Silvia Maria de Araújo · Maria Aparecida Bridi · Benilde Lenzi Motim



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LEGENDA: Iluminura que ilustra um manuscrito do século XIII na qual os camponeses trabalham sob a fiscalização do senhor de terras.

FONTE: Archivo Iconografico/Arquivo da editora

O momento histórico de transição do regime feudal para o modo de produção capitalista, incluindo os contextos revolucionários estudados no Capítulo 1, marcou uma fase de profundas transformações institucionais. Esse processo resultou no chamado capitalismo industrial, uma sociedade em que predominava a produção nas manufaturas e nas primeiras indústrias.

Durante a constituição do capitalismo industrial, no século XVIII, firmou-se o trabalho assalariado, reservado aos indiví duos que não dispunham de posses. Por isso, eles precisavam vender ou alugar sua força de trabalho - energia física e mental despendida para realizar atividades - em troca de uma remuneração que garantisse seu sustento. No entanto, o pagamento recebido pelo trabalhador não correspondia ao valor daquilo que ele produziu. Essa diferença, que é apropriada pelo detentor dos meios de produção, é denominada mais -valia por Marx.

Aos poucos, essa transformação envolveu toda a estrutura da sociedade, que, sendo capitalista, mercantiliza, ou seja, transforma em mercadoria muitas de suas relações sociais, incluindo as de trabalho. O capitalismo, como um sistema de organização da produção material que se baseia na propriedade privada, conjuga capital e trabalho. O capital é o conjunto dos bens e meios de produção (como as máquinas, as ferramentas, os equipamentos, a terra, as instalações, o dinheiro, etc.) que são valorizados e multiplicados graças ao trabalho físico e/ou mental realizado por aqueles que apenas dispõem de sua força como moeda de troca. Por isso, dizemos que o trabalho incorpora valor aos bens, ou seja, por meio do trabalho o ser humano transforma a natureza e a si próprio.

A noção de que o trabalho é uma atividade dignificante foi construída historicamente. Na obra A ética protestante e o espírito do capitalismo, o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) mostrou que, em países de maioria protestante, uma conduta alinhada a essa ética religiosa impulsionou o capitalismo. Segundo a ética católica, trabalhar ou sustentar-se com o trabalho dos outros, como faziam os monarcas e a nobreza europeia, era indiferente à salvação da alma após a morte. A salvação poderia ser conquistada por meio do arrependimento dos pecados e da penitência, além da caridade e de outras ações vistas como boas.

Glossário:



manufatura: forma de produção que reunia em galpões artesãos e artífices que, com instrumentos e ferramentas simples, tiveram seu trabalho dividido e posto sob a coordenação de supervisores. As manufaturas deram origem às primeiras fábricas com a introdução de máquinas, a partir do século XVIII.

Fim do glossário.



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Boxe complementar:



Encontro com cientistas sociais

Marx é considerado um autor clássico, de grande importância nas Ciências Sociais por ter desenvolvido a concepção do trabalho como um processo subjetivo que se concretiza materialmente. Leia o texto a seguir e responda à pergunta no caderno.



Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. [...] Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. Livro 1, v. I, p. 202. (Texto publicado originalmente em 1867.)

· Nesse trecho, Marx reflete sobre o que existe de específico no trabalho humano que o diferencia de operações realizadas por outros animais. Se, por um lado, o trabalho é imaginado e planejado pelo trabalhador, por outro, Marx também afirma, em outros textos, que o trabalho pós-Revolução Industrial é "alienado", ou seja, o trabalhador deixaria de ter total controle sobre o próprio trabalho. Considerando as explicações neste capítulo e que grande parte do trabalho realizado atualmente é alienada, você pensa em outras características do trabalho em nossa sociedade? Quais são?

Fim do complemento.

