Silvia Maria de Araújo · Maria Aparecida Bridi · Benilde Lenzi Motim


Sistemas escolares e reprodução social



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Sistemas escolares e reprodução social

A educação é uma ação social ao mesmo tempo conservadora e inovadora: ela ajusta as gerações à ordem vigente e também dá subsídios para mudanças, ao adequar padrões de comportamentos à sociedade e fazer novos usos das inovações tecnológicas e materiais. Como processo responsável pela socialização - ou seja, pela transmissão constante de valores sociais e padrões de comportamento -, a educação transmite e reproduz, de forma sistemática, os valores sociais estabelecidos, ou seja, os princípios de condução da vida social. Em sintonia com a dinâmica das sociedades, tanto os valores como o processo educacional se modificam no decorrer do tempo.

Na educação se refletem as mudanças políticas, culturais e sociais, pois ela é instigada a se adaptar para atender às tradicionais e atuais demandas da sociedade. Entre as teorias sociológicas que pensaram a educação no século XX, duas tendências se destacam:

a) a primeira é a corrente de pensamento funcionalista, presente principalmente nas teorias de Émile Durkheim, que identificou na educação uma função integradora, transmissora de cultura, de valores e de conhecimentos vigentes;

b) a segunda é formada pelas interpretações ligadas às teorias do conflito social, da hegemonia e da dominância de alguns grupos sobre outros. Destacam-se as análises do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), que reconheceu a reprodução de desigualdades de diferentes tipos pelo sistema escolar.

Os sistemas escolares modernos de diversos países se assemelham pelo fato de terem um ensino básico nas escolas, destinado à infância e à adolescência, e um ensino superior para jovens e adultos. No entanto, há uma grande diversidade de sistemas, em resposta à organização política de cada país. Atualmente, esses sistemas costumam ser apresentados, sobretudo na sociedade brasileira, como um caminho para chegar à igualdade social e à liberdade política e para oferecer oportunidades apropriadas ao talento e à capacidade dos indivíduos.

De acordo com Durkheim, cada sociedade e época possuem um sistema de educação que se impõe aos indivíduos, o que ilustra a característica coercitiva das instituições sociais. Desde o início da modernidade capitalista, a educação se difunde pelos diversos setores sociais, ao mesmo tempo que comporta e estimula a competição e cria diferenciações, muitas vezes apoiando desigualdades. Além disso, a educação favorece a ascensão social, pois é por meio dela (mas não exclusivamente) que indivíduos e grupos podem obter acesso a melhores condições financeiras e de cidadania na sociedade.

Inspirada nos preceitos da ideologia liberal - a livre-iniciativa, a igualdade perante a lei, a proteção das liberdades civis e o individualismo -, a educação foi estimulada como uma prática social democrática na era contemporânea. Porém, no contexto da sociedade brasileira de classes, sua expansão se deu pelo acesso a uma escola culta e letrada para as classes dominantes e a uma escola mínima com iniciação para o trabalho, destinada às camadas socioeconômicas menos favorecidas - perpetuando-se, assim, a divisão social existente. Esta desigualdade é fruto de escolhas políticas feitas ao longo da História que favoreceram a criação de escolas particulares e reduziram os investimentos materiais e simbólicos do Estado na educação pública brasileira.

FONTE: Filipe Rocha/Arquivo da editora

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LEGENDA: Cerimônia com formandos do curso de Direito da Universidade de São Paulo (USP), em 1960. As formas de acesso ao sistema de ensino superior brasileiro ajudam a manter a divisão social existente.

FONTE: Reginaldo Manente/Agência Estado

LEGENDA: Curso profissionalizante de confecção de roupas no Rio de Janeiro (RJ). Foto de 2014.

FONTE: G. Evangelista/Opção Brasil Imagens

A educação formal reproduz as próprias contradições da sociedade de classes.

Em sua teoria da reprodução social, baseada em estudos sobre o sistema educacional francês, Pierre Bourdieu reflete sobre o ideal da igualdade perseguido, em tese, pela educação. Como uma estrutura que valoriza os princípios e padrões culturais dominantes, a educação formal reproduz a si própria e à sociedade, reforçando as desigualdades sociais ainda nos bancos escolares.

