Por que uma idéia de dois mil e quinhentos anos atrás pareceria hoje mais relevante do que nunca? Como os ensinamentos do Buda podem nos ajudar a resolver muitos problemas do mundo



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A estátua do Buda Reclinado em Kushinagar, na índia, onde Buda morreu, atingindo o principal nirvana, Mahaparinibbana.

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impressões e o sentido de "estar presente" mais tarde para invocar quando necessário - isto é, quando precisava escrever a matéria. Era como se a iluminação dele e a roda girando fossem o clímax. O resto era interessante, mas menos atraente para mim. Eu já tinha a minha "história" — algumas boas citações, anedotas e encontros - e como um jornalista típico, com a capacidade de concentração de uma mosca tsé-tsé, estava pronto para seguir em frente para a nova experiência.

Eu podia não ser um homem mudado, no entanto tinha mudado de opinião sobre um assunto. Tinha relutado em juntar-me ao grupo de Shantum, conforme já disse, pensando que eu poderia ou deveria ter feito a excursão sozinho. Um grupo de excursão não tinha nada a ver com o budismo engajado, segundo a minha definição. Mas descobri que mesmo naquele estágio inicial das minhas viagens a minha definição teria de ser um pouco mais fluida do que eu havia planejado. Reconheci que aqueles norte-americanos estavam engajados num processo educativo budista que ia modificá-los. Eu já podia vê-los mudando diante dos meus olhos. Eles iam voltar para casa, conversar com os amigos e a família sobre suas experiências, e essas pessoas estariam engajadas, e também mudariam, mesmo que só sutilmente. Seria uma reação em cadeia de mudança que ia, ou poderia, se alastrar pelas pequenas sociedades que eles habitavam. E assim iria se reproduzindo. Quando voltei para os Estados Unidos muitos meses depois, mantive contato com a mulher que considerei ingênua demais para o meu gosto. E afinal ela se revelou muito mais substancial do que eu poderia acreditar no início. Pude perceber que ela lutava para ajustar sua vida confortável, para acertar as pontas com a separação que existia entre o que ela possuía e o que os outros não tinham. Ela procurava se agarrar à prática da meditação e aos ensinamentos do Buda numa cultura que proporcionava pouco estímulo para isso. Eu imaginava qual seria o resultado disso para ela agora que estava engajada. O que eu sabia mesmo era que a vida que ela conhecia antes jamais seria a mesma outra vez.



* *
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- Jai Bhim — uma voz me chamou do outro lado do terminal do aeroporto quando cheguei a Nagpur, uma cidade com 2,1 milhões de habitantes que fica no centro da índia.

- Significa "Vitória para seu grande líder, Bhim Ambedkar", uma saudação do nosso povo - explicou o dr. S. K. Gajbhiye, professor do Departamento do Pensamento do dr. Ambedkar na Universidade de Nagpur, enquanto um comitê de boas-vindas punha uma guirlanda de cravos em volta do meu pescoço e da minha mediadora, uma mulher pequena mas forte e incrivelmente competente chamada Neha Diddee, de Bangalore. O "nosso povo" eram os milhões de antigos intocáveis hindus da índia que se converteram ao budismo desde 1956.

Se o epicentro do budismo para os seguidores de todo o mundo é Bodh Gaya, então Nagpur é o epicentro de um novo movimento budista com base na igualdade social e na rejeição do sistema opressivo de castas do país.

O termo "budismo engajado" não tinha sido criado em 1936 quando o dr. Bhim Rao Ambedkar - psicólogo social, ativista político, colega de Gandhi e arquiteto da constituição da República da índia - escreveu seu famoso tratado Aniquilação das castas. No entanto seu esforço certamente se enquadraria na minha definição. De fato ele usou o budismo não tanto como um veículo espiritual para obter a iluminação, mas como um instrumento de mudança social para conquistar a independência e a auto-estima. Aquele conciso manifesto de 1936 condenava o hinduís-mo por basicamente institucionalizar a opressão pelas classes dois mil anos atrás com as Leis de Manu, um documento escrito pelos mais graduados sacerdotes do hinduísmo que estabeleceram a hierarquia: brâmanes no topo, os achuta (que significa "intocáveis") no ponto mais baixo.

O dr. Ambedkar passou a maior parte da vida lutando pelos direitos e pela humanidade das pessoas que eram chamadas de classes depreciadas, castas programadas, excluídos, os harijans ("filhos de Deus"), intocáveis e, agora, os dalits ("degradados", "oprimidos"). Ele compreendeu que os obstáculos para aliviar o sofrimento deles estavam profundamente enraizados nas crenças

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hinduístas que agora já faziam parte da trama social indiana, por isso garantindo o status de subserviência dos intocáveis, e resolveu se converter ao budismo, um sistema de crença que pressupõe, como a Declaração de Independência dos Estados Unidos, que "todos os homens nascem iguais".



No dia 14 de outubro de 1956, menos de dois meses antes da sua morte, o dr. Ambedkar orquestrou uma conversão em massa de estimados 500 mil dalits ao budismo em Nagpur. Ele disse que escolheu essa cidade porque o povo de Naga, nome com o qual a cidade foi batizada, era formado por budistas decididos que rechaçou por algum tempo levas e mais levas de agressores arianos que se opunham ao budismo, mas que acabou sucumbindo.

Dos 22 votos que fizeram aquele dia, nove eram compromisso de renúncia completa aos deuses hindus, aos rituais hindus, às crenças hinduístas - "para denunciar a religião hindu que é prejudicial ao meu desenvolvimento como ser humano e que tratou os seres humanos com desigualdade e como inferiores". E eles juraram aceitar o Dhamma de Buda.

