Por que uma idéia de dois mil e quinhentos anos atrás pareceria hoje mais relevante do que nunca? Como os ensinamentos do Buda podem nos ajudar a resolver muitos problemas do mundo



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Sri Lanka antes e depois do tsunami

Aqueles que sofrem de algum tipo de insanidade se agarram ao próprio ego fantástico, e aqueles que têm uma idéia exagerada do próprio ego são parcialmente insanos. O Nirvana épara o pupilo sóbrio, científico e analítico, que, ao descartar todas as formas de metafísica teológica, cerimônias sacerdotais e idéias niilistas, se esforça muito para levar uma vida ativa evitando o mal, fazendo o bem e purificando seu coração.

- Anagarika Dharmapala de "An Introduction

TO Buddhism", em Maha BodhiJournal, vol. 15,



junho de 1907

Todos tremem diante da violência; todos temem a morte. Veja os outros como iguais, não mate e não faça matar.

- O Buda, ODhammapada

O budismo se alastrou a partir da índia por duas rotas. Para o sul, os navegantes e pescadores o levaram para a Birmânia (atual Mianmar) e para a Tailândia, depois através da Ásia, entrando no sul da China. Ao norte os comerciantes o divulgaram primeiro em Gandhara no noroeste da índia do século II ao século IV a.C, depois para o leste através do sopé das montanhas do Himalaia e ao longo da Rota da Seda até o coração da China nos séculos seguintes.

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Mas antes de tudo isso, a semente do budismo foi transplantada primeiro para o país que na época era chamado de Lanka ("terra resplandecente" em sânscrito), mais tarde Ceilão (na literatura em sânscrito da índia, às vezes era chamado de Simhaladipa, "Ilha dos Leões", ou simplesmente de Simhala, nome do qual deriva a adaptação Ceylon do inglês). No ano 251 a.C. o rei Ashoka, imperador mauryan que se converteu ao budismo depois de uma carreira como um dos governantes mais sanguinários da índia, enviou seu filho Mahinda para o Ceilão como missionário, de acordo com os registros monásticos dos séculos IV e V chamados de Dipavamsa ("Crônica da Ilha") e de Mahavamsa ("Grande Crônica"). Isso torna o país insular que hoje é conhecido como Sri Lanka (apelido, "a lágrima caída"), terra da comunidade budista mais antiga.



Resolvi viajar da índia para Sri Lanka a fim de seguir a migração cronológica verdadeira do budismo. Além disso havia também um exemplo emocionante e contemporâneo do budismo engajado que eu estava ansioso para ver.

A importância de Sri Lanka na história do budismo é imensa e não pode ser subestimada. Quando o rei Devanampiya Tissa (250-c. 207 a.C.) aceitou a Verdade do Buda, ele se tornou um poderoso patrono do budismo e fundou o mosteiro de Mahaviha-ra, que se transformou no centro histórico do budismo Theravada em Sri Lanka. Acontecimentos posteriores também contribuíram para o prestígio de Sri Lanka no mundo budista. Foi no país insular, por exemplo, que os Tripitaka - ensinamentos orais do Buda - foram registrados por escrito pela primeira vez. Diziam que Devanampiya Tissa tinha recebido a clavícula direita do Buda e sua reverenciada bacia das almas do rei Ashoka e que construiu o Thuparama Dagoba, primeiro stupa budista em Sri Lanka, para homenagear essas relíquias muito veneradas. Outra relíquia sagrada, o dente de Buda, ou Dalada, chegou a Sri Lanka no século IV d.C A posse da Dalada passou a ser considerada essencial para a legitimação da realeza cingalesa e se manteve assim até ser capturada e possivelmente destruída pelos portugueses em 1560. A relíquia (considerada por tantos uma relíquia substituta) que é venerada no templo do Dente, Dalada Maligawa, em Kandy, é o elo

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da lendária Lanka com a era moderna. A procissão anual de Perahera, em homenagem ao icônico incisivo, serve como poderosa força de unificação para os cingaleses no século XX. Registram que a filha de Ashoka, Sanghamitta, levou para a ilha um ramo da sagrada Árvore Bodhi de Bodh Gaya, índia. Segundo a lenda, a árvore que cresceu desse ramo fica perto das ruínas da antiga cidade de Anuradhapura, no norte de Sri Lanka. Dizem que a árvore é o ser vivente mais antigo do mundo, objeto de grande veneração para todos os budistas.