Bourdieu parte da concepção de que as relações de classes geram relações de poder entre elas. Essas relações de poder são muitas vezes dissimuladas pelo convívio, no qual a imposição de uma classe ou grupo social sobre outro ganha dimensões simbólicas, ou seja, não é direta nem acontece pela força física. Em outras palavras: o sistema educacional está vinculado à cultura dominante, que é imposta no domínio das letras, das artes, da ciência e de manifestações da cultura.

Um exemplo são os livros estudados no currículo escolar de literatura, na disciplina de Língua Portuguesa: quase sempre se trata de obras consideradas "boas" por autores que, na maioria das vezes, pertencem ao mesmo grupo social, enquanto obras de autores que produzem literatura tida como alternativa ou marginal são, muitas vezes, ignoradas. Vejamos um exemplo: o escritor Mário de Andrade (1893-1945) foi reconhecido como um importante autor de prosa literária por intelectuais da elite cultural de sua época. Esse reconhecimento se manteve nas gerações seguintes de críticos literários, e sua obra é muito estudada atualmente por pesquisadores nas universidades. Com isso, a leitura de seus livros costuma ser mais recomendada em escolas e nos meios de comunicação que a das obras de Ferréz (1975-), que tratam da vida no Capão Redondo, um bairro na periferia da cidade de São Paulo. Como resultado, os estudantes mais familiarizados com a obra de Mário de Andrade acabam tendo vantagens sociais. Por exemplo, possivelmente terão maior facilidade em vestibulares, nos quais as obras de autores com maior prestígio na sociedade costumam ser consideradas leituras obrigatórias, diferentemente das de escritores como Ferréz.

Se usarmos os termos criados por Bourdieu, poderíamos dizer que conhecer bem a obra de determinado escritor prestigiado é um tipo de domínio sobre a cultura legítima, ou seja, aquela composta pelos signos culturais que permitem a ascensão social. Outro signo incluído na cultura legítima no Brasil seria uma forma de falar e escrever a língua portuguesa legitimada como "correta"



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(denominada "norma culta" pela sociolinguística). Essa forma é caracterizada por determinadas maneiras de falar, empregar palavras e construir frases que, na maioria das vezes, indicam a posição social dos indivíduos. Podemos citar outros exemplos, como as formas de se colocar em entrevistas de emprego ou até mesmo de se vestir. Dominar a cultura "legítima" resulta em vantagens sociais, políticas e também financeiras. Por este motivo, o domínio da cultura legítima é chamado por Bourdieu de capital cultural.

O processo de reprodução social descrito é sustentado, entre outras coisas, pela aceitação desses padrões de conhecimento e comportamento. Controlar esse processo é uma forma que os grupos dominantes têm de se manter no poder, e a escola contribui para isso ao transmitir modos de agir, sentir e pensar em conformidade com os interesses objetivos, materiais e simbólicos das elites. Essa imposição de padrões culturais é vista por Bourdieu como uma forma de violência simbólica, que pode ser exercida não só pela escola mas também por instituições como o Estado, a mídia, as famílias, entre outros.

Outro pensador que considera que a instituição escolar - bem como o acesso ou não a ela - produz diferenças associadas à posição social é o austríaco Ivan Illich (1926-2002). Segundo esse autor:

LEGENDA: Público visita exposição com obras do pintor italiano Caravaggio (1571-1610) no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), em São Paulo (SP), em 2012. Para Bourdieu, a familiaridade com a cultura dita legítima resulta em vantagens sociais, políticas e financeiras.

FONTE: Evelson de Freitas/Agência Estado



Deveria ser óbvio que, havendo à disposição escolas de igual nível, a criança pobre raramente tem a possibilidade de ultrapassar a rica. Podem frequentar escolas de igual qualidade e começar na mesma idade, mas às crianças pobres faltam, em grande parte, as ocasiões didáticas que estão normalmente disponíveis à criança da média burguesia. Estas vantagens vão das conversas aos livros que têm em casa e em viagens durante as férias, a uma consciência de si mesma que a criança usufrui na escola ou fora dela. Por isso, quando as possibilidades de progredir ou de aprender dependem da escola, o estudante mais pobre permanecerá geralmente atrás. Os pobres têm necessidade de aprender e não de obter um certificado atestando a assistência recebida por sua presumida insuficiência.

