Práticas Discursivas ao Olhar Notas sobre a vidência e a cegueira na formação do pedagogo


Colecionadores de cartões-postais



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5. Colecionadores de cartões-postais
O hábito de enviar, presentear ou apenas colecionar postais encontrava-se completamente disseminado no Rio de Janeiro do início do século XX, transformando-se em verdadeira "febre" popular segundo crônicas de época:

Há postais em cartolina, platinografados, reproduzindo figuras célebres, fixando paisagens, reproduzindo quadros conhecidos ou notáveis, com versozinhos, pensamentos, frases sobre o amor, sobre a mulher, sobre a felicidade. Os namorados preferem os que representam corpos que se enlaçam, bocas que se beijam, acompanhados, sempre, de legendas patéticas, como estas: Amor eterno: Sofro, mas um dia serás minha! Quanto dói uma saudade!Dou-te o meu coração e a minha vida!.23

A primeira década do século caracterizou-se como de paixão pelos postais. Aos postais era a primazia da exposição em salas de visita, em elaborados álbuns, junto à fotografias de amigos ou parentes. A constituição das práticas do olhar era legitimada pelos escritores em seus versos ou em suas crônicas:

Nota de rodapé:

23. EDMUNDO, Luís. O Rio de Janeiro do meu tempo. Rio de Janeiro, Ed.Conquista, volume IV, 1957 p. 719. Afirma o autor em outra passagem: "tão bela, é a apresentação desses postais, que muita gente os compra em séries, só para encaixilhá-los. Um vidraceiro da rua da Quitanta cria disposições artísticas para a coleção das fotos em passe-partout de cores", ibid.

Fim da nota de rodapé.

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O cartão-postal, quer deliciando o olhar pelo perfil sugestivo de uma mulher formosa, quer se constituindo uma enternecida evocação do passado que não torna, pela reprodução de um trecho de paisagem ou pedaço de rua do berço distante, quer dourando os tempos mortos na ressurreição de suas ruínas ou nos esplendores de sua civilização - o cartão-postal, transmissor de uma frase ou de um pensamento ou de um verso, é sempre um coração em festas, em júbilos, despertando alvoroços por todas as portas em que se anuncia.24

Em meados da década de 1900, surgiu a moda de se incorporar autógrafos de personalidades famosas no verso, estimulando ainda mais o consumo dos postais. A prática foi registrada por inúmeros cronistas através de casos pitorescos envolvendo figuras das elites políticas, artísticas e culturais:

Até os presidentes da República não escapam às investidas dos coleciona-dores!Certo deputado pela Bahia manda,umdia,aoPresidenteRodrigues Alves, um telegrama com pedido de audiência. Marcam-na, dando dia e hora. No instante de ser recebido pelo Chefe da Nação, quando este vai indagar dos motivos da entrevista marcada, eis que o pai-da-pátria muito naturalmente, declara apresentando-lhe um postal: - V.Exa. perdoe, mas, o que eu desejo é que V.Exa, ponha sob esta linda cabeça de Napoleão a sua assinatura e, se possível, duas linhas a respeito do herói.25

Mas o próprio costume do colecionar podia servir à mobilização da população em razão de objetivos que ultrapassavam a fruição das imagens por quem os detinha. Belchior identificou uma campanha promovida pela revista Avenida voltada ao sorteio de duas séries de 50 postais, com motivos para "senhoras e senhoritas" e, outra, para os "cavalheiros". Os cartões, autografados por grandes personalidades da capital federal, tinha o intuito de angariar fundos para a seca que atingia o Nordeste no início do século e que contou com a participação de 481 interessados.26 Uma das personalidades que participou com seu autógrafo, o poeta Emílio Meneses, chegou a lançar uma poesia voltada ao tema:

Esta mania estúpida e cacete - Mais cacete de todas as manias Do bilhete postal, do atroz bilhete, Vai ter, enfim, as minhas simpatias No hotel, no botequim, no gabinete Em casa, à rua, nas confeitarias, No Leme, Cascadura ou Catete, Surge o cartão-postal, todos os dias! Mas esse infame e trágico instrumento Que é da paciência algoz, suplício e morte O bilhete postal, que é o meu tormento, Útil vai ser enfim! Coube-lhe a sorte, De transformar-se em pão para o sustento Dos que de fome estão morrendo no Norte!27

Notas de rodapé:

24. Editada pela revistaA Carthophiüa, julho, 1904, apub BELCHIOR, op. cit, p. 11.

25.ibid.,p.718.

