Práticas Discursivas ao Olhar Notas sobre a vidência e a cegueira na formação do pedagogo



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Filme: Metrópolis

Direção: Fritz Lang. Alemanha, 1926. Produção da Universal filme.

Sinopse: Ficção cientifica. Em um mundo em que a sociedade é controlada. A cenografia da cidade é construída a partir do quadro "torre de Babel", de Pieter Bruegel, pintado em 1563.

Para Piai e Moal, Max Reinhard exerceu uma enorme influência sobre os diretores de cinema mudo, inclusive em Fritz Lang: "A magia do claro-escuro, o ritmo dos espetáculos de massa, os planos de multidões, nos grupos de personagens saindo da sombra ou iluminados bruscamente."30


Filme: Tempos Modernos

Título original: "Modern times". EUA, 1936. Diretor, Charles Chaplin. Diretor de fotografia: Rollle Totherdr. roteirista: Charles Chaplin. Duração: 87 min. Distribuidora do vídeo no Brasil: Continental. Atores principais: charles Chaplin, Paulette Goddard.

Sinopse: O filme "é uma sátira sobre a alienação dos operários no processo de produção em série. O protagonista contnua sendo Carlitos, que não diz nenhuma palavra durante todo o filme". Chaplin é novamente o vagabundo em diversas situações vividas por grandes segmentos da população americana: é um desempregado que rouba comida; é um presidiário preso por não ter emprego; é novamente um preso, detido em manifestação política; é um porteiro de loja, envolvido em um roubo; é um "favelado" que apenas deseja ser feliz com sua mulher em um "barraco" simples; é um operário, enlouquecido pelo ritmo alucinante que os patrões ditam às máquinas.

Nota de rodapé:

30. MOAL, Pia Le. A UFA, o cinema e o dinheiro. RICHARD, Lionel (org.) Berlin, 1919-1933: a encarnação extrema da modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed„ 1993, p. 128.

Fim da nota de rodapé.

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Contexto:

O filme tem a denominação "Tempos Modernos" como uma crítica a alguns aspectos dessa contemporaneidade? No que diz respeito ao mundo do trabalho, Chaplin faz uma crítica poderosa à linha de produção do fordismo, onde o trabalhador é parte da engrenagem, obedecendo a um ritmo de produção na esteira que o torna propenso a séries problemas neurológicos. Por outro lado, aponta o autoritarismo entre os próprios operários, quando mostra o seu chefe imediato consertando a máquina e o tratando como um serviçal. Chaplin vê esperanças no homem e seu "vagabundo" tende a enfrentar a máquina de forma lúdica, bela, estética, subvertendo a lógica da máquina e de um capitalismo desumanizador.

Contexto de Época:

O filme foi realizado no momento em que já se firmava o cinema falado. Apesar da inovação se consagrar, Chaplin optou em manter o "vagabundo" mudo, valorizando sua mímica. Por outro lado, nos anos 30, a partir da quebra da Bolsa de Nova York, os Estados Unidos enfrentam uma forte recessão, com milhões de desempregados. Chaplin está atento às angústias dessa população que vê com esperanças o plano de emprego do presidente Franklin Rosevelt (o New Deal). Mas o diretor também observa com temor e ceticismo a cruzada "assistencialista" das Igrejas (vide seqüência no filme) e os movimentos fascistas europeus.

Em seu filme há uma mensagem sobre a criminalidade e a solução meramente policial para a marginalidade social: em diferentes seqüências, Chaplin mostra o "vagabundo" preso, tendo como razão primeira a falta de emprego e a fome famélica, que o obriga a roubar e saquear. Para ele, a mensagem socialista estaria latente entre os trabalhadores, tratados com violência pela polícia (vide seqüência onde o "vagabundo" pega uma bandeira deixada por um caminhão e, coincidentemente, cruza com uma manifestação operária, tornando-se o porta-estandarte da manifestação).

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Quando o índio Reinventa o Olhar

Notas Sobre o Uso das Imagens e da Escrita nas Escolas Diferenciadas Guarani Mby’á

Armando Martins de Barros e Wayza Verta Lima


“Terra à Vista!” Esse é o enunciado inaugural do Brasil. Não se trata de uma fala original. É chapa cristalizada, estereotipada. Comentário de aventureiros. Fala de piratas. De descobridores: o discurso das descobertas. Descobrimento.

À vista. "Ver" tem um sentido bem específico nesse contexto: o que é visto ganha estatuto de existência. Ver, tornar visível, é forma de apropriação. O que o olhar abarca é o que se torna ao alcance das mãos. O visível (o descoberto) é o preâmbulo do legível: conhecido, relatado, codificado. Primeiro passo para que se assente a sua posse. A submissão às letras começa e termina no olhar. O discurso das descobertas dá notícias do que vê.31

Partimos do pressuposto que a historiografia é construída por diferentes discursos 32 - materializados em teses, dissertações, livros, artigos - demarcando um campo semântico ou "comunidade de sentido", construindo enfim um "dizível" ideológico que nos diz", "falando em nós" o sentido de história que temos.

Notas de rodapé:

O artigo resulta de revisão parcial de três outros: o artigo Deslocamento gnoseológico na formação de professores guarani mby'á, do artigo A Reinvenção do Brasil e do relatório do Projeto de Livro Didático Guarani Mby'á.

Bolsista de iniciação científica pelo CNPq no projeto de pesquisa-extensão Memória e Tempora-lidade Guarani Mby'á: formação de professores indígenas para escolas diferenciadas, junto às escolas diferenciadas das aldeias Sapukai, Araponga, Itatin, no litoral sul fluminense, no período entre 2002-2003, com apoio FAPER CNPq UFF-Proex.

