Silvia Maria de Araújo · Maria Aparecida Bridi · Benilde Lenzi Motim



Yüklə 2,99 Mb.
səhifə54/56
tarix02.08.2018
ölçüsü2,99 Mb.
#66341
1   ...   48   49   50   51   52   53   54   55   56

Pausa para refletir (Arroyo)

A teoria da reprodução social mediante o processo formal de educação elaborada por Bourdieu mostra que as relações pedagógicas são relações de dominação pelo saber, repassando e impondo um conhecimento comprometido com a visão das classes dominantes. Os iniciados, aqueles que possuem maior capital cultural por receber esse conhecimento da formação familiar, acabam tendo vantagens sociais em relação ao restante da população.

Em seu texto, porém, Arroyo aponta que o conhecimento construído pelas vivências dos estudantes também deve ser considerado. Isso significa que um estudante com maior capital cultural talvez tenha menos facilidade em apreender determinados conteúdos, como o que é o desemprego e a desigualdade social, por não estar familiarizado com eles, ao passo que outros menos privilegiados socialmente teriam mais facilidade em apreendê-los.

Pausa para refletir (Alves)

Resposta pessoal.



Comentário: Alves compara as escolas de hoje a linhas de montagem porque as instituições de ensino consideram cada vez mais seus currículos e suas atividades como metas a serem cumpridas pelos estudantes. Consequentemente estariam sendo deixados de lado aspectos básicos da convivência e da construção do conhecimento, como a descoberta que parte da curiosidade da própria criança.

Pausa para refletir (Saviani)

O fragmento revela como, na Grécia antiga, o sistema educacional diferenciava o conhecimento que é passado às classes mais bem posicionadas na estrutura da sociedade e aquele destinado às demais. A antiga escola grega era considerada o local do ócio, no qual os membros da classe dominante dispunham de tempo para uma educação específica. Enquanto isso, a maioria da população se educava, e também se exercitava no trabalho manual, lidando com a matéria. Embora, teoricamente, o ensino tenha se universalizado no século XX, ainda hoje é possível observar essa dicotomia quando consideramos, por exemplo, o sucateamento do ensino público no Brasil, e o comparamos com o das escolas de elite; ou, então, quando consideramos o oferecimento do ensino profissional e profissionalizante voltado às classes trabalhadoras e o comparamos com o ensino geral propedêutico.



472

Diálogos interdisciplinares

A atividade proposta neste capítulo procura levar os estudantes a identificar alguns tipos de desigualdade social que são reforçados pelo sistema escolar e agravados pelo acesso ainda restrito ao Ensino Superior. Para isso, eles devem fazer uma pesquisa orientada, consultando os dados disponíveis no site do Inep, como os resumos técnicos do Censo da Educação Superior.

Peça aos estudantes que, antes de acessarem o site do Inep, leiam as perguntas e as etapas do trabalho. Se necessário, retome com eles o conteúdo trabalhado nos capítulos iniciais, praticando a construção de perguntas sociológicas. Lembre-os de que essa não é uma exploração desinteressada, e que eles devem ter questões na cabeça para que os dados lhes digam algo.

A discussão das questões será mais proveitosa se realizada em grupo. Os estudantes devem ser orientados a não trabalhar com conceitos, como o de "certo" e "errado". Reforce a ideia de que toda afirmação, assim como toda conclusão, tem de ser sustentada pelos dados.



Revisar e sistematizar

1. Todas as correntes sociológicas que estudam a educação concordam que ela é responsável pela difusão da cultura, dos valores e dos conhecimentos de determinada sociedade. Por expressar valores que variam de acordo com o espaço e com o tempo, a educação depende da organização política e econômica, das atividades culturais, sociais e científicas de uma sociedade. Assim, na Grécia antiga, por exemplo, a educação escolar era restrita aos membros das classes dominantes e se voltava para o estudo das artes, da filosofia e de habilidades consideradas necessárias para o exercício da democracia (cuja prática também era restrita a alguns). Na sociedade contemporânea, a universalização da educação surgiu como expressão tanto de novos valores (os ideais de igualdade e cidadania do Iluminismo) como de novas necessidades das classes dominantes (a formação de mão de obra qualificada, leia-se alfabetizada, para executar as novas tarefas exigidas pelo trabalho industrial).

2. Embora teóricos divirjam quanto à sua finalidade, a educação apresenta algumas características gerais. Ela é um processo de mediação de cultura e conhecimento e também um processo socializador, pois insere o indivíduo nos hábitos e nas práticas de sua sociedade. Além disso, ela também é um processo em que as gerações mais antigas buscam transmitir às mais novas conhecimentos e comportamentos, sujeito a resistências e adaptações, que tem como objetivo desenvolver determinadas capacidades do ser humano.