Alguns os chamam de budistas Ambedkar, ou novos budistas. Eu os chamo de budistas. Hoje há cerca de 6 milhões deles. Sem dúvida haveria mais, mas com a morte de Ambedkar e sem um líder carismático para preencher esse vazio, o movimento cindiu-se em facções e a onda que ele deflagrou e que poderia ter crescido e se tornado um tsunami de sentimento antiintocável virou uma pequena marola em relação à vasta população da índia.

Os que conheci lá compensavam com grande entusiasmo qualquer falta de números. Eu tinha encontrado alguns jovens com a mesma história em Nova Deli alguns dias antes. Eram todos homens com um olhar luminoso, entre 20 e 25 anos. Alguns eram alunos do Instituto Indiano de Tecnologia, o hoje mundialmente famoso IIT, no qual os melhores e mais brilhantes técnicos da índia se reproduzem como tantas placas de computador. Eles se chamam entre si de "dalits digitais". Perguntei para um desses estudantes, um rapaz de 24 anos e muito sério, o que pretendia ser depois de completar seus estudos, e sem hesitar um segundo ele respondeu enfaticamente com uma única palavra:


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'tecnocrata". Um budista tecnocrata? Soava como um oxímoro, mas pensei, por outro lado, que talvez um empresário agressivo com alicerces budistas pudesse transformar uma "aquisição hostil" em um oxímoro.

Apesar de um pouco tímido, ainda se acostumando com o novo gosto da liberdade e da primeira sensação de cidadania, todos os budistas convertidos que encontrei irradiavam alegria e felicidade contagiantes. E por que não? Estavam subindo da classe mais baixa para uma humilde mas emergente classe média. E todos fervorosos militantes pela causa e pelo seu herói. Em Nagpur meu comitê de boas-vindas estava todo animado porque eu ia escrever sobre eles e porque as notícias do movimento iam ser publicadas em muitos países fora da índia.

Um homem com andar enérgico e sorriso rápido, dr. Gajbhiye, nasceu alguns meses antes da conversão em massa, mas ele e a sua geração são os beneficiários. Depois de obter seu Ph.D., trabalhou no setor comercial por dez anos. Na minúscula propriedade rural, onde foi criado com os pais num barraco feito com material que pegaram no lixo, construiu uma casa de cimento, extremamente modesta pelos padrões norte-americanos, mas um castelo aos olhos da família dele. Quando meu amigo Gajbhiye passou a ganhar o que ele se vangloriava de ser quatro dígitos por mês (o equivalente a cerca de 100 dólares), resolveu que era hora de retribuir para a sua comunidade e começou a ensinar. Empreendedor itinerante, ele também possui uma loja com lembranças de Ambedkar - livros, relógios de pulso, flâmulas, estátuas, retratos que variam dele para Buda -, onde eu mal conseguia me virar, de tão apinhada. Eu disse para ele que era sua "loja tchotchkes Ambedkar", traduzindo a palavra em iídiche (que significa bugigangas e outros pequenos enfeites), mas minha corajosa tentativa de construir uma ponte naquele abismo cultural/lingüístico foi em vão.

- Todos os anos, no dia 14 de outubro, que agora comemoramos como o nosso dia da Independência, centenas de milhares de dalits convertidos vêm para Nagpur, e aí faço ótimos negócios — disse ele alegremente.

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Na casa do dr. Gajbhiye, como em outras que visitei em Nagpur, há retratos do dr. Ambedkar nas paredes, nas mesas de oração, por toda parte. Em geral de terno azul moderno, com uma cópia da constituição embaixo do braço, os óculos grossos e pretos quase escondendo o rosto redondo e sério, mais proeminente até do que as imagens do Buda.

- Há mais de trezentas estátuas do dr. Ambedkar em Nagpur - disse o dr. Gajbhiye, com muito orgulho, para mim quando passávamos pela cidade de carro, indo ao encontro de algumas pessoas da comunidade dele.

Uma dessas pessoas era uma mulher que chorou de alegria quando lembrou o dia em que foi convertida meio século atrás. Conheci outra mulher de seus 80 anos que também estava naquela conversão.

- Fiquei sem fala e em transe — disse ela, quando viu a maior aglomeração de pessoas que já tinha visto num mesmo lugar.

Depois de dez anos de estudo, essa mulher fez os votos completos para se tornar uma monja budista.

- Meus pais costumavam dizer: "Você pensa que comendo uma vez por dia encontrará Deus?" - ela me disse, traduzido por Neha. - Eles diziam que eu era louca, mas eu nem me importava.

No mosteiro dela num bairro pobre de Nagpur, ela ensina o Dhamma do Buda principalmente para mulheres dalits, que na índia provavelmente seriam consideradas a subclasse da subclasse.

- Explicamos para as mulheres em linguagem bem simples para poderem entender que a hora é essa, que essa hora é delas, que serão iguais aos homens - disse ela. - Os ensinamentos de Buda são para as mulheres também, não só para os homens. Às vezes os monges mais velhos tentam ir contra isso, mas tenho certeza que Buda queria assim.

- E quanto à senhora? - perguntei. - O que a inspirou a sair de onde veio, a superar tantos obstáculos?

Ela emudeceu com a pergunta, mas não por não ter uma resposta.

- Ninguém nunca me perguntou isso antes — disse ela sorrindo. Depois ficou séria e as lembranças da opressão cobriram seu

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