Otto maria carpeaux



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tese assim, só a encontrará a lírica petrarquesca do século

6) Diego de San Pedro, século %V.

Cárcel de amor (c. 1465, impresso em 1492).

Edição: Nueva Biblioteca de Autores Espanoles, vol. VII (por

Menéndez y Pelayo).

M. Menéndez y Pelayo: Orígenes de 1a novela. Vol. I. Madrid,

19O5.


7) Cuestión de amor de dos enamorados (1513).

B. Croce: Di un antico romanzo spagnuolo relativo alfa storia di Napoli, Ia "Cuestión de amor". Napoli, 1894.

OTTO MARIA CARPEAUX

4O2 OTTO MARIA CARPEAUX

XVI no neoplatonismo modificado de Leone Ebreo. O

"flamboyant" debate-se entre as exigências físicas e as

imposições espiritualistas; na península Ibérica mais do

que em qualquer outra parte. As primeiras influências

italianas produzem na Catalunha um petrarquismo que se

antecipa ao petrarquismo internacional do século XVI; e,

por outro lado, influências orientais e do paganismo clás

sico inspiram ao ovidianismo medieval um novo ardor

sensual, que encontrará a sua transfiguração na Celestina.

Na Espanha do século XV há forte influência "tre

centista". Juan de Mena (s), que fêz ainda um Homero

romanceado, à maneira medieval, imita, no Labyrintho de

Fortuna, as visões de Dante, colocando-as entre os arabes

cos barrocos do "gótico flamboyant". O Marquês de Santillana imitará, no Infierno de ]os enamorados, Dante, e

no Triumphete de Amor, Petrarca. Na península Ibérica aparece o primeiro grande petrarquista das literaturas européias, o catalão Ausias March (9) ; se a língua

da sua região não fôsse de divulgação tão restrita, êle já seria reconhecido universalmente como o grande poeta que é, um dos mais profundos da literatura universal.

É poeta erótico; mas não assim como o mundo imagina os enamorados. É, antes de tudo, um intelectual, de vasta erudição aristo

télica, e principia com a confissão: 8) Juan de Mena, 1411-1456.

La coronación; Labyrintho de Fortuna; Homero romanceado; Cancionero.

M. R. Lida de Malkiel: Juan de Mena, poeta dei prerrenacimiento espanoZ. México, 195O.

9) Ausias March, 1379-1459.

Obras (Obras de amors, de mort, morais) (primeira edição, Barcelona, 1543).

Edição crítica por A. Pagés, 2.8 ed., 2 vols. Barcelona, 19221924. J. Rubió y Ors: Ausias March y su época. Barcelona, 1879. A. Rubió y Lluch: Ausias March y su

obra. Barcelona, 1884. A. Pagés: Ausias March et ses prédecesseurs. Essai sur Ia poésie

amoureuse et philosophique en Catalogue aux XIVe et XVe siècles. Paris, 1912.

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 4O3

"Accident es amor e no sustança."

A sua poesia é, como será a de Scève, um esfôrço de transformar o "accident" em "sustança", de salvar o que é fugitivo. As canções amorosas de Ausias March, grande

senhor aristocrático e sempre "prudente", são de certa frieza. Mas quando Teresa Bon, a amada, morreu, então, nas seis elegias Cants de Mort, March se tornou apaixonado.

Então, "Amor a mi descobre los graus secrets", e o moralista severo - "cor d:"acer, de carn e fust" - chega a profundezas místicas, das quais Petrarca nada sabia.

Chega a sentir em si "una força infinida", não quer submeter-se à lei geral, à morte, recusa até as consolações da religião

"Catolic so, mas Ia Fe no m:"escalfa."

Diz isso entre rezas à Virgem, é homem medieval, místico do amor, como Dante; mas a sua mística excede todos os limites, colocando-o perto do panteísmo. Não está

tão longe da Celestina como parece.

Esta obra magna da literatura espanhola, verdadeiro milagre de "modernismo" no fim do século XV, não está inteiramente isolada. Antecederam-na outras obras, de importância

muito menor, mas que também constituem passos significativos no caminho da libertação antimedieval dos instintos. O Corbacho, de Alfonso Martínez de Toledo, arcipreste

de Talavera (1O), também chamado Tratado contra Ias mujeres ó Reprobación de Caro Amor, é do tipo das sátiras dos clérigos medievais contra as mulheres; pretende

acabar com o amor profano para chegar ao puro amor de Deus. Procura, porém, inspiração no Corbaccio do Boccaccio desiludido, e, ultrapassando o modêlo, o digno

1O) Alfonso Martínez de Toledo, arcipreste de Talavera, c. 1398 - c. 147O.