31. Observa ainda a autora: "Podemos assim concluir que “Terra à vista” - a primeira fala sobre o Brasil - expressa o olhar inaugural que atesta nas letras a nossa origem. Pero Vaz de Caminha dará o próximo passo lavrando nossa certidão, com sua Carta. Ao mesmo tempo, para os europeus, essa exclamação diz o início de um processo de apropriação. Descoberta significa, então, conquista." ORLANDI, Eni. Terra à Vista. Discursos de confronto: velho e novo Mundo. São Paulo, Editora Cortez, Campinas, Editora da Universidade. 1990 P. 13-14.

32. "A noção de discurso é diferente da tradicional visão de mensagem. Receptor e emissor se realizam ao mesmo tempo num processo de significação simultâneo. Consideramos o "discurso" como um complexo processo de constituição de sujeitos e produção de sentidos afetados pelalíngua e pela história, envolvendo processos de identificação, argumentação, subjetivação, construção da realidade etc". ORLANDI, op.cit.p. 21.

Fim das notas de rodapé.

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A memória discursiva estende-se para além da oralidade ou escrita. Ela apresenta-se na construção de nosso olhar, identificado na materialidade das imagens em diferentes suportes. As imagens por sua vez, educam o olhar e atualizam significados hegemônicos, em campos discursivos que "falam em nós". Imagens, portanto, não se dissociam do olhar que significa o que vê. As imagens organizam significados em discursos. Quando vemos imagens (fotografias, gravuras, pinturas), elas somente irão significar algo se expressarem discursos compreensíveis, articulando o sentido dos signos ao contexto do discurso.

As imagens que recordamos são sempre as que permanecem por significarem. Esse processo cognitivo é uma prática educativa que atravessa a escola. Nossa percepção da história do Brasil está associada a imagens "fundadoras" envolvendo pinturas e desenhos onde figuram índios, bandeirantes, mártir de conjuração, militares fazendo a Independência, a República.

Esse processo pode ser observado especialmente no campo da historiografia que tem como objeto a formação da sociedade brasileira. O processo de ocupação portuguesa entre os séculos XVI e XVII, foi onde se elaborou um "discurso fundador" sobre o Brasil. O europeu, em contato com o Novo Mundo, foi codificando um saber para si ao mesmo tempo que elaborava um discurso "modelar” sobre a terra e sua origem, justificando suas invasões e conquistas como "descobertas" e o processo de sua dominação, dizimando e escravizando os índios como "colonização".33

Os discursos estabelecem uma história. A história, em nossa perspectiva discursiva, não se define pela cronologia, nem por seus acidentes, nem é tão pouco evolução mas produção de sentidos. Ela é algo da ordem do discurso. Não há história sem discurso. É aliás pelo discurso que a história não é só evolução mas sentido, ou melhor, é pelo discurso que não se está só na evolução mas na história.34



Notas de rodapé:

33,Orlandi, E. Op. cit p. 18

34.ORLANDI, Eni. Op. cit, p. 14.

Fim das notas de rodapé.

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No evento que a historiografia denomina como "descobrimento do Brasil" e elege a carta redigida por Pero Vaz de Caminha ao rei português Don Manuel como documento por excelência, Orlandi identifica um processo de apagamento de outra história, anterior, presente no índio silenciado, omitindo seu dizer no campo da escola e dos livros didáticos, que valoriza em contrapartida um discurso simulado português e eurocêntrico que não é outro senão o de tomar posse.35

Procuramos nos conhecer conhecendo como a Europa conhece o Brasil. E no discurso das descobertas não encontramos senão modos de tomar posse.

Nem índios, nem europeus, somos produzidos por uma fala que não tem um lugar, mas muitos. E "muitos"aqui é igual a "nenhum".36

O artigo apresenta as notas preliminares de estudo em desenvolvimento, vinculado ao ensino (na Pedagogia), àpesquisa (iconografia européia e indígena) e extensão (formação de professores guarani mby'á para escolas diferenciadas). Na primeira parte, discutimos a construção de um olhar europeu sobre o Novo Mundo, materializado em imagens em diferentes suportes (aquarelas, pintura a óleo, gravuras), produzidas por missionários, viajantes, artistas associados a textos de época. Na segunda, discutimos o olhar singular indígena, focando a cultura oral guarani e as práticas educativas dela decorrentes, culminando com a criação da escola diferenciada indígena a partir da Constituição promulgada em 1988. A terceira e última parte refere-se à confluência das linguagens escrita, fotográfica e pictórica que se realiza experimentalmente nas escolas diferenciadas guarani mby'á das aldeias do litoral sul fluminense.37




  1. O índio pelo olhar europeu, em nós.

Agora eu era herói e o meu cavalo só falava inglês, a noiva docawboy era você junto com as outras três.

Ainda pré-adolescente, vi muito Nacional Kid na televisão. Meus personagens nos duelos infantis chamavam-se Joe ou John. Meus inimigos, eram sempre os índios, apaches ou comanches, massacrados sem perdão ou remorso. Vibrava com os mocinhos galopando para salvar a bela dama em perigo - na diligência ou caravana, cercada pelos índios que, claro, seriam mortos até o final da história!

Notas de rodapé:

35. Viu um deles umas contas de rosário, brancas; fez sinal que lhes dessem. Folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço, e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do Capitão, como se davam ouro por aquilo. Isto tomávamos nós nesse sentido, por assim o desejarmos! Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não queríamos nós entender, por que não lho havíamos de dar! E depois tomou as contas a quem lhes dera. CAMINHA, Pero Vaz. Carta ao Rei Don Manuel.

36. ORLANDI, E. Op. cit., p. 19-20. Grifos nossos.

37. Projeto realizado desde 2000, pelo Laboratório de Estudos da Imagem e do Olhar, apoiado pela UFF Pro-Reitorias de Pesquisa e de Extensão, CNPq e FAPERJ, em parceria com UERJ Pró-Indio, FUNALSMEAngra ParatyeSEE RJ.

