Otto maria carpeaux



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no centro do cristianismo os conceitos de pecado e graça e exigindo a submissão do pecador perante a autoridade civil, e, doutro lado, o Sermão da Montanha, cuja

ética apocalíptica não seria compatível com Estado leigo, Igreja organizada, ordem social e civilização profana. Em Zwingli essa distinção desapareceu em face do

voluntarismo político do reformador. Sustentaram, porém, essa distinção os sectários revolucionários e, por motivos diferentes, os intelectuais que, sem pensar em

realização imediata, insistiram na volta do cristianismo às suas origens evangélicas, assim como o humanismo tinha voltado às origens, às fontes da erudição clássica.

Eram os humanistas cristãos que se chamavam erasmianos, por serem discípulos do homem que fôra o primeiro a observar aquela diferença de doutrinas dentro do Novo

Testamento : Erasmo de Roterdão.

"Renasceras pietas, restitutio Christianismi, Christum ex fontibus praedicare": eis o lema do humanismo cristão, e ao mesmo tempo a enumeração dos fatôres que influíram

no pensamento de Erasmo.

"Renasceras pietas": a região na qual Erasmo nasceu é a dos místicos holandeses e renanos, dos discípulos de Ruysbroeck 1:"Admirable. Por volta de 138O, Geert de

G, oote introduziu em Deventer e Zwolle a "devotio moderna", nova forma de devoção, abstendo-se das hipocrisias mecanizadas dos monges e do intelectualismo sêco

dos es-

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colásticos: uma mística simples e até simplista, aspirando à simplicidade do Evangelho primitivo (7). Lá foi escrita a Imitatio Christi. Os irmãos, silenciosos e

trabalhadores, ganhavam a vida copiando manuscritos e ensinando os meninos. As suas escolas, da Renãonia até o Báltico, semearam o amor às letras clássicas. Erasmo

foi aluno das escolas de Gouda e Deventer; depois entrou na Ordem dos Agostinhos, à qual Lutero também pertenceu. Como êste, o jovem humanista não suportava a disciplina

conventual. Da "renasceras pietas" foi para Vala e Pico da Mirandola, Cícero e Sêneca, e o humanista Erasmo não se teria tornado humanista cristão sem a "restitutio

Christianismi" dos inglêses.

A tradição é de Oxford; fortalecida pela renovação dos estudos gregos. No pensamento do venerável John Colet ($) influiu o caso de Savonarola, demonstrando-lhe a

necessidade da "restitutio Christianismi": como anglo-saxão, acreditava no poder da pedagogia. O fundador da escola de St. Paul:"s e co-autor (com William Lily)

da

famosa Eton Latira Grammar foi principalmente o grande pedagogo do humanismo cristão; chegou a doutrinar Erasmo. O meio de renovação da "restitutio Christianismi"



era o mesmo por que se renovaram os estudos gregos : consistia em voltar às fontes. Daí o programa do humanismo cristão: "Christum ex fontibus praedicare".

Em 153O, Erasmo (9) escreveu a um amigo: "Compara o mundo como foi há trinta anos com o mundo atual, e

7) E. Bruggeman: Les mystiques flamands. Lille, 1928. 8) John Colet, c. 1467-1519.

J. A. R. Marriott: The Life of John Colet. London, 1933.

9) Desiderius Erasmus de Rotterdam (Gerrit Gerritssoon), 1467-1536. Adagiorum Collectanea (15OO) ; Enchiridion Militis Christiani (15O4) ; Moriae Encomium (Elogio

da folia) (15O9) ; Querela paris (1516) ; Familiarium colloquiorum opus (1524) ; De libero arbítrio (1524) ; Ciceronianus (1528) ; Apophtegmatum sive scite dictorum

I. VI (1531) ; etc.

Opera omnia, ed. por J. Le Clerc, 11 vols., Leyden, 17O3/17O6. Opuscula medita, ed. por W. K. Ferguson, Haag, 1933.

