Entrevista com Satya Narayan Goenka, ex-comerciante birmanês que se tornou mestre de meditação, na casa dele em Mumbai. Pelos seus esforços, agora vipassana í ensinada nas escolas indianas, em departamentos do governo e nos presídios.
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Quando voltei para Nova Deli ainda sobrava tempo para uma ou duas visitas antes de pegar o avião para Mumbai no fim da tarde. Continuando a seguir a trilha do movimento vipassana de Goen-ka, atravessei a cidade de Nova Deli e fui para um bairro no subúrbio. E lá, na escola pública DLF (na verdade uma escola particular), observei jovens estudantes emergentes de classe média de 12 a 15 anos, todos com seus uniformes azuis bem passados, lotando um grande salão, meninos de um lado, meninas do outro. Eles sentaram no chão com as pernas cruzadas, de frente para um palco. No palco o apresentador ligou um gravador que estava conectado com um alto-falante. Todos riram quando ouviram por trás dos ruídos da fita uma voz grave e profunda. Era Goenka na fita, dando as orientações de uma sessão simples de meditação. Os jovens procuraram acalmar suas mentes agitadas, seus corpos agitados, com disposição.
Fiquei vendo aquilo e me imaginando quando tinha a idade deles. Se a minha cabeça parece um macaco selvagem hoje, aos 12 anos era como uma jaula cheia deles. Os estudantes tentaram se concentrar dez ou 15 minutos de uma vez só. Deve ter sido como horas a fio para eles. Entre uma e outra meditação eram orientados para executar num projeto de arte e trabalhos manuais. A mulher que liderava a sessão distribuiu revistas populares para a platéia e depois pediu que recortassem ilustrações de pessoas que pareciam felizes e fizessem colagens com elas em papel colorido. As crianças se reuniram em grupos pequenos de quatro ou cinco, contentes de estarem fazendo alguma coisa, em vez de não fazer nada. Eu corria para lá e para cá, enfiando o microfone do meu gravador na cara delas, perguntando se tinham gostado da meditação e de que forma poderia ser útil para elas. Um garoto de olhos brilhantes falou do que imaginei que seria a impressão predominante. Ele disse que aquilo podia ajudá-lo a atingir seu objetivo: não a iluminação, mas a aceitação no Instituto Indiano de Tecnologia.
— Acho que pode ajudar a me concentrar melhor nos estudos - disse ele, e os colegas menearam a cabeça, concordando. - E muito importante para mim obter boas notas para poder entrar numa boa universidade.
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Saí da escola primeiro achando que o verdadeiro objetivo do budismo estava se perdendo ali, que aqueles garotos o viam apenas como um meio de avançar, de ficar em dia com a corrida competitiva em que a vida indiana estava se transformando. Mais tarde repensei essa minha posição. Um pouquinho de Dhamma é melhor do que nenhum Dhamma, não é? Quem se importa com o motivo? Capacidade de concentração? Tudo bem. E melhor do que tomar Ritalin. E só dar-lhes um gostinho. Se eles gostarem, voltarão para sentir mais. E com o tempo o Dhamma ia acabar alcançando todos eles, mesmo com aquela abordagem enviesada, e devíamos torcer para ser antes de eles virarem os maiores viciados em trabalho. A idéia de que essa metodologia estava se infiltrando nas escolas, nos presídios, parecia surpreendente, mas um bom exemplo do budismo engajado na educação. Eu via outros exemplos em instituições educativas de outras partes do mundo, algumas igualmente surpreendentes.
Corri para o aeroporto e voei para Mumbai para entrevistar Goenka. Depois, graças ao amigo de um amigo, que me dera os nomes, fui visitar um casal rico que me disseram ser alunos de Goenka. Eles concordaram em deixar que eu os entrevistasse e também ofereceram hospedagem para mim aquela noite em sua casa luxuosa. Eu estava mais animado com essa segunda parte do que com a primeira, viciado que sou nos confortos materiais, quanto mais confortável melhor, especialmente na índia.
Meus anfitriões eram um casal muito simpático de sessenta e poucos anos, os Patel, nome tão comum na índia como Smith nos Estados Unidos. Rohit é engenheiro civil internacional aposentado. A mulher dele, Charu, é gentil e prestativa, que imediatamente reconheci como uma peregrina companheira que postula as mesmas perguntas imperativas que intrigam a mim e intrigavam ao Buda. A casa deles ficava num bairro de Mumbai onde moram os executivos e os astros da Bollywood. Sentamos no pátio ao ar livre, com piso de mármore tão liso e limpo que podíamos comer nele.