ILLICH, Ivan. Descolarizzare la società. Milano: Mondadori, 1972. p. 29. Texto traduzido.

Ligada a esse processo de reprodução social pela via educacional está a autoevasão da escola: muitos alunos deixam de frequentá-la, atribuindo a si próprios a culpa pelo insucesso escolar e considerando-se incapazes de acompanhar os estudos formais. Ivan Illich propõe, como solução, a desescolarização, ou seja, a substituição da instituição escolar por uma teia de aprendizagem formada por grupos, em que cada um ensinasse conforme suas habilidades.

Por sua vez, o sociólogo francês Bernard Lahire (1963-) concluiu que o meio social que cerca a criança tem influência decisiva em sua educação. Analisando os resultados escolares de estudantes de baixa renda na França, Lahire percebeu que o envolvimento da família e de outras pessoas com as quais a criança e o jovem convivem serve de apoio para dar sentido à experiência escolar. Esse autor considera que apenas investir em formação de educadores e estrutura física das escolas não é suficiente para aproximar o aluno da escola e possibilitar, por exemplo, a redução das desigualdades sociais por meio da formação educacional.

FONTE: Filipe Rocha/Arquivo da editora

Glossário:



sociolinguística: ramo da linguística que estuda a relação entre língua e sociedade. O objeto preferencial da sociolinguística são as variedades menos prestigiadas das línguas, seu uso e a forma como são vistas pelos diferentes grupos da sociedade.

Fim do glossário.



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Pausa para refletir

O pedagogo hispano-brasileiro Miguel Arroyo, especialista em políticas educacionais e desigualdades sociais, deu a seguinte declaração:



Um menino pobre não tem a mesma leitura de mundo de um menino rico. Um garoto que mora na favela pode ter uma noção muito mais ampla sobre o que é o desemprego e a desigualdade social do que outro que more num condomínio fechado.

Depoimento de Miguel Arroyo. In: MARTINS, Rodrigo. Reprovar não resolve. CartaCapital, São Paulo, 11 fev. 2009, p. 14.

· Como a explicação acima pode ser relacionada à teoria da reprodução social de Bourdieu? Justifique com base em exemplos de seu cotidiano e outros encontrados na mídia impressa e na internet. Leve os resultados de sua pesquisa para a sala de aula e monte com seus colegas um mural explicativo.

Concepções da educação no Brasil

Por muito tempo, a educação formal (escolar) estava em geral reservada àqueles que tinham condições de pagar por ela. Foi a sociedade moderna, baseada na cidade e na indústria, que trouxe a necessidade de expandir o sistema educacional. Com o advento do Estado moderno, passou-se a considerar insuficiente a socialização e a aprendizagem das crianças apenas no interior das famílias, pois esta não dava conta dos novos interesses em jogo: o convívio social nas cidades, a participação política e o preparo para as novas funções e trabalhos decorrentes dos avanços tecnológicos. Como resultado das mobilizações populares e de intelectuais e políticos, paulatinamente, a escola constituiu-se em um direito de todos.

No Brasil, desde o início do século XX, ações de educadores, estudantes, intelectuais e movimentos políticos colaboraram para a constituição da escola pública, gratuita e obrigatória - fato que se consolidou somente no final daquele século. Grandes mudanças marcaram a educação brasileira nesse período, após numerosas contribuições e debates entre pedagogos a respeito da estrutura do sistema educacional e sua relação com o Estado. Um dos marcos nesse processo foi a contribuição do jurista e educador Anísio Teixeira (1900-1971), que defendeu, nos anos 1920: a) a universalização da escola com uma educação acessível a todos; b) um ensino laico, não atrelado a credo religioso; c) uma escola pública como responsabilidade do Estado; e d) uma educação gratuita ofertada a toda a população.

Naquela época, os intelectuais que discutiam a educação se deparavam com a urbanização e a industrialização crescentes, que apresentavam novos desafios para o desenvolvimento econômico e social. O país era considerado atrasado no contexto do capitalismo, por depender da exportação de uma pequena variedade de produtos primários.

LEGENDA: Nas décadas de 1920 e 1930, o educador Anísio Teixeira divulgou os pressupostos do movimento Escola Nova, que enfatizava o desenvolvimento do intelecto em detrimento da memorização. Anísio ocupou diversos cargos públicos e se destacou como defensor da escola pública, gratuita, laica e obrigatória.

