Silvia Maria de Araújo · Maria Aparecida Bridi · Benilde Lenzi Motim



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babalaô: no candomblé, é a denominação dada ao sacerdote do orixá Ifá, responsável pelas adivinhações no jogo. No Brasil, é muitas vezes também babalorixá ou pai de santo, o líder espiritual de um terreiro.

Fim do glossário.



203

De um lado, a religião é um fenômeno muitas vezes vivido sem questionamentos, de forma aparentemente espontânea, pelos indivíduos e grupos sociais em seu cotidiano; de outro lado, a religião é passível de explicação científica como um fato presente em muitas sociedades; nesse caso, é um fenômeno social. O trabalho da Sociologia é "desnaturalizar" os fenômenos sociais, problematizando-os e mostrando sua origem, seus elementos constitutivos e suas relações com outros fenômenos. Émile Durkheim (1858-1917) diria que a religião é um fato social por ser observável e assimilado pelos indivíduos e grupos, existindo na extensão de uma determinada sociedade.

FONTE: Filipe Rocha/Arquivo da editora

Pausa para refletir

No Brasil, episódios vistos como resultantes do fenômeno de intolerância religiosa têm chamado a atenção de parte da sociedade e foram amplamente divulgados em diversas mídias. Veja um caso a seguir:



Menina vítima de intolerância religiosa diz que vai ser difícil esquecer pedrada

Criança é do candomblé e foi agredida na saída do culto. Avó iniciou campanha na internet e recebeu apoio de amigos.

A marca da violência está na cabeça da menina de 11 anos que foi agredida no subúrbio do Rio por intolerância religiosa, mas esta não é a maior cicatriz. "Achei que ia morrer. Eu sei que vai ser difícil. Toda vez que eu fecho o olho eu vejo tudo de novo. Isso vai ser difícil de tirar da memória", afirmou Kailane Campos, que é candomblecista e foi apedrejada na saída de um culto. Ela deu a declaração em entrevista ao RJTV desta terça-feira (16).

A garota foi agredida no último domingo (14) e, segundo a avó, que é mãe de santo, todos estavam vestidos de branco, porque tinham acabado de sair do culto. Eles caminhavam para casa, na Vila da Penha, quando dois homens começaram a insultar o grupo. Um deles jogou uma pedra, que bateu num poste e depois atingiu a menina.

"O que chamou a atenção foi que eles começaram a levantar a Bíblia e a chamar todo mundo de 'diabo', 'vai para o inferno', 'Jesus está voltando'", afirmou a avó da menina, Káthia Marinho.

Na delegacia, o caso foi registrado como preconceito de raça, cor, etnia ou religião e também como lesão corporal, provocada por pedrada. Os agressores fugiram num ônibus que passava pela Avenida Meriti, no mesmo bairro. A polícia, agora, busca imagens das câmeras de segurança do veículo para tentar identificar os dois homens.

A avó da criança lançou uma campanha na internet e tirou fotos segurando um cartaz com as frases: "Eu visto branco, branco da paz. Sou do candomblé, e você?". A campanha recebeu o apoio de amigos e pessoas que defendem a liberdade religiosa. Uma delas escreveu: "Mãe Kátia, estamos juntos nessa".

Iniciada no candomblé há mais de 30 anos, a avó da garota diz que nunca havia passado por uma situação como essa.

G1, 16 jun. 2015. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/06/menina-vitima-de-intolerancia-religiosa-diz-que-vai-ser-dificil-esquecer-pedrada.html. Acesso em: 26 jun. 2015.

· Discuta com a turma sobre esse episódio e em seguida responda às questões:

1. Em que consiste um fenômeno de intolerância religiosa?

2. Como esse fato narrado na notícia acima fere a Constituição Federal da República Federativa do Brasil e a Declaração Universal dos Direitos Humanos?

3. Em sua opinião, por que isso ocorre no Brasil?

204

O fenômeno religioso

A religião é uma das dimensões da cultura e serve ao indivíduo e à coletividade como fonte de concepções sobre o mundo. Estão em sua base a vontade de crer das pessoas e a construção de uma manifestação coletiva com base nessa crença. Segundo o antropólogo norte-americano Clifford Geertz (1926- -2006), a religião é um sistema de símbolos que provocam motivações fortes e duradouras nos indivíduos. Esse sistema pode ser estudado pelos cientistas sociais, que, pesquisando o significado de atos, rituais e valores religiosos, podem então buscar compreender o papel da religião na vida das pessoas.