3. Durkheim referia-se à educação como processo de transmissão metódica dos conhecimentos e dos valores sociais de uma geração à outra. A educação insere o indivíduo na sociedade, levando-o a compartilhar padrões de comportamento considerados adequados por determinada cultura em determinado período. Portanto, Durkheim considera que a educação desenvolve, no indivíduo, certos estados físicos, intelectuais e morais desejados por seu meio social. É nesse sentido que a educação pode ser considerada uma manifestação do controle social, pois implica adaptação e obediência dos indivíduos.

4. Para Pierre Bourdieu, o sistema educacional se vincula a valores e padrões culturais das classes dominantes, pois os reproduz como "corretos" ou "legítimos". A aceitação desses padrões de conhecimento e comportamento pela sociedade faz com que aqueles que os dominam possuam vantagens sociais, políticas e financeiras. Portanto, os filhos dos membros das classes dominantes se encontram em condição de vantagem em relação aos demais, pois são desde cedo educados pelos padrões da chamada cultura legítima. Por outro lado, os que não possuem o que Bourdieu denomina de capital cultural são vítimas da violência simbólica, pois convivem com valores impostos que não são os seus, tidos como corretos ou necessários para que possam ascender socialmente. Um exemplo é o uso da linguagem: fatores como a variedadeA linguística falada, o emprego de certas palavras e a forma de construir frases podem resultar em vantagens na posição ocupada pelos indivíduos na estrutura da sociedade.

473

5. Resposta pessoal. Ressaltamos, contudo, que há muitas evidências de que não existe inclusão social na educação brasileira: a diferença de qualidade entre as escolas públicas e as particulares; o alto nível de evasão escolar entre os jovens de baixa renda, que muitas vezes se veem obrigados a trabalhar precocemente; a dificuldade de os alunos da escola pública ingressarem em boas universidades, etc.

6. Resposta pessoal. Ainda assim, é importante que se debata como ocorre a ligação entre educação e trabalho em nossa sociedade. A preparação do jovem para o mercado de trabalho abre oportunidades para sua sobrevivência material; porém, se instituída como algo instrumental, ela estreita o horizonte dos jovens, reproduzindo a diferenciação entre os que dirigem e os que executam. Portanto, a escola deve ser responsável por uma formação ampla, que desenvolva saberes e atitudes para além da mera instrução.

Teste seu conhecimento e habilidades

1. a;

2. d.

Atividades complementares

1. Roda de conversa

Com a turma dividida em grupos, consulte os estudantes sobre que aspectos abordados no capítulo eles gostariam de aprofundar seu estudo. Peça aos grupos que elaborem perguntas com base nesses aspectos. Depois que cada equipe registrar, em uma folha à parte, as questões, recolha as folhas e entregue-as trocadas, para que outro grupo responda às questões com base na leitura do capítulo. Essa atividade pode constituir uma das avaliações a serem realizadas.

2. Dinâmicas em sala de aula

Sugerimos a seguir alguns temas ligados à educação que poderiam ser discutidos em sala de aula:

a) Relação entre "educação para o trabalho" e "educação para a vida".

b) Educação destinada às massas.

c) A proposta de desescolarização da sociedade, segundo Ivan Illich.

d) O sistema educacional brasileiro.

Para que as dinâmicas sejam possíveis, os estudantes precisam fazer leituras previamente recomendadas por você sobre o tema escolhido.

Comentários sobre os temas propostos:

a) Na chamada "educação para o trabalho", o objetivo da formação escolar é dirigir o estudante estritamente para um aprendizado técnico. Já a expressão "educação para a vida" comporta expectativas sociais para uma formação que permita ao indivíduo participar da sociedade em que vive de modo consciente e sendo reconhecido como cidadão.

b) Como visto no capítulo, a ascensão de uma classe social empreendedora, a burguesia industrial, financeira e comercial, levou à consolidação da sociedade capitalista-industrial e ao crescimento da vida urbana. As novas atividades produtivas industriais apoiavam-se nas inovações técnicas e necessitavam de trabalhadores que soubessem ler para operar as máquinas, compreender as normas e fazer o controle da produção. Assim, os trabalhadores oriundos do campo foram estimulados a se alfabetizar. Na sociedade capitalista moderna, em que o trabalhador livre vende a sua força de trabalho, a educação torna-se fator de competição e de diferenciações sociais.