FONTE: Arquivo do jornal O Estado de S. Paulo/Agência Estado



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Essa situação se alterou apenas em parte com a abertura da economia e das fronteiras produtivas nos moldes da internacionalização do capital, na segunda metade do século XX.

Foi de acordo com esse objetivo de preparar a nação para o desenvolvimento econômico que as escolas integrais comunitárias, os cursos profissionais e a preparação de professores foram pensados.

Com a entrada de cada vez mais mulheres no mercado de trabalho, crescia a necessidade de ampliar o horário letivo para que crianças e jovens tivessem uma estrutura de apoio durante a jornada de trabalho dos pais.

Outra grande mudança na concepção de educação, no Brasil, veio com o pedagogo Paulo Freire (1921-1997). Pensando que a educação é sempre política, porque permite transformar a realidade, ele criou um método de alfabetização que se baseava nas condições concretas de vida dos alunos. Sua pedagogia se propõe a dar condições aos jovens e adultos de ganharem autonomia e se conscientizarem politicamente. Para Freire, educador e educando são "sujeitos em ato", capazes de reconstruir a realidade que os circunda em busca da justiça social.

LEGENDA: Oficina de maculelê na Escola Estadual Capitão Egidio Lima, em Timóteo (MG). A escola refez seu currículo buscando valorizar as manifestações culturais afro-brasileiras. Foto de 2013.

FONTE: Leo Drummond/Agência Nitro

Assim como Paulo Freire, o sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995) considera que a educação deve trazer a experiência da criatividade do aluno para vencer a opressão social, a dominação de classe e o autoritarismo nas relações escolares. Segundo ele, a educação é um nexo de relações que leva o ser humano a constituir sua sociabilidade, sua forma de organização social concreta, sua expressão cultural. Existir socialmente significa compartilhar condições históricas e desenvolver ações em que indivíduos e grupos se influenciam reciprocamente.

LEGENDA: O educador Paulo Freire, em foto de 1994.

FONTE: Bel Pedrosa/Folhapress

LEGENDA: O sociólogo Florestan Fernandes, em foto de 1989.

FONTE: Paulo Cesar/Agência Estado/AE



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Pausa para refletir

No texto abaixo, o educador Rubem Alves (1933-2014) sonha com uma escola ligada à realidade da experiência dos alunos. Anote as principais ideias e produza um texto respondendo à questão proposta.



São extraordinários os esforços que estão sendo feitos para fazer nossas linhas de montagem chamadas escolas tão boas quanto as japonesas. Mas o que eu gostaria mesmo é de acabar com elas. Sonho com uma escola retrógrada, artesanal... Impossível? Eu também pensava. Mas fui a Portugal e lá encontrei a escola com que sempre sonhara: a Escola da Ponte. Encantei-me vendo o rosto e o trabalho dos alunos: havia disciplina, concentração, alegria e eficiência.

[...] Disse, numa outra crônica, que quero escola retrógrada. Retrógrado quer dizer "que vai para trás". Quero uma escola que vá mais para trás dos "programas" científicos e abstratamente elaborados e impostos. Uma escola que compreenda como os saberes são gerados e nascem. Uma escola em que o saber vá nascendo das perguntas que o corpo faz. Uma escola em que o ponto de referência não seja o programa oficial a ser cumprido (inutilmente!), mas o corpo da criança que vive, admira, se encanta, se espanta, pergunta, enfia o dedo, prova com a boca, erra, se machuca, brinca.

ALVES, Rubem. A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. Campinas: Papirus, 2001. p. 38 e 55.

LEGENDA: Charge de Carlos Latuff de 2010.

FONTE: Carlos Latuff/Acervo do cartunista

· Com base nas reflexões sociológicas sobre educação, reflita sobre os sonhos do autor para a escola. Por que ele deseja essa mudança? Em que aspectos esses sonhos se parecem e se diferenciam da situação que você conhece? Como você imagina que funcionaria a escola idealizada por ele?