Já os principais líderes da Reforma protestante não acreditavam que isso podia garantir a salvação da alma - para eles, a alma já estaria predestinada a ser salva ou não. Porém, algumas correntes pregavam que era possível ter um sinal dessa predestinação, que seria a dedicação obstinada ao trabalho. Assim, a riqueza conquistada por meio do trabalho e reinvestida em mais trabalho não poderia ser condenada, pois seria um indício da salvação. Essa mudança de valores convergiu com a luta da burguesia para se firmar na sociedade, o que favoreceu a aceitação da ascensão social pelo trabalho e pelo acúmulo de capital. Essa ideologia do trabalho contribuiu e ainda contribui para que os detentores do capital ganhem e mantenham privilégios sociais.

A sociedade moderna ficou conhecida como a sociedade do trabalho, ou seja, que se institui e se organiza pelo e para o trabalho.

Por esse motivo, alguns cientistas sociais e outros estudiosos do tema discutem atualmente se a verdadeira emancipação dos indivíduos não estaria mais ligada ao ócio, ao lazer e ao tempo livre do que a um domínio maior do próprio trabalho ("desalienação") e à realização social pelo trabalho. No livro O direito à preguiça (1883), o francês Paul Lafargue (1842-1911), que curiosamente era genro de Marx, criticou justamente o que chamava de "culto ao trabalho" por parte dos trabalhadores e de alguns filósofos socialistas, como seu sogro.

Quase um século mais tarde, o antropólogo político francês Pierre Clastres (1934-1977) publicou a famosa obra A Sociedade contra o Estado. Analisando sociedades de pequeno porte, como as indígenas da bacia do rio Paraná, ele recusa a ideia de que seja "natural" e se aplique à humanidade como um todo o caminho tomado pelas sociedades europeias de concentrar bens, propriedades privadas e poder econômico e político. Clastres ressalta que, em diversas sociedades estudadas por etnógrafos na Antropologia, o entendimento do "trabalho" e da "produção" não passa pelo trabalho individual nem pelo trabalhar

FONTE: Filipe Rocha/Arquivo da editora

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por si mesmo. Nessas sociedades, trabalha-se coletivamente para suprir as necessidades do grupo e, tão logo a necessidade seja atendida, o trabalho cessa. Esse foi, segundo ele, um dos pontos de conflito entre sociedades indígenas e colonizadores europeus nos territórios que hoje chamamos América.

Na mesma época, o filósofo austríaco André Gorz (1923-2007) propunha que a verdadeira emancipação e autonomia dos indivíduos em nossa sociedade só poderiam ser alcançadas diminuindo-se o tempo de trabalho e aumentando-se o tempo de ócio, lazer e afazeres não relacionados ao trabalho. Considerando a grande imersão nas tarefas que as tecnologias trouxeram para uma parte da população e que há também muitas pessoas que dependem de ocupações informais no setor de serviços, muitas vezes também realizando trabalho no que deveriam ser "horas livres", percebemos que esse ideal ainda está longe de ser alcançado.

No século XX, ocorreram muitas modificações no mundo do trabalho - designação ampla que engloba a organização do trabalho, as relações laborais, as inovações tecnológicas, o ambiente de trabalho, as organizações dos trabalhadores, entre outros. O significado do trabalho e o processo a ele relacionado alteraram-se consideravelmente, embora o trabalho continue sendo um dos pilares sobre o qual se sustenta a nossa sociedade, outros fatores têm contribuído para o desenvolvimento das relações sociais e para a manutenção e integração das pessoas, como o conhecimento, o lazer, etc.

Cabe uma indagação: qual é o sentido do trabalho? Será que o trabalho sempre teve o estatuto que tem hoje: o de ser um passaporte para a cidadania? Quais mudanças levaram o trabalho a essa condição?

LEGENDA: Cartaz de 1919 da campanha na França pela jornada de 8 horas diárias, dividindo as 24 horas do dia em 8 horas de trabalho, 8 de sono e 8 de lazer.

FONTE: Félix Doumenq/Biblioteca de Documentação Internacional Contemporânea/MHC, Paris, França.