-pergunta então o que o mundo deve a Erasmo." Na correspondência de Erasmo, coligida por P. S. Allen, não se encontra a resposta a essa carta orgulhosa, e nós, ainda

hoje, sentimos dificuldades em responder. Erasmo era um trabalhador ingente: além de numerosos tratados religiosos, filosóficos, filológicos, satíricos, e além da

sua correspondência, que constitui uma enciclopédia da sua época, Erasmo deu a primeira edição do texto grego do Novo Testamento (1516) e dirigiu a grande edição

basileense dos Padres da Igreja. Mas êsses trabalhos, de valor fundamental na época, estão superados há muito, e o que êle disse sôbre tolerância, verdadeiro cristianismo

e liberdade do espírito, foi repetido inúmeras vêzes depois da sua morte e tornou-se, enfim, lugar-comum. Tudo o que escreveu está em latim, então língua dos homens

cultos do Continente inteiro, hoje língua morta, só conhecida dos especialistas e mestres-escolas. Erasmo é como um retrato escurecido pelo tempo, apagada a legenda,

e a gente pergunta: "Quem foi?" Mas nunca se soube bem quem foi Erasmo. Carlos V, o imperador católico, chamou-lhe. "caráter cristianíssimo", e um teólogo protestante

moderno acompanha essa opinião: "Profeta da ira sagrada contra

Edição das cartas por P. S. Allen, 9 vols., Oxford, 19O6/1938.

J. A. Froude: The Life and Letters of Erasmus. London, 1894. P. S. Allen: The Age of Erasmus. Oxford, 1914. W. Koehler: Desiderius Erasmus. Zuerich, 1917.

Pr. Smith: Erasmus. A Study of His Life, Ideais and Place ira History. New York, 1923.

J. B. Pineau: Erasme et la Papauté. Paris, 1924.

J. Huizinga: Erasmus. Haarlem, 1924. (trad. inglésa, New York, 1924).

R. Pfeiffer: Humanitas Erasmiana. Basel, 1932. A. Maison: Erasme. Paris, 1933. Th. Quoniam: Erasme. Paris, 1935.

L. Borghi: Umanesimo e concezione religiosa ira Erasmo di Rotterdam. Firenze, 1935.

P. S. Allen, J. Huizinga e outros: Gedenkschrilf zum 4OO. Todestag des Erasmus von Rotterdam. Basel, 1936. R. A. Meissinger: Erasmus. Zuerich, 1942.

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tudo o que é falso e bárbaro". Mas o próprio Lutero chamou-lhe "inimigo e adversário do Cristo, retrato de Epicuro"; e Pastor, historiador católico moderno acompanha

a opinião do reformador: "Orador superficial, com veleidades de paganismo". O próprio Erasmo fêz muito para criar equívocos: pensador intrépido e homem esperto,

nem sempre houve por bem exprimir claramente a sua opinião. Às vêzes encobriu-a em ambigüidades intencionais para evitar a perseguição, e outras vêzes dissimulou

a verdade por motivos financeiros, porque Erasmo era um intelectual independente - o primeiro do mundo moderno - que viveu da sua pena. Dêste modo, parece aos católicos

(e também a Dilthey) um Voltaire do século XVI, e aos protestantes (e também aos livres-pensadores) um representante do cristianismo pelagiano, otimista até à negação

do pecado original e precursor do liberalismo.

É certo que Erasmo não era ortodoxo: dogmas essenciais e formas de culto tradicionais, êle os rejeitou, mas nem sempre por heresia. Quoniam chamou a atenção para

a atitude de Erasmo rejeitando a interpretação tradicional da angústia de Cristo em Getsêmani como expressão de compaixão pelos seus assassinos e afirmando o verdadeiro

mêdo de Cristo; parece blasfêmia, mas é o zêlo de conservar a natureza humana em Cristo (o que é perfeitamente ortodoxo) ; é humanismo cristão. Parece que Erasmo

foi ariano, não acreditando na divindade de Jesus Cristo; mas exprime a heresia nas seguintes palavras, algo jocosas: "Se a Santa Madre Igreja exigisse não acreditar

na divindade de Jesus Cristo, mesmo assim eu obedeceria% e essas palavras não eram mera brincadeira. Erasmo zombou dos monges e do seu culto mecanizado, era inimigo

das rezas multiplicadas, do culto dos santos, quando degenerado em idolatria, do dogmatismo, quando degenerado em especulação vazia - mas não era inimigo da Igreja.