A ligação entre religião, cultura, língua e educação, e sua influência conjunta na identidade nacional, tem sido uma força penetrante para os budistas cingaleses que remonta, como podem ver, aos tempos mais primitivos. Devanampiya Tissa empregou a estratégia de Ashoka de unir o estado político com o budismo, sustentando as instituições budistas com os cofres do estado e construindo templos próximos do palácio real para ter um maior controle. Com tal patronato o budismo foi posicionado para evoluir como a expressão maior da ética e da filosofia, da cultura e da civilização cingalesa. O budismo apelava direto às massas e levou ao crescimento de uma consciência cultural coletiva dos cingaleses.

Em contraste com a exclusividade teológica do bramanismo hindu, a abordagem missionária incluía pregação e levava os princípios do Buda direto para o povo. Esse proselitismo teve sucesso ainda maior em Lanka do que na índia e pode ser considerado a primeira experiência da ilha de educação de massa.

O budismo também causou um efeito muito grande no desenvolvimento literário da ilha. O dialeto indo-ariano falado pelos primeiros cingaleses era compreensível para os missionários da índia e facilitou os esforços iniciais de tradução das escrituras. Os literatos cingaleses estudaram pali, a língua das escrituras budistas, e assim influenciaram o desenvolvimento do cingalês como linguagem literária.

Tudo isso, infelizmente, camuflou o inevitável conflito entre as populações cingalesa e tâmil da ilha. Com 75 por cento dos habitantes de Sri Lanka de descendência cingalesa, os tâmeis são uma minoria óbvia e representam 18 por cento. Os tâmeis predo-

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minantemente hinduístas descendem dos indianos de Tâmil Nadu, o estado no litoral do extremo sudeste da índia, do qual um exame no mapa sugere um pedaço partido em algum longínquo cataclismo geológico, fazendo com que deslizasse 30 milhas para o mar. Isso é confirmado por um estudo das placas tectôni-cas que apareceu em A Country Study: Sri Lanka, publicado pela Federal Research Division da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos em 1988. Consta que quase todo o sul da índia fazia parte de uma única extensão de terra meridional chamada de Gondwanaland. Cerca de 200 milhões de anos atrás iniciou-se esse processo com as forças dentro da crosta da terra separando os territórios do hemisfério Sul e uma placa dessa crosta que sustentava a índia e o Sri Lanka moveu-se para o nordeste.



"E razoável supor que um país que ficava a apenas 30 milhas da índia e que seria avistado pelos pescadores indianos todas as manhãs quando partiam em suas embarcações para a pesca seria ocupado, assim que o continente fosse habitado por homens que sabiam navegar", comentou o historiador cingalês e acadêmico de Cambridge Paul Peíris no Journal ofRoyai Asiatic Society, Ceylon Branch.

Mesmo assim isso não dissuadiu cada um dos dois grupos de afirmar e exigir direitos como governantes dessa terra e de declarar guerra para provar isso em toda a história do país.

Os cingaleses merecem o crédito por terem desenvolvido um sistema inovador de engenharia hidráulica de reservatórios interligados (ou "tanques") e canais de irrigação nas regiões centro-norte de Sri Lanka que sofriam com as secas desde 500 a.C. Como a atividade agrícola na antigüidade - principalmente a cultura do arroz — dependesse das chuvas imprevisíveis das monções, os cingaleses construíram canais, reservatórios e tanques de água para irrigar suas plantações. Essas primeiras tentativas de engenharia revelam a compreensão brilhante que esse povo antigo tinha dos princípios hidráulicos e da trigonometria. A descoberta do princípio da torre de comporta ou poço de comporta para regular a vazão da água é creditada à genialidade dos cingaleses há mais de dois mii anos. No sécu/o I d.C. diversas obras de irrigação em grande escala já estavam prontas.