Problemas e dificuldades da escola brasileira no século XX

Em sua obra Vigiar e punir, o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) considera a escola a instituição em que a disciplinarização encontra-se mais presente. O sistema escolar desenvolvido a partir do século XVIII projetou espaços, organizações curriculares, métodos pedagógicos e avaliações de desempenho que lhe permitiam produzir indivíduos dóceis, disciplinados, moldados para as tarefas exigidas pela sociedade capitalista. Aqueles que fugissem desse comportamento esperado, "normal", estariam sob a ameaça de punição, levando os indivíduos a internalizarem a disciplina sob o receio de estarem sendo constantemente vigiados.

Durante boa parte do século XX, esses aspectos estavam presentes de forma ostensiva nas escolas. Predominava o autoritarismo, que se expressava em castigos físicos e em uma disciplina organizacional severa, com horários e normas rígidas. Cabe lembrar que as características políticas, culturais e ideológicas da sociedade de cada época são reproduzidas na escola.

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Alguns desses aspectos disciplinares aparecem de forma menos explícita atualmente. No entanto, a implantação de câmeras de vigilância, grades, portões e sistemas padronizados de avaliação, entre outras mudanças recentes, configuram uma nova forma de internalização de comportamentos que se estende para além do ambiente escolar. Essas medidas são características do que o filósofo francês Gilles Deleuze (1925- -1995) chamou sociedade de controle.

Além de ter, por muito tempo, reproduzido um padrão autoritário, a escola pública brasileira passou a sofrer com o problema do financiamento. Nos anos do regime militar (1964-1985), as políticas econômicas levaram à redução do investimento público na educação, o que fez crescer o setor privado da escola-empresa, em que a relação cidadão-instituição se transforma em uma relação cliente-empresa. Aumentou também o descaso do Estado com o professor, tanto em termos salariais como em sua formação, levando à progressiva desvalorização da carreira docente. Esse quadro de baixos investimentos em educação só foi atenuado a partir da primeira década do século XXI, quando esse setor voltou a receber mais recursos.

LEGENDA: Diretor-auxiliar de escola em Ponta Grossa (PR) observa imagens obtidas por câmeras instaladas dentro das salas de aula do colégio. Foto de 2011. A instituição escola ainda hoje reproduz e atualiza mecanismos de disciplinarização e controle.

FONTE: Henry Milléo/Agência Gazeta do Povo

Outro aspecto historicamente pouco trabalhado pela escola brasileira é o da diversidade cultural. Em uma sociedade marcada pela pluralidade étnica e cultural, o ensino escolar de conteúdos relacionados às culturas indígenas e de origem africana foi por muito tempo deixado de lado. As poucas tentativas de abordagem dessas temáticas em geral se davam no campo do estereótipo, reforçando preconceitos, já que esses conteúdos também não faziam parte da formação dos professores. Em um caso extremo de violência simbólica, as populações indígenas não tinham acesso, na escola, a aspectos de suas próprias culturas, naquilo que a antropóloga brasileira Mariana Kawal Leal Ferreira vê como uma incompatibilidade com o ideal de autodeterminação dos povos indígenas.

A lei 10.639, de 2003, instituiu a obrigatoriedade do ensino de cultura e história afro-brasileira e africana nos currículos de Ensino Fundamental e Médio de todas as escolas. Em 2008, a legislação foi modificada pela lei 11.645, que acrescentou a obrigatoriedade do ensino de história e cultura dos povos indígenas. Além disso, de acordo com o Censo Escolar 2013, 238 mil crianças e jovens estavam matriculados em escolas indígenas, que hoje alfabetizam os alunos tanto na língua de sua comunidade como em português e ensinam a história e os hábitos tradicionais de seu povo. Segundo o mesmo levantamento, havia 227 mil alunos matriculados em escolas localizadas em comunidades quilombolas.

LEGENDA: Escola indígena em aldeia do povo Munduruku, em Itaituba (PA). Foto de 2014.

FONTE: Sérgio Castro/Estadão conteúdo/AE

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Também a concepção de como deveria ser a educação formal de pessoas com deficiência foi mudada. Diante da situação de invisibilidade social desses indivíduos, a Constituição de 1988 prevê a garantia de seus direitos, e uma lei complementar, aprovada no ano seguinte, orienta ações para a inclusão da pessoa com deficiência. Uma das ações consideradas decisivas é a matrícula dessas pessoas em escolas regulares, medida que aproxima realidades diferentes e dá condições para o combate e a superação de preconceitos.