Fim das notas de rodapé.

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A forma como nos aprendemos "brasileiros" implica em "práticas educativas" ou "práticas cognitivas", ou também denominadas de "práticas discursivas". Essas práticas realçam (ou "apagam"), valorizam (ou ignoram), lembram (ou omitem) os diferentes sujeitos sociais a partir da circulação de discursos. Paradoxalmente, os discursos objetos de memória na História do Brasil são vinculados ao Outro, ao europeu, isto é, àquele que não era o nativo. O índio, em que pese seu enraizamento, é visto como "estranho", deixando a centralidade da fala como brasileiro, vazia.

Desse lugar vazio fazemos falar as outras vozes que nos dão uma identidade. As vozes que nos definem. Europeu falando de índio produz brasilidade. Nós, falando do que os europeus dizem de suas descobertas, falamos o discurso de nossa origem.

Fazemos falar os outros. O brasileiro se cria pelo fato de fazer falarem os outros. E não é por assimilação mas, ao contrário, pela distância, pela instauração de um espaço de diferença, de separação, que construímos nosso lugar mais próprio. Nós não temos o lugar do centro preenchido, em um movimento de assimilações. Em nosso imaginário, não nos identificamos ao índio, mas também não reivindicamos o português como igual.

Somos uma mistura, já disseram muitos. Mas uma mistura indefinida. Uma mistura que se diz menos por colocar junto “coisas” diferentes e mais pelo fato de que há trânsito entre as diferenças. Trânsito, circulação entre os lugares. Movimento. Entre uns e outros. Diferenças que não remetem senão à diferença. Nada de cópia, ou de modelo. Delineamentos que se movem continuamente. Perfis moventes.38

"índio", como significante, nos últimos quinhentos anos, ajustou-se a animal que fala, pagão, negro da terra, curumirin, inimigo em guerras justas ou, como um objeto romanceado de desejo em Peri. Para as crianças, com a hegemonia das mídias televisiva e filmográfica, o índio no Brasil sai de cena, "desaparece" do universo imaginativo como "inimigo", substituído pelo nativo norte americano, figurante menor dos filmes de faroeste que infestaram a infância de todas as gerações urbanas a partir da Segunda metade do século XX.

Nota de rodapé:

38. ORLANDI, op. cit.,p. 18-19.

Fim da nota de rodapé.

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Orlandi defende o deslocamento do estatuto dos textos que historicamente foram categorizados como documentos, valorizando sua dimensão discursiva. Tais textos, enquanto lugar de significação engessada, devem ser também de confronto de significados pois o sentido da História não estaria nos documentos textuais mas em sua discursividade.

Para atingir a historicidade dos textos assim concebida, o procedimento será o de seguir a trama discursiva que tem estabelecido sentidos para o encontro do europeu com o índio, do europeu com o Brasil das descobertas.39

A história que aprendemos na escola e que se torna nosso dizível vocaliza o discurso europeu e torna-o nosso, enquanto silencia sobre o índio e transforma-o, num estranho, num Outro...

Como o silêncio divide, significativamente, o que se conta e o que não se conta, produzindo assim uma configuração para a brasilidade? Esta é, aliás, uma das formas eficazes da prática da violência simbólica, no confronto das relações de força, no jogo de poder que sustenta efeitos de sentido: o silenciamento que a acompanha.40

No percurso de desconstrução da ideologia materializada na iconografia eleita como "histórica", uma das ações é o recorte de corpus documental iconográfico, investigando a subjetividade que produz as imagens - "monumentos" camuflando o olhar centrado no colonizador ibérico que inferioriza o indígena, o africano, o asiático, o caiçara.41 Tomemos seis obras pictóricas de época:

1) quadro de 1505, "A adoração dos magos", do português Vasco Fernandes;

2) gravura de 1570, ilustrativa do livro de Hans Staden;

3) gravura "América, 1589", de Theodore Galle;

4) gravura do século XVIII, produzida por artista alemão sobre os índios no Brasil;

5) as aquarelas de Jean Baptiste Debret;

6) o quadro de Victor Meirelles, "A Primeira Missa no Brasil".

A imagem "A adoração dos magos", de 1505, é a mais antiga imagem feita pelos portugueses de um índio brasileiro. Pertencente ao Museu de Viseu, Portugal, na obra figura um índio descaracterizado, vestido, e inserido como um dos três magos, representantes de três raças do Oriente, que vão a Belém adorar a Jesus Cristo na manjedoura. A pintura reflete o esforço dos portugueses em aculturar o índio brasileiro.



Notas de rodapé:

39. Op. cit., p. 20 -

40. ORLANDI, E. Op. cit., p. 20.

41. A experimentação se realiza nos componentes curriculares Atividade "Fotografia: Educação e Práticas Educativas do Olhar" e na disciplina optativa Tópicos Especiais: Educação Indígena Guarani, ambas para o Curso de Pedagogia de Niterói.

Fim das notas de rodapé.

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Segundo a historiadora, Andréa Daher, na obra, vemos a tentativa de empurrar o índio para este corpo místico imperial que era Portugal. Está suposto que ele pode participar da Igreja. Mas isso não significa que seja de igual para igual e sim lá no pé da hierarquia religiosa".

Começava-se a definir que os índios, diferentemente dos negros, tinham alma, o que de acordo com Santo Agostinho só existia naqueles que possuíssem memória, entendimento e vontade. Comprados como escravos naÁfrica, os negros não poderiam manifestar, segundo os teólogos, nenhuma destas virtudes. O índio tinha todas elas e, sendo assim, era "convertível" àfé cristã.

Havia toda uma ordem teológica política em vigor. A evangelização era uma condição para o projeto colonial. É evidente que a primeira imagem seria bíblica.