LEGENDA: Atualmente, muitos setores reivindicam a redução da jornada de trabalho, que hoje é de no máximo 44 horas semanais, para 30 horas semanais. Ao lado, cartaz de 2015 reivindicando jornada de 30 horas semanais para os funcionários da saúde.

FONTE: Reprodução/http://www.sindifes.org.br

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Boxe complementar:



Intelectuais leem o mundo social

Zygmunt Bauman (1925-) é um sociólogo polonês cujas reflexões têm se detido nas complexas manifestações da vida social moderna, traduzidas no dia a dia do trabalhador e em suas organizações. Acompanhemos o seu pensamento sobre a questão da identidade possível que o trabalho sempre garantiu ao indivíduo.



No passado, o trabalho era concebido como um instrumento principal por cumprir este novo dever moderno [a responsabilidade individual pelo próprio papel social]. A identidade social, conscientemente construída, se baseava, sobretudo, na capacidade profissional e no tipo de trabalho e de carreira abraçados. E depois de haver cumprido a própria escolha, necessitava seguir um percurso traçado uma vez para sempre em todas as suas fases consecutivas.

Hoje isso não é mais possível. Só em raros casos a atividade desenvolvida pode definir uma identidade permanente, pois o trabalho estável e garantidor "da vida", senão hereditário, está menos difundido e se limita a velhas indústrias e profissões. Os novos postos são, em geral, contratados por tempo determinado ou parcial, sem qualquer garantia de continuidade, nem ao menos de estabilidade e frequentemente se combinam essas ocupações com outras atividades. A flexibilidade tornou-se a nova palavra de ordem, significando viver na incerteza com poucas regras que possam, juntas, mudar unilateralmente o jogo.

BAUMAN, Zygmunt. Lavoro, consumismo e nuove povertà. Troina: Città Aperta Edizioni, 2007. p. 48. Texto traduzido.

· Trabalhando por projetos, de forma intermitente e flexível, muitos trabalhadores modernos não realizam mais a trajetória laboral de uma carreira longa e estável. Em um debate, discutam sobre as mudanças nas formas de trabalho ao longo do tempo e no lugar que ele ocupa na vida cotidiana. Fica a indagação: qual é a perspectiva de fundar sobre o trabalho uma identidade permanente?

Fim do complemento.



O lugar do trabalho na vida em sociedade

As mudanças no mundo do trabalho e na economia mundial ocorridas nas últimas décadas do século XX levaram cientistas sociais europeus a questionar se o trabalho ainda detinha uma posição central na organização da sociedade. Para alguns, como o alemão Jürgen Habermas (1929-), conceitos como trabalho e capital perderam espaço para outros como informação e conhecimento. Habermas considera que é o plano do simbólico (propiciado pela comunicação) que organiza a vida social na contemporaneidade, enquanto o trabalho garantiria apenas a subsistência.

Essa posição foi rejeitada por autores como o sociólogo brasileiro Ricardo Antunes (1953-). Segundo Antunes, o trabalho ainda é essencial, pois continua sendo responsável pela produção tanto de riquezas (apropriadas pelos capitalistas) quanto de sentido simbólico (para os trabalhadores).

As transformações decorrentes das novas tecnologias também provocaram alguns pensadores a questionar o futuro do trabalho material. Os autores italianos Antonio Negri (1933-) e Maurizio Lazzarato (1955-) e o norte-americano Michael Hardt (1960-) acreditam que as características dos sistemas flexíveis de produção (que veremos em detalhes no Capítulo 5) permitem a libertação do trabalho material. Para eles, nas formas flexíveis o trabalhador, sem a incumbência de tarefas mecânicas, poderia intervir diretamente no processo de trabalho e recuperar sua autonomia.

Vale destacar as duas principais críticas a essa visão. A primeira, feita por pensadores marxistas, é a de que o trabalhador flexível é mais explorado e gera mais-valia maior para o capitalista. A segunda é a de que nem mesmo nos países do capitalismo central, como os Estados Unidos, o Japão e os da Europa Ocidental, o trabalho material está perto de desaparecer - setores como o da construção civil mostram isso.