A religião é também uma instituição social: existe ao longo da história e nas mais diversas sociedades, e exerce um padrão de controle social e uma programação da conduta individual. Dessa forma, ela apresenta características próprias das instituições sociais: é coercitiva, é exterior aos indivíduos, possui objetividade e historicidade.

A dimensão ética da religião é também objeto de estudo das Ciências Sociais, por suas consequências no comportamento das pessoas. Como demonstrou o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), a conduta das pessoas tende a se orientar por pontos em comum entre seus ideais religiosos e as atividades práticas que exercem, como aquelas tomadas na esfera econômica - é o que ele chama de afinidades eletivas. Ou seja, as diferentes religiões também favorecem diferentes comportamentos individuais e desenvolvimentos sociais.

A religião é um dos principais objetos de estudo das Ciências Sociais. É um fenômeno social, ainda que trate da ligação do indivíduo com o sagrado.

Autores da Sociologia e da Antropologia atribuíram diferentes razões para a formação das religiões: a vontade humana de explicar questões como a origem do Universo, o mistério da vida e da morte; a relação entre indivíduo e natureza; a possibilidade de transcendência; a constituição da matéria e do espírito; as dimensões do natural e do sobrenatural.

De acordo com o sociólogo francês Jean Baechler (1937-), o fenômeno religioso incentiva o indivíduo a procurar superar sua condição humana a fim de se abrir a algo que o supera e, ao mesmo tempo, o engloba. Esse "algo" pode ser imanente, ou seja, pode se manifestar concretamente, à vista de todos; ou então transcendente, ou seja, pode ocorrer em um plano que não é o concreto. Ao mesmo tempo, os seres humanos produzem ritos, crenças, costumes, regras de conduta orientados pela religião - as chamadas produções sociais da religião. É por meio delas que muitos indivíduos procuram a harmonia de sua existência.

Ainda segundo Baechler, o fenômeno religioso implica a ação de atores sociais, como os produtores, os gestores e os fiéis. Os responsáveis pela produção do conjunto de crenças religiosas são personagens místicos, como Jesus Cristo, Maomé, Buda, os primeiros antepassados, para citar exemplos do cristianismo, do islamismo, do budismo e de muitas religiões indígenas. Já os gestores (lideranças e dirigentes religiosos) organizam, por meio das práticas religiosas, a difusão da fé entre aqueles que buscam contato com a esfera divina. Os sociólogos Peter Berger (1929-) e Thomas Luckmann (1927-2016) definem o processo de institucionalização social como a repetição de uma ação definindo um padrão



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LEGENDA: Representação do profeta Maomé, fundador do islamismo, em ilustração turca do século XVI.

FONTE: Bildarchiv Steffens/The Bridgeman Art Library/Keystone Brasil

LEGENDA: Detalhe de Cristo na cruz (c. 1632), do pintor espanhol Diego Velázquez.

FONTE: Museu do Prado, Madri, Espanha.

LEGENDA: Escultura representando o orixá Xangô, de Miguel Morais. Foto de 2013.

FONTE: Julian Kumar/Godong/Corbis/Latinstock

LEGENDA: Escultura paquistanesa representando Buda, do século IV.

FONTE: Museu de Lahore, Punjab, Índia//The Bridgeman Art Library/Kesytone Brasil

de conduta social aceito e legitimado coletivamente por determinado grupo. Nesse processo, os gestores lançam mão de práticas como crenças, gestos, formação de comunidades e regras de conduta.

Uma crença pode se cristalizar em mitos, dogmas ou construções teológicas. Frutos da imaginação e da criatividade humanas, os mitos estão presentes em todas as culturas e representam simbolicamente fenômenos humanos ou da natureza, como o mito da criação do mundo. Para muitos sociólogos e para a antropologia funcionalista, os mitos são alegorias que não só explicam problemas existenciais e sociais, mas também possuem uma função na organização da vida da comunidade.