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Ocupada pelos portugueses no século XVI e pelos holandeses no século XVII, a ilha foi cedida aos ingleses em 1796, tornou-se parte da colônia da Coroa em 1802 e foi unificada sob o governo britânico em 1815. Como Ceilão, declarou sua independência em 1948; e seu nome foi mudado para Sri Lanka em 1972.

Em 1956 o pós-colonial Sri Lanka legalizou o cingalês como única língua oficial (era o inglês até essa data). Isso funcionou para excluir os tâmeis dos cargos públicos e de outros postos-chave, e bloqueou as oportunidades de educação e de outros direitos da cidadania. O fato de o homem que impôs a legislação, o primeiro-ministro S. W. R. D. Bandaranaike, herdeiro de nobre família cingalesa, ser um budista convertido, era irrelevante. Era mesmo? Essa mudança que ele promoveu na política coincidiu com o aniversário de 2.500 anos da iluminação do Buda, motivo de grandes comemorações no Sri Lanka. Protestando contra essa política, os destituídos tâmeis hinduístas promoveram tumultos nas ruas. Cingaleses da linha dura retaliaram com violência por atacado. Em 1959 — e quando li isso quase deixei o livro cair -Bandaranaike foi assassinado com um tiro disparado por um monge budista supostamente desequilibrado.

E desde então tem havido um equilíbrio delicado. Tensões entre os cingaleses majoritários e os separatistas tâmeis explodiram em guerra em 1983. Um grupo separatista em luta pela igualdade tâmil, se não a independência mesmo, coalesceu e gerou os Tigres da Liberação da Eelam Tâmil (LTTE). {Eelam significa "terra natal" em tâmil.) Dezenas de milhares morreram num conflito étnico que continua com a sua podridão. O líder do LTTE, Velupillai Prabhakaran, "é um dos senhores da guerra mais sanguinários e eficientes na extensa lista que temos hoje", escreveu Philip Gourevitch em The New Yorkerem agosto de 2005.

Depois de duas décadas de lutas, o governo e o LTTE formalizaram um cessar-fogo em fevereiro de 2002. Quando cheguei, esse cessar-fogo estava em vigor, mas precariamente.

Agora esses acontecimentos atuais dão à "lágrima caída" um significado que é mais do que geológico. Agora é a lágrima de Buda que chora pelo sofrimento na terra, onde seus ensinamentos

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eram para ser exemplares. Chamam de guerra civil ou guerra étnica, mas é difícil não vê-la como uma guerra religiosa. A grande maioria dos cingaleses é budista. Os tâmeis são, em geral, hinduís-tas. Esse conflito budista-hinduísta mandou para o inferno uma teoria minha que havia sido útil nessa missão. Na minha proposta eu havia sugerido que o budismo devia estar fazendo alguma coisa muito bem. Como justificativa, desafiei meus editores da National Geographic a citar uma guerra no mundo de hoje - um mundo, como outros já observaram, no qual toda guerra é, no fundo, uma batalha entre facções religiosas - que estivesse sendo travada por budistas. Sri Lanka contradisse a minha afirmação.

Eu sabia muito pouco sobre as lutas internas do Sri Lanka quando meu avião pousou no aeroporto de Colombo. Fui surpreendido pela mudança de cenário: a água turquesa, as praias de areia branca, as palmeiras suavemente curvadas pelo vento. No mais completo contraste com a intensidade prolífica da índia, aquilo evocou imediatamente lembranças de ilhas tropicais tranqüilas do meu passado e relaxei naturalmente. Sim! Vamos nessa/Tudo aquilo encobria a turbulência que existia logo abaixo daquela superfície ilusória.