Diversas medidas e regulamentações para a educação inclusiva foram apresentadas nas últimas décadas: softwares para narração de livros didáticos, formação de professores proficientes em Libras (Língua Brasileira de Sinais), entre outras. A efetiva inclusão da pessoa com deficiência ainda esbarra, no entanto, em muitos desafios práticos, a começar pela adaptação da infraestrutura das escolas, a fim de torná-las acessíveis a pessoas com deficiência motora ou visual, e pela capacitação de professores para atender às especificidades de cada tipo de necessidade.

LEGENDA: Turma na Escola Estadual Pedro Fernandes, em Ribeirão das Neves (MG) na qual uma funcionária auxilia na comunicação entre um aluno com paralisia cerebral e seus colegas e professores. Foto de 2013.

FONTE: Leo Drummond/Ag·ncia Nitro

Desafios do ensino no Brasil

Tanto a Constituição de 1988 quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, afirmam a educação como um direito humano fundamental. Entretanto, a universalização da educação de qualidade ainda está em curso para ser atingida no país, uma vez que nem todas as crianças e jovens das faixas etárias abrigadas pela lei frequentam a escola ou concluem seus estudos satisfatoriamente. O analfabetismo na população adulta ainda não foi erradicado, conforme dados a seguir:



O grau de analfabetismo da população brasileira, medido pela taxa de pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler nem escrever um bilhete simples, ainda se encontrava no patamar de 10%, em 2007. É uma taxa bastante elevada, sobretudo quando comparada à de outros países do continente sul-americano, como Uruguai, Argentina e Chile, cujas taxas variam entre 2% e 4%.

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Quando se analisam as taxas de analfabetismo no Brasil segundo os diferentes grupos de idade, verifica-se enorme distância entre jovens e idosos. Se na faixa de 15 a 24 anos a taxa de analfabetismo correspondia a 2,2%, em 2007, entre pessoas com 60 anos ou mais a proporção de analfabetos atingia 28,4%, fato revelador de um enorme passivo educacional ainda não saldado. [...] apesar de o analfabetismo entre os jovens de 15 e 24 anos ter se tornado um problema residual nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, onde as taxas giram em torno de 1%, sua erradicação na região Nordeste constitui um desafio de maior envergadura, pois ainda se registram taxas de 4,7% na referida faixa etária e 10,4% entre os jovens de 25 a 29 anos.

CORBUCCI, Paulo Roberto; CASSIOLATO, Maria Marta; CODES, Ana Luiza; CHAVES, José Valente. Situação educacional dos jovens brasileiros. In: CASTRO, Jorge; AQUINO, Luseni; ANDRADE, Carla (Org.). Juventude e políticas sociais no Brasil. Brasília: Ipea, 2009. p. 93.

A partir dos anos 1990 e com mais intensidade nos anos 2000, o aporte de recursos para a educação aumentou e políticas específicas foram elaboradas, em parcerias entre o Governo Federal, os estados e as prefeituras. Um marco importante nesse sentido foi a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), em 1998, que instituiu limites mínimos de aplicação de recursos no Ensino Fundamental por todas as esferas do Estado brasileiro. Com a substituição do Fundef pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Básico e de Valorização dos Profissionais da Educação), em 2007, fixou-se a destinação às escolas de um volume maior de recursos federais, e a Educação Infantil, o Ensino Médio e a Educação de Jovens e Adultos (EJA) também passaram a ser atendidos.

A repercussão parcial desses processos aparece nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2010, divulgada pelo IBGE, que constatou alguns avanços na área de educação. Acompanhe nos gráficos a seguir a evolução, no período de 1992 a 2008, da situação da alfabetização no país entre as pessoas de 15 anos ou mais, segundo sexo e cor ou raça.

FONTE: Adaptado de: INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1992/2008. Disponível em: www.ibge.gov.br/home/geociencias/recursosnaturais/ids/ids2010.pdf. Acesso em: 20 jul. 2015.

Notas: 1. Não inclui população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá entre os anos de 1992 e 2003; a partir de 2004 a amostra inclui todo o Território Nacional, constituindo-se numa nova série. 2. Não houve pesquisa em 1994 e 2000.



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