Em uma religião, as crenças que assumem o caráter de verdades doutrinárias a serem aceitas sem discussão - por serem consideradas de origem divina - constituem dogmas. Já as construções teológicas são regras, procedimentos e interpretações elaboradas, no decorrer do tempo, por aqueles indivíduos reconhecidos como intermediários entre a divindade e o mundo profano. As bases de uma crença mobilizam as emoções e a sensibilidade dos fiéis, traduzindo-se em práticas religiosas, tais como celebrações, danças, transes, sacrifícios, ritos, orações, gestos sistematizados. As práticas religiosas, geralmente, são dirigidas a uma comunidade congregada por cerimônias, que marcam o tempo e o espaço com simbolismo próprio.



As religiões [...] propõem regras de vida sob a forma de obrigações e de proibições. [...] Algumas são pontuais ou referem-se às consequências diretas de uma determinada prescrição religiosa relativa a um determinado aspecto de uma dada sociedade. Se, por exemplo, o judaísmo e o islã proíbem o consumo de carne de porco, daí resulta que o porco está ausente das comunidades judaicas e muçulmanas. A partir do momento que o vinho é indispensável à celebração da missa, em virtude de um dogma central do cristianismo, a vinha é cultivada nos países cristãos. [...] podemos demonstrar, com base em documentos, que não há um único domínio da vida social que não tenha sido afetado, mais ou menos decisivamente, pela religião.

BAECHLER, Jean. Religião. In: BOUDON, Raymond (Org.). Tratado de Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. p. 465.

O fenômeno religioso tem, portanto, muitas facetas, e é heterogêneo por se basear em diversas fontes e interesses relacionados à condição humana. As diferentes interpretações sobre as religiões destacam sua função moral e de consolidação de costumes e o caráter ideológico de suas ações, que procuram justificar uma ordem social como se ela fosse natural.

206

Mesmo para os ateístas, ou seja, aqueles que não acreditam na existência de divindades, a religião é fonte de inspiração e de questionamentos. O filósofo suíço Alain de Botton (1969-) afirma que:

[...] É possível não sentir atração pela doutrina da Santíssima Trindade cristã [...] e, ainda assim, interessar-se pelas maneiras como as religiões fazem sermões, promovem a moralidade, engendram um espírito de comunidade, utilizam a arte e a arquitetura, inspiram viagens, exercitam as mentes e estimulam a gratidão pela beleza da primavera. [...]

BOTTON, Alain de. Religião para ateus. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012.

FONTE: Elaborado com base em: CALDINI, Vera; ÍSOLA, Leda. Atlas geográfico Saraiva. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 180; LE ROBERT. Atlas Géopolitique et Culturel. Paris: Le Robert, 2003. p. 80; DE AGOSTINI. Atlante geografico metodico. Novara: De Agostini, 2011. p. E36. Créditos: Banco de imagens/Arquivo da editora

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A religião na visão da Sociologia clássica

Um dos desafios das Ciências Sociais ao tratar do fenômeno religioso é que ele abarca dois universos: o espaço privado, relativo à intimidade, e o espaço público, que lhe dá o caráter social. Os autores clássicos da Sociologia voltaram seu olhar para a religião como um fenômeno social e procuraram interpretá-lo, sobretudo por sua capacidade de garantir a coesão social e por produzir nos indivíduos a crença em algo que os ultrapassa.

Auguste Comte

A obra do francês Auguste Comte (1798-1857) identifica o fenômeno religioso como um estágio relativamente "primitivo" da evolução social e cultural da humanidade, que ele chama de "estado teológico". Nessa fase, o ser humano tenderia a passar, gradativamente, da crença em muitos deuses (politeísmo) para a crença em um deus único (monoteísmo). Para elaborar tal teoria de caráter evolutivo, Comte procurou demonstrar que a História é o desenvolvimento evolutivo-temporal do espírito humano, entendendo que, após uma segunda fase, classificada por ele como metafísica, haveria um terceiro estágio "mais aprimorado" da humanidade, fundado na razão e na ciência. Veja abaixo um esquema analítico.



"Lei dos três estados ou estágios", de Auguste Comte

Estágios

Características

Teológico

O ser humano acredita em muitos deuses e evolui para a crença em um só deus (fase religiosa).

Metafísico

Indagações ontológicas acerca da origem do ser humano (fase filosófica).