Em 1565, Hans Staden, mercenário alemão, é feito prisioneiro pelos índios tupinambás no litoral norte de São Paulo. O cacique que o toma, Cunhanbebe, leva-o para Mambucaba (atualmente distrito do município de Angra dos Reis) mantendo-o na aldeia por quatro anos até ser libertado. Retornando para a Europa, Staden escreve um livro ilustrado cujas imagens causaram impacto no imaginário dos europeus ao reproduzir de forma livre os rituais de antropofagia então existentes na Baia da Ilha Grande. Em que pese a importância histórica das descrições de quem acompanhou rituais e costumes da etnia tupi, o ilustrador alemão seguiu livremente as indicações do autor, difundindo a perspectiva de bárbaros para os índios.

Em 1589, Theodore Galle e Jan Van der Straet realizam a obra "América", onde os signos icônicos expressam as representações que os europeus faziam de si, de sua importância frente ao Novo Mundo e do papel a ser desempenhado pela população indígena no continente. No primeiro plano da imagem figuram o homem europeu, com seu corpo vestido, disciplinado, portando o estandarte encimado pela Cruz de Cristo e dispondo dos instrumentos que o trouxeram à América: o astrolábio, a espada. Ao seu lado, uma índia nua, com corpo modelado nos padrões renascentistas jaz, malemolente, em uma rede. No plano de fundo, signos icônicos e simbólicos que remetem às duas sociedades, àluz do europeu. Junto ao europeu, uma caravela com velas estufadas, indiciando seu saber e poder. Ao fundo, à direita, nativos assam pedaços de corpos humanos, cercados pela mata selvagem. Uma comparação encontra-se implícita, permeada por valores.

Nota de rodapé:

42. Entrevista à Andréa Daher In: JORNAL DO BRASIL, artigo "Visão ideal do índio", de Cristian Klein. Caderno B, 2000.

Fim da nota de rodapé.

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Os artistas europeus realizavam representações ficcionais da cultura indígena, dialogando com os estilos pictóricos em uso pelas escolas artísticas. Essa condição pode ser encontrada na obra produzida ainda na Alemanha do século XVIII onde é possível observarmos uma "amazona" indígena com corpo e armas romanas, em corpo tipicamente renascentista, assentada em um tatu gigante, inexistente naquelas dimensões em todo o continente americano.

Em meados do século XIX, o pintor Victor Meirelles pinta para a Corte de Don Pedro II o quadro "A Primeira Missa no Brasil". A importância de sua obra não está apenas nas características acadêmicas da técnica pictórica naturalista, mas na preocupação em contar uma versão da história na qual a composição tem sua centralidade na figura dos colonizadores e em seus signos (a cruz, a espada, o corpo disciplinado), deixando os índios em seu abandono corporal e passividade, como moldura marginal à atividade do português. índios e florestas tornam-se signos subordinados como sentido à empresa que explora em benefício de uma lógica externa.

A invenção de um discurso imagético, fundado na pintura, na gravura e nas aquarelas pode ser completada pela obra de Jean Baptiste Debret, membro da missão artística francesa que chegou à colônia em 1816a pedido de D.João. Debret organizou os estudos acadêmicos de pintura pautado no naturalismo, rompendo com o Barroco. Disciplinou a forma de recriar na pintura a realidade visível, educando o olhar para o que ver, como ver, por que ver. Sua obra "Viagem Histórica e Pitoresca ao Brasil" foi publicada em três volumes sendo o primeiro, apenas dedicado aos indígenas, vistos em costumes tribais e em perseguições e guerras justas, promovidas pelos portugueses e bandeirantes.

Nesse contexto, a descoberto do Brasil é uma invenção discursiva que, como prática, internaliza-se entre os escolares. Pesquisar e problematizar o que parece natural pode ajudar ao professor perceber um "trançado" cultural diferente, de natureza contraditória, feito de silenciamentos e resistências. Cabe a nós, perceber que a noção de "história", que funda nossa identidade nacional está vinculada à discursos ideológicos que falam em nós, selecionando as imagens que significamos em nossa memória.

Na formação dos pedagogos, propomos o estudo dos discursos que fundam (ou inventam) a nacionalidade, identificando os diferentes lugares sociais de onde se originam e as linguagens que lhes servem de suporte (oral, escrita, pintura, fotográfica). Caso aceitemos a hipótese da ideologia contaminar o processo de construção da nação, é possível observar que o discurso da nacionalidade fundada na "harmonia entre as três raças"

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convive com discursos de resistência que firmam outros olhares, indiciando o silenciamento, a luta, as desigualdades.

Na (re) invenção do olhar indígena, um percurso que temos explorado é o mapeamento de redes de significação em torno de diferentes temas vinculados à etnia guarani mby'á. Nosso interesse é a produção coletiva de livros paradidáticos para as escolas diferenciadas das aldeias da Baia da Ilha Grande (Paratymirin, Araponga, Bracuhy), nas quais realizamos assessoria na formação dos professores indígenas, preocupados em transformar o índio, de objeto da imagem, em sujeito do olhar.


2. A escola do juruá só é pertinente caso se construa em deslocamento gnoseológico
A escola guarani como experiência gerida pela própria comunidade mbyá é recente, não possui mais de dez anos, a partir da Constituição de 1988 e da nova LDB que, por sua vez, consagrou um capítulo para a escola diferenciada indígena e afro-brasileira. Por outro lado, os guarani tiveram suas formas de vida tradicionais modificadas: atividades econômicas, moradia, vida social e política. Muitos jovens professores são bilíngües e desconhecem parcialmente o universo mítico que os velhos ainda preservam. Como observa Clastres, o discurso religioso foi também parcialmente transformado e não pode ter a mesma relação e função com o conjunto do sistema social de outrora.