26. BELCHIOR localiza o movimento nos números 43 (de21-5-1904) e74 (de 14-12-1904) BELCHIOR, op. cit,p.12.

27. EMÍLIO MENEZES apudBELCHIOR, op. cit., p. 12.



Fim das notas de rodapé.

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  1. A Escola como cartão-postal

Na intenção de garantir seu espaço no mercado, as editoras pesquisavam temas de interesse do público como moda, arte, arranjos florais, estradas de ferro, guerras, transformados em objetos estéticos, na perspectiva da fotografia postal. Nesse contexto, surge o tema "prédios escolares", associado à valorização da instrução como passaporte necessário à ascensão social.

Escolas particulares, leigas ou confessionais, difundiram imagens postais com o registro fotográfico de seus espaços e atividades pedagógicas. Eventos como desfiles, formaturas, passeios, visitas, aulas, foram motivo para composições onde as linhas da cidade e de sua geografia dialogavam com a arquitetura dos prédios. Cedidos gratuitamente para colecionamento ou à serviço de mensagens de propaganda institucionais, os cartões do Instituto Metodista Bennett, do Colégio Santo Inácio, do Colégio Sacre Courdu Marie, serviram à divulgação da qualidade de seus serviços, associando imagens de suas instalações à modernização da cidade.

Ainda nos parecem surpreendentemente recentes as fotos em postas dos alunos do Colégio Salesiano, de Niterói. Nas imagens, turmas de escolares formadas, embarcavam no pier do Gragoatá, em Niterói ou, já na capital federal, apresentavam-se em garbosos desfiles pela avenida Beira-Mar em direção ao Outeiro da Glória. Como plano de fundo, as linhas do Pão de Açúcar, referência exuberante da capital do país.

A localização da instituição no espaço urbano era um tema recorrente nas imagens de postais escolares. Em outras, as práticas de ginástica, o recreio infantil ao ar livre, em pátios cuidados ou o ensino em salas arejadas, iluminadas, com circulação e salubridade indiciavam a modernidade do ensino em composições fotográficas onde a figuração e os planos eram cuidadosamente concebidos.

Além de impressos pelos próprios colégios, editoras como A. Ribeiro, Viggiani, Rennes, A. Costa, incluiram o motivo em algumas de suas séries, adquirindo diretamente de fotógrafos clichês com imagens de escolas públicas ou particulares, de ensino primário ou superior. Também fotografias com as fachadas de diversos prédios de ensino superior foram impressas, participando de séries postais que enfatizavam o progresso alcançado pela cidade.

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  1. Conclusões em Aberto

Quem examina pilhas de cartas antigas, a ele, um selo, que há muito tempo está fora de curso, sobre um envelope frágil, diz mais que dúzias de páginas relidas. Muitas vezes se os encontramos em cartões-postais e então não se sabe: deve-se destacá- los ou guardar o cartão tal como está, como a folha de um velho caderno escolar que tem do lado da frente do de trás dois diferentes desenhos igualmente valiosos?

Selos são cartões de visitas que os grandes Estados deixam no quarto das crianças.

Há sabidamente uma linguagem dos selos, que está para a linguagem das flores como o alfabeto está morse está para o escrito. Mas por quanto tempo viverá ainda a floração entre os postes telegráficos?Não são os grandes selos artísticos do pós-guerra, com suas cores plenas, já as sécias e dálias outonais dessa flora?

Ela não sobreviverá ao século XX.28

Na década de 1930, Walter Benjamin observava que o processo tecnológico comandado pela lógica do capital e da mercadoria fragmentava o indivíduo, transformado em mero consumidor e perdendo sua condição de sujeito da experiência: os novos meios de comunicação o expropriavam da capacidade de narrar. Suas observações apontavam a carta e o postal como indício desse lento e irreversível processo.