Hoje os peregrinos e turistas viajam pelo que é chamado de Triângulo Cultural, um circuito muito procurado no centro geográfico do país definido pelas três antigas capitais, uma em cada vértice: a primeira capital do país, Anuradhapura (do século V a.C. até o século XII d.C), Polonnaruwa (século X ao século XII) e Kandy (século XVI ao século XIX). Eu queria ver as três, mas primeiro, depois de aterrissar na capital atual de Colombo, a minha peregrinação me levou para a cidade de Moratuwa, a uma hora de carro pelo litoral. Lá encontrei um homem que é comparado a Mahatma Gandhi, Martin Luther King Jr. e a Sua Santidade o Dalai Lama. Ex-professor, o dr. A. T. Ariyaratne, um homem pequeno com 73 anos de idade, voz de criança e rosto angelical que humildemente nega todas essas comparações — e depois mostra uma sala cheia de citações, placas e prêmios pela sua obra humanitária.

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O dr. Aríyaratne é o fundador do Movimento Sarvodaya Shramadana. "Sarvodaya" é uma palavra criada por Mahatma Gandhi que significa "o despertar de todos". Shramadana quer dizer "dádiva do trabalho". Juntas: "despertar de todos compartilhando a dádiva do trabalho".

A origem foi um programa que ele criou quando era professor de ciências em 1958, que levava os alunos para as áreas rurais por duas semanas a fim de aprender como era a vida no campo. Incorporado em 1972, esse programa se transformou numa "organização política de base popular que é budista", ele me contou no quartel-general do Sarvodaya Moratuwa.

É um sistema abrangente e autônomo que atinge as menores aldeias, oferecendo assistência profissional em todos os serviços

O dr. A. T. Aríyaratne, fundador do Movimento Sarvodaya Shramadana no Sri Lanka, um programa autônomo baseado nos princípios budistas que serve à maioria das aldeias rurais do país. Ele posou para a foto com o autor nos jardins do quartel-general da organização em Moratuwa que fica a uma hora de carro de Colombo.

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sociais imagináveis - desde aprendizado técnico até ajudar a construir e montar equipes de ensino pré-escolar e fundamental, do atendimento médico pré-natal aos cursos que ensinam a criar programas de poupança, da concessão de empréstimos para a construção de poços. Em uma aldeia me reuni a um grupo que oferecia uma ajuda bem concreta, manejando uma foice para capinar uma trilha tomada pelo mato que dava em um campo cultivável há muito negligenciado.

Apesar de se poder encarar esse sistema elaborado de todos cuidando de todos como uma forma de socialismo, filosofica-mente e em termos de organização era tudo estruturado nos ensinamentos do Buda. A guisa de explicação, quando me mostrou o complexo de construções, auditórios, laboratórios com computadores e pátios internos em Moratuwa, o dr. Ariyaratne chamou atenção para um quadro na parede, semelhante ao que se vê no mural da aula de educação cívica no ensino médio. Tudo que é feito e cada programa dentro do projeto correspondem às Quatro Verdades Nobres do Buda: a "aldeia decadente" representa a primeira verdade do sofrimento, o ciclo de ignorância e pobreza naquela aldeia cria o motivo daquele sofrimento, o engajamento construtivo é a terceira verdade que afirma um caminho para escapar do sofrimento e um plano muito bem concebido em todas as frentes que eqüivale à quarta, uma versão do Caminho Óctuplo na construção da comunidade. Percebi que ele havia apelado para sua experiência de professor ao montar as estruturas burocráticas e que depois então fez belos gráficos da organização.

Agora, com recursos de grupos internacionais como Oxfam, UNICEF e CAPvE, assim como financiamentos de sociedades como a Fundação Novartis da Suíça, a Fundação Nipon do Japão e a Norad da Noruega, entre muitas outras, as equipes e os programas de Sarvodaya estão ativos em cerca de 15 mil das 38 mil aldeias que existem pelos cálculos do governo. A organização estima que 11 milhões dos 19 milhões de habitantes do país são beneficiários individuais de diversos programas de Sarvodaya — sendo budistas ou não. O grupo distribui fundos de uma conta de um banco financeiro de 1,6 bilhão de rúpias (16 milhões de dólares).

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- Nós somos a maior organização no país - disse ele, afirmando um fato, não se vangloriando.



Isso faria dele um homem muito poderoso potencialmente, num país que parece estar eternamente em guerra num vácuo de poder.

- Sim - concedeu ele -, desde 1982, cada vez que tem eleição no país os jornais me consideram um candidato azarão.




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