c) Ivan Illich argumenta que como as crianças pobres dispõem de muito menos ocasiões didáticas, além da escola, elas acabam não obtendo o mesmo sucesso escolar que uma criança oriunda das classes mais favorecidas, o que provoca frustração e leva à evasão. A racionalização da educação levou à valorização do diploma na sociedade, e não da formação em si, o que resulta na acentuação das diferenças sociais. Para reverter esse processo, Illich propõe a desescolarização da sociedade, ou seja, a substituição do ensino formal, tal como o conhecemos, em favor do que chama "teia de oportunidades", ou seja, redes como jogos, grupos de estudo, programas televisivos, etc., para dar igual oportunidade de aprendizagem a todos.

d) Os problemas da educação brasileira não se limitam ao momento atual, pois são de cunho estrutural. Por muito tempo, a formulação de currículos escolares e metodologias pedagógicas desconsiderou a diversidade cultural do país. Assim, é preciso contemplar no processo educacional as necessidades e os pontos de vista das minorias sociais. Além disso, persistem, no Brasil, a baixa remuneração de



474

professores e funcionários nas escolas públicas e privadas, a escassez de políticas voltadas à formação dos docentes e ao combate da evasão escolar dos estudantes.

Leituras recomendadas

BELLONI, Maria Luiza. Educação a distância e mídia-educação: da modalidade ao método. ComCiência, 10 set. 2012. Disponível em: www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edic ao=81&id=1002. Acesso em: 12 fev. 2016.

Trata da importância da tecnologia para a educação, com destaque para a educação a distância (EaD).

BOURDIEU, Pierre. Sistemas de ensino e sistemas de pensamento. In:. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1974. p. 203-230.

Neste texto, o autor faz uma análise da escola na perspectiva das culturas de classe.

CALDART, Roseli Salete. O MST e a formação dos sem-terra: o movimento social como princípio educativo. Estudos Avançados, v. 15, n. 43, set./dez. 2001. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142001000300016. Acesso em: 12 fev. 2016.

Traça um panorama sobre a formação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e o papel da educação para o movimento.

CARVALHO, Alfredo Roberto de. A educação das pessoas com deficiência no capitalismo: a segregação dos elementos perturbadores da ordem burguesa. Revista HISTEDBR on-line, n. 12, dez. 2003. Disponível em: www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/revis/revis12/art1_12.htm. Acesso em: 12 fev. 2016.

O artigo traz subsídios para a discussão dos entraves criados no contexto do capitalismo para a inclusão das pessoas com deficiência.

HEINEN, Maíra. Pesquisador é primeiro índio a receber título de doutor em linguística pela UnB. Agência Brasil, 19 dez. 2014. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/cultura/noticia/2014-12/pesquisador-primeiro-indio-receber-titulo-de-doutor-em-linguistica-pela-unb. Acesso em: 12 fev. 2016.

Reportagem que trata do primeiro indígena no Brasil a se tornar doutor em linguística.

MANNHEIM, Karl. Educação e sociedade. In: FORACCHI, Marialice (Org.). Mannheim: Sociologia. São Paulo: Ática, 1982. p. 152-165.

Apresentando aspectos em transformação na prática educacional de sua época, o autor analisa o papel da educação democrática.

MANTOAN, Maria Teresa Égler. Qualidade e inclusão no ensino médio: o que a diferença faz? Diversa, 6 nov. 2015. Disponível em: http://diversa.org.br/artigos/artigo/456. Acesso em: 12 fev. 2016.

Texto sobre os desafios da inclusão de adolescentes com deficiência no âmbito escolar.

MELLO E SOUZA, Marina de. Saber é poder. Revista de História da Biblioteca Nacional, 1º set. 2015. Disponível em: www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/saber-e-poder. Acesso em: 12 fev. 2016.

Neste artigo, com base na experiência dos povos africanos colonizados pela Europa, a autora mostra que a educação é tanto instrumento de dominação como de libertação.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita. 9ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

Partindo de uma proposta de reforma do pensamento, o autor apresenta as bases de uma aprendizagem cidadã.

OLIVEIRA, Rita de Cássia; OLIVEIRA, Rita da Silva; SCORTEGAGNA, Paola Andressa. Pedagogia Social: possibilidade de empoderamento para o idoso. In: III Congresso Internacional de Pedagogia Social, 3, 2010, São Paulo. Disponível em: www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000092010000100022&script=sci_arttext. Acesso em: 12 fev. 2016.

Enfoca a educação como forma de empoderamento de idosos.

