquiavelismo.

Quanto aos pormenores práticos, Maquiavel revelase burguês racionalista, de bom senso florentino. Na his

toriografia não admite milagres, e na política não admite acasos. Desconhece a Providência divina, e pretende elaborar um receituário político tão previdente que

será possível eliminar a "Fortuna", o acaso arbitrário. E isso é possível, segundo Maquiavel, porque êle acredita na constância do caráter humano - constância das

qualidades más, péssimas mesmo - e na repetição eterna das mesmas situações e combinações políticas. Nessa convicção, estudou, nos Discorsi sopra Ia prima deva di

Tito Livio, os começos da história romana, para tirar lições atuais e imediatamente utilizáveis. Sem dúvida, procedeu de maneira anacrônica, violentando o espírito

do historiador antigo; o seu livro não é um verdadeiro comentário de Lívio, mas em compensação tornou-se comentário permanente da história européia inteira até aos

nossos dias. Maquiavel considerava a história romana como "história ideal", cujas situações e personagens sempre se repetem, de modo que é possível extrair delas

normas de comportamento político para todos os tempos. E, com efeito, de Carlos V e os Papas da Renascença, através de reis, jesuítas, tribunos, chefes de indústria

e chefes de revolução, até aos parlamentários antiquados de anteontem e os ditadores moderníssimos de ontem, todos aplicaram o "maquiavelismo", do qual Maquiavel

não foi o inventor, mas o médico que o diagnosticou. Foi um historiador convencional do passado e um historiador inconvencional do futuro.

O estilo de Maquiavel é mais latino do que italiano, mas sem retórica ciceroniana. Da Roma antiga, Maquiavel não tomou emprestadas as dobras da toga, e sim o

espírito prático e utilitário dos jurisconsultos e administradores. Viu também a política sem eufemismos retóricos, uma política nua, resultante das emoções e paixões

humanas, e, só em última linha, dos pensamentos e programas. Não é exato dizer que desprezou os homens, apresentando-os como feras e imbecis. Os personagens, na

historiografia política de Maquiavel, não são muito bons nem muito maus; apenas são fracos e ambiciosos. Daí as muitas revoluções malogradas e os muitos governos

impotentes. Aquilo em que Maquiavel não confia, definitivamente, é na inteligência dos homens. A inteligência é a primeira qualidade que êle exige do seu "príncipe"

ideal; o resto importa menos. Não por meio de frases bonitas a Itália será salva, mas por meio de uma ação enérgica conforme projetos inteligentes. Eis o programa

político de O Príncipe, recomendando a violência e permitindo a fraude e tudo. É o manual dos tiranos, proclamando a separação absoluta entre a moral e a política.

É uma separação que nos repugna como uma contradição. Talvez seja igualmente grave a contradição entre aquêle livro e os Discorsi, em que conselhos semelhantes são

dados para garantir a liberdade republicana. Já se disse que O Príncipe ensina a fundar um regime; e os Discorsi, a mantê-lo. Mas será melhor admitir que Maquiavel

foi realmente amoralista; apenas, com uma grande saudade no coração, desejando que a separação entre a política e a moral deixasse de existir.

Por enquanto, ninguém o quis ouvir, nas perturbações da grande crise do seu tempo. Exilado em San Casciano, levou Maquiavel a vida que descreve em sua justamente

famosa carta á Francesco Vettori, de 1O de dezembro de 1513: durante o dia, as pequenas alegrias bucólicas da vida rústica e as conversas burlescas com os camponeses

grosseiros, sua única companhia; mas de noite, veste-se de roupas solenes e entra em sua biblioteca para conversar, nos livros, com os reis e sábios da Antiguidade,

consultando-os sôbre a melhor maneira de fundar e manter um

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regime político. Assim escreveu O Príncipe e os Discorsi. Assim construiu uma utopia estèticamente perfeita, que tem semelhança desesperada com a realidade política.