O trabalho é um dos principais fatores estruturantes das relações sociais e compartilha essa condição com outras dimensões da vida, como o consumo e o lazer.



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O trabalho em crise

É fato que a sociedade contemporânea se estrutura, em parte, pelo trabalho organizado socialmente. O desenvolvimento de tecnologias de automação, comunicação e de informática reduziu o emprego do trabalho humano nas tarefas, mas não o substituiu. Em alguns casos, gerou a necessidade de novas funções assalariadas, como nas áreas de tecnologia da informação (TI), informática e serviços, mas continuamos a ser uma sociedade produtora de mercadorias, bens e serviços que são trocados continuamente.

Persiste, no entanto, a preocupação com o futuro do trabalho. Basta notar o crescimento das formas de contratação flexíveis (por tempo determinado, terceirizados, temporários, etc.) em vários contextos. Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre desemprego, de 2013, mostra que apenas um quarto da população trabalhadora no mundo tem uma relação estável de trabalho e prevê que "até 2019, o desemprego vai atingir 213 milhões" e "o número de pessoas sem uma ocupação deve se manter globalmente [em média] no nível atual de 6% até 2017" (Global Employment Trends 2013. International Labour Office, Genebra).

Enquanto o tempo de trabalho se estende para uma parcela de trabalhadores multifuncionais (isto é, que desempenham múltiplas tarefas), milhões de outros indivíduos ficam desempregados. Como viverão as pessoas que não encontrarão emprego? No gráfico a seguir, podemos acompanhar as taxas de desemprego em diversas regiões do mundo.

Taxa de desemprego em países selecionados (2004 a 2008 e 2009 a 2013)

FONTE: World Economic Outlook (WEO), Fundo Monetário Internacional (FMI). Elaboração: Brasil Debate. Extraído de: http://jornalggn.com.br/blog/brasil-debate/crise-economica-global-e-o-aumento-da-taxa-de-desemprego. Acesso em: 29 jul. 2015. Créditos: Banco de imagens/Arquivo da editora

As elevadas taxas de desemprego são resultantes das mudanças na estrutura da economia, desenhando-se, assim, um quadro de desemprego estrutural. Nas situações de desemprego estrutural, o número de pessoas sem emprego mantém-se, no longo prazo, muito acima da quantidade de vagas disponíveis.

Esse processo não se limita à esfera industrial e urbana. No campo, a mecanização agrária e o desenvolvimento de técnicas e insumos, visando aumentar a produtividade na agricultura e na pecuária, fizeram com que se produzisse mais com cada vez menos trabalhadores. O Brasil foi um dos países afetados por esse processo, por ser tradicional produtor e exportador de produtos agropecuários.



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Taxa de desemprego (%, 2015)

FONTE: Disponível em: www.imf.org/external/datamapper/index.php. Acesso em: 25 mai. 2016. Créditos: Banco de imagens/Arquivo da editora

Enquanto os grandes proprietários de terras contratam menos trabalhadores porque investem em tecnologia e maquinário, os pequenos proprietários se veem sem condições de competir com os grandes produtores, pois não têm como financiar máquinas e insumos. Assim, nas últimas décadas, milhares de trabalhadores rurais e pequenos agricultores trocaram o meio rural pela busca por emprego nas médias e grandes cidades. Essa situação de desemprego foi uma das razões que levaram muitos intelectuais a questionar a centralidade do trabalho. No entanto, como podemos ver no boxe da página seguinte, não podemos confundir trabalho com emprego.

LEGENDA: Colheitadeiras em plantação de soja no município de Campo Novo do Parecis, Mato Grosso, em 2012. As máquinas reduziram a necessidade de mão de obra no campo.