De fato, ao início do século XXI, talvez a geração que ingressa na universidade seja a última que se utiliza dos serviços de correio em seu sentido mais tradicional: encaminhando a carta a um posto; pagando a selagem; a carta sendo transportada até o endereço do destinatário; a carta finalmente, sendo lida por um leitor aberto ao acaso. Tudo isto está fadado ao passado porque - Benjamin não conheceu, mas intuiu, as novas tecnologias, como a web, permitem uma comunicação em tempo real, apagável na memória do disco, cuja linguagem é comprimida embenefício da rapidez e objetividade.

O cartão-postal é expressão de um tempo outro. Nós o lemos como algo "fora do presente". Ali, no postal, "éramos aquilo" e ao realizarmos a ação de lê-lo, fruindo as imagens e o seu verso, aconchegamos ao que somos um passado recente ou antigo mas, sempre, cindido ao presente. A carta em toda a sua materialidade - no papel do envelope, na qualidade do papel da carta, nos desenhos da escrita em caneta, no selo - detém a aura em uma intensidade tal que levava não raro à sua guarda pelo destinatário, em álbuns de cartas, em caixas de sapato, para serem lidas e recuperadas em suas atmosferas de carinho e poesia, transformando sua leitura numa ventura e aventura de decifração de sentidos incessantes.



Nota de rodapé:

28. BENJAMIN, W. Comércio de selos. In: BENJAMIN, W. Rua de Mão Única. São Paulo, Brasiliense, 1987,p.57-60.

Fim da nota de rodapé.

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Estabelecer as pontes entre as experiências que "falam" de lugares diferentes, inclusive na perspectiva dos cartões-postais que se apresentam na web, seja um dos desafios aos pedagogos, em seu esforço em tornar a prática da escrita mediação na construção de sujeitos, no exercício da cognição, no estímulo à sociabilidade.
Bibliografia
BARROS, Armando Martins de. O esgotamento das propostas de escolarização no movimento anarquista e social-democrata no Rio de Janeiro do início do século. Niterói: Universidade Federal Fluminense. 1988. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação. 1988

BARROS, Armando Martins de. Da Pedagogia da Imagem às Práticas do Olhar: uma busca de caminhos analíticos. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós Graduação em Educação, 1997.

BELCHIOR, F. Introdução histórica aos cartões-postais, in BERGUE, Paulo. O cartão-postal no Rio de Ontem: 1900-1930. Rio de Janeiro: Rioarte. 1987

BRASIL, DIRETORIA GERAL DE ESTATÍSTICA. Anuário Brasileiro de Estatística. Ano I, v.II, Rio de Janeiro

EDMUNDO, Luís. O Rio de Janeiro do meu tempo. Rio de Janeiro: Ed. Conquista, volume TV, 1957,

FRABRIS. Fotografia: usos e funções no séculoXIX. São Paulo: Edusp, 1991.

FREYRE, Gilberto. Ordem e Progresso. Rio de Janeiro: ed. Record. 1990.

FREUND, Gissele. Fotografia e Sociedade. Lisboa: Editora Veja.

KOSSOY, Boris. Origens da expansão da fotografia no Brasil. Século XIX. Brasília: Funarte, 1980.

REBÉRIOUX, Madeileine. La carte postale de greve: propôs sur une collection et une exposition. LeMouvement social, n. 131, avril-juin, 1985. Paris: Les Edition Ouviriéres.

SILVA, Flávio Soares de Mello. JARDIM, Mariza Benevuto. O cartão-postal como veículo de comunicação. Rio de Janeiro: UFRJ. Monografia de final de curso apresentada à Escola de Comunicações. 1980.p.9.texto datilografado.

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Atividades Complementares
Texto: Walter Benjamim Comércio de Selos

In: Rua de mão única. Comércio de selos. São Paulo, Editora Brasiliense, 1987, p. 57-60.

"Quem examina pilhas de cartas antigas, a ele, um selo, que há muito tempo está fora de curso, sobre um envelope frágil, diz mais que dúzias de páginas relidas. Muitas vezes se os encontramos em cartões-postais e então não se sabe: deve-se destacá-los ou guardar o cartão tal como está, como a folha de um velho caderno escolar que tem do lado da frente do de trás dois diferentes desenhos igualmente valiosos? Há também, nas caixas de vidro dos cafés, cartas que têm contas a ajustar e estão expostas no pelourinho diante de todos os olhos

Cartas que permaneceram muito tempo sem serem abertas adquirem algo de brutal, são deserdados que perfidamente forjam uma vingança por longos dias de sofrimento. Muitas delas, mais tarde, expõe nas vitrines dos comerciantes de selos os envelopes marcados a fogo por carimbos.