Maquiavel conheceu pessoalmente vários tiranos e tribunos, cada um dêles mais criminoso do que o outro. Mas não encontrou nenhum "príncipe" entre êles, e êsse fato

é de suma importância. Não se deixou iludir pela aparência da fôrça. Aos "maquiavelistas" modernos teria respondido com a arma mais eficiente da anti-retórica: com

o humor. Certamente é Maquiavel o único grande teórico político que foi ao mesmo tempo um grande humorista. La Mandragola é a comédia do marido que, buscando um

remédio para conseguir descendência, é levado a introduzir o amante de sua mulher no quarto de dormir dela. É uma das grandes comédias da literatura universal; atrás

da imoralidade extrema da peça esconde-se a lição humorística e profunda de que o caminho da natureza é o único certo. Nicio terá filhos, embora de um outro, e Fra

Timoteo, o confessor que facilitou o negócio, os batizará. Na vida, os malandros, os hipócritas e os astutos têm razão: eis o espetáculo, a realidade, que o comediógrafo

contempla com gôsto amargo na bôca e com um sorriso de auto-ironia nos lábios. La Mandragola não é, como se dizia, uma comédia política: o reverso humorístico da

tragédia da sociedade italiana; pois têm vida própria personagens como o bondoso e esperto hipócrita Fra Timoteo ou a melancólicamente desonesta dona Lucrezia. Mas

é algo como o resumo das experiências de Maquiavel; inclusive das suas experiências políticas. Era um exilado, como Dante, passadista como Dante, visionário de uma

utopia política como Dante. Maquiavel é o único entre os muitos exilados italianos capaz de figurar ao lado de Dante sem ser esmagado. O exílio, porém, é um bom

pôsto de observação, e Maquiavel era um grande observador, porque um vencido da política. É o tipo do intelectual que se encontra excluído do poder; e por isso soube

analisar o que os outros sen

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tiara, e exprimir o que os outros fizeram. Maquiavel, inteligência pura, falhou como homem de ação e venceu como homem de doutrina. Mas a inteligência é sempre ambígua,

capaz de várias interpretações. A inteligência de Maquiavel, que foi, como homem, um pobre conformista, também é suscetível de várias interpretações. De Sanctis

disse que o "maquiavelismo" pode ser doutrina dos reis ou dos povos - quem o entender melhor, servir-se-á dêle. O conformista Maquiavel está ao lado dos tiranos

ou dos povos - dependia essa atitude de qual fôsse o mais poderoso; a inteligência de Maquiavel é também capaz de servir aos tiranos ou aos revolucionários - depende

de serem êstes ou aquêles os mais inteligentes. O "maquiavelismo" não depende de Maquiavel, as táticas políticas do dia não têm nada que ver com o seu espírito insensível

e permanente, quase como a Natureza. Não se pode tratar de fazer a apologia de Maquiavel, que não precisa dela; apenas de dar uma idéia da grandeza do seu gênio.

No seio da literatura classicista há, finalmente, oposições. Enquanto o classicismo é interpretado como síntese perfeita do humanismo e do gênio nacional, não será

possível compreendê-las; e então Berni aparece como pobre humorista, Aretino como malandro literário, e Folengo, o inventor da língua "maccaronica", mista de italiano

e latim, como "enfant terrible" do humanismo. A interpretação do classicismo como conformismo literário restitui-lhes o papel de representantes de três "classes

literárias" que deviam estar em oposição, porque não havia lugar para elas no edifício da civilização classicista: os "clérigos" pobres, a pequena-burguesia inculta,

e os camponeses.

Francesco Berni (34) tem fama de humorista, num gênero, aliás, que corresponde pouco ao nosso gôsto. Pro

34) Francesco Berni, 1498-1535.

Rime, etc.; Orlando innamorato rijatto (1541). Edição por A. Virgili, Firenze, 1885. A. Virgili: Francesco Berni. Firenze, 1881.

C. Pariset: Vita e opere di Francesco Berni. Livorno, 1915.

A. Sorrentino: Francesco Berni, poeta delta Scapigliatura del Rinascimento. Città di Castello, 1933.

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vocou riso e ganhou dinheiro com "iode delle cose ignobili", sonetos e "capitoli" pomposos, grandiloqüentes, sôbre coisas fúteis ou até sujas, como as "belezas"



do corpo de uma velha, a insônia causada pelas pulgas, etc. As expressões sublimes, aplicadas a "cose ignobili", deram o efeito cômico que o público desejava para

descansar da monotonia do petrarquismo, ciceronianismo e virgilianismo. Berni sobrevive como antipetrarquista engenhoso, dominando surpreendentemente a língua florentina.