Ao contrário, declarou-se sempre filho submisso do Papa romano, e não por hipocrisia. Erasmo é homem da Renascença, a pró

pria estrutura do seu pensamento é estética, não admite emoções vagas, só articuladas, formadas; e o sentimento religioso precisa também de uma forma, que é a Igreja.

Erasmo é esteta, mas não esteticista: o culto da forma como "l:"art pour Fart" lhe repugna, e contra o ciceronianismo vazio dos humanistas italianos lançou o panfleto

Ciceronianus. Mas o seu gôsto fino só admite formas claras e simples: a sua crítica das formas antipáticas, "barrôcas", do catolicismo vulgar, parece luterana -

Lutero também pretendeu simplificar o culto e a devoção - e é antes o simplismo intencional da "devotio moderna", lembrança da infância entre os místicos holandeses.

Também não é mero racionalismo a sua exegese crítica da Bíblia; só lhe repugnam as histórias, às vêzes tão duvidosas e pouco decentes, do Velho Testamento. Até a

história da tentação pela serpente só lhe parece aceitável como alegoria, e aos historiógrafos dos reis de Israel prefere Lívio. O seu interêsse no cristianismo

é principalmente o do moralista; sem dúvida, é ilegítima sua transformação da Imitatio Christi em suma de elevados preceitos morais. Isso o ajuda a ignorar o entusiasmo

apocalíptico e a hostilidade contra

a civilização profana nos discursos do Evangelho. Observando a diferença entre a doutrina do apóstolo Paulo e a do Redentor, Erasmo rejeita os dogmas sombrios do

pecado original e da predestinação, e só quer seguir a lição serena, "bela", do próprio Cristo, a mesma - acha Erasmo - que se encontra em Platão e Sêneca. Como

Pico da Mirandola e Zwingli, Erasmo acredita na revelação universal de Deus através da Bíblia e das letras clássicas que não são menos sacras, que são "bonae litterae",

e "bom", "belo" e "santo" - para êle é tudo o mesmo. Essa síntese de humanismo e cristianismo, êsse humanismo cristão é a religião do verdadeiro "cavaleiro", do

"cortegiano" da Renascença cristã, para o qual Erasmo escreveu o manual do cristianismo simplificado, moralista e estético: o Enchiridion militis Christiani. É a

Imitatio Christi dos homens

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dêste mundo. Com o júbilo do homem da Renascença quese vê indo ao encontro de um novo mundo, Erasmo lança as palavras do Cristo: "Veritas liberabit vos".

Nesta altura Erasmo chocou-se com a Reforma. Nas doutrinas de todos os reformadores (menos Zwingli), a dependência absoluta do homem em face de Deus estava no centro

das angústias religiosas. Em De servo arbítrio, Lutero afirmou a incapacidade completa da alma humana de salvar-se. Contra êle, Erasmo defendeu, em De libero ar

bitrio, a doutrina católica. Não limpou, com isso, a sua má fama entre os católicos; só ganhou hostilidade feroz dos protestantes. Mas Erasmo, desta vez, devia falar

claro. Devia levantar-se contra a Reforma, porque a revolução religiosa exigiu atitudes definidas e tornou insustentável a posição "neutralista" de Erasmo no meio,

entre os adeptos e os adversários da reforma eclesiástica. O seu ideai secreto foi a "Terceira Igreja" dos intelectuais esclarecidos, uma Igreja de pacificação européia.

A luta entre as Igrejas e seitas, assim como a guerra entre os príncipes cristãos - guerra civil entre cristãos e europeus - significava para êle o horror da abominação,

e contra êãse horror lançou a eloqüência pacifista da Querela paris. Porque a guerra torna impossível o trabalho independente do intelectual independente, e eis

a fórmula que define Erasmo.. A própria ambigüidade do grande humanista apenas é o reverso da sua independência, e o reverso da Querela paris é o Moriae encomium,

a sátira mais brilhante da Renascença, elogio da loucura contra os absurdos dos razoáveis, elogio da Razão contra a loucura de tôda a gente. Até na

sátira, Erasmo continua ambíguo, assim como é ambíguo, aos olhos dos sábius dêste mundo, o próprio espírito.