Rohit me disse que a prática da vipassana tinha ajudado a aliviar suas constantes dores de cabeça. Charu parecia mais interes-
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sada em ver de que forma a vipassana podia ajudá-la a se conhecer melhor e ao vasto universo que ficava logo ali, depois da cerca alta em volta da casa deles.
— Mas a vipassana não vai muito longe - disse ela. - Por quanto tempo podemos ficar apenas observando nossa respiração?
Ela confessou que estava perdendo a confiança no fato de uma simples meditação poder ser suficientemente profunda para ajudar a encontrar respostas.
Numa pausa da conversa Rohit fez um sinal discreto para que eu o seguisse para dentro da casa. Levou-me até uma prateleira embutida na parede, cheia de velas, incenso, estátuas e quadros coloridos. Os hindus chamam aquilo depuja, ou área de reverência.
- Olhe - disse ele -, esses são os deuses para quem rezamos. Ele apontou para seu Ganesh, o deus elefante, e para outras
divindades do hinduísmo, junto com as fotos ornadas com guir-landas do seu guru.
Uma vez hindu, sempre hindu, pensei. Estava começando a pensar neles do mesmo jeito que uma certa psicóloga de Beverly Hills que eu conhecia, que tinha adotado a última moda espiritual porque tinha ouvido falar dela na beira da piscina no Polo Lounge. Mas o conflito de Charu me comoveu. Ela era muito dedicada à busca das respostas, mas no fundo estava insatisfeita. Apesar da considerável fortuna material que possuía, era pobre espiritualmente.
Para Rohit, um retiro vipassana de dez dias era mais fácil de engolir do que um comprimido de Advil. Para Charu, era menos embaraçoso do que admitir consultas com um psicoterapeuta. Eu via o envolvimento dos dois como um budismo leve, na terra em que o budismo pesado tinha sido inventado. Mesmo assim, curti uma noite de conversa agradável e um jantar servido na espaçosa sala de jantar por uma equipe de cozinha. Depois retirei-me para um quarto com ar-condicionado, uma cama protegida por um bom mosquiteiro, um copo de Courvoisier e O Dhammapada: Citações de Buda ao meu lado.
Na manhã seguinte agradeci a eles educadamente e passei direto do alfa para o ômega do vipassana em termos de disparida-
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de econômica. Fui para um dos bairros mais pobres de Mumbai, os barracões que mencionei antes que tinham sido os campos de trabalho da companhia ferroviária municipal, onde o dr. Jadhav disse que o pai tinha morado. Meu acompanhante, um mestre de vipassana designado pelo contingente de Goenka, apresentou-me a um segmento da sociedade no outro extremo do espectro econômico que pratica a técnica. Mas uma classe tão baixa assim? Vi cantos escuros em que famílias de seis ou mais pessoas dividiam um cômodo e uma cozinha que minha mãe não ia querer ver, muito menos cozinhar nela. Uma família específica atingiu profundamente meu coração, que eu pensava que já estava calejado para esse tipo de encontro. A mulher contou que seu marido alcoólico, violento e desempregado - um homem que desaparecia dias seguidos - tinha ido fazer um retiro de meditação de dez dias e voltou limpo, sóbrio e amoroso, para alegria dela e dos filhos. Ele agora tinha um emprego, e ela se sentia muito grata.
O meu lado que sempre pensa que um pouco mais é um pouco melhor perguntou para ela:
- Então agora que sente que a sua vida em família está um pouco mais estável, com um pouco de dinheiro entrando, existe alguma coisa que queira para tornar sua vida um pouco mais fácil?
Ela olhou para mim confusa, como se eu tivesse acabado de sugerir que um utilitário SUV adaptado seria um tipo mais adequado de transporte para levá-la ao supermercado do bairro.
- Eu tenho tudo que quero, tenho a minha família, tenho o meu Buda. - Ela sorriu entre as lágrimas, e eu não saberia dizer onde as dela terminavam e as minhas começavam.
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5 AINDA DERRAMANDO LÁGRIMAS
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