FONTE: Yasuyoshi Chiba/Agência France-Presse

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Boxe complementar:



Trabalho, emprego e desemprego

Os termos trabalho e emprego são usados, muitas vezes, como sinônimos, mas nem sempre isso é correto. Emprego se refere ao vínculo de trabalho em qualquer tipo de atividade econômica. Designa o posto ocupado por um trabalhador que realiza atividade remunerada formal, regulamentada, e que pode ser assalariado, autônomo ou prestador de serviços. O conjunto de leis que regulamentou a formalização dos direitos do trabalhador no Brasil foi a CLT - Consolidação das Leis do Trabalho, instituída durante o governo Vargas em 1943 e hoje ainda vigente.



Trabalho é qualquer atividade que transforme a natureza ou produza bens e serviços, mediante o gasto de energia física e mental do trabalhador, independentemente da existência de contrato formal. O trabalho constitui uma relação social produtiva - o esforço do trabalhador no processo de trabalho faz com que este também se transforme. Com essa distinção entre trabalho e emprego, podemos interpretar que o emprego, mais estável e seguro, tende a decrescer em termos relativos (quando comparado ao crescimento do emprego precário e instável), mas o trabalho não corre o risco de desaparecer, já que se trata da condição para a reprodução da própria vida humana (individual e social), como argumentava Karl Marx.

Desemprego é a situação em que não existem vagas remuneradas suficientes para o total de trabalhadores disponíveis e que estão em busca de emprego. Em períodos de crise econômica, o decréscimo do emprego pode acontecer de forma rápida e atingir grandes dimensões, mesmo em países desenvolvidos, como aconteceu com muitos países europeus a partir de 2008.

LEGENDA: Charge do cartunista Angeli, de 2009, mostrando a quantidade de trabalhadores versus a oferta de vagas no mercado de trabalho.

FONTE: Angeli/Acervo do artista

Fim do complemento.

LEGENDA: Produção familiar de farinha de mandioca em Barcelos (AM), foto de 2013. Segundo Marx, trabalho é toda atividade pela qual o ser humano transforma a natureza.

FONTE: Marcos Amend/Pulsar Imagens

LEGENDA: Trabalhador coleta castanhas-do-pará em reserva ambiental na comunidade quilombola Cachoeira Porteira, em Oriximiná (PA). Foto de 2013.

FONTE: Evelson de Freitas/Agência Estado

LEGENDA: Homem transporta caixas de maçãs em empilhadeira em Veranópolis (RS), em 2013. Chamamos de emprego apenas as atividades remuneradas regulamentadas em lei.

FONTE: Gerson Gerloff/Pulsar Imagens



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Debate

Leia o trecho abaixo, escrito em 1937 pelo jornalista e escritor inglês George Orwell (1903-1950), e observe a descrição de um indivíduo desempregado daquela época. Depois, reunidos em grupos, discutam e respondam às questões propostas.



Tomei consciência do problema do desemprego em 1928. [...] As classes médias ainda falavam "desses preguiçosos que vivem de subsídios", dizendo que "todos esses homens podiam encontrar trabalho se quisessem"; e, naturalmente, essas opiniões infiltravam-se na própria classe operária. Lembro-me do choque e do espanto que senti quando convivi pela primeira vez com vagabundos e mendigos, ao descobrir que uma proporção razoável, talvez um quarto, desses seres, que me haviam ensinado a considerar como parasitas desavergonhados, eram afinal jovens mineiros e operários têxteis respeitáveis que encaravam o seu destino com a expressão perdida de um animal apanhado numa armadilha. Simplesmente não compreendiam o que lhes acontecera. Tinham sido trazidos ao mundo para trabalhar e, de repente, tudo se passava como se nunca mais viessem a ter a mínima hipótese de encontrar trabalho. Nestas condições, era inevitável sentirem-se, numa primeira fase, perseguidos por um sentimento de fracasso pessoal. Era a atitude que prevalecia entre os desempregados [...]. Era um desastre que acontecia a você como indivíduo e a culpa era sempre sua [...]. Quando um quarto de milhão de mineiros estão desempregados, faz parte da ordem das coisas que Alf Smith, mineiro a viver nas ruelas esconsas [da cidade inglesa] de Newcastle, fique sem trabalho. Não passa de um indivíduo entre um quarto de milhão, um dado estatístico. Enquanto Bert Jones, que mora na casa em frente, estiver empregado, Alf Smith será irremediavelmente levado a sentir-se desonrado, a considerar-se um falhado. Daí o terrível sentimento de impotência e de desespero, talvez um dos piores males do desemprego - muito pior do que qualquer privação, pior do que a desmoralização causada pela ociosidade forçada, e pouco melhor do que o lamentável estado de degenerescência física dos filhos de Alf Smith, nascidos quando ele já era subsidiado pelo PAC [sigla em inglês para Comitê de Assistência Pública].