Os guarani mbyá consideram que a formação dos seus educadores deve atentar às práticas educativas não escolares vinculadas à sua cultura tradicional. Parte-se de dois pressupostos: 1) a elaboração de propostas curriculares fundadas em um campo discursivo guarani autônomo, distante da tradição de catequese e aculturação missionária; 2) na incorporação das práticas cognitivas vinculadas à gnose guarani, considerando a singularidade de sua epistéme, materializada em linguagens verbal e não verbais. Essa perspectiva, de caráter metodológico mais geral, se impõe à construção social da escola diferenciada.

No movimento de reinvenção do Brasil e da escola onde a gnose (conhecimento) indígena seja preponderante, os professores mby'á-guarani defendem que a proposta político-pedagógica incorpore a produção do conhecimento, o "professor pesquisador", o currículo inacabado. Exemplo dos desafios é o impacto sobre as estruturas cognitivas dos guarani da inserção da escrita, resultante da codificação da língua, potencializando-se, via escola, práticas até então desconhecidas ao universo cultural guarani: a alfabetização na língua materna, o surgimento do suporte livro, a constituição de um tempo

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novo marcado pela leitura e o surgimento de uma desconhecida figura social: o autor-narrador-escritor.

Como tornar a escola, de tradição eurocêntrica, marcada pela escrita e pela negação do corpo, do prazer, cindida da comunidade, orgânica às práticas simbólicas indígenas? Como incorporar o sagrado guarani à escola sem desacralizá-lo? Como incorporar a memória oral sem engessá-la na escrita? Acreditamos que o caminho metodológico está na pesquisa das práticas discursivas guarani. Propomos então um "deslocamento gnoseológico", levando o pedagogo em assessoria a investigar a gnose guarani, a lógica de sua cognição, reconhecendo seus modos de ver, modos de saber, a partir das práticas pedagógicas inscritas em discursos orais.

A tradição oralizada guarani é fundada na memória, no universo do sagrado e nas divinas palavras. Sua discursividade remete a uma verdade mítica que apenas os xamãs (pajés) sabem dizer pois é a linguagem comum aos deuses: as divinas palavras. Os mbyá designam o conjunto de suas tradições sagradas áeAyvu porã - as "divinas palavras" - marcada por um vocabulário particular que traduz noções abstratas (saber-poder-criador, plenitude, força espiritual, etc) e que não são jamais utilizadas na linguagem corrente. Seu uso e significado são apenas religioso, usando sempre metáforas. Ne'ê, palavra, voz, eloqüência, significa igualmente alma: ao mesmo tempo aquilo que anima e que no homem é divino e imorredouro. Assim, os espíritos invocados pelo xamã quando ele tenta ressuscitar um moribundo são chamados de eepya (aqueles que restituem a palavra).

Para o guarani, a morte é a perda da palavra. Um costume dos antigos tupi, considerava um doente como morto e pronto para ser enterrado quando ele não podia mais falar. Pensar a palavra guarani é considerar sua oralidade como discurso e percurso. A presença de lasca de taquara sob o lábio do jovem ou o uso do cachimbo remetem à importância da palavra "aquecida" pelos raios do sol - símbolo da presença do Deus maior, Nhanderu. A oralidade, portanto, é princípio educativo necessário à escola diferenciada, na expectativa da atualização pelos professores guarani de sua identidade cultural e étnica.

No recorte de materiais paradidáticos de natureza verbal, não-verbal e verbo-visuais dirigidos ao tratamento das práticas educativas em perspectiva histórica, defendemos a palavra - enquanto oralidade em discurso, garantindo a transmissão de uma herança mediada pelos velhos e tradicionais narradores sobre o universo mítico mbyá. Para tanto, temos buscado:

1) valorizar os narradores tradicionais, como o cacique, o pajé, as mães, deslocando a escola para os tempos e os espaços onde sua fala se constrói como sentido;

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2) sugerir que os velhos e mulheres sejam ouvidos. Quando ocorrer riscos de adulteração de sua fala pelo deslocamento do lugar próprio onde ela se produz como sentido, fazer a escola deslocar-se, dissociando-se do simples prédio e sala de aula.



Propomos um ensino fundado na oralidade, no trabalho, com o espaço escolar "móvel", isto é, em deslocamento até os lugares-memória onde a fala dos homens-memória significa aos ouvintes-alunos. O tempo, por sua vez, é fundado numa pluralidade de tempos significativos para diferentes sujeitos na aldeia. A oralidade encontra-se associada à observação do mundo, observação que educa o olhar e forma imagens. Imagens presentes em signos figurativos icônicos e signos orais (a palavra), desenhando linguagens e uma gnose de grande complexidade e riqueza.

Que imagens os índios produzem? ApesquisaUFF Leio buscou apreendê-las na cotidianidade da aldeia de Paratymirin, no âmbito, por exemplo, do tempo das ervas medicinais, do céu guarani e das figuras presentes no artesanato. Para apreendê-las, buscou os "homens memória", isto é, os sujeitos que detém uma discursividade que organiza os saberes e o discurso guarani. Neste caso encontram-se o pajé e as mulheres mais velhas, mães de muitas crianças, pois são eles que os demais ouvem aprendendo a relação das palavras com as coisas e como as palavras articulam-se, isto é, a ordem dos discursos. Este movimento levou-nos à possibilidade de produção de livros paradidáticos em guarani para suas escolas diferenciadas.




  1. Produção do livro paradidático guarani mby'á em 2002

As novidades livro, escrita e escola podem gerar uma tensão insuportável, materializada numa resistência silenciosa ou numa desarticulação das bases tradicionais de transmissão da herança e patrimônio cultural guarani mbyá, fundada na narração oralizada e na figura dos antigos, dos velhos, do cacique e do pajé. Nossa postura contudo, não discorda da imperativa difusão da língua guarani codificada, nem dos necessários modos e usos a serem realizados pela circulação dos suportes que dão materialidade à escrita. A apropriação da escrita pode ser uma das garantias de permanência da cultura ancestral mbyá-guarani. O desafio é como incorporar essa nova mediação na continuidade das relações tradicionais, fundadas na oralidade.