Selos são cartões de visitas que os grandes Estados deixam no quarto das crianças.

Selos são cartões de visitas que os grandes Estados deixam no quarto das crianças. Como Gulliver a criança visita país e povo de seus selos. Geografia e História dos liliputianos, a inteira ciência do pequeno povo com todos os seus números e nomes lhe é instilada durante o sono. Ela participa com interesse de seus negócios, freqüenta suas purpúres assembléias populares, assiste ao lançamento de seus naviozinhos e, com suas cabeças coroadas, entronizadas atrás de sebes, celebra jubileus.

Há sabidamente uma linguagem dos selos, que está para a linguagem das flores como o alfabeto está morse está para o escrito. Mas por quanto tempo viverá ainda a floração entre os postes telegráficos? Não são os grandes selos artísticos do pós-guerra, com suas cores plenas, já as sécias e dálias outonais dessa flora?

Ela não sobreviverá ao século XX".

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Texto: Sobre o Colecionador de Postais e deLivros

Walter Benjamin

Toda cidade possui nos mistérios de seus lugares o lugar dos colecionadores. Numa residência particular, no banco de uma praça, junto à uma loja de livros ou, mesmo, pasmem, consultórios! Sim, em algum dia da semana eles chegam devagar, vindos de diferentes grupos e classes, com as mais diversas idades. Reúnem-se como uma irmandade, como uma confraria cuja motivação está na ordem do inefável, vinda como um "chamamento" ou, melhor dizer, compulsão? No Rio de Janeiro, eles encontram-se no Passeio Público, aos domingos. São colecionadores de livros, de cartões-postais, de moedas que reúnem-se à sombra de jaqueiras e flamboyants, para conversas apaixonadas sobre datações, origens das peças, compras, vendas, trocas. Walter Benjamin, colecionador compulsivo de livros - a ponto de disputá-los em renhidos leilões - reconhecia a importância do colecionador, como que historicizando o objeto que guarda:

Naturalmente, sua existência está sujeita a uma relação muito misteriosa com a propriedade;uma relação com as coisas que não põe em destaque o seu valor funcional ou utilitário, a sua serventia, mas que as estuda e as ama como o palco, como o cenário de seu destino. O maior fascínio do colecionador é encerrar cada peça num círculo mágico onde ela se fixa quando passa por ela a última excitação - a excitação da compra. Tudo o que é lembrado, pensado, conscientizado, torna-se alicerce, moldura, pedestal, fecho de seus pertences. A época, a região, a arte, o dono anterior - para o verdadeiro colecionador todos esses detalhes se somam para formar uma enciclopédia mágica, cuja quintessência é o destino de seu objeto.

Basta observar um colecionador manuseando os objetos em seu mostruário de vidro. Mal os segura em suas mãos, parece inspirado a olhar através deles para os seus passados remotos.

Para Benjamin, os colecionadores poriam à nu, contradições significativas podendo auxiliar à desmontagem de um momento histórico, cristalizado em posições historiográficas dogmáticas. Assim, os colecionadores, em suapulsão, construiriam valores de culto que interditariam o processo de aviltamento das peças enquanto mercadoria, inerente à lógica do capital. Nesse contexto, Benjamin identifica subsídios para sua concepção histórica.

Para ele, o colecionador, não só livros, mas também seus exemplares têm seu destino. E, neste sentido, o destino mais importante de todo

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exemplar é o encontro com ele, o colecionador, com sua própria coleção.

Para o colecionador autêntico, a aquisição de um livro velho representa o seu renascimento.