RABELO, Maria Clara. Alfabetização indígena: a escrita revitaliza línguas? ComCiência, 10 nov. 2009. Disponível em: www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=51&id=646. Acesso em: 12 fev. 2016.

Discute a alfabetização indígena como forma de recuperar línguas.

SANTANA, Bianca. A ocupação nos libertou. Brasil Post, 9 set. 2016. Disponível em: www.brasilpost.com.br/bianca-santana/a-ocupacao-nos-libertou _b_8756828.html. Acesso em: 12 fev. 2016.

Apresenta a opinião de uma estudante que participou das ocupações às escolas no estado de São Paulo, em 2015.

475

Capítulo 11

JUVENTUDE: UMA INVENÇÃO DA SOCIEDADE

Aqui começam as orientações para o Capítulo 11 (p. 317 a p. 344).

No Capítulo 11 a juventude é caracterizada como uma invenção da sociedade, e explora-se a ideia de que a juventude muda conforme a época, a sociedade, o contexto e a classe social. Além de abordar diferentes representações sociais da juventude, trata de questões referentes à educação, aos problemas sociais, aos conflitos de gerações e de outras ordens vividos pelos jovens na realidade contemporânea. Outros temas como identidade, desigualdade, violência e participação política entre os jovens também são tratados.

Conceitos-chave: juventude, rito de passagem, rito de iniciação, condição juvenil, situação juvenil, contracultura, contexto social, conflitos de gerações, identidade, consumismo, vulnerabilidade social, geração, resistência cultural, reciprocidade social, adolescência prolongada.

Objetivos do capítulo para o estudante

· Compreender que o conceito de juventude muda conforme o contexto histórico, cultural e social.

· Perceber a existência, em todas as culturas, de ritos de passagem que marcam a entrada do indivíduo na vida adulta, e refletir sobre a dificuldade em situar essa transição na sociedade ocidental contemporânea.

· Entender que as representações sociais da juventude têm implicações com a educação e também com os problemas sociais e as ações políticas a ela relacionados.

· Compreender o conceito de juventude na obra de Mannheim e a desnaturalização por ele promovida das idealizações sobre os jovens.

· Discutir o fenômeno da contracultura como uma reação de setores da juventude a contradições sociais e a valores e práticas dominantes.

· Refletir sobre o caráter relacional do conceito de geração e sobre o fato de se basear no conflito, pois a idade não é a única condição para que a juventude se configure uma unidade.

· Analisar o processo de construção social da identidade dos jovens e o papel das diferentes instituições na socialização dos jovens.

· Avaliar os desafios enfrentados pelos jovens quanto às oportunidades de trabalho, à atuação política e à proteção contra a violência.

Questão motivadora

O tema juventude pode ser estudado por meio da análise de conteúdos veiculados na mídia impressa, televisiva ou digital. Sugira aos estudantes que, em equipes, escolham um veículo de comunicação de massa voltado aos jovens e adolescentes para analisar o conteúdo por ele veiculado. A ideia é que identifiquem os temas tratados e a forma como são abordados, para posterior apresentação à turma. O resultado das pesquisas, que evidenciará como certas representações sociais da juventude são construídas e veiculadas, pode ser um ponto de partida para a análise da temática das gerações.

476

Dica

Trabalhar com as concepções de condição juvenil e de situação juvenil, distinguindo-as, pode se revelar uma boa estratégia para abordar o assunto juventude. Você também pode se basear na leitura de Mannheim da seção Encontro com os cientistas sociais (p. 325) para trazer aos estudantes informações e análises mais atuais sobre uma nova condição juvenil.

Avaliação

Você pode pedir aos estudantes que trabalhem com exemplos atuais para cada um dos itens relacionados nos objetivos do capítulo, apresentando o resultado na forma que escolherem: redação, painel de fotos com legendas, dramatização, relatório de pesquisa, etc.

Memorização: um exemplo no Capítulo 11

A memorização é uma habilidade cognitiva que capacita o estudante a saber selecionar informações, retê-las e utilizá-las quando preciso. Memorização, contudo, não é sinônimo de "decorar" dados e informações; ao contrário, para que o aluno seja capaz de selecionar, reter e saber utilizar uma informação, ele mobiliza outras habilidades, como a observação, a concentração, a síntese, o estabelecimento de relações, a fim de construir o conhecimento com um sentido crítico.

