o poeta das "cités ivres de sang"; sôbre
:"Theure que le ciel fume de sang et d:"âmes..."; D:"Aubigné pronunciou a maldição dantesca do
36) Théodore Agrippa d:"Aubigné, 1551-163O.
Les Tragiques (1616); Les Aventures du baron de Faenests (1617) ; Histoire universelle (1626) ; La vie à ses enfants (publ. 1731) ; Le Printemps, stances, et odes
(descob. e public. por Ch. Read, 1874).
Edição completa por E. Réaume e F. de Caussade, 6 vols., Paria, 1873/1892.
Edição critica das Tragiques per A. Garnier e J. Plattard. 4 vols., Paris, 1932/1933.
E. Réaume: Étude historique et littéraire sur Agrippa d:"Aubigné. Paris, 1883.
S. Rocheblave: Agrippa d:"Aubigné. Paris, 191O.
J. Plattard: Agrippa d:"Aubigné. Paris, 1931.
I. Buffum: Agrippa d:"Aubigné:"s Les Tragiques. A Study in the Baroque Style in Poetry. New Haven, 1951.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 653
"... de 1:"enfer il ne sort
Que 1:"éternelle soif de 1:"impossible mort" -;
à pergunta indignada a Deus:
"Veux-tu longtemps laisser, en cette terre ronde, Régner ton ennemi?"
responde a profecia, digna dos profetas mais furiosos do Velho Testamento:
"Venez, célestes feux, courez, feux éternels, Volez! ceux de Sodome oncques ne furent tels."
O próprio D:"Aubigné confessa:
" mes vers échauffés
Ne sons rien que de sang et de meurtre étoffés."
Mas até no "dies irae" do Jugement, o poeta ao qual a comparação com Dante não esmaga, encontra o seu Paraíso dos eleitos, onde
"L:"air n:"est plus que rayons, tant il est semé d:"anges."
Acumularam-se, com intenção, as citações. Se a indignação jamais fêz versos, nunca os fêz mais poderosos. D:"Aubigné é, sem dúvida, um dos maiores poetas da língua
fran
cesa.
Mas êste D:"Aubigné não é D:"Aubigné inteiro. Existe o outro, o dos versos apaixonados a Diane Salviati. O torturado que no comêço do Printemps foge para "les déserts,
les roches égarées", não é o poeta da "Église du désert", como os huguenotes chamavam a sua Igreja sem existência legal: é o poeta da Hécatombe, repetindo em 1OO
sonetos petrarquescos, mas cheios de paixão violenta, que "Diane me tue". É o mesmo D:"Aubigné que, já com quase 7O anos de idade, lançou contra a côrte corrompida
de Maria de Médicis o romance satírico Les aventures du baron de Fae
1#
OTTO MARIA CARPEAUX
#654 OTTO MARIA CARPEAUX
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL
655
neste, desta vez uma sátira que pretende matar pelo riso. Do encontro da indignação moral com a paixão violenta nasceu a sátira das Tragiques, nas quais Miséres,
Princes e Chambre dorée, lembrando as "malebolge" de Dante, estão ao lado dos livros Feux, Fers, Vengeance e Jugement. Aos poetas da Pléiade, e aos classicistas
igualmente, D:"Au
bigné podia responder:
"Ce siècle, autre en ses moeurs, demande un autre style."
Se o calvinismo francês não tivesse perdido a sua fôrça em "sang et meurtre", D:"Aubigné teria sido o primeiro grande poeta de um Barroco francês.
Esta última hipótese contribui para a compreensão do
curioso destino literário de Du Bartas (37) : um dos poe
tas franceses de maior sucesso no estrangeiro, desprezado porém na França. A sua Semaine é uma versificação exuberante, mas pouco hábil, do "Hexaemeron", dos seis
dias da criação do mundo, segundo a descrição no comêço do Velho Testamento. O sucesso dêsse poema no século XVII foi, fora da França, espantoso. Para começar pela
Inglaterra protestante: La Semaine, traduzida pelo puritano Josuah Silvester, influenciou Phineas Fletcher e, o que é mais notável, vestígios seus encontram-se no
Paradise Lost, de Milton. A obra foi traduzida pelo maior dos poetas holandeses, Vondel, e inspirou Arrebo, o primeiro grande poeta da literatura dinamarquesa. Na
própria Itália, Tasso imitou-a no Mondo creato, e até de um espanhol, Alonso de Azevedo, existe uma Creación del mundo (1615). A glória de Du Bartas reacendeu-se
no século XVIII; as
37) Guillaume de Salluste, sieur Du Bartas, 1544-159O.