Apenas causa estranheza que êsse parodista tivesse levado anos e anos para fazer do Orlando innamorato, de Boiardo, uma nova versão em língua mais florentina e versos

mais polidos, fornecendo, realmente, um Orlando innamorato rifatto que salvou, em épocas de purismo, a memória do poema quattrocentista; é trabalho de um artista

consciencioso. Berni era artista, ou antes, desejava ser artista; em vez disso, via-se obrigado a ganhar a vida como "secretário" mal pago de grandes senhores e

cardeais, como parasito, tolerado porque fazia rir. Gostava de ser um Ariosto mais leve, contando "cacce, musiche, festa, suoni e balli" e vivendo tudo isso; mas,

pelas condições da sua classe, do baixo clero, Berni tornou-se "clérigo" no sentido da última Idade Média: "goliardo". No século XVI, chamava-se a isso "buffone",

e como buffone sobrevive Berni na história literária. Mas era artista, talvez o último descen

_.dente dos artistas-realistas do "Quattrocento", num século de classicistas em que o realismo só serviu para paródias; Berni dedicou uma vida ao quattrocentista

Boiardo. Ao classicismo oficial, do qual o petrarquismo era apenas um sintoma, Berni estava em oposição. Estava em oposição a tudo o que fôsse irreal ou desnaturai,

e essa sua reivindicação da Natureza contra as ficções é a atitude típica dos grandes satíricos. As poesias satíricas de Berni contra os Papas Adriano VI e Clemente

VII são de um vigor digno de Dryden:

"Un papato composto di rispetti,

Di considerazioni e di discorsi

Di piú, di poi, di ma, di si, di forsí, Di pur, di assai parole senta effetti... D:"innocenza, di buona intenzione, Ch:"è quasi come dir, semplicità

Per non le dare altra interpretazione."


Berni tinha a fôrça do desprêzo, de que não abusou porque era nêle mais forte a melancolia do humorista. Ao protestantismo, do qual se aproximava muito, preferiu

afinal a resignação estóica, e à emenda violenta da sociedade - como êle emendara o Boiardo - a tolerância do bem e do mal na Natureza:


"Non fu mai malattia senta receita, La natura 1:"ha fatio tutte due".
É a atitude do humorista no sentido mais alto da palavra.
Pietro Aretino (35) é antes de tudo um plebeu, filho
da paupérrima pequena-burguesia da província; por isso,
não tinha cultura clássica, e continuou inimigo feroz dos
humanistas e petrarquistas, mesmo quando já tinha con
quistado glória e dinheiro. Ainda então, residindo em
Veneza, num palácio transformado em museu de arte e
harém de mulheres, permaneceu sempre plebeu, nouveau
riche, não podendo nem querendo renegar a sua profis
são: Aretino era chantagista. Foi o primeiro literato que
se tornou independente de protetores, e deveu essa finde

35) Pietro Aretino, 1492-1556.

Ragionamenti (1535) ; Lettere (1538/1557) ; Orlandino (154O) ; Orazia (1546).

Comédias, cf. nota 23.

Edições: Lettere por F. Nicolini, 2 vols. Bari, 1916. Ragionamenti por D. Carracoli, 2 vols. Lanciano, 1914. P. Gauthiez: L:"Arétin. Paris, 1895.

C. Bertani: Pietro Aretino e le sue opere. Sondrio, 19O1. G. Laini: 71 vero Aretino. Firenze, 1955.

G. Innamorati: Note sulla fortuna critica di Pietro Aretino. Firenze, 1955.

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pendência ao mêdo que a sua pena venal inspirou aos ricos e poderosos. Foi o primeiro que utilizou a imprensa para aterrorizar a opinião pública. Daí a sua independência:

a financeira; a moral, que se exprimiu na sua literatura pornográfica; e a literária. É admirável o que Aretino, sem cultura literária alguma, soube fazer do seu

talento natural. À retórica ciceroniana opõe o estilo coloquial do florentino, e tornou-se mais legível, até hoje, do que a maioria dos seus contemporâneos: um grande

prosador, até nos assuntos insignificantes da correspondência e nas obscenidades dos Ragionamenti. Às metáforas convencionais do petrarquismo opõe uma sensibilidade

inteiramente nova, introduzindo na prosa italiana cinquecentista, sêca e racional, as côres da pintura veneziana, que constituía o seu ambiente artístico; a descrição,

numa das cartas, do crepúsculo sôbre o Canal Grande em Veneza, é extraordinária. A falta de preconceitos classicistas ajudou-o até na tragédia: a Orazia, independente

de todos os modelos, não é uma grande obra de arte, mas é a tragédia mais original do teatro italiano antigo. Só não foi poeta, nem sequer poeta satírico. O Orlandino,

paródia da epopéia romântica, saiu grosseiro. Em suma, Aretino não é, como se pensava, o sintoma da corrução da época, nem, como outros pensaram, a mancha do século

sublime, mas a vingança do plebeu contra as ficções do humanismo, do petrarquismo, do moralismo, do classicismo, do cristianismo literário, contra as ficções de

que dependia a carreira literária. É o protesto de um homem impuro, mas livre.