No tratamento da temática da juventude, é possível trabalhar com a ideia de ensino em espiral, recuperando conhecimentos vistos e a eles acrescentando novas informações. Nesse sentido, o estudo do Capítulo 11 pode começar pela retomada em sala das principais ideias estudadas no capítulo anterior, para, em seguida, estabelecer um elo entre os temas juventude e educação. Uma sugestão para tanto é fazê-lo por meio da associação do boxe "A educação e os jovens no Brasil", que se encontra no capítulo anterior, com o último item deste capítulo, "Desafios para os jovens de hoje".

Complemento teórico



Em sua obra Estabelecidos e outsiders, o sociólogo Norbert Elias estudou uma comunidade na Inglaterra dos anos 1950 em que três zonas se contrastavam: uma estabelecida há muito tempo e duas de formação mais recente - uma das quais com índices de "delinquência" mais elevados que os das outras duas. No trecho a seguir, ele analisa como a juventude socialmente marginalizada se vê em uma encruzilhada, por não se sentir enquadrada em um papel prescrito pela sociedade.

Quando terminava a sessão [de cinema], os jovens perambulavam pela rua principal e podia-se ver que pouquíssimos iam para casas da "aldeia" [a zona estabelecida]. Era comum ver vários grupos dirigindo-se para o loteamento [a zona outsider], enquanto outros esperavam os ônibus que os levariam de volta à cidade. De vez em quando, estouravam brigas entre gangues no Passeio dos Macacos. Ao aplicar uma multa a dois rapazes por uma dessas brigas, um juiz declarou em dezembro de 1957: "As brigas são singularmente frequentes em Winston Parva. Os juízes estão decididos a acabar com esse tipo de coisa". Verificou-se que a polícia fora chamada por causa de uma briga à porta do cinema e prendera os dois culpados, "que estavam cercados por um bando de jovens".

Essas cenas recorrentes eram o sintoma de uma situação de conflito que existia não apenas em Winston Parva, mas nas sociedades com centros urbanos, [...] em quase qualquer lugar. Eram sintomáticas da guerrilha quase incessante que costumava travar-se entre os setores estabelecidos dessas sociedades e os grupos socialmente produzidos de outsiders - nesse caso, grupos de outsiders da nova geração. O cinema servia de ponto de encontro para multidões de adolescentes, que eram particularmente afetados pelo fato de sua sociedade não lhes oferecer papéis claramente definidos. Eles haviam ultrapassado parcialmente seus papéis infantis, porém muitos ainda não se enquadravam - e alguns, provavelmente, nunca se enquadrariam - em nenhum dos papéis prescritos para os adultos.

A multidão do cinema não era uma assembleia aleatória de jovens "anormais"; representava um fenômeno bastante normal das grandes sociedades urbanas. Todas elas produzem e reproduzem, repetidamente, grupos de pessoas que se adaptam melhor e outras que se adaptam mal ou não se adaptam à ordem estabelecida e a seus papéis prefixados. Muitos adolescentes estavam numa encruzilhada. Alguns eram ou viriam a ser delinquentes, enquanto outros aprenderiam a se enquadrar nos papéis aceitos dos adultos. Mas só nos registros policiais e nas crenças de vários adultos comuns e cumpridores da lei é que há uma clara linha divisória entre os delinquentes e os não delinquentes. A classificação de alguns jovens como "delinquentes" tende a nos fazer esquecer que o "comportamento delinquente" funde-se imperceptivelmente com o não delinquente. Se observarmos a conduta das crianças e adolescentes, em seu contexto comunitário

477

real, encontraremos muitas formas transicionais de comportamento. As tentativas de estudar os delinquentes, explicá-los e fazer previsões a seu respeito, unicamente com base em critérios individuais, através de diagnósticos psicológicos não corroborados por diagnósticos sociológicos, não costumam ser dignas de confiança. É que as condições de reprodução contínua dos grupos de jovens delinquentes encontram-se na estrutura da sociedade e particularmente na das comunidades onde moram grupos de famílias com filhos "delinquentes" e onde essas crianças crescem. [...]

Muitos dos jovens mais rebeldes, inclusive os que não eram presos, multados, mandados para a cadeia e chamados de "delinquentes", pareciam esbarrar nos muros da prisão invisível em que viviam, gastando suas energias na tarefa de chatear e provocar todos aqueles que lhes davam a vaga sensação de serem seus carcereiros, numa tentativa de escapar ou de provar a si mesmos que a opressão era real. Chegavam até a ir ao cinema não apenas pelo filme, mas pela "baderna". Ali, na obscuridade da sala de projeção, protegidos pelo anonimato da plateia, eles podiam manifestar seu desafio a regras sociais que ainda não haviam assimilado por completo [...].

ELIAS, Norbert. Estