para Arias Montano é uma grande peça de arte renascentista: versificação da teoria platônica do amor divino. O enderêço a Arias Montano já é indício da interpretação
cristã dêsse "itinerarium mentis
ad Deum". Mas a feição da obra como autobiografia espiritual lembra mais o "Trecento" (o metro, a teria rima, também lembra Dante), e o fim da ascensão é místico:
" para Dios yendo y viniendo."
É isso o que a Carta de Aldana distingue do espírito estóico, leigo, da barrôca Epístola moral a Fabio. A Carta de Aldana não deriva do humanismo meio estóico de
Erasmo, mas antes da devoção mística dos seus mestres holandeses e renanos. Com efeito, a outra raiz do erasmismo espanhol é mística e holandesa (17).
A mística espanhola, natural do país, não é especulativa; é antes ascética, "ejercicio" - o maior livro ascético de um religioso espanhol chamar-se-á Exercitia.
Essa tradição, que pode ser relacionada com a tradição estóica da filosofia espanhola, é ainda inconfundível num dos "místicos" mais importantes do século XVI, o
beato Juan de Ávila (18). O seu Epistolario espiritual para todos estados é moralista, parece-se às vêzes com as Epistulae ad Lucilium do estóico espanhol Sêneca.
O Audi, filia, et vide, meditações sôbre a Paixão de Jesus Cristo, lembra antes os Exercitia de Inácio de Loyola; mas falta a paixão mística do jesuíta, com o qual
Juan de Ávila colaborou, aliás. Êsse elemento místico é de importação holandesa, da tradição de Ruysbroeck 1:"Admirable, da Imitatio Christi e dos místicos renanos.
Além da Imitatio e dos escritos de Gerhart van Zuetphen, é mister lembrar outra bibliografia mística de que os irmãos se serviram: as contemplações de Denys le Chartreux
(t 1471), Ludolf de Saxônia e ou
17) P. Groult: Les mystiques des Pays-Bas et Ia littérature espag
16) Francisco de Aldana, t 1578. nole du XVIe siècle. Louvain, s. d.
Obras (Milano, 1589). 18) Juan de Avila, 15OO-1569.
Edição por M. Moragon Mestre, Madrid, 1953.
M. Menéndez y Pelayo: História de Ias ideal estéticas en Espafia. Audi, filia, et vide; Epistolario espiritual para todos los estados.
vol. I. Madrid, 1882. Edição por J. Fernández Montava, 4 vols., Madrid, 19O1.
J. M. de Cossío: in: Cruz y Raya, n. 13. Pe. Gerardo de San Juan: Vida del Maestro Juan de Avila. Ma
K. Vossler: Escritores y poetas de Espafia. Madrid, 1944.
drid, 1915.
#63O OTTO MARIA CARPEAUX
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 631
tros místicos alemães, e os sermões atribuídos a Bernardo de Claraval. Parte dessa vasta literatura mística se encontrou, em estado fragmentário de lembranças de
leitura ou do púlpito, ria mente de Santo Inácio de Loyola, quando
redigiu os Exercitia (19). A primeira tradução castelhana da Imitatio Christi saiu em 1493, em Sevilha. Entre os autores espanhóis, já influenciados pelo célebre
livro de devoção, é possível distinguir duas maneiras de ascensão mística: uma, aspirando a apagar os sentidos e chegar, através da "noche escura", à união mística;
e a outra, aspirando a aguçar os sentidos para se impressionar com a presença imaginária nos lugares santos ou da danação eterna. A segunda maneira, que se poderia
chamar a empírica ou experimental, está evidentemente em relação com o espírito realista que é um dos aspectos da Renascença. Essa maneira aparece no Abecedario
espiritual (1528), de Francisco de Osuna. Nos Exercitia spiritualia (1548), de S. Inácio de Loyola, nota-se forte progresso: a imaginação é mais viva, as "representações
de lugar" lembram as impressionantes, e às vêzes excessivas, visões celestes e infernais da pintura barrôca. Trata-se, no entanto, da anotação de experiências psicológicas
do santo - a intervenção de lembranças de leituras não constitui objeção contra isso - e é possível considerar os Exercitia spiritualia como diário ou autobiografia
espiritual do autor. Essa interpretação confirma apenas o que já se revelou a propósito da Ratio studiorum, o manual pedagógico dos jesuítas, impondo com tanta energia
os estudos clássicos: na Companhia de Jesus vive um forte elemento humanista. Pelo concílio de Trento, no qual os jesuítas desempenharam papel tão importante, a
Igreja romana tornou-se outra vez, como já aconteceu no comêço do século XVI, uma fôrça humanista. E com a Contra-Reforma, que os jesuítas dirigiram, entra
19) H. Boehmer: Loyola und die deutsche Mystik. Leipzig, 1921.
o humanismo - mas um humanismo sem os mínimos ves
tígios erasmianos - no Barroco (2O).
A primeira daquelas duas maneiras de ascensão mística é representada pela Subida de] Monte Sión por Ia via contemplativa (1535), de Bernardino de Laredo. Mas impõem-se
mais outras distinções. A tentativa de distinguir na mística espanhola da segunda metade do século XVI uma maneira renascentista e uma maneira barrôca, nunca foi
feita: do lado barroco colocar-se-iam a mística de ação de Santa Teresa de Ávila e a mística de evasão de San Juan de Ia Cruz; do lado renascentista, a interpretação
tomista, realista, da união mística por Fr. Luis de Granada e a interpretação platônica, idealista, por Fr. Luis de León. A análise dos modos de sentir e pensar
daria como resultado a influência erasmiana nestes últimos, e a influência realista-estóica do Barroco nos primeiros. Mas tudo isso é, por enquanto, "terra incógnita",
ainda não explorada, e só a análise do estilo literário dá a certeza de que os dois Luíses, escrevendo um espanhol ciceroniano, pertencem à Renascença, enquanto
a prosa coloquial de Santa Teresa e a poética metafórica de San . Juan já são indícios do Barroco (21).
Fr. Luis de Granada (22), autor de uma obra teórica
sôbre a eloqüência do púlpito (Rhetoricae ecclesiasticae
2O) E. Gothein: Ignaz von Loyola und die Gegenreformation. Halle, 1895.
21) A primeira tentativa de classificar os místicos espanhóis segundo as ordens a que pertenciam, foi feita por M. Menéndez y Pelayo; essa classificação encontra-se
adotada nos melhores manuais da história literária espanhola. Desde então, os estudos de psicologia religiosa fizeram progressos consideráveis. Urge também a consideração
dos "tipos de religiosidade% diferentes nas várias ordens da Igreja, tipos estabelecidos por E. Przywara
S. J.
22) Fray Ruis de Granada (Luis Sarría), 15O4-1588.
Libro de ia oración y meditación (1554) ; Guía de Pecadores (1556) ; Introducción del Símbolo de Ia Fé (1583/1585). Edição por J. Cuervo, 14 vols., Madrid, 19O6.
632 OTTO MARIA CARPEAU%
1. VI), é antes de tudo grande orador. Afirmam que o seu Discurso fúnebre de Ia reina D. Catalina (1578) é digno de Bossuet; e tôdas as suas obras revelam o orador
que sabe falar a todos: em estilo coloquial, no Libro de Ia oración y meditación, quando se dirige às almas devotas e simples, como em conversa de confessionário;
ou então, no estilo conciso, denso e impressionante de Sêneca, quando, no Guia de Pecadores, se trata de assustar a massa ao pé do púlpito, lançando-lhe as imagens
da morte e da decomposição; ou então, na Introducción de] Símbolo de Ia Fe, manejando a frase ciceroniana, largamente desenvolvida, como para compreender tôdas as
almas, as coisas e o mundo inteiro. O caminho é sintético. Em decênios e decênios passados no confessionário, o dominicano conheceu as fraquezas e misérias da alma
humana; será um grande psicólogo da persuasão lenta e paciente. Mas também sabe da tenacidade e autodeterminação irresistivel daquelas almas, e apresenta-lhes o
que chegou a conhecer em decênios e decênios de mortificação ascética: o lado noturno da Criação. Êsses dois primeiros livros foram e continuam a ser os mais divulgados
e lidos da literatura ascética espanhola; Fr. Luis parece um grande escritor popular. Mas com mais de 8O anos de idade, o monge abre as portas do convento e sai
para se despedir da terra e do firmamento estrelado, e o que vê é um mundo diferente, um mundo em que tôdas as almas e tôdas as coisas afirmam o nome do seu Criador.
Com mentalidade positiva, franciscana, escreveu a Introducción de] Símbolo de Ia Fe, em que "visibilia omnia et invisibilia" - para falar com as pa
J. J. Valentia Fray Luis de Granada. Ensayo biográfico y crítico, Palma, 1889.
Azorín: Los dos Luises. Madrid, 1921.
R. Switzer: The Ciceronian Style in Fray Luis de Granada. New York, 1927.
A. Valbuena Prata "Domínicos y franciscanos, Fray Luís de Gra
nada", etc. (In: Historia de la literatura espanola. Vol. I. Barcelona, 1937.)
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 633
lavras do Símbolo - reúnem as suas vozes numa sinfonia celeste, a qual já foi chamada "sínte se tornista em língua espanhola% e que é antes um "Cántico del Mundo"
em língua latina: pois Fr. Luis emprega o estilo de Cícero para celebrar, em imagens inesquecíveis, a natureza meridional da sua terra granadina. A obra de Fr. Luis
seria da mais pura Renascença se não fôssem alusões graves a guerras e devastações e a perseguições intolerantes das quais êle mesmo foi vítima. O seu guia em tribulações
assim é Sêneca, fartamente citado, não o estóico laicista dos escritores barrocos, mas o moralista em que a lenda cristã pretendera reconhecer o discípulo do apóstolo
Paulo, um dos adoradores do "Deus ignotus" dos antigos antes de receberem o Evangelho. Para Fr. Luis de Granada, Deus não é o "ignotus" dos pagãos cegos, nem o "Deus
absconditus" dos cristãos angustiados, mas o Deus sereno dos pagãos prestes a receber a revelação divina. Louvando a Deus em estilo ciceroniano, Fr. Luis de Granada
continua fiel ao realismo do seu mestre Tomás de Aquino e realiza o ideal de Erasmo de Roterdão.
Haveria oposição contra quem afirmasse que Fr. Luis de León (23) é o maior poeta da língua espanhola; ou
23) Fray Luis de León, 1527-1591.
La perfecta casada (1583) ; De los nombres de Cristo (1583/1585) ;
Poesias (publ. por Quevedo, 1637).
Edições das Poesias por F. Besalú (Biblioteca de Autores Espafioles, vol. XXXVII) , Madrid, 1872; pela Academia Espafiola, Madrid, 1928; por J. Llobera, Cuenca,
1931. Edições das obras em prosa: por F. Besalú (Biblioteca de Autores Espafioles, vol. XXXVII) ; por E. de Mesa, 2 vols., Madrid, 1917.
Edição das obras completas em castelhano, pelo Pe. Félix Garcia. Madrid, 1951.
M. Menéndez y Pelayo: Horacio en Espana. 2.a ed. Madrid, 1885. P. Blanco Garcia: Fray Luis de León. Estudio biográfico. Madrid, 19O4.
M. Unamuno: "Mística y humanismo". (In: Ensayos, vol. I. Madrid, 1916.)
Azorín: Los dos Luises. Madrid, 1921.
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HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 635
tros preferirão San Juan de Ia Cruz, ou Góngora, ou um dos modernos. Mas não haverá oposição muito forte; pois o superlativo é bastante justificado. O primeiro a
protestar seria provàvelmente o próprio Fr. Luis de León, que não pensava em publicar as suas poesias (a edição foi feita, quase meio século depois da sua morte,
por Quevedo). Mas publicou duas obras em prosa, uma das quais, La perfecta casada, alcançou grande popularidade. Talvez porque os leitores, atraídos pelo fino humor
da sátira contra as modas, pelas descrições da natureza, pela serenidade das lições morais, não perceberam o reverso da moral: La perfecta casada podia ser uma obra
de Fr. Luis de Granada, se não fôsse o profundo pessimismo do autor, só admitindo a ética de cumprimento de deveres sem se perguntar por quê. A outra obra em prosa,
De los nombres de Cristo, é de todo diferente. Nesse diálogo dos monges Sabino, Marcelo e Juliano num jardim de convento, perto de Salamanca, não há nenhuma sombra;
três sábios de dignidade
bíblica, conversando na linguagem de Platão sôbre coisas sagradas - o mundo dos homens malignos está muito
longe. É como uma fuga para dentro da moldura de um quadro clássico da Renascença. Aquela fuga é o assunto
da poesia de Fr. Luis de León.
O grande erudito, que foi tão cruelmente perseguido pela Inquisição, era nutrido de letras clássicas. Além das traduções bíblicas - salmos, Jó, Cântico dos Cânticos
- que o levaram à prisão, traduziu muita poesia latina, em
primeira linha Horácio, e a primeira peça da coleção das
A. F. G. Bell: Fray Luis de León. Oxford, 1925.
A. Lugan: Fray Luis de León. Paris, 193O.
P. Salinas: "The Escape froco Reality". (In: Reality and the Poet in Spanish Poetry. Baltimore, 194O.) A. Guy: La Pensée de Fray Luis de León. Paris, 1943. S. Vossler:
Fray Luis de León. (Tradução espanhola). Buenos Aires, 1946.
Dám. Alonso: Poesia espanola. Madrid, 195O.
suas poesias originais retoma logo o lugar-comum horaciano do "Beatus ille qui procul negotiis":
"Quê descansada vida
Ia del que huye el mundanal ruído, y sigue Ia escondida senda ".
Contudo, o equilíbrio espiritual de Fr. Luis de León não é a superioridade elegante e risonha de Horácio. Logo em seguida, o grito
"I Oh campo, oh rio!
I oh secreto seguro, deleitoso!. .
traduz o júbilo dos salmos em linguagem virgiliana, e depois se revela o fundamento da síntese entre religiosidade bíblica e classicismo virgiliano: à pergunta angustiada
-
"é Cuando será que pueda
libre de esta prisión volar al cielo... contemplar Ia verdad pura sin velo?" -
a essa pergunta angustiada responde o poeta:
".... Ia música extremada
a cuyo son divino
mi alma, que en olvido está sumida, torna a cobrar el tino y memoría perdida
de su origen primera esclarecida."
Fr. Luis de Granada era realista aristotélico. O exegeta bíblico Fr. Luis de León, falando em "prisión" da alma, "verdad pura", "música" das esferas e "memoría perdida
de su origen", é platônico. A sua atitude estóica em face da vida não é a de Sêneca; é conseqüência do pessimismo de um idealista.
i
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HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 637
Sendo espanhol, Fr. Luis de León não pode deixar de ser, até certo ponto, realista. Conhece bem a sua pátria. - "toda Ia espaciosa y triste Espana" - e fala de "pueblo
inculto y duro". Não pretende fugir da terra - a fé cristã não admitiria os conselhos de suicídio de Sêneca; mas não tem ilusões quanto a
" este valle hondo, oscuro com soledad y llanto...",
e até êsse pessimismo é como que iluminado, de longe, por um raio de luz do céu das idéias platônicas:
"Guando contemplo el cielo
de innumerables luces adornado, y miro hacia el suelo, de noche rodeado, en sueíïo y en olvido sepultado".
A poesia de Fr. Luis de León, emocionalmente monótona e caracterizada pela precisão quase lógica das afirmações, é poesia intelectual. Serviu para disciplinar uma
alma agitada; Azorín lembrou, a propósito, a violência emocional por trás dos alexandrinos polidos de Racine. É uma vitória da inteligência sôbre a matéria bruta
- uma das definições do humanismo, aliás - e a arma da vitória é o conceito platônico do valor ideal e permanente das formas, que são lembranças ("memoria perdida")
da pátria celeste da alma. A poesia de Fr. Luis de León transfigura o "mundanal ruído" em harmonia das esferas; a sua poesia,
êle a considera como um modesto acorde na sinfonia divina
"Ve cómo el gran maestro,
a aquesta, inmensa citara aplicado, con movimiento diestro produce el son sagrado
con que este eterno templo es sustentado".
:"Submetendo-se à ordem natural do mundo - outra definição do humanismo - o poeta domina a mutabilidade terrestre e o fantasma da decomposição:
"En luz resplandeciente convertido, veré distinto y junto lo que es y lo que ha sido
y su principio proprio y escondido."
Contra tôdas as aparências, Fr. Luis de León não é um poeta de evasão; não abandona, apenas transfigura o mundo, criando uma nova realidade. Mas essa realidade é
diferente também da realidade dos místicos: não fala de "noche escura", e sim de "noche serena", na qual se acende a luz interior. As origens do platonismo de Fr.
Luis de León encontram-se em S. Agostinho. A muita luz que brilha nas suas poesias - "luz" é a sua palavra mais freqüente - é a do próprio mundo real, transfigurada,
tendo passado pela sua alma. O processo é o contrário de San Juan de Ia Cruz, que apaga na "noche escura" tôdas as luzes. Fr. Luis de León cria uma "alta esfera,
de espíritos dichosos habitada"; mas o seu "eterno .templo" apóia
-se na "espaciosa y triste Espana" (23-A), devastada e cor
rompida, onde a vida só tem preço na companhia de alguns amigos eruditos, em um belo jardim de convento, perto de Salamanca. Como poeta, Fr. Luis de León está perto
daquele outro criador de céus de luz: Dance. Como pensador, é o último discípulo espanhol, discípulo triste, de Erasmo.
A poesia de Fr. Luis de León, uma das mais sublimes que o mundo já ouviu, é capaz de sofrer, por isso mes
MA) Dámaso Alonso ("Ensayos sobre poesia espanola", Buenos Ayres, 1944, pág. 161) adverte contra interpretações anacronísticas désse verso no sentido do pessimismo
da geração de 1898; certamente, o verso refere-se à invasão árabe da qual trata o poema; mas o poeta pode ter sido inspirado por sentimentos menos históricos. (V.
nota 24 e texto.)
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HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 639
mo, interpretações unilaterais e parcialmente erradas. É uma poesia intelectual e pura, ao mesmo tempo; mas não é lícito exagerar um dêsses dois aspectos à custa
do outro. Segundo Menéndez y Pelayo, Fr. Luis de León seria em primeira linha o grande intelectual, o humanista e erudito, e a sua poesia mais ou menos aquilo a
que os inglêses chamam "excellent sholar:"s poetry"; é dado relêvo especial à imitação de Horário, e a originalidade é procurada na emoção religiosa do poeta. A
interpretação
de Salinas - interpretação como "poésie pure" - acentua o fundo místico, clàssicamente dominado por uma arte, por assim dizer, vigiliana. Em ambos os casos, a poesia
de Fr. Luis de León se mostra contraditória: fuga do mundo sem irrealismo evasionista, ou evasão intelectual sem fuga do mundo. O êrro reside, porventura, na confusão
entre poesia pura e mística. Fr. Luis de León é homem de religiosidade intensa - a sua poesia é "ocasional" como é "ocasional" a reza profunda - mas não é místico;
nunca conheceu a típica "perda da consciência própria" na união com Deus. A sua poesia é sempre puramente humana, e
- céu musical dessa poesia é um "eterno templo", construído sólidamente sôbre a terra. Um platônico como Fr. Luis de León não é místico; quando muito, é utopista,
e aconteceu justamente isso. Azorín chamou a atenção para a ideologia política que se esconde em De ]os nombres de Cristo: ideologia quase à maneira de Rousseau
em favor dos pobres camponeses da "espaciosa y triste Espana", ideologia pacifista e antümperialista, programa de tolerância religiosa. Só é preciso acrescentar
que é o mesmo
- programa de Luis Vives e de todos os erasmianos espanhóis, e que a perseguição a Fr. Luis de León pela Inquisição não tinha só motivos teológicos ou pessoais;
não era só a suspeita de heresia contra o exegeta inde
pendente, nem era apenas o ciúme dos dominicanos contra
- grande professor. Era também perseguição política. Fr. Luis de León mantinha relações pessoais com o rei Filipe
II, que era duro, obstinado e infeliz, mas um grande homem; bastante grande para ouvir conselhos que lhe repugnavam, infelizmente sem segui-los. Fr. Luis de León,
juntamente com o seu amigo Arias Montava, que professava opiniões parecidas, fizeram várias tentativas para dissuadir o rei da sua política errada; em audiências
repetidas exigiram uma política menos bélica e a tolerância religiosa nos Países Baixos revoltados (24). Agora já não surpreende a demonstração de Bataillon com
respeito ao perfeito paralelismo ideológico entre De ]os nombres de Cristo e o Enchiridion militis christiani, de Erasmo. Mas por volta de 158O um programa erasmiano
na Espanha já era anacrônico, utópico. Parecendo-se em mais um ponto com Dance, Fr. Luis de León era utopista e passadista; poeta, nascido tarde demais, do crasmismo
espanhol.