El Corbacho; edição por Pérez Pastor, Madrid, 19O1.

M. Menéndez y Pelayo: Orígenes de Ia novela. Vol. I. Madrid, 19O5.

#4O4


OTTO MARIA CARPEAUX

arcipreste revela conhecimentos surpreendentes das intimi

dades femininas, não só das do vestuário, mas também das

corporais. O sucesso da sua obra demonstra que não conseguiu inteiramente o objetivo de aborrecer os leitores. É a época na qual até um romance de cavalaria deve

o sucesso às cenas menos elegantes, à maneira por que romancistas modernos procuram apimentar as obras para aumentar as tiragens. É o caso do famoso romance Tirant

lo Blanch, do catalão Johannot Martorell (11), obra muitíssimo extensa, mistura fantástica da crônica catalã de Muntaner com elementos de Lancelot, Tristão e Rei

Artur, obra de decadência da cavalaria, e que seria ilegível sem aquelas cenas de sensualidade brutalíssima, que fariam corar D. H. Lawrence e que causaram tanto

embaraço ao bom Menéndez y Pelayo; mas o grande crítico católico, jus

to como sempre, não pensou em negar as qualidades extra

ordinárias de romancista psicológico que se escondem en

tre as páginas intermináveis e fastidiosas de Tirant lo

Blanch.


Quanto à Celestina (12) o verdadeiro título do ro

mance dialogado é Comedia de Calisto y Melibea - a opinião é unãonime: se não fôsse o D. Qui monumento da literatura espanhola. xote, seria o maior

Há muitos enigmàs

11) Johanot Martorell, t 146O.

Tirant lo Blanch (149O).

Edições: New York, 19O4; Barcelona, 192O, 1924.

M. Menéndez y Pelayo: Orígenes de Ia novela. Vol. I. Madrid, 19O5.

G. Mas: Estudio crítico de Ia novela caballerezca Tirant lo Blanch. Madrid, 1911.

E. Vaeth: Tirant lo Blanch. A Study of its Autorship, Sources and Historical Setting. New York, 1918.

Dám. Alonso: "Tirant lo Blanch, novela moderna".

Valenciana de Filologia, 1951.) (In: Revista

12) Fernando de Rojas, 1465-15257

Comedia de Calisto y Melibea (Celestina) (1499).

Edições por R. Foulché-Delbosc (Biblioteca Hispanica, vol.

Paris, 19O2), e pela Hispanic Society, New York, 19O9.

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL

em tôrno dessa obra, e um dêles é o sucesso imediato - coisa rara, quando se trata de obras-primas. A primeira edição foi publicada em Burgos, em 1499; e até 155O

publicaram-se nada menos que 43 edições em espanhol, 16 edições da tradução italiana, várias traduções em francês, alemão, holandês; uma versão livre em língua inglêsa

é de 153O e influenciou o teatro elisabetano. Outro enigma é o autor. A edição de 1499 tem 16 atos; a segunda, de 15O1, dá a entender que o primeiro ato é de outro

autor que não o dos 15 atos seguintes; e a terceira edição, de 15O2, já apresenta 21 atos come legítimos. O autor chama-se Fernando de Rojas; seria êle autor apenas

do primeiro ato, de 16 atos, ou de 21? Ésse Fernando de Rojas, bacharel, judeu convertido ao cristianismo, é uma figura misteriosa. Mas o maior enigma de todos é

a possibilidade de surgir essa obra na Espanha do século XV. O amor entre Calisto e Melibea, com o desfecho trágico, seria assunto medieval, à maneira de Tristão

e Isolda, se não houvesse certos elementos novos: a paixão quase louca dêsse amor, ao ponto de Calisto substituir pelo nome de Melibea o nome de Cristo no Credo;

a côr romântica das cenas amorosas, lembrando Romeu e Julieta; a aproximação dos amantes por intermédio da alcoviteira Celestina, personagem de um cinismo tão ingênuo,

e quase simpático, que forneceu o título corrente à obra; o pathos sublime das cenas sérias, contrastando vivamente com o diálogo grosseiro e saboroso da Celestina,

dos criados e das prostitutas enfim, o desfecho trágico com as suas explosões violentas

de acusação contra o regimento divino. Não basta cha

M. Menéndez y Pelayo: Orígenes de ia novela. Vol. III. Madrid,

191O.

M. Menéndez y Pelayo: Estudios de critica literaria. 2.a série.



2.a ed., Madrid, 1912.

Azorin: "La Celestina". (In: Los valores literarios. Madrid, 1911) F. Castro Guisasola: Las fuentes de Ia Celestina. Madrid, 1925. R. Maeztu: Don Quijote, Don Juan

y Ia Celestina. 2.a ed. Buenos Ayres, 1938.

4O5


XII,

#4O6 OTTO MARIA CARPEAUX

mar à Celestina "digna de Shakespeare" para explicá-la.

Também não basta a análise de fontes e influências. Ca

listo exprime opiniões neoplatônicas sôbre o amor como

supremo bem; há muitas reminiscências clássicas, e as ce

nas dos criados lembram a comédia de Plauto. Por outro lado, as cenas populares têm o sabor da sátira medieval; a alcoviteira Celestina, que evoca o diabo para que

êle a ajude na sedução da môça, é descendente da Trotaconventos do Arcipreste de Hita; a lógica do desfecho trágico, após a paixão ilegítima, corresponde à ética

medieval; e a atmosfera total da obra é vagamente sombria, "como a

do gueto judeu em que nasceu o autor".

Esta última observação sugeriu a Maeztu a interpreta

ção das contradições pelo fato da conversão do autor: Fernando de Rojas teria saído do judaísmo, porque desesperava da justiça de Deus para com o povo eleito, e

da Providência; começou a acreditar que as paixões, o dinheiro e o acaso governam o mundo. Mas tampouco conseguiu acreditar na nova fé, e o fim foi cinismo e cepticismo.

Explicação engenhosa, mas fantástica, porque nada sabemos sôbre o autor. A interpretação até está em parte errada, porque o espírito da obra não é cínico nem céptico.

A alcoviteira Celestina não encarna o cinismo; é antes ingênua, na convicção da necessidade da sua profissão; a cena com o diabo serve para simbolizar a grandeza

sôbre


humana do Mal e para apresentar a bruxa como servidora

digna da divindade terrível e vingadora, que é, na Celestina,

o Amor. A comédia é pagã, não no sentido de antijudai

ca ou anticristã, mas no sentido da ausência de qualquer

religiosidade "moderna". A Celestina não é produto de

conflitos íntimos do autor, mas do conflito geral da época,

entre a sensualidade desenfreada e a obsessão da morte;

nestas duas fôrças, Amor e Morte, concentravam-se todos

os sentimentos religiosos, e o sobrenatural cristão perver

teu-se-lhe em paganismo fantástico. O século reconheceu

se nessa imagem, como as inúmeras edições demonstram.

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 4O7

O conflito não está resolvido, e a Comedia de Calisto y Melibea continua como uma das expressões máximas do espírito humano.

A literatura bucólica inicia-se com uma atitude de significação social. Sempre que a aristocracia se sente ames-. çada, descobre as origens rurais do seu poder e

faz uma tentativa de aliar-se ao povo dos campos contra a burguesia. Poetas aristocráticos entram a fazer versos ao gôsto popular. Em Neidhart von Reuental, o mesmo

afã ainda inspirou a paródia. Charles d:"Orléans (1% o último dos trovadores, príncipe de fragilidade decadentista, que fala do

"Chastel de mon coeur, Tour de ma douleur..."

e do "puis profond de ma mélancolie", deve o sabor fresco das suas baladas, vilanelas e rondós ao sentimento da natureza, "de vent, de froidure et de pluie" reais.

Realismo relativo, que nasceu da longa prisão na Inglaterra, "en regardant vers le pays de France". Juan de Mena, o italianizante, imita canções populares. O Marquês

de San


tillana (14), grande aristocrata e grande erudito, homem

de Estado e admirador de Dante, sabe idealizar a poesia popular, ao ponto de haverem passado ao domínio do povo certas poesias suas, como "Después que nací" e "Moça

tan f ermosa".