Erasmo é o primeiro grande intelectual da Europa moderna. E da Europa inteira: holandês por nascimento, francês, inglês, italiano por formação, alemão por decisão

própria, espanhol pela cidadania política, Erasmo é o primeiro europeu moderno que é só europeu, o "bom euro

pau" no sentido de Nietzsche. A sua verdadeira pátria é a terra borgonhesa, entre a Itália e os Países Baixos, entre a França e a Alemanha, que nunca teve nacionalidade

bem definida: as três grandes cidades dessa região, Basiléia, Estrasburgo e Antuérpia, são as cidades de Erasmo. Lá, estava em casa; em todos os outros países, sempre

foi considerado estrangeiro, um monge défroqué, um semivagabundo vivendo da sua pena, sem pátria como o próprio Espírito. Erasmo é, também, em certo sentido, o último

goliardo, homem do passado. Em outro sentido, porem, o seu espírito é a imagem de uma Europa que ainda hoje não nasceu.

A influência de Erasmo era européia. Os heréticos italianos, que não quiseram separar-se da Igreja, os Marc:" Antônio Flamínio, Aonio Paleario, Francesco Negri,

eram


erasmianos, mesmo quando hostis a * êle por motivo do ciceronianismo obstinado dos italianos. Em Louvain, Erasmo havia fundado em 1518 o "Collège dês Trois Langues",

para cultivar as línguas sacras, a latina, a grega e a hebraica, e em 153O criou-se, segundo êsse modêlo, a "Collège Royal" ou "Collège dês Trois Langues" (hoje

Collège de Franca), em Paris, o centro do erasmismo francês.

Na Inglaterra, os amigos e discípulos de Colei constituiram um grupo erasmiano, do qual Thomas Morus (1O) era o príncipe espiritual. Êste não pode ser diminuído

1O) Thomas Morus, 1478-1535.

Utopia (1515/1516) ; History of Richard 111. (1516).

Edição por W. E. Campbell, A. W. Reed e R. W. Chambers, 2 vols., London, 1931.

W. H. Hutton: Thomas More. London, 1895.

E. Dermenghem: Thomas Morus et Ias utopistas de Ia Renaissance. Paris, 1927.

E. M. G. Routh: Sir Thomas 1934.

R. W. Chambers: Thomas More. London, 1935. ti F. Battagüa: Saggi suü:" Utopia 1949.

J- S. Hexter: More:"s Utopia. New Haven, 1954.

More and His Friends. Oxford,

di Tommaso Moro.

Bologna,

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pelas discussões da historiografia partidária: para os católicos, o chanceler do rei Henrique VIII é o santo mártir do catolicismo inglês, o santo que preferiu a

morte no patíbulo à submissão ao tirano cruel e cismático; e para os progressistas, Morus é o criador da primeira utopia, do primeiro sonho de uma ordem socialista.

Não adianta nada, como se vê: os erasmianos ficam sempre envolvidos em dúvidas, e o maior dos erasmianos inglêses tem o seu altar na basílica de S. Pedro, em Roma,

e uma estátua em Moscou. A Utopia não pode ser classificada entre as obras precursoras do socialismo moderno: a vida, naquela ilha fantástica, está sob disciplina

conventual, e a economia dirigida dos utopianos parece-se bastante com a ordem social da Idade Média; a "justiça social" de Morus tem algo da indignação de Langland

e dos wiclifitas contra os abusos do feudalismo; quando muito, é um "socialismo cristão". Mas trata-se, na Utopia, realmente de uma utopia? É verdade que Morus teria

gostado de juntar, no dizer de um dos seus biógrafos, as quatro virtudes platônicas (Sabedoria, Bravura, Moderação, justiça) às três virtudes paulinas (Fé, Amor,

Esperança), para criar uma Inglaterra feliz. Platão e Paulo juntos; é humanismo cristão. Mas em Morus, como em todos os erasmianos, há uma porção de cepticismo:

"Utopia" é, segundo o sentido literal do neologismo grego, "um país que não fica em parte alguma". Utopia é uma sátira audaciosa contra as devastações causadas pela

transição do feudalismo para a nova economia, sátira de um sábio conservador, católico, demonstrando apenas que um católico do comêço do século XVI, ainda munido

de liberdades medievais, podia ser tolerante e pressentir e profetizar idéias novas, revolucionárias, sem obstar à sua canonização, quatro séculos depois. O humanismo

cristão de Morus é bem inglês: é um "compromisso", uma "via media" entre tradição e revolução. Quanto às dúvidas sôbre a posição de Morus na história do pensamento

euro


peu - santo católico ou intelectual revolucionário? - po

der-se-ia responder que êle é um dos mártires mais ilustres entre os intelectuais, e ao mesmo tempo o único santo do socialismo. Seria uma resposta erasmiana.