O último erasmiano espanhol é um jesuíta: o Padre
Mariana (-:"g) . A sua glória baseia-se na Historia general de
Espana, grande amostra de historiografia classicista à maneira da Renascença; a sua notoriedade é devida ao tratado De rege et regis institutione, livro perseguidíssimo
durante o século XVII, porque admite o tiranicídio. Esta teoria revolucionária de Mariana não pretendeu servir - como acreditavam os historiadores liberais do século
XIX - aos intuitos dos jesuítas contra os reis protestantes da Inglaterra; o argumento de Mariana é o antigo direito de resistência das Côrtes espanholas contra
arbitrariedades do rei. E, na Espanha, Mariana foi perseguido por causa de
24) L. Morales Oliver: Arias Montano y Ia política de
Flandes. Madrid, 1927.
Cf. também o livro de Aubrey F. G. BeU, citado na nota 23.
25) Juan de Mariana S. J., 1536-1624. De rege et regis institutione (1599) ; (16O1);Tractatus VII (16O9).
Edição por F. Pi y Margall (Biblioteca de Autores Espafioles. vols.:= e XXXI),
F- Pi Y Margall: Juan de Mariana. Madrid, 1888. G. Cirot: Mariana historiem. Bordeaux, 19O4.
Felipe
II en
Historia general de Espan-a
4
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OTTO MARIA CARPEAUX
um dos seus sete tratados latinos, De monetae mutatione, acusação violenta contra a inflação e a política econômica espanhola. Só como motivos subsidiários da perseguição
se alegaram dois outros tratados : o estoicismo senequista em De morte et immortalitate, e a crítica histórica da lenda De adventu Jacobi apostoli in Hispania. Mariana,
o jesuíta rebelde, é o último erasmiano.
Nos últimos anos do rei Filipe II, e imediatamente depois da sua morte, reinava em Espanha uma mentalidade de oposição; seria interessante a comparação com os últimos
anos de Luís XIV, em França. Mas aos La Bruyère, Vauban e Fénelon seguiram os "filósofos" do século XVIII, e aos Montanos, Luíses e Marianas, o Barroco. O erasmismo
já estava vencido, havia muito.
A morte do Grande Inquisidor Alonso Manrique de Lara, em 1538, é uma data histórica: o erasmismo perdeu o seu protetor. Sete anos depois, inaugura-se o concílio
de Trento. Os que não puderam submeter-se, foram empurrados para o caminho da heresia. O precursor fôra Alfonso de Valdés (21% secretário do imperador Carlos V e
erasmiano apaixonado. O seu Diálogo de Mercurio y Carón, "diálogo de mortos" à maneira de Luciano, com vivíssimas luzes satíricas e alusões sérias à grande política
européia, que o autor acompanhou tão de perto, êsse diálogo representa um gênero literário particular da Renascença: a transformação das danças macabras e cortejos
carnavalescos medievais em sátira mais especial e particular, atenuando-se as invectivas pela forma clássica. Quanto ao
26) Alfonso de Valdés, e. 149O-1532.
Diálogo de Mercurio y Carón; Diálogo de Ias cosas ocurridas en
Roma; etc.
Edição por J. F. Montesinos (Clásicos Castelhanos, vols. LI=X
e XCVD.
M. Menéndez y Pelayo: Historia de los heterodoxos esparloles.
vol. II. Madrid, 188O.
G. Schlatter: Die Brueder Alfonso und Juan de Valdés. Basel,
19O1.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 641:
lado medieval da obra, lembra o Narrenschiff, de Sebastian Brant, e a trilogia das Barcas, de Gil Vicente, quase contemporâneas; mas ainda não foi lembrado o modêlo
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