13) Charles d:"Orléans, 1394-1465.

Edição por P. Champion, 2 vols., Paris, 1924/1928.

P. Champion: La vie de Charles d:"Orleans. Paris, 1911.

14) Migo López de Mendonza, marquês de Santillana, 1398-1458. Obras, edição com vida e comentários, por J. Amador de los Rios, Madrid, 1852. Edição das Canciones

y devires, com introdução de V. Garcia de Diego, Madrid, 1913.

#4O8 OTTO MARIA CARPEAUX

Um dos resultados mais notáveis dêsse amor às coisas populares é o Romanceio espanhol (16). Os "romances viejos" são fragmentos isolados das gestes espanholas, última

fase da decomposição da epopéia popular castelhana. Dêste modo, constituem verdadeiros ciclos: romanças do Cid, romanças dos Infantes de Lara, romanças em tôrno

de Bernardo del Carpio e Fernán González, do rei D. Pedro, o justiceiro, e das lutas de fronteira com os mouros; também existem "romances viejos" da matéria bretã

e de Carlos Magno. Se têm algo em comum com as baladas anglo-escocesas, é porque também existem em versões "li

terárias", obra de poetas cultos. Nas edições sucessivas

do Romanceio, os "romances viejos" foram, enfim, total

mente substituídos por artificiais romanças de gôsto ama

disiano. O gênero se tinha aristocratizado, sem perder,

aliás, a popularidade, e sem perder de todo o sabor de poe

sia bárbara, "romântica". O Romanceio é um dos produtos

mais genuínos da literatura espanhola; é o grande reposi

tório das virtudes cavaleirescas e das paixões dramáticas

da raça, naquele característico metro trocaico que tantas

vêzes rejuvenesceu a poesia ibérica.

Entre os primeiros bucolistas destacam-se os portuguê

ses Bernardim Ribeiro e Cristóvão Falcão; nêles, o espí

rito popular, ou antes, a expressão autêntica da raça, ainda

15) Romanceio

Edições antigas: Cancionero, edit. Por Martin Nuncio, Antwerpen, 155O.

Cancionero, edit. Por Lorenzo de Sepúlveda, Antwerpen, 1551. Cancionero general, edit. Por Luis Sanchez, Madrid, 16OO.

Edições modernas: por A. Durán, Biblioteca de Autores Espafoles, vols. X, XI.

M. Menéndez y Pelayo: Antologia de los poetas líricos castellanos, vols. VIII-X.

M. Menéndez y Pelayo: "Tratado de los romances viejos". (In:

Antologia de los poetas líricos castellanos, vols. XI-XII,)

R. Menéndez Pidal: El romanceio espanol. New York, 191O.

R. Menéndez Pidal: El romanceio. Teorias e Investigas ones. Madrid, 1928.

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 4O9 é mais forte do que as reminiscências clássicas. rnarrdim Ribeiro (16), sobretudo, é um grande poeta q os pró

prios portuguêses nem sempre parecem apreciar devidamente. Menina e Môça é uma obra algo confusa, mistura de romance de cavalaria e de romance de amor sentimental.

"Das tristezas não se pode contar nada ordenadamente porque desordenadamente acontecem elas". E, em outro lugar, a confusão explica-se pela ambigüidade do sentimento

amoroso: "que sento contra o que sento". Desta ambigüidade nasce a poesia muito pessoal de Bernardim Ribeiro; os romances e cinco éclogas, insertos na novela - eis

a poesia mais pessoal, mais sincera do tempo, e bem do século XV, em que o autor nasceu: cheia de angústias quase românticas, e da mais fina sensibilidade psicológica.

Cristóvão Falcão (17) é o menor dêsses dois grandes poetas menores. As agudas auto-observações psicológicas dão à sua écloga Crisfal aspecto mais moderno. Mas a

apresentação como sonho, à maneira do Roman de Ia Rose, é bem medieval. Bernardim Ribeiro e Cristóvão Falcão, embora homens cultos e do século XVI, pertencem espiritualmente

ao "gótico flamboyant", que nêles, como portuguêses, é um "gótico choroso:", de saudades medievais. A sua écloga

16) Bernardim Ribeiro, 1482-1552.

Menina e Môça (1554).