La première Semaine (1578); Seconde Semaine (incompl.; 1584).
Oeuvres, 1611.
Edição por U. T. Holmes, J. C. Lyons, R. W. Linker. 3 vols. Cha
pei Hi11, 1935/194O.
G. Pellissier: La vie et les oeuvres de Du Bartas. Paris, 1882. H. Ashton: Du Bartas en Angieterre. Paris, 19O8. M. Braspart: Du Bartas, poète ehrétien. NeuchUel,
1948.
suas descrições da natureza serviram de modêlo à corrente paisagista do pré-romantismo, desde Thomson, e um dos últimos admiradores de La Semaine foi Goethe. Na
França, porém, a fama de Du Bartas acabou com a reforma classicista da poesia, por Malherbe; desde então, o poeta de La Semaine aparece aos franceses como maneirista,
cheio de mau gôsto e de todos os defeitos da Pléiade sem os encantos da escola: hipertrofia de metáforas e neologismos, linguagem artificial. O julgamento não é
de todo injusto: Du Bartas é caricatura de Ronsard; mas, da mesma maneira - sem tentativa de comparar os valores, que seria absurda - que Góngora é a "caricatura"
de Garcilaso de Ia Vega, e como Marino é a "caricatura" dos petrarquistas do "Cinquecento". Em tôda a parte se encontram as raízes do estilo barroco no próprio estilo
renascentista: no artifício de uma linguagem culta, diferente da comum, na paixão pelas alusões eruditas e mitológicas, na elaboração de metáforas estereotipadas,
usadas como hieróglifos de uma escrita secreta; "el gongorismo es Ia síntesis y Ia condensacián intensificada de Ia lírica del Renacimiento, es decir, Ia síntesis
espanola de Ia tradición poética greco-la
tina." (38)., Du Bartas é o "Góngora" de Ronsard; daí o seu
êxito espantoso no Barroco, mas só fora da França que voltou ao humanismo. Êsse fato permite algumas conclusões importantes: existe um Barroco protestante; quem
resistiu com a maior tenacidade ao Barroco, não foram os protestantes e sim a França da Contra-Reforma católica; enfim, a "síntese francesa" teria sido obra dos
anti-humanistas e antierasmianos franceses, dos huguenotes. Mas êstes foram vencidos. Por isso, Du Bartas não é um comêço, mas um fim.
Na França da segunda metade do século XVI, a fronteira entre as confissões é sobretudo uma fronteira social:
38) Dám. Alonso: "La lengua poética de Góngora, I". (Revista de Filologia Espanola, Anejo XX, Madrid, 1935.)
#656 OTTO MARIA CARPEAUX
as massas do povo continuavam católicas; a aristocracia, a alta burguesia e os jurisconsultos constituíam uma elite protestante, o que também os predispunha para
o estilo barroco. Nos países onde a população inteira se tornou protestante, faltou esse elemento da evolução estilística; o Barroco protestante tem outras razões
de ser. A Reforma alemã, dinamarquesa, sueca é movimento popular, e ao povo é que se dirige a literatura reformatória dos países germânicos.
A base dogmática do luteranismo exclui a mística; não pode haver união mística entre o pecador obstinado e confiante e o seu Deus, que só se revela na fé. Mas isso
não exclui relações, por assim dizer, íntimas, como que familiares. A devoção luterana tem algo de intimismo pessoal, aproximando-se de certos sentimentalismos religiosos
da Idade Média; só lentamente os luteranos conseguiram separar-se da mariologia, e Bernardo de Claraval se conservou sempre, para eles, um nome caro. A religiosidade
luterana é expressão fiel da vida luterana: pequenos-burgueses e camponeses, excluídos da vida pública pelas autoridades nas quais têm confiança absoluta, cumprindo
religiosamente os deveres da sua profissão e da vida familiar, lendo de noite a Bíblia em presença dos filhos e dos criados; e no domingo, cantando na igreja os
corais, acompanhados de órgão, que constituem a parte central da liturgia luterana. É uma literatura sui generis a poesia lírica eclesiástica dos luteranos alemães
(39), feita para o povo e cantada pelo povo. Não pode exibir galas barrôcas; retoma a tradição da canção popular alemã, do lied. Por
isso, esses textos, expressões íntimas da alma alemã, são intraduzíveis; o que pode dar aos estrangeiros uma idéia deles é a música de Bach. Nas guerras da Contra-Reforma,
HISTERIA DA LITERATURA OCIDENTAL 657
os protestantes deixaram-se matar "pela Bíblia e pelo Gesangbuch"; o "Gesangbuch" é a coleção das canções que se cantam na igreja luterana.