A questão foi enfrentada pela UFF Laboratório de Estudos da Imagem Olhar na formação de professores guarani mby'á a partir de 2002 em curso de extensão que contou com vinte e cinco professores guarani mby'á das escolas diferenciadas das aldeias de Sapukai, de Itatim e de Araponga, localizadas nos distritos de Bracuhy (município de Angra dos Reis), Paraty-mirin

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(município de Paraty)43, Campinho (município de Paraty). A estratégia adotada foi elaborar a obra paradidática em processo de pesquisa sobre a memória guarani. Memória que leva à tempos, tempos que levam às coisas, coisas que levam à palavra e, esta, à campos discursivos. O resultado do trabalho foi a produção de um pequeno livro com aproximadamente sessenta pranchas sobre memória e temporalidade guarani, proposto para edição e distribuição junto às escolas diferenciadas das três aldeias em 2003. Apartir de 2004 o livro serve de base para o ensino da cultura guarani em três escolas municipais de brancos, próximo às aldeias, em cursos onde o professor é guarani, em projeto supervisionado pela UERJ Pró índio e UFF Leio.

O livro foi construído coletivamente, objetivando assegurar a existência de material de apoio paradidático, na língua materna. Produzido pelos próprios professores pesquisadores, a partir de sua vivência e tradição, o livro considera a importância da escrita guarani e sua subordinação à oralidade e à figura do narrador. Nesse sentido, a obra detém um grande número de desenhos, de fotografias e de palavras pesquisadas, articuladas em breves textos, propositadamente curtos para estimularem a oralidade. Considerando a importância da oralidade na sua cultura, os professores decidiram a constituição de uma forma que integrasse a escrita ao desenho e à fotografia, permitindo que cada "tempo" fosse abordado de diferentes ângulos pelo professor, em diferentes séries. O livro não foi construído para substituir a oralidade tradicional mas para estimulá-la.

Na elaboração dos tempos temáticos partiu-se do concreto para o abstrato, envolvendo uma pluralidade que é cotidiana, envolvendo diferentes costumes, trabalhos, fazeres e saberes (tempo da mandioca, da criança, da caça etc). Assim, para cada "tempo" ser construído, foram necessárias cinco ações:


  1. um desenho (feito por um ou um grupo de índios); 2)

  2. uma fotografia (feita por um grupo de índios);

3) uma relação de palavras que sustentam aquela temporalidade como sentido;

4) um breve texto reunindo as palavras, voltado ao tema;

5) um exercício de oralização, realizado no curso, envolvendo cada "tempo" em sua projeção para as diferentes séries do ensino fundamental, apresentada por professores das aldeias e, a seguir, comentadas por todos os professores presentes no curso.

Como procedimento para a pesquisa sobre cada "tempo temático" dois professores guarani apresentavam-se para o levantamento - um deles sempre mais experiente e mais velho - junto aos mais antigos de sua aldeia.



Nota de rodapé:

43.O curso de extensão realizou-se entre os meses de maio e novembro de 2002 mediante encontros quinzenais, aos sábados, na aldeia de Itatim, no distrito de Paratymirin, município de Paraty. com carga horária de 60 horas, com a disciplina de "História", na perspectiva "Memória e Tempo Guarani".

Fim da nota de rodapé.

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Realizada a pesquisa, com fotografia, desenhos e elaboração de texto, o resultado era exposto aos demais professores que averiguavam a correção do texto, sua pertinência à tradição e possibilidades de tratamento didático em aula. O livro reconhece a epistéme guarani como conteúdo curricular e a condição do índio como sujeito epistêmico, articulando educação, cultura e trabalho.44

No tratamento por exemplo do "tempo das árvores", os professores guarani localizaram inúmeras espécies fornecedoras de medicação nas doenças guarani: "tajy.xi"; "jajy.pytã"; "Ivaro". A "pipi"é erva descongestionante utilizada para a gripe. "Mamagacá"é utilizada para a feitura de chá. "luiraró", é utilizada nas cólicas. "Iuiraroguaá", serve para simpatias. Por sua importância as imagens das árvores, dos arbustos cujas folhas produzem os medicamentos são incorporados à sala de aula, mediante sua ilustração nas paredes, em pinturas acompanhadas de breves textos.

O tempo da cestaria

"ajacaja") é um campo discursivo de grande importância no cotidiano do guarani. Ele envolve totalmente as mulheres ("cunhangue”) em atividades cotidianas do mundo do trabalho - ("ajapó" cesto); ("kaiguá" copo de chimarrão) - até cestos produzidos para a casa de reza ("opy"), dirigida aos deus ("Nhanderu"). A cestaria guarani mby'á embora aparentemente instrumental, dispõe de um conhecimento técnico, matemático, em seu trançado geométrico, é simbólico, sacro, com seu universo de representações (de cobras como a "boi para" e nhacaninana - jararaca e de pópó borboleta).45

O céu guarani é dividido em duas esferas, a dos planetas e a dos deuses. A dos planetas refere-se àVia Láctea, por eles denominada como "Caminho da Anta" ("Tapi rape”). A anta é o animal mais cobiçada pela caça guarani e aquele que faz as trilhas mais longas. Os guarani fazem representações de um zodíaco próprio, envolvendo constelações que são signos icônicos de animais cobiçados - (guyra nhandu emá); (mondepi mto);(ebcu abelha) ou temidos - (jacaréjacaré); (kaguaretamanduá) - ou simples constelações (kurwcucruzeiro) e astros (sol koaray); (lua - jacirá); ijacy tata estrela cadente). É na outra esfera do céu, em um acima indeterminado que se encontra a casa dos deuses, onde impera Nhanderu.