O último e maior dos "oposicionistas", Teofilo Folengo, não escreveu em italiano as suas obras mais importantes, nem em latim; mas numa língua, mista de ambos, na

qual as palavras latinas têm a flexão italiana, e viceversa, como

"Altius, o Musae, nos tollere vela bisognat, Valenthomini celebranda est forza baronis, Quo non Hectorior quo non Orlandior, et quo Non tulit in spalla portas Sansovior

alter."


Chama-se isso "língua macarrônica", e muita literatura satírica dos séculos XVI e XVII, em diversos países, foi escrita numa mistura "macarrônica" de latim e da

língua nacional (3s). Até hoje, humoristas populares empregam êsse recurso de misturar a língua culta ou oficial com um dialeto provincial ou de imigrantes estrangeiros,

para conse

guir certos efeitos cômicos (37). Talvez por isso não se

tivesse dado ainda a atenção devida ao fenômeno curioso daquela língua artificial, nem ao poeta, que é um grande poeta.

Em Teofilo Folengo (3S), vida e poesia não se harmo

nizam bem. Entrou cedo na ordem de S. Bento, para deixar pouco depois o mosteiro e explodir em invectivas violentas contra os religiosos; voltando novamente ao convento,

e deixando-o outra vez, numa vagabundagem eclesiástica perpétua, interrompida por anos de penitência em eremitérios. Já antes de ser monge, era poeta humorístico,

sempre naquela fantástica língua macarrônica, escondendo-se por muitos motivos sob o pseudônimo de Merlin Cocai. A Moschea é uma epopéia herói-cômica, à maneira

da Batrachom~achia grega. E logo depois vem a grande

obra: o Baldus. É a epopéia de um filho de camponês que

36) I. C. Brunet: La littérature macaronique. Paris, 1879.

37) No Brasil, o poeta paulista João Bananere, escrevendo em mis

38) fura de português e do italiano dos imigrantes, foi poeta ma-

Cocai.)

carrônico.



Teofilo Folengo, 1496-1542.

(Pseudônimo: Merlin

Baldus (desde 1516; edições: 1521, 153O) ; Moschea (1521) ; Zani

tonella (1521) ; Chaos del Triperuno (1527) ; L:"umanità del fi

gliuol di Dio (1533).

Edição das obras "maccheronee" por A. Luzio, 2 vols. Bari, 191O. Edição das obras italianas por U. Renda, 3 vols. Bari, 191O/1914. G. Tancredi: La materia e le fonti

del Baldus. Napoli, 1891. T. Parodia "Teofilo Folengo". (In: Poesia e lettere. Bari, 191O G. F. Goffis: Teofilo Folengo. Torino, 1935. C. Cordié: "I1 linguaggio

maccheronico e farte del Baldus". (In: Archivum Romanicuna, XXI, 1, 1937).

G. Billianovich: Tra Teofilo Folengo e Merlin Coccaio. Napoli, 1948.

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t i


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pretende tornar-se cavaleiro e barão, um D. Quixote plebeu, materialista e ladrão; as aventuras de Baldus em companhia do seu criado, o camponês Zambello, e do seu

cúmplice, o cigano Cingar, disfarçado em monge, constituem o enrêdo do poema, cheio de episódios jocosos, grosseiros e satíricos. A sátira de Folengo não conhece

consideração: é contra a aristocracia, os ricos, os prelados, os monges, a própria Igreja - só uma classe é poupada: os camponeses. Trata-se de um grosseiro monge

medieval, nascido por engano na época e no país de Ariosto e Baldassare Castiglione. Com os rudes cavaleiros medievais Folengo poder-se-ia conformar, mas os cortesãos

galantes e perfumados da Renascença -

"Qui fingunt, cantant dovinant somnia genti, Complevere libros follis vanisque novellis." -

causam-lhe repugnãoncia. Folengo é inimigo feroz da Renascença e da sua cultura artística. Essa atitude já foi interpretada como naturalismo brutal, à maneira de