O erasmismo tinha os seus agentes na Europa inteira. Entre êles, o famoso erasmiano português Damião

de Góis (11), e o belga Félix Rex, que chegou a ser diretor

da Biblioteca ducal, em Koenigsberg, o primeiro bibliotecário prussiano. Lá, na Europa oriental, havia erasmianos entre os antitrinitários e outros sectários da

Polônia e da Transilvânia, e também entre ortodoxos insuspeitos. Até

o jesuíta Skarga (12), nos seus discursos perante o Parla

mento aristocrático da Polônia, cheios de advertências contra o espírito bélico e a opressão dos camponeses, revela algo de humanismo erasmiano.

Mas a terra de promissão do erasmismo é a Espanha; êle representa, lá, Renascença e Reforma simultâneamente. A historiografia oficial e eclesiástica logrou tão bem

apagar os vestígios do grande movimento que observadores modernos ignoraram completamente a sua importância: havia consentimento geral quanto à falta de um movimento

de reforma eclesiástica na Espanha, menos uns poucos sectários isolados; e até hoje, críticos estrangeiros negam, além de uma imitação superficial da arte italiana,

a existência de uma Renascença espanhola (13), o que ex

plicaria a situação particular da Espanha dentro do quadro da civilização européia ao lado da Rússia, que também não conhecia a Renascença. São "sínteses" precipitadas,

continuando sem querer a "leyenda negra" do liberalismo, caluniando a Espanha como país sem civilização moderna:

11) Cf. "Renascença internacional% nota 54.

12) Piotr Skarga S. J., 1536-1612.

A Berga: Pierre Skarga, un prédicateur de Ia cour de Bologne. Paris, 1916.

S. Windakiewicz: Piotr Skarga. Warszawa, 1925. (Em língua polonesa.)

13) 13. Wantoch: Spanien. 1927.

Das Land ohne Renaissance. Berlin,

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HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 627

I

e êsse mesmo liberalismo serve, assim, sem querer, aos desígnios daqueles que fizeram esquecer o erasmismo espanhol. Este foi redescoberto pelo grande Menéndez y



Pelayo, católico ortodoxo de uma imparcialidade admirável, e foi elucidado, depois, pelos vastos estudos de Ba

taillon (14). Em 1931, Fernando de los Rios, em discurso

perante as Côrtes constituintes, elevou o erasmianismo à dignidade de doutrina oficial da República Espanhola.

É certo que só alguns erasmianos espanhóis aderiram realmente à Reforma; mas o próprio Erasmo tampouco se tornara protestante. Em compensação, encontra-se à frente

dos erasmianos espanhóis o imperador Carlos V, admirador incondicional do humanista holandês e chamando-lhe "caráter cristianíssimo"; o secretário do imperador,

Alonso Valdés, era partidário apaixonado de Erasmo. Outro protetor poderosíssimo do movimento foi o Arcebispo de Sevilha, Alonso M.Inrique de Lara, Grande Inquisidor

da Espanha, que suprimiu as denúncias contra Erasmo e obteve o breve papal de 1 de agôsto de 1527, ameaçando de excomunhão todos os que se atrevessem a escrever

contra Erasmo. Juan Maldonado, vigário-geral do arcebispo de Burgos, escreveu numa carta a Erasmo : "Regnas utique, Rotterdame, in scholis nostris".

O terreno estava preparado pelo humanismo católico da Universidade de Alcalá, obra do grande cardeal Cisneros. Lá foi lançada, sob os auspícios do eminente humanista

Antônio de Nebrija (1441-1522), a edição dos textos hebraico, grego e latino da Bíblia, a Bíblia Complutense. E esta tradição filológica manteve-se honrosamente:

a Bíblia poliglota do grande humanista Bevito Árias Montano (1526-1598), editada em Antuérpia, em 1572, foi outra maravilha da ciência.