Notas de rodapé:

44. O livro "Memória e Temporalidade Guarani” foi pensado para utilização em diferentes séries da escola diferenciada, alterando-se apenas o tratamento dado pelo professor em sua narração, a partir das imagens e palavras presentes à obra. A proposta de produção de novos livros, para 2004, dentro do projeto UFF Leio, dirige-se ao aprofundamento das temáticas, substituindo e ampliando o conteúdo e produzindo textos escritos que auxiliem às escolas diferenciadas das aldeias a manter sua cultura e patrimônio.

45. Foram feitas três instâncias de revisão: por professores guarani com reconhecidamente mais domínio - professores Argemiro e Sérgio - e pelos lingüistas Luís Carlos Borges e Ruth Montsserrat.

Fim das notas de rodapé.

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É para essa esfera que o pajé se remete em janeiro de cada ano, buscando o nome dos deuses que serão dados às crianças guarani que nascem. A palavra e a coisa. A palavra como signo da coisa. A palavra simbolizando a coisa a palavra como símbolo. A palavra como signo simbólico e o discurso, como organizador do sentido.




  1. Conclusões

Cabe à escola diferenciada adequar-se ao universo guarani, vinculando-se à sua temporalidade, ao sentido de seu conhecimento (gnose), ao patrimônio de saberes (epistéme) e aos processos de aprendizado e produção cognitivos que se realizam a partir da tradição oralizada. Construir políticas públicas mais democráticas implica não apenas em favorecer a construção da escola diferenciada indígena mas também, refundar a formação de educadores não índios.

Importa envolver as licenciaturas universitárias, os cursos de Pedagogia e capacitação docente no Ensino Fundamental e no Médio, em reflexão intensiva sobre os processos de silenciamento discursivo. Somente assim é possível constituir profissionais de ensino mais comprometidos com o necessário diálogo entre grupos étnicos diferenciados, no contexto de uma sociedade nacional plural e intercultural. importa construirmos competências inovadoras, as quais somente emergirão com profissionais de novo tipo. Para tanto, importa ampliar os objetos da História da Educação, incorporando o tratamento das práticas educativas indígenas, resgatando a gnose que se expressa nas imagens, na oralidade.

A forma como a sociedade brasileira apreende o sentido da nacionalidade deriva de práticas educativas que enredam diferentes sujeitos enunciadores. Essas práticas "apagam" os discursos indígenas, silenciando seus autores. Esse processo, que incapacita um sujeito cultural (o índio) e umlugar de sentido (sua concepção de mundo e identidade), subtrai significado ao sentido de nação enquanto unidade na diversidade. Entendemos que a escola tenha um papel importante no jogo dessas contradições, afirmando sua postura dialogal, favorecendo um descentramento do olhar (seu centro não estaria na cultura branca e, a do índio não seria marginal). Entendemos que é nos desafios enfrentados pelas escolas diferenciadas indígenas e pelo grau de compromisso com a interculturalidade que podemos ter esperanças de ressignificar em nós a dimensão do ser índio, atualizando palavra outra, antes tão longínqua quanto o tapirapé. cidadania.

Parafraseando Caetano Veloso, quem sabe assim, "preservado em pleno corpo físico", em "átomos, palavras, alma, cor, em gesto", o índio "dirá, fará",

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"e aquilo que nesse momento se revelará aos povos" não surpreenderá, por não ser "exótico". Como horizonte e utopia o índio, dono de seu próprio sentido e voz, nos auxiliará na produção de uma sociedade mais democrática, assumidamente plural e, no diálogo intercultural que se produza, como unidade na diversidade do nacional.
Bibliografia
BARROS, Armando Martins de." Políticas Públicas e Ações Não Governamentais para a Educação Patrimonial na Baia da Ilha Grande: Caminhos, Histórias e Memórias". In: Revista do Curso de Pedagogia de Angra dos Reis. Niterói, Angra dos Reis, Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação, Curso de Pedagogia de Angra dos Reis. Ano I, n.2, 2001.

—. "Educação, Interculturalidade e Democracia: aEscola diferenciada indígena e a formação dos professores mbyá-guarani no estado do Rio de Janeiro". In: Revista Teias, Faculdade de Educação Uerj. Rio de Janeiro, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, segundo semestre, 2001.

—. (org.) Memória e Temporalidade Guarani. Livro paradidático para as escolas das aldeias de Paratymirin, Araponga, Bracuhy. Niterói, UFF, Departamento de Fundamentos Pedagógicos Laboratório de Estudos da Imagem e do Olhar. Angra dos Reis, Secretaria Municipal de Educação, 2003.

—. (org.) "A invenção do Brasil". In: Breves Notas para o ensino da História da Educação. Rio de Janeiro: Editora E-Papers. 2003.

BORGES, Luís Carlos, Constituição de Línguas Gerais no Brasil. In: ORLANDI, Eni (org) História das idéias lingüísticas: construção do saber metalingüístico e constituição da língua nacional. Campinas, SP: Pontes, Cáceres, MT: Unemat Editora, 2001.

CANANO, Pablo Carvalho. "Leitores de Jean Baptiste Debret: a missão do artista de disciplinar a cultura". In: IIJornada de Trabalho do Laboratório de Análise do Processo Civilizatório. Campos dos Goytacazes, Universidade Estadual do Norte Fluminense, Centro de Ciências Humanas. 1997 (51-56)

DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Histórica e Pitoresca ao Brasil. Belo Horizonte, Editora Itatiaia Limit. São Paulo, Ed.Universidade de São Paulo, 1989.