O fundador foi o próprio Lutero (4O) : as suas 37 can
ções, na maior parte versões de salmos, não são obras de um poeta, mas efusões ocasionais, em língua dura e inábil que não revela o grande prosador, mas são sinceras,
às vezes tão irresistíveis como a "marselhesa" da Reforma, o "Ein feste Burg ist unser Gott% às vezes íntimas como "Vom Himmel hoch da komm ich her", às vezes angustiadas
como "Mit Fried und Freud falir ich dahin". Os primeiros versos de muitos corais de Lutero e dos seus sucessores são conhecidíssimos no mundo inteiro, porque deram
tema e título às cantatas de Johann Sebastian Bach. Assim, "Allein Gott in der Hoeh sei Ehr" e "O Lamm Gottes unschuldig", de Nicolaus Decius (c. 1523); "Wachet
auf, ruft uns die Stimme", de Philipp Nicolai (1556-16O8); "Wie schoen leuchtet der Morgenstern% de Josua Stegman (1588-1632); "Jerusalém, du hochgebaute Stadt",
de Johann Matthaeus Mayfarth (159O-1642) ; "Nun danket alie Gott% de Martin Rinckart (1586-1649); "O Gott, du frommer Gott% do vigário Johann Heermann (1585-1647),
ao qual o "Gesangbuch" deve mais canções do que a qualquer outro poeta da época. Alguns dos corais mais conhecidos são obras de príncipes, como "Herr Jesu Christ,
dich zu uns wend":", do Duque Guilherme II de Weimar (j- 1662), ou a popularíssima canção, usada na ocasião dos enterros, "Jesus, meine Zuversicht", da princesa
Luise
Henriette de Brandenburgo (1627-1667) ; como para provar que a poesia luterana é obra da nação inteira, constituindo
o "povo de Deus".
Essas canções não podem ser lembradas sem a música que as acompanha. Poesia autônoma é, porém, a de Paul
39) Edição: Das deutsche Kirchenüed des 17. Jahrhunderts, edit. por A. F. W. Fischer e W. Tuempel. 6 vols. Guetersloh, 19O4/1916. P. Nelle: Geschichte des deutschen
evangelischen Kirchenliedes.
3:" ed. Leipzig, 1928.
4O) Cf. nota 2.
#658
Gerhardt (41), o maior poeta da Igreja luterana; aproxi
ma-se mais do que os outros poetas dos corais da poesia lírica "moderna", do século XVIII. "Nun ruhen alie Waelder", "Ich weiss dass mein Erloeser lebet", "Befiehl
du meine Wege", são as mais belas canções eclesiásticas populares da literatura universal, e "O Haupt voll Blut und Wunden" (versão livre do "Salve caput cruentatum",
de Bernardo de Claraval) figura dignamente na Paixão segundo Mateus, de Johann Sebastian Bach.
Existe, aliás, certa desarmonia entre a poesia extremamente simples daquelas canções e a música altamente elaborada, barrôca, de Bach. Mas a poesia religiosa dos
poetas alemães cultos da época também devia fatalmente exercer influência no "Gesangbuch", manifestando-se no estilo mais artificial ou na emoção mais intensa de
corais "barrocos" como "O Ewigkeit, du Donnerwort", de Johann Rist (16O7-1667), "Schmuecke dich, o liebe Seele", de Johann Frank (1618-1677), "Lote den Herrn, den
maechtigen Koenig der Ehren% de Joachim Neander (165O-168O). A canção luterana acabou, enfim, em artifícios e sentimen
talismo.
Tinha começado como poesia popular; tinha recebido influências barrôcas; e perdeu, enfim, sua razão de ser, adaptando-se ao racionalismo sentimental da ilustração
alemã (41-A).