Aretino. De Sanctis considerava o Baldus como espelho da corrução da Renascença. Hoje, alega-se contra essa opinião a forma do poema: o naturalismo está menos no

assunto do que na expressão deliberadamente grosseira, e esta não deixa de revelar consideráveis valores artísticos. A língua "macarrônica" de Folengo é construída

segundo certas leis lingüísticas, rigorosamente observadas, e dentro dessas leis o verso é tratado com mestria notável. Quando Folengo pretende conseguir efeitos

sérios, como no Chaos de] Triperuno, revela fôrça de visão dantesca - nenhum outro poeta italiano se aproxima tanto de Dante como êsse humorista. O mesmo se dá no

furor da sátira. Baldus não é apenas um herói cômico; é um malandro que ganha uma boa vida, maltratando os outros, e êstes outros são as vítimas da aristocracia,

os camponeses.

Folengo é o poeta dos camponeses. Na descrição da vida rústica ("Porcellus grugnit, gallus, gallina chechel

HISTóRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 4955

lant") abre-se-lhe o coração, e aos prazeres do "frigido Parnasso" opõe o sonho de um país em que houvesse quantidades ilimitadas de carne, queijo e vinho. É um

camponês que tomou, por engano, o hábito. E quando canta:

Tuque malenconica nocte, studente, godes." -

reconhecemos em Folengo um goliardo; nos Carmina buraca e nos "manuscritos Mapes" já se encontram poesias "macarrônicas", em que o latim se mistura com palavras

alemãs e inglêsas. Dos goliardos medievais, Folengo distingue-se pela atitude religiosa: o seu anticlericalismo já conhece o protestantismo; cheira a heresia. Folengo

deixou várias vêzes o convento, por "disordine magno", e sempre voltou. A sua doença era aquela a que os monges medievais chamaram "acedia": o horror dos exercícios

religiosos exagerados, alternando com acessos de angústia. Não foi hipocrisia o fim da vida de Folengo: o poema, em língua italiana, Umanità del figliuol di Dio,

escrito em versos lamentáveis, como os dos folhetos que se vendem nas feiras. Folengo era um pobre filho do povo que - a comparação é sua - como a rã "vivere non

sa fuor del pantano", e nos seus últimos versos geme a dor do povo maltratado e incompreendido pelos que falam a língua de Cícero e a de Petrarca. Na bôca do goliardo

Folengo; a língua macarrônica e o protesto contra a transformação do latim, língua universal dos clérigos, em língua particular das elites cultas. Na bôca do camponês

Folengo, a língua macarrônica é o protesto contra a transformação do italiano, língua da nação inteira, em língua artificial do clacissismo. Através da brincadeira

lingüística dêsse humorista fala a voz da consciência do século.

O drama da Renascença italiana não teve desfecho trágico, Terminou em agonia lenta, dolorosa e - em parte - cômoda. Na Itália, a Contra-Reforma era enérgica, mas

não violenta. Não se acabou, como na Espanha, com as pessoas físicas, mas com os ideais. A aristocracia deixou

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de existir; não se pode chamar assim aos cortesãos, do

mesticados pelo moralismo do concílio de Trento, passan

do o dia em devoções públicas e a noite em orgias clan

destinas; nem aos "hobereaux" que, premidos por dificul

dades econômicas, se retiram da vida urbana. O espírito

individualista sobrevive em uns artistas indomáveis, como

naquele Benevenuto Cellini (39), escultor de segunda categoria e personalidade extraordinária, artista e aventureiro, sujeito independente em extremo e escravo das

suas paixões, escritor de uma sinceridade fabulosa. Em estilo absolutamente pessoal, numa sintaxe arbitrária, fala de si e só de si, das suas vitórias como artista

e com as mulheres, das suas desgraças na côrte e em tavernas, e essa autobiografia, exibição exuberante de um homem egocêntrico, tornou-se o quadro mais completo

que existe da Renascença. As famosas biografias de Vasari (4O) empalidecem nessa vizinhança. Vasari, pintor famoso, não era artista, nem na pintura nem na literatura.

O que o salvou foi o grande assunto: as vidas de Giotto, Masaccio, Brunelleschi, Ghiberti, Fra Filippo Lippi, Donatello, Botticelli, Rafael, Miguel Ângelo, com as


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