Edição: Obras de Bernardim Ribeiro e Cristovam Falcão, edilt por Carol. Michaêlis de Vasconcelos, 2 vols., Coimbra, 1923. Theof. Braga: Bernardim Ribeiro e os Bucolistas.

2.a ed. Pôrto,

1897.


M. Menéndez y Pelayo: Orígenes de Ia novela. vol. I. Madrid, 19O5. Carol. Michaêlis de Vasconcelos: vol. I da edição citada. M. Silva Gaio: Bernardim Ribeiro. Coimbra,

1932.


A. Salgado Junior: "A "Menina e Môça" e o Romance Sentimen

tal no Renascimento". (In: Labor, 1937-194O.)

17) Cristóvão Falcão, c. 1512 - c. 1553.

Égloga Crisfal. Ed. cf. nota 16.

Carol. Michaêlis de Vasconcelos: nota 16.

M. Silva Gaio: Cristóvão Falcão. Coimbra, 1933.

vol. I da edição citada na

#41O


OTTO MARIA CARPEAU%

ainda não é, como no século XVI italiano ou inglês, pura reminiscência clássica; obra da tristeza e não da evasão. Mas cheio está o século XV de paráfrases do horaciano

"Beatus ille qui. procul negotiis" e da popularíssima poesia "Le Dit de Franc Gontier", obra de Philippe de Vitry (18)
elogiada por Petrarca, que já tinha escrito o seu Carmen Bucolicum

"Soubz feuille vert, sur herbe delitable


Les ru bruiant et prez clara fontaine

Trouvay fichee une borde portable,


Ilec mengeoit Gontier o dama Helayne
Fromage frais, laict, burra fromaigee..."

Nos Contradiz Franc Gontier, Villon dará a êsse sonho


idílico o desmentido da verdade.

No teatro do "gótico flamboyant" triunfou a alegoria. As personagens bíblicas são substituídas por personificações das virtudes e vícios, brigando pela alma do homem,

e o único personagem em carne e osso que intervém nesses sermões dialogados, é o Diabo. São as "Moralités" francesas, como Bien Avise, Mal Avise, Charité, Condammation

de Banquet, e as "Morality Plays" inglêsas, de maior fôrça dramática, sobretudo as "Macro Plays" (da coleção Cox Macro) : Wisdom, Mankind, e a melhor de tôdas,

The Castle of Perseverante (19), O gênio inglês revelou já
então a capacidade de vivificar alegorias, capacidade que
obterá em Spenser e Bunyan os maiores triunfos. Na Es
cócia, os Morality Plays antes serviram para fins satíricos:

18) Philippe de Vitry, 1291-1361.

Cf- o estudo de Piaget em Romania, XXVII, 1898.
19) Edição das principais Morality Plays por F. J. Furnivall e A, W, Pollard, London, 19O4.

L. W. Cushman: The Devil and Vice in English Dramatic Literatura bejore Shakespeare. Halle, 19OO.

HISTÓRIA DA ,LITERATURA OCIDENTAL 411

19-A -


a Sátira dos Três Estados, de David Lyndsay ata que de um calvinista da primeira hora contra a Igreja Romana, revelou ainda em tempos recentes capacidade de interessar

platéias modernas.

Entre as "Morality Plays" inglêsas, existe uma obraprima extraordinária: The Summoning of Everyman

Mas esta é de origem holandesa. Atribui-se a Petrus Dorland ou Diesthemius, clérigo holandês do século XV, a autoria da "moralité" Den Spyeghel der salicheyt van

Elckerlyc, modêlo da peça inglêsa. "Elckerlyc", "Everyman", é "qualquer homem", o representante da Humanidade inteira. Na hora da agonia, é abandonado por Família,

Amizade, Poder, Riqueza, e pelos Vícios, que eram os seus amigos, e o Diabo aparece para apoderar-se da Alma. Então, são só as Boas Obras que salvam o Homem e o

guiam para o trono de Deus. A emocionante peça, que em versões modernizadas ainda hoje impressiona a platéia, teve uma fortuna literária fora do comum: o humanista

holandês Georgius Macropedius (j:" 1558) tornou o motivo famoso em tôda a Europa, pela versão latina Hecastus (1539) ; o motivo se reconhece na Trilogia das Barcas,

de Gil Vicente, e em El grau teatro dei mundo, de Calderón. Elemento

19M Sir David Lyndsay, c. 149O - c. 1555.