Merece ainda menção, por motivos especiais, a poesia luterana dinamarquesa. O seu caminho de evolução foi o contrário do da alemã. Começou com a poesia elaborada
de
41) Paul Gerhardt, 16O7-1676.
Geistliche Andachten (1667).
Edição por Ph. Wackernagei, 9:" ed., Guetersloh, 19O7. H. Petrich: Paul Gerhardt. Guetersloh, 1914. K. Hesselbacher: Paul Gerhardt. Leipzig, 1936.
41A) K. Berger: Barock und Aufkiaerung im geistlichen Lied. Marburg, 1951.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 659
Arreto (42), que imitou no Hexaemeron a Semaine, de Du
Bartas, e é chamado o "pai da literatura dinamarquesa"; e
chegou ao cume em Thomas Kingo (43). Êste é um grande
poeta, talvez maior do que qualquer dos alemães. Escreveu canções para as ocasiões rotineiras da vida de paróquia e para a devoção individual, verdadeiros salmos,
não indignos do rei israelita, em forma muito simples e de emoção intensa; as classes altas da Dinamarca do século XVII falavam alemão, e só o povo conservava a
língua nacional; a canção eclesiástica de Kingo, dizia-se, "abriu a êsse pobre povo as portas do céu". Dêle descende, ainda no século XIX, a canção eclesiástica
de Grundtvig, que foi o criador das famosas universidades populares e da civilização democrática na Dinamarca.
A atmosfera da literatura luterana é privada, doméstica; é atmosfera de casa de família, de igreja de aldeia. Na poesia dos calvinistas há algo da alta sociedade.
O voluntarismo tempestuoso dos adeptos de Calvino, certos de serem eleitos pela predestinação divina, rejeitou a proteção do Estado autoritário; organizaram-se em
comunidades independentes, democráticas, que acabaram conquistando o Estado e impondo-lhe a soberania popular e a
disciplina cristã. São os futuros liberais, democratas e nãoconformistas de tôda a espécie. Um homem assim encontra-se nos começos da literatura caivinista dos Países
Bai
42) Anders Christensen Arreto, 1587-1637.
Kong Davids Psalter (1623) ; Hexaemeron Rhytmico-danicum (publ. 1661).
Edição por H. F. Roerdan, Kjoebenham, 1857.
H. F. Roerdam: Mester Anders Christensen Arrebos Lemet Skrifter. Kjoebenhavn, 1858.
43) Thomas Kingo, 1634-17O3.
Aandeligt Sjungekor (1674/1681).
R. Petersen: Thomas Kingo og hans samtid. Kjoebenhavn, 1887.
H. Brix: Toren fra Himlera. Kjoebenham, 1912.
H. Graversen: Salmedikteren Thomas Kingo. Kjoebenham, 1911.
OTTO MARIA CARPEAUX
O9
#66O OTTO MARIA CARPEAUX
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDUNTAL 661
xos, Marnix van St. Aldegonde (44), o famoso burgomestre de Antuérpia, aristocrata orgulhoso e chefe da revolução popular, perseguidor fanático dos católicos e profeta
da tolerância religiosa, jornalista em inúmeros tratados e folhetos, em língua francesa, contra a dominação espanhola,
- poderoso poeta em língua holandesa: o Bienkorf der H. Roomsche Kercke é uma sátira violenta contra a Igreja romana, apresentada como colmeia pululando de prelados
- jesuítas, ridicularizados em palavras e palavrões enormes, neologismos grosseiros, que lembram a língua de Rabelais. Os salmos de Marnix soam como canções bélicas;
e uma vez conseguiu escrever um lied realmente emotivo, religioso: o "Wilhelmus van Nassouwe", que é até hoje o hino nacional da Holanda.
Na poesia reformatória da Holanda lutam incessantemente o estilo popular e o estilo barroco : é uma nação de humanistas, burgueses e camponeses, unida pela religião
igualitária. O tom popular é mais forte - e isto é significativo - na poesia das minorias religiosas: johannes Stalpaert van der Wiele (4b), vigário católico, poeta
ingênuo de devoção medieval e expressão já pré-barrôca, e
44) Philips van Marnix van St. Aldegonde, 1538-1598.
Bienkorf der H. Roomsche Kerke (1569) ; Psalmvertaling (1591) ; Inúmeros tratados políticos e teológicos em francês e em holandês. Edição das obras eclesiásticas
em língua holandesa por J. J. Van Toorenenbergen, 3 vols., Gent, 1871/1878. Edição das obras políticas em língua francesa por E. Guinei, A. Lacroix, A. Williams,
8 vols., Bruxelles, 1856/186O.