14) M. Menéndez y Pelayo: História de los heterodoxos espaüoles. Vol. II. Madrid, 188O.

M. Bataillon: Erasme et PEspagne. Paris, 1937.

J. Xirau: "Humanismo espafioi". (In: Cuadernos Americanos, I/1, Enero - Febrero, 1942.)

O maior dos erasmianos espanhóis é Luis Vives (15),

cidadão de Bruges, próximo à terra de Erasmo, de quem era amigo. Como no caso de todos os erasmianos, há dúvidas em tôrno de Vives: para alguns, é católico "modernista",

mais ou menos herético; para outros, católico ortodoxíssimo; e para mais outros, oportunista habilíssimo. Nada pode ser mais injusto do que esta última opinião,

porque Vives reuniu ao gênio científico a severidade ética mais rigorosa, atenuada pelo fino gôsto artístico e uma arte de viver pouco ascética. A mais duradoura

das suas obras é De anima et Vita: declaração de guerra às definições escolásticas, a primeira obra de psicologia empírica na história da filosofia moderna, chegando,

na argumentação ontológica, às fronteiras do atomismo materialista. Os estudos psicológicos serviram-lhe de ponto de partida para as teorias pedagógicas: Vives é

um dos fundadores da pedagogia moderna, e a alta consideração em que é tido até hoje não é diminuída nos livres-pensadores, pelo fato de elementos essenciais da

sua teoria sobreviverem na Ratio studiorum da Companhia de Jesus. Vives não era teórico puramente no vácuo; o prazer dos estudos clássicos e progressos pedagógicos

foi-lhe envenenado pela observação da miséria nas cidades flamengas, causada pelas transformações econômicas. De subventione pauperum é o primeiro tratado

15) Luis Vives, 1492-154O.

De Institutione feminae christianae (1523) ; De subventione pauperum sive de humanis necessitati.bus (1526) ; De concordia et discordia in humano genere ad Carolum

V Caesarem (1538) ; Dialogi (1538).

Edição por Gr. Mayaus y Siscar, 8 vols., Valencia, 1782.

Edição crítica, 3 vols., dirigida por M. Puigdollers Oliver (vol. I, Valencia, 1936).

F. A. Lange: Luis Vives. Leipzig, 1887.

A. Bonilla y San Martín: Luis Vives y Ia filosofia del Renacimiento. 2.a ed. 2 vols., Madrid, 1929.

M. Puigdollers Oliver: La filosofia espafiola de Luis Vives. Barcelona, 194O.
J. Xirau: El Pensamiento de Luis Vives. Buenos Aires, s. d.

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de política social, superior aos sonhos de Morus pelo espírito realista do espanhol. E as outras misérias das guerras nacionais e ideológicas inspiraram-lhe o impressionante

tratado pacifista De concordia et discordia in humano genere: a admirável carta-dedicatória ao imperador Carlos V descreve a situação da Europa com palavras atualíssimas

e tira conclusões de valor permanente. O amigo de Vives, Francisco de Vitória (148O-1546), lançará as bases do Direito das Gentes.

Apesar de várias opiniões "modernistas" de Vives, só possíveis antes do concílio de Trento, não pode haver dúvidas sérias com respeito à sua ortodoxia católica.

Contudo, o seu catolicismo, como o da maior parte dos erasmianos espanhóis, é um pouco frio: catolicismo de eruditos e estetas, homens da alta sociedade. O elemento

místico falta completamente. É êsse elemento que se encontra no "poeta esquecido", em Aldana (16). "Esquecido", porque êle, a quem os contemporâneos chamavam "EI

Divino% caiu depois em olvido completo, do qual o arrancou o entusiasmo de Menéndez y Pelayo. Aldana, que era general do exército espanhol e morreu em Alcácer-Quibir,

ao lado do infeliz rei D. Sebastião de Portugal, é, guardadas as dimensões, um Garcilaso de Ia Vega cristão: os seus acentos bélicos são algo mais fortes, os acentos

eróticos algo mais discretos, e há em Aldana o que falta completamente em Garcilaso: sentimento religioso. A sua agora famosa Carta de] capitán Francisco de Aldana


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