Renovar o mundo velho - eis o impulso mais enraizado no colecionador ao adquirir algo novo e, por isso o colecionador de livros velhos está mais próximo da fonte do que o interessado em novas edições luxuosas.
Oficina: fotomontagem Postal

(Aqui aparecem três fotos de postais antigos.)
Filme: O Carteiro e o Poeta

Direção, Michael Radford. França/Itália, 1995. Fotografia: Firanco Di Giacomo.Com Massimo Troisi e Philipp Noiret. Duração, 109 min. Baseado no poema de Antônio Skarmelta. Oscar de melhor trilha sonora. Distribuição em vídeo no Brasil: Abril Vídeo

Resumo: Numa remota ilha do mar Mediterrâneo, humilde carteiro busca ajuda do poeta Pablo Neruda, então exilado, para conquistar com a força da poesia o amor de uma mulher por quem se apaixonara.

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Na convivência entre carteiro e poeta surge uma amizade que permite ao primeiro construir-se também poeta e adquirir uma compreensão de relações de exploração política que sofre sua comunidade.

Gradualmente, o personagem do carteiro tem acesso à dimensão estética da linguagem oral, das possibilidades da linguagem escrita, do uso da metáfora como produção de novos campos de sentido. Simultaneamente, tem acesso a tecnologias como o gravador com o qual, ao final, constrói uma poesia confluindo linguagens, ao gravar, para o poeta, o som das estrelas, o som do mar, do vento, das ondas em sua adorada ilha.


Filme: Central do Brasil

Direção e argumento: Walter Salles. Roteiro: João Emanuel Carneiro e Marcos Bernstei. Fotografia: Walter Carvalho. Com Fernanda Montenegro, Vinícius de Oliveira, Marília Pera. Duração: 112 min. Brasil.

Sinopse: Dora, professora aposentada que se sustenta escrevendo cartas para analfabetos na Central do Brasil. Parece um trabalho filantrópico, mas não é: Dora guarda o dinheiro pago por aquela gente pobre e raramente envia as cartas. Uma delas deveria ter como destinatário um tal de Jesus, lá no sertão de Pernambuco. Foi ditada por Ana (Sôia Lira), sua ex-mulher, que sonhava com o dia em que poderia levar o filho Josué (Vinícius de Oliveira), de 9 anos, para finalmente conhecer o pai e os irmãos mais velhos, Moisés e Isaías (Caio Junqueira e Matheus Nachtergaele). Mas Ana morre num acidente e Josué acaba indo parar nas mãos de Dora, que depois de uma série de acontecimentos resolve encarar a via crucis para levar o menino ao seu destino. Os dois perdem o ônibus, o dinheiro, mas não a fé. Na tela, é uma viagem de alguns dias que passa voando.

Associações interessantes com outros filmes: "Thelma e Louise"; "Ulisses"

Cenas interessantes para discussão:

Irene (Marília Pera): ajuda a ex-professora a selecionar cartas ao fim do dia. Quando conhece Josué, Irene diz para o menino que é uma professora aposentada como Dora - mas o espectador nunca tem certeza se ela está falando a verdade;

Irene é o suporte ético de Dora, chamando atenção da amiga para seus tropeções (a venda do menino em troca de uma nova televisão)

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Othon Bastos (fez "Deus e o ....", "O Dragão da ..." é o caminhoneiro César que ajuda os viajantes num momento crítico do percurso. Esse caminheiro, que é evangélico, se mostra generoso, capaz de fazer vista grossa a algumas escorregadelas de Dora (o furto na loja do amigo).

Otávio Augusto é o segurança da gare, usando métodos escusos para mostrar sua proteção, assassinando um garoto que rouba um walkman.

Na gare da Central, muitas pessoas são não atores, gente que está fingindo se mistura a gente que está editando de verdade.

Making Off: Walter Carvalho, fotógrafo do filme o último dia de filmagens:



Foi em Cruzeiro do Nordeste, Pernambuco. Nós tínhamos acabado de fazer o último plano previsto: o do menino observando a foto de Dora. Era um plano simples e muita gente já tinha ido embora. Nos preparávamos para voltar. Estava começando a anoitecer, e toda a equipe que restava já estava no carro. Mas faltava o Vinícius. Até que a gente reparou que ele estava se despedindo de outras crianças, chorando.

Os adultos começaram a se juntar em volta do caminhão, lamentando a nossa ida. E de repente, havia uma grande comoção, não planejada, de despedida. Até que a equipe inteira estava chorando também.