Ane Pleasant Satyre O1 the Thrie Estaitis (154O). Edição por D. Laing, Edinburgh, 1879.

W. Murison: Sir David Lyndsay. Edinburgh, 1938.

Den Spyeghel der salicheyt van Elckerlyc (século XV).

Edições por H. Logeman, Gent, 1892, e por K. H. de Raaf, Groningen, 1897.

The Summoning of Everyman (1529).

Edições por K. Goedeke, Hannover, 1865, e por F. Sidgwick, London, 19O2.

K. Goedeke: Everyman, Homulus und Hekastus. Hannover, 1865. (Introdução da edição citada.)

J. Van Mierlo: "De dichter van. Elckerlyc". (In: Verslagen van de Koninkl. Vlaamse Academia, 194O.) H. de Vocht: Everyman. A Comparativa Study, with Special Reference

to Elckerlyc. (Materiais for the Study of Old English

Drama. N. Y. 2O, 1947).

2O)

#412:" OTTO MARIA CARPEAUX



específico da versão inglêsa é o humorismo de certas cenas tomadas de empréstimo a uma obra alemã que muito influenciou a literatura inglêsa do século XVI e tôda

a li


teratura européia: o Narrenschiff, de Sebastian Brant (21).

É a descrição da viagem de um navio cheio de loucos, que personificam tôdas as classes e profissões da sociedade: obra de um moralista-humorista, de sabor medieval,

sátira carnavalesca, grosseira e popular, e vigorosa. É uma obra que foi logo traduzida e divulgada na Inglaterra, onde então floresceu uma vigorosa literatura satírica.

Seu maior representante é Skelton 21-A)

cursos rítmicos que chegaram ema nosso tempo aoimpressionar certos poetas modernos.

A aproximação entre Everyman e Narrenschiff explica porque o herói representativo da "Morality Play" é um homem rico. A peça pretende demonstrar que até o ricaço

está sujeito à mesma lei geral do gênero humano, que sempre é pecador. Pretende demonstrar o poder da Morte de igualar todos. A expressão máxima dessa idéia são

as "danças" macabras.

O motivo é freqüente na arte medieval. O grande mural do cemitério de Pisa, o Trionfo delia Morte, é uma versão algo diferente da dança macabra: a morte espera todos,

iguala todos. A idéia parece e foi sempre considerada como tipicamente medieval. Mas isso não é exato. No conceito medieval, a morte não elimina a hierarquia so

21) Sebastian Brant, 1458-1521.

Das Narrenschiff (1494) (a tradução inglêsa é de 15O9). Edição por H. Koegier, Basel, 1913.


C. H. Herford: The Literaty Relations of England and Germany in the 16th. Century. Cambridge, 1886.

M. Rajewski: Sebastian Brant. London, 1944. 21A) John Skelton, c. 146O-1529.


Colyn Cloute; The Boke of Phyllyp Sparowe.

Edição por Ph. Henderson, London, 1949.

W. H. Auden: "John Skelton". (In: The Great Tudors. London, 1935.)

$ L. R. Edwards: Skelton. London, 1949.

ciai; sômente a modifica e melhora de harmonia com a ética, como o demonstra a hierarquia fúnebre da Divina Comédia. E a mentalidade medieval tampouco conhece a

idéia da dança ou de cortejo de tôdas as classes, encabeçado pela própria Morte, porque a tendência igualitária é desconhecida. Antes de conceber a idéia da dança

macabra, na qual a Morte representa um papel justiceiro e consolados, precisava-se de uma espécie de revolução contra a "injustiça divina" que condena à morte tôdas

as criaturas. O monumento memorável dessa "revolução" é uma obra anônima, em língua alemã, o Ackermann aus Boehmen (22). O autor é, segundo estudos recentes, Johannes

Tepla, de Saaz, na Boêmia; morreu-lhe a espôsa em 1 de agôsto de 14OO, e como as queixas do "lavrador da Boêmia" contra a Morte, que lhe roubou a mulher, constituem

o assunto do diálogo, a obra deve ter sido escrita pouco depois de 14OO. A forma exterior é a dos "debates" metafísicos medievais; existem relações com a visão de

William Langland, e a idéia de negar a existência do Mal provém do nominalismo. Contudo, não é uma obra medieval. Há no Ackermann muitas reminiscências de leituras


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