Positivo

Estágio mais evoluído da humanidade, correspondendo ao uso da razão e da política (fase científica).

Glossário:

ontológico: referente ao estudo do ser, da natureza do ser. O termo foi disseminado pelo filósofo alemão Christian Wolff (1679-1754), para quem a ontologia se constituía na filosofia primeira ou ciência do ser enquanto ser.

Fim do glossário.

LEGENDA: Artista indiano faz apresentação vestido como a deusa Kali durante o festival de Maha Shivaratri, em Allahabad, na Índia. Foto de 2016.

FONTE: Sanjay Kanojia/Agência France-Presse



208

Émile Durkheim

Émile Durkheim propõe em seu livro As formas elementares da vida religiosa (1912) que uma das principais funções sociais da religião é manter a coesão social, a união dos membros da sociedade. Dessa forma, a religião asseguraria a estabilidade da sociedade por meio de relações harmoniosas entre seus integrantes.

Para Durkheim, a religião consiste em um sistema de crenças e de práticas relativas ao sagrado que une indivíduos em uma comunidade moral, regida por princípios e valores específicos. O fundamento da religião não estaria no sobrenatural ou na ideia de deus, mas na distinção entre os conceitos de sagrado e profano. O sagrado indica uma realidade protegida, superior e separada do que é mundano (profano), na qual a coletividade projeta e objetiva a própria consciência religiosa e à qual presta reverência.

A religião satisfaz necessidades do ser humano, como a curiosidade, o desejo de segurança, a tendência à vida em comunidade, os problemas de consciência e o estabelecimento de normas sociais. Nessa linha funcionalista de pensamento, em sociedades tradicionais, a religião organiza as relações sociais e o próprio tempo. Durkheim acreditava que, à medida que essas sociedades se modernizavam e os conhecimentos científicos ganhavam mais espaço, a religião perdia força como centro da vida social. Além de considerá-la um sistema de ideias que desempenhou ao longo da história um importante papel de integração social, o autor duvidava que a religião fosse um mero conjunto de ilusões. Para ele, o Direito, a moral e a própria ciência não somente nasceram da religião como foram com ela confundidos por muito tempo.

Durkheim explica o fenômeno religioso pela garantia da ordem social, ressaltando seu fundamento moral em diferentes culturas.

LEGENDA: Show gospel realizado em São José dos Campos (SP), em dezembro de 2015.

FONTE: Luis Lima Jr/Fotoarena

Boxe complementar:

Encontro com cientistas sociais

Na Sociologia clássica, prevaleceu a ideia de que a religião perdia influência à medida que o conhecimento científico se popularizava. Pensando sobre isso, leia o texto abaixo, escrito por Durkheim em 1893, e responda à questão a seguir.



Ora, se há uma verdade que a história pôs fora de dúvida é que a religião abarca uma porção cada vez menor da vida social. Inicialmente, ela estende-se a tudo; tudo que é social é religioso. Depois, pouco a pouco, as funções políticas, econômicas, científicas desvinculam-se da função religiosa, constituem-se à parte e tomam um caráter temporal cada vez mais patente. Deus, se assim nos podemos exprimir, que no princípio estava presente em todas as relações humanas, retira-se delas progressivamente; abandona o mundo aos homens e às suas disputas.

DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1977. p. 197.

· Com base nessa leitura, discuta com seus colegas o lugar que a religião ocupa, atualmente, nas relações sociais.

Fim do complemento.



209

Max Weber

O pensamento do sociólogo alemão Max Weber segue uma linha distinta daquela de Durkheim. Weber via a religião como uma dimensão social depositária de significados culturais. Por meio desses significados os indivíduos e coletividades interpretam sua condição de vida, constroem uma identidade e agem no ambiente como um todo.

Weber acreditava que a força da religião estaria em declínio, na medida em que a sociedade moderna se afastava das superstições, das crenças, dos costumes e de hábitos ancestrais em geral. Desse modo, enquanto nas sociedades tradicionais a religião e as crenças a ela relacionadas eram centrais, na modernidade ocorria uma crescente racionalização e consequente afastamento do campo religioso, em razão do desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da burocracia.