ORWELL, George. O caminho para Wigan Pier. Lisboa: Antígona, 2003. p. 116-118.



1. Quais são as constatações de Orwell ao deparar com a questão do desemprego na Grã-Bretanha da década de 1920?

2. Como era visto o desempregado no contexto da crise capitalista europeia do início do século XX? Em sua opinião, essa imagem condiz com a realidade ou trata-se de uma visão preconceituosa?

3. Agora, converse com seus colegas e responda: essa visão sobre o desempregado ainda é comum nos dias de hoje? Por quê?

LEGENDA: Fila de candidatos a uma vaga de emprego em uma indústria na cidade de Sorocaba (SP), em 2015.

FONTE: José Maria Tomazela/Agência Estado

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O trabalho na era da globalização

O sociólogo francês Robert Castel (1933-2013) localizou nas transformações do mundo do trabalho, sobretudo nas últimas décadas do século XX, grandes ameaças que assombram a sociedade contemporânea: o crescimento do desemprego, a precarização do trabalho, a fragmentação da classe trabalhadora e o comportamento individualista. Esses fatores deixam parte da população mundial sem perspectivas de inclusão social, ou seja, de ter acesso e participar de determinadas instituições ou instâncias da sociedade, como o sistema educacional, o cuidado com a saúde, os direitos sociais básicos. Políticas públicas de habitação, educação e trabalho são exemplos de meios para promover a inclusão social e atenuar as desigualdades sociais.

A desigualdade no âmbito do trabalho vem se intensificando à medida que se ampliam os postos de trabalho precários, ou seja, sem estabilidade e com menos garantias para o trabalhador. Também se reduzem os empregos formais - aqueles empregos protegidos pelas leis trabalhistas - e os contratos por tempo indeterminado, enquanto são ampliadas as formas de trabalho de tempo parcial, instável, sem jornada definida, etc. A diminuição da estabilidade salarial, que significa remuneração fixa e paga em determinado dia do mês, tem provocado questões sociais preocupantes nas últimas décadas. Uma parcela dos trabalhadores se vê ameaçada de perder o emprego em razão das oscilações na economia ou ainda pelo fato de suas profissões correrem o risco de perder a relevância ou, simplesmente, desaparecerem.

Essas mudanças que configuram redução da estabilidade do trabalhador ou, conforme o contexto, precarização das condições de trabalho ou de salários, ocorrem com maior frequência nos países pobres e emergentes, onde se concentram os empregos menos qualificados, em razão da divisão internacional do trabalho. Esse fenômeno se iniciou com os países mercantilistas e suas colônias, no século XVI, e hoje está ligado à globalização econômica.

FONTE: Ricardo Ribas/Fotoarena

FONTE: Arquivo Hulton/Getty Images

LEGENDA DAS FOTOS: Acima, vendedor ambulante em praia de Florianópolis (SC), em 2014. À direita, uma profissão hoje quase extinta: telefonistas inglesas transferem chamadas, em foto de 1945. Uma das questões sociais emergentes no mundo contemporâneo é a diminuição dos postos formais de trabalho e a ampliação do mercado informal.



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