Th. Juste: Vie de Marnix de Sainte-Aldegonde. Bruxelles, 1858. P. Fréderica: Marnix en zyne nederlandsche Geschriften. Gent, 1882.
G. Tjalma: Philips van Marnix, heer van Saint-Aldegonde. Amsterdam. 1896.
A. A. Van Schelven: Marnix van Saint-Aldegonde. Utrecht, 1939.
45) Johannes Stalpaert van der Wiele, 1579-163O.
Den Schat der geestelijcke Lofsangen (1632).
L. C. Michels: Stalpaert van der Wielen. Tilburg, 19O6.
G. J. Hoogewerff: De dichter Stalpaert van der Wielen. Bussum, 192O.
Camphuysen (46), pregador não-conformista, muito perseguido, grande poeta menor que sabe exprimir emoções simples em formas complicadas que parecem simples - o que
é arte consumada. Camphuysen é o poeta religioso mais querido da Holanda; os sete versos de rima única do seu poema "Daar moei veel strijds gestreden zijn..." acompanharam
gerações de holandeses no desespêro, na gratidão, e para a cova. O lado grandioso do calvinismo, em que a majestade divina, despida de música e artes, se revela
só no verbo, é representado por jacobus Revius (47), dono de ritmos violentos contra os papistas e de acordes como de órgão para os seus, e também de confissões
contritas. Revius é poeta de alta musicalidade e de ortodoxia impecável; as suas qualidades, modificadas pelo espirito do Rococó, voltam na poesia de jan Luyken
(48), cuja religiosidade íntima, quase luterana, influenciada pela leitura dos místicos alemães, se revela, nas poesias profanas, de espontaneidade surpreendente,
festejando os passeios ao ar livre e o canto dos pássaros, cheia das boas coisas da natureza e até do amor sensual. já se sente o ar livre do século XVIII. O estilo
poético dessa lírica protestante holandesa já é, aliás, barroco; na Holanda se pode
falar em Barroco protestante (48-A).
46) Dirck Rafaelsz Camphuysen, 1586-1627.
Stichtelijke Mimen (1624) (mais de 3O edições).
L. A. Rademaker: Didericus Camphuysen. Zijn leven en werken. Haarlem, 1898.
J. C. Van der Does: Dirck Rafaelsz Camphuysen. Purmerend, 1934 (com antologia).
47) Jacobus Revius, 1581-1658.
Over-ljsselsche Sangen en Dichten (163O).
E. J. M. P. Meyjes: Jacobus Revius, ziin leven en werken. Amsterdam, 1895.
W. A. P. Smit: De dichter Revius. Amsterdam, 1928.
48) Jan Luyken, 1649-1712.
Edição por M. Sabbe, Zutphen, 1899.
Duytsche Lier (1671) ; Jesus en de Ziel (1678).
J. P. Van Melle: De "tilde" Jan Luyken. Rotterdam. 1912.
G. E. Van Es: Barokke lyriek van protestantsche DichtersHaarlem, 1946.
48A)
#662 OTTO MARIA CARPEAUX
O sonho de Erasmo, a "Terceira Igreja" entre catolicismo e protestantismo, a Igreja dos humanistas, pura como a protestante e bela como a católica, não se realizou.
Mas realizou-se outra "via media" entre as confissões: o compromisso inglês, a Igreja anglicana. Só no século XVIII essa Igreja toma as feições do liberalismo e
só no século XIX irá declarar-se protestante, não sem excitar a oposição interna do "Oxford Movement". A princípio, o "protestantismo" da Igreja da Inglaterra limita-se
à independência administrativa em relação a Roma, ao uso da língua nacional no culto, enquanto as modificações do dogma ficam muito cautelosamente formuladas. A
Igreja Anglicana confessa-se cismática, mas não se julga herética. É uma Igreja "católica" sem papa, com arcebispos e bispos casados, catedrais e liturgia sem monges.
Um compromisso tão artificial não pode ter forte base popular. Durante certo tempo, os inglêses não sabiam bem se eram protestantes ou católicos; certas alusões
em Shakespeare não se explicam por um suposto catolicismo secreto do poeta, mas por essa ambigüidade generalizada. No comêço do século XVII, a Igreja Anglicana é
uma Igreja de scholars de Oxford e Cambridge, de prelados e jurisconsultos eruditíssimos, de equilíbrio sereno; o povo permanece católico ou adere ao puritanismo.