A esse processo de declínio do poder da religião nas diferentes dimensões da vida social, que passa a ser explicado também pela ciência, Weber denominou secularização. A secularização é a passagem de fenômenos que até então eram do domínio religioso ou sagrado para a esfera profana. Isso significa que certas representações do mundo e do lugar do ser humano no mundo deixam de ser associadas ao sagrado ou ao místico e ganham uma explicação racional, científica e técnica. A secularização favoreceu o movimento histórico ocorrido com as Revoluções Burguesas, no século XVIII, resultando na figura do Estado moderno, separada da influência da religião.

Weber perguntava-se sobre a existência de relações entre as religiões e a conduta das pessoas na esfera da economia. Ele demonstrou, na obra A ética protestante e o espírito do capitalismo (1905), a proximidade entre os valores apregoados pelo protestantismo e a moral veiculada pela sociedade capitalista moderna. Nessa obra, ele defende que o surgimento do "espírito do capitalismo" - um conjunto de qualidades intelectuais e morais indispensáveis à racionalização econômica - foi possível graças a algumas qualidades exaltadas e defendidas pela religião protestante. Entre essas qualidades da chamada "ética protestante" destaca-se a visão de que obter lucro por meio de trabalho racional é uma virtude.

LEGENDA: O banqueiro e sua esposa (1444), pintura de Quentin Matsys. Antes da Reforma protestante, no século XVI, a usura era considerada contrária aos valores religiosos na Europa, como se pode observar na tela: a mulher desvia o olhar da Bíblia para ver as moedas.

FONTE: Imagno/Getty Images/Museu do Louvre, Paris, França.



210

Karl Marx

O pensador alemão Karl Marx (1818-1883) concebia a religião como responsável pela alienação do indivíduo na estrutura da produção material da sociedade capitalista. É dele a célebre expressão "a religião é o ópio - ou lenitivo - do povo", que está no livro Crítica da filosofia do direito de Hegel, de 1844. Nessa obra, Marx afirma que a religião é uma forma de o ser humano se tornar alheio de suas condições de sobrevivência.

No livro A ideologia alemã, de 1845, Marx e seu colega Friedrich Engels (1820- -1895) interpretavam a história como uma série de transformações sociais e materiais a influenciar a vida dos indivíduos. Nesse sentido, a religião era um obstáculo ao progresso e à emancipação político-social, ou seja, à possibilidade de as pessoas se organizarem para mudar as estruturas sociais.

Para o pensamento marxista, as religiões poderiam ocultar as forças de mudança e encobrir os conflitos sociais ao tomá-los como desígnios divinos, naturalizando-os. Ao fazer isso, a religião poderia negar aos seres humanos a capacidade de decidirem sobre si, seu destino, seu país, sua sociedade, e de transformarem a realidade. A realidade pesquisada por Marx era a luta de classes provocada por interesses materiais conflitantes; daí a sua crítica de que toda ideologia, para realizar a finalidade a que se propõe - satisfazer as pessoas com ideias ilusórias em detrimento de oferecer o conhecimento da realidade -, desenvolve-se com base em crenças preexistentes que mascaram a realidade social.

Mesmo com diferenças em suas abordagens, Comte, Durkheim, Weber e Marx caracterizaram a religião como uma instituição de grande influência nas relações sociais ao longo da história.

Glossário:

lenitivo: aquilo que abranda, que acalma, que traz consolo.

Fim do glossário.

Boxe complementar:

Intelectuais leem o mundo social

Cientistas sociais contemporâneos ocupam-se de compreender os fenômenos sociais e seus efeitos sobre os indivíduos. A religiosidade é a manifestação dos valores relativos ao universo do sagrado, expressão de componentes doutrinais, culturais e éticos de sistemas religiosos. Acompanhemos a análise contida em um compêndio italiano de Sociologia:



A religião moderna é caracterizada, ao mesmo tempo, por emergir de uma pluralidade de agências religiosas e por uma sempre maior individualização do próprio modo de viver a religião. Essa representa a evolução do fenômeno religioso na sociedade industrializada do Ocidente, onde não mais se configura um único conjunto de símbolos religiosos que trace o significado da existência. Muitos entre aqueles que seguem uma religião a interpretam à luz da experiência cotidiana. Por isso, muitas organizações religiosas têm afrouxado os códigos morais, considerando que os seus membros são responsáveis individualmente. Além disso, as religiões organizadas não têm mais o monopólio sobre tentativas de responder às questões de fundo da existência humana. Significados [sentidos, costumes, orientações morais], que antes tendiam a unir sociedades inteiras ou grandes segmentos dessas, tornaram-se restritos à participação do indivíduo.