(JB.Rv.Domingo)


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Notas Sobre as Imagens do Trabalho e o Trabalho das Imagens

Armando Martins de Barros


Os currículos escolares abordam em diferentes disciplinas a noção de trabalho? A resposta é afirmativa caso consideremos o caráter introdutório apresentado pelos professores no Ensino Fundamental. De fato, é nesse momento em que as propostas curriculares inscrevem os conceitos de "espaço", de "tempo", possibilitando sua associação à categoria "trabalho", com as necessárias adequações à experiência de mundo, cognição e faixa etária. Surge todavia um desafio: nós, como profissionais de ensino, temos discutido o conceito em sua materialidade no âmbito da figuração, observando sua difusão em livros didáticos e na produção midiática que alcançam nossos alunos? As notas no presente texto objetivam subsidiar o enfrentamento da carência de metodologias e de fundamentos na formação e capacitação dos profissionais de ensino.


  1. A imagem como Trabalho

Em uma primeira aproximação, consideramos o "trabalho" como instância inerente à própria condição humana. O homem tem necessidade de transformar a natureza para produzir sua existência. Mediante sua ação - caçando, pescando, cultivando, forjando minerais, comercializando, produzindo música, pintura, fotografias - o homem "trabalha" objetivando sua subjetividade. Em outras palavras, sua subjetividade tem a possibilidade de se materializar, objetivar-se, "marcando" o mundo com as intenções do sujeito. Essa experiência é radical ao homem pois ao mesmo tempo que altera o mundo transformando-o, o homem é transformado (em suas percepções e relações sociais), mediante os próprios instrumentos que cria para seu trabalho.

Nessa perspectiva, o "trabalho" é visto como ação inerente ao humano, considerando-o como "princípio educativo" isto é, princípio organizador e condição humanizadora. O homem em sua ação transformando a natureza

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e produzindo sua existência, amplia sua sociabilidade, dignificando-se como ser que existe com-o-outro, como ser social. Essa posição difere da visão reducionista que considera o trabalho como sucesso ou fracasso individual, indiferente à desumanização presente em relações de produção que alienam e desigualam os homens seja nas oportunidades de trabalho seja na apropriação da riqueza social.

Karl Marx, aos 26 anos escreveu nos "ManuscritosEconômicos eFilosóficos" sobre a importância do horizonte "humano" permitir os homens serem, simultaneamente, ferreiros, músicos, pintores. É possível que, ao escrever essa bela página de sua obra estivesse sinalizando para a necessidade das sociedades socializarem o produto social, considerando inclusive como parte necessária dessa divisão mais justa a estética (poética, musical, pictórica). Marx defende no seu texto o direito de todo trabalhador apropriar-se de sua condição "sensível", enquanto capacidade de apreender diferentes linguagens como horizonte e utopia. Essa perspectiva difere radicalmente da posição que vê a "cultura" como status, possibilidade pedante de diferenciação entre homens, onde apenas alguns acessam os museus, compreendem as obras fílmicas, fruem a pintura de Picasso, admiram as fotografias de Salvador Dali, recuperam o sentido inovador da Mona Lisa de Leonardo daVinci.

Portanto, em nossa perspectiva, essa sensibilidade humanizadora ocorre seja entre os que atuam diretamente no "fazer" artístico, seja potencialmente em qualquer trabalhador. Essa potencialidade pode melhor realizar-se à medida que os homens tenham a oportunidade de uma educação igualitária e competente. Competência que se materializa nas estratégias de sensibilização na formação de profissionais de ensino aptos ao tratamento da estética, condição que os habilita a partilhar com seus alunos o belo que emana em seu fazer. Para tanto, importa uma escola capaz de viabilizar a apropriação de diferentes linguagens, desconstruindo e ressignificando o patrimônio cultural existente. Educação onde o trabalhador possa, caso assim deseje, atuar como produtor e autor de novos conhecimentos. Nesse contexto, importa que pintores e o fotógrafos tenham suas obras tratadas como produto do trabalho humano, como riqueza a ser socializada pelos demais membros da sociedade.

Socializar a produção artística implica seu entendimento, sua descons-trução pelo espectador mediante a apropriação das linguagens que constituem sua forma e seu conteúdo. Somente com processos de inclusão da população nas comunidades de sentido, viabilizaremos a participação mais democrática no usufruto dos bens culturais, entendidos como patrimônio da humanidade.

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