FREIRE, Ribamar Bessa. MALHEIROS, Márcia. Aldeamentos Indígenas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Programa de Estudos dos Povos Indígenas, Departamento de Extensão SR-3, UERJ, 1997.

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—. Os viajantes e os índios do norte fluminense no século XIX. In: IIJornada de Trabalho do Laboratório de Análise do Processo Civilizatório. Campos dos Goytacazes, Universidade Estadual do Norte Fluminense, Centro de Ciências Humanas. 1997 (43-46)



MAINGUENEAU, Dominique. Os Termos-chave da Análise do Discurso. Lisboa, Ed. Gradiva, 1997.

GOMES, Mércio Pereira. OLIVEIRA, Nanei Vieira. Os Guarani do Litoral Sul Fluminense diante da Usina Nuclear de Angra dos Reis. Rio de Janeiro, Niterói, texto digitado

ORLANDI, Eni Pulcinelli. Terra à vista; discurso do confronto: velho e novo mundo. São Paulo, Cortez, Campinas, São Paulo, Ed. Universidade de Campinas, 1990.

—. "Vão surgindo os sentidos". In: Discurso fundador. Campinas, São Paulo, Pontes, 1993. (11-26)

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Iconografia Referente ao Capítulo
Primeira Missa - Vitor Meirelles

Obra a óleo - Século XVIII

"América" - Século XVI

Debret- Século XIX

Cestaria Guarani

Hans Staden

A adoração dos magos, de 1505 - Vasco Fernandes

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Prancha 48 - Tempo NHOMBOY (professor)

KYRINGUE BACANA OPA BAO RECARE IJAYVAE AE OMBODORAVA EAE OEXAUKAVAENHANDEMAMAI N1JERYARANDU REMOREIJAYU AGUE KYRINGUEPEMBOAXAVA E OAJY

KYRINGUE MBOEAMA OFA, OMBO E NHANDEAYVY JURUAPY YMAKUAREREKORE

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Atividades Complementares
Texto de Livro Paradidático Guarani Mby'á

(Não aparece, na obra, qualquer menção acerca do que sugere tal atividade, vindo, logo a seguir, o que apresenta-se abaixo.)
Leitura- Veríssimo: "Mágica" Jornal do Brasil,Revista de Domingo

A antropóloga Maria do Rosário estava na excursão que descobriu a tribo dos Manabaes na Amazônia. Escolheu um índio jovem e forte chamado Mau-tá e concentrou sua pesquisa nele, gravando com uma minicâmera de vídeo todas as suas atividades. Mau-tá caçando, pescando, dançando, comendo, tomando banho etc. Durante quase um mês Maria do Rosário e Mau-tá conviveram diariamente e quando a antropóloga foi embora Mau-tá sentiu um vazio por dentro. Mais tarde, em contato com índios menos primitivos do que os manababes, Mau-tá descobriu que, com sua câmera, Maria do Rosário roubara a sua alma. Compreendeu então porque se sentia tão vazio. Sua alma tinha sido levada pela minicâmera de Maria do Rosário.

Mau-tá decidiu seguir Maria do Rosário para recuperar sua alma e tanto fez que chegou à universidade no Sul onde Maria do Rosário preparava sua tese sobre os manabaes. A antropóloga aproveitou para apresentar Mau-tá a seus colegas, convidou-o para palestras e só não conseguiu levá-lo a um programa de televisão local porque, quando viu o tamanho das câmeras no estúdio, Mau-tá assustou-se, imaginando que, se a minicâmera de Maria do Rosário roubara sua alma, aquelas câmeras grandes certamente pegariam o resto. Maria do rosário não conseguiu convencer Mau-tá a ficar mais um pouco com ela, como espécime e amigo. Ele precisa retornar à sua tribo. Maria do Rosário entregou-lhe as fitas e beijou-o na face, na despedida.

Semanas depois, Mau-tá estava de volta. O vazio que sentia por dentro não diminuíra. Aumentara. Maria do Rosário então contou que escaneara as imagens de Mau-tá, que a alma do índio estava no seu computador, junto com as outras imagens gravadas na Amazônia. Mas ele não precisava se preocupar. Recuperaria sua alma. Quando retornou à sua tribo, depois de passar alguns dias agradáveis na companhia de Maria do Rosário, que inclusive o apresentou a seus pais, Mau-tá levava sua alma num disquete. Na despedida, Maria do Rosário o beijou duas vezes, nas faces.

Mas Mau-tá continuou sentindo um vazio onde devia estar a sua alma. Não resistiu e voltou a procurar Maria do Rosário, que bateu com a mão na

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testa e disse que sabia o que tinha acontecido. Colocara as imagens escaneadas do índio no site da universidade, na internet, para compartilhar sua pesquisa com outros interessados em antropologia em todo o mundo.

A alma de Mautá andava pelo espaço, multiplicava-se cada vez que suas imagens eram acessadas, e Maria do Rosário não podia garantir que a alma do índio não tinha sido dowloaded por alguém, do outro lado do mundo. A alma de Mautá podia estar, naquele momento, repartida em várias memórias, podia ter sido copiada em mais de uma impressora anônima, ele precisava entender que Maria do Rosário não fizera aquilo por mal. Não era mágica, era ciência. Mau-tá não entendia bem nem o que era o outro lado do mundo, só sabia que nunca mais teria sua alma de volta. Maria do Rosário tentou consolá-lo. Abraçou-o, cobriu seu rosto de beijos e o puxou para cima dela ali mesmo, no sofá do departamento de Ciências Sociais.

Algumas semanas depois, Maria do Rosário reapareceu na aldeia dos manabaes à procura de Mau-tá. Desde que tinham se separado pela última vez, ela sentia um vazio por dentro que não conseguia explicar, a ciência não explicava, só podia ser uma forma de feitiçaria. Maria do Rosário queria saber o que Mau-tá tinha feito com a sua alma.

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