Só durante as lutas constitucionais, quando aristocratas alegres e camponeses ingênuos apóiam o rei da casa Stuart contra o parlamentarismo dos puritanos, é que
a Igreja anglicana encontra uma base popular. A literatura da "via media" reflete essa evolução.
A fase inicial, católica, é representada pela liturgia
anglicana, o Book of Common Prayer (48). A sua história
complicada acompanha a das versões inglêsas da Bíblia; no centro dos esforços dos redatores e revisores está a vontade
49) The Book of Common Prayer (1549; revisão, 1559).
F. Procter e W. H. Frere: Neto History of the Book o/ Coramos Prayer. 2.a ed. London, 19O2.
HISTERIA . DA LITERATURA OCIDENTAL 663
de exprimir em inglês solene e popular ao mesmo tempo as fórmulas da liturgia latina. O resultado é surpreendente. Na praefatio das Missas católicas para Natal,
Epifania, Páscoa e certas outras festas, o celebrante canta com o côro: "ideo cum Angelis et Archangelis, cum Thronis et Dominationibus cutuque omni militia caelestis
exercitas hymnum gloriae tuge canimus, sine fine dicentes: Sanctus, Sanctus, Sanctus, Dominas, Deus Sabaoth. Pleni sunt caeli et terra gloria tua. Hosanna in excelsis."
E no Book of Common Prayer, na "Order for the Administration of the Lord:"s Supper", aquêle texto aparece assim: "Therefore with Angels and Archangels, and with
all
the Company of Heaven, we laud and magnify thy glorious Narre; evermore praising Thee, and saying, Holy, holy, holy, Lord God of Hosts, Heaven and Eearth are full
of thy glory; Glory be to Thee, O Lord most High. Amen." O texto inglês é menos solene, menos pomposo; mas dá, estranhamente, a impressão de ser mais arcaico; Rudolf
Otto diria que tem maior "valor numinoso". Fora da liturgia romana não existe no mundo outra comparável a esta inglêsa. Nasceu a dignidade de uma língua, destinada
a grandes coisas.
Depois, a Igreja é dos scholars. Figura aristocrática
é Lancelot Andrewes (5O), colaborador da Authorized Versiou da Bíblia e um dos santos da corrente católica dentro da Igreja Anglicana. Os seus sermões, dirigidos
a um público de teólogos e eruditos, são de leitura difícil, não
5O) Lancelot Andrewes, 1555-1626.
Sermons (edit. pelo bispo Laud, 1629) ; Private Devotions (Pre
ces privates, edit. 1647).
Edição dos sermões por J. P. Wilson, 5 vols., London, 1841/1843.
Tradução das Private Devotions por F. E. Brightman, London,
19O3.
R. L. Ottiey: Lancelot Andrewes. Oxford, 1894.
A. S. Cook, in: Cambridge History of English Literatur, vol. IV. 2.a ed., 1919.
T. S. Eliot: For Launcelot Andrewes. London, 1928.
#664 OTTO MARIA CARPEAUX
pela forma, mas pelo rigor dogmático das deduções e pelo rigor lógico da sintaxe; mas por trás da erudição arde a fé mística que lhe inspirou as Preces privatae:
não eram destinadas à publicação, essas rezas que o santo redigiu para o seu uso particular, em grego, ou hebraico, como se quisesse falar com Deus nas línguas em
que falava o Espírito Santo. Já foram comparadas aos exercícios de S. Inácio de Loyola, mas parecem-se mais com os hinos da Igreja oriental. No fundo, não existe
coisa parecida no mundo. Com Andrewes, essa Igreja oficial alcança pro
fundeza religiosa. Com Richard Hooker (51), alcança for
ma humanista. É um conservador bem inglês, representante de uma Igreja aristocrática, fidelíssima ao Estado, e, contudo, conservando a independência orgulhosa de
uma
Igreja católica, composta de inglêses livres. Escreve um inglês quase latino, de largos períodos ciceronianos, e ape
sar disso de uma naturalidade como de conversa entre gentlemen no clube. Hooker é todo dignidade, prelado, universitário, e, no entanto, homem prático, com senso
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