Tutto Sociología. Novara: De Agostini, 1999, p. 214. Texto traduzido.

· Em sala de aula, realizem um bate-papo acerca da religiosidade existente em seu meio social. Pautem seus argumentos nas interpretações dos clássicos das Ciências Sociais para concordarem ou não com a tese de que há uma forma individualizada de viver a religião nos dias de hoje.

Fim do complemento.

211

A religião em tempos de globalização

Em seu estudo sobre o protestantismo, Weber escreve que religiões como essa progressivamente abriam mão de rituais e símbolos com poderes mágicos. Por outro lado, recorriam cada vez mais a explicações sistematizadas sobre o mundo. Weber deu o nome "desencantamento do mundo" a esse movimento em que a esfera do sagrado vai se tornando menos mágica e mais racionalizada, o que repercutiria em outras esferas da vida.

Com a consolidação do Estado moderno e a secularização das instituições, ambos se afastaram da influência religiosa e a religião deixou de ser o elemento central de organização da sociedade. Por sua vez, com a emergência das ciências, a magia e a religião perderam espaço como explicações para o mundo. Muitas vezes esse debate inspira discussões sobre um possível "fim da religião", reavivando o confronto entre revelação e razão para explicar a realidade social.

Diante da ascensão de novas denominações religiosas, do fundamentalismo e dos conflitos religiosos, autores defendem que vivemos um retorno ao sagrado. Porém, não se trata de um consenso. Na visão do sociólogo brasileiro Renato Ortiz (1947-), a religião nunca deixou de estar presente na sociedade. Nesse sentido, vale indagar se nos deparamos com o declínio, a transformação ou o renascimento da religiosidade, como sugere o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-).

A ideia do fim da religião ou do seu enfraquecimento nas relações sociais está associada, muitas vezes, à perspectiva positivista, que prevê etapas sucessivas de desenvolvimento na sociedade em direção ao progresso. Seguindo essa linha, diversas teorias conceberam o término da religião como decorrência dos avanços científicos e consideraram as sociedades tradicionais "arcaicas", por se orientarem pelos valores morais da religião. Entretanto, diversos pensadores refutam tal opinião, como Baechler:

LEGENDA: O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em foto de 2015.

FONTE: Andrea Astes/Corbis/Fotoarena

Normalmente, o progresso técnico contemporâneo deveria fazer recuar e desaparecer o recurso à magia e à intercessão. Este "normalmente" proporciona-nos uma outra maiúscula, a maiúscula do Progresso. Com efeito, para o Homem, a magia e o recurso aos deuses retrocederam perante a eficácia técnica. Hoje em dia, o Homem recorre mais prontamente aos antibióticos do que aos amuletos, e aos adubos químicos do que à bênção dos campos. Mas as coisas nem sempre são assim tão simples. As técnicas eficazes podem ser inacessíveis. A eficácia nunca vai a ponto de excluir o fracasso. Apesar de todos os progressos da Medicina, os homens contraem doenças e acabam por morrer. Sobretudo, a vida de cada um é dominada pela incerteza radical que afeta tudo aquilo que advém da ação: ninguém controla jamais o resultado nem as consequências de qualquer empreendimento. Essa incerteza faz a fortuna das cartomantes, das quiromantes, dos fazedores de horóscopos, de todos os que prometem reduzir ou suprimir a incerteza através de métodos que só podem ser irracionais, dado que a matéria tratada é racionalmente incerta.

BAECHLER, Jean. Religião. In: BOUDON, Raymond (Org.). Tratado de Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. p. 483.

A contraposição entre religião e ciência tem sua base na ideia de que a fé se opõe à consciência científica, como se a primeira fosse irracional e a ciência se inserisse no terreno do racional. Será que a ciência, em seus processos de descobertas e aplicações, é sempre racional aos olhos de todos?

Ao contrário das suposições de alguns autores, a sociedade industrial não ocasionou o desaparecimento da religião, apenas limitou-a como forma de organização social.

FONTE: Filipe Rocha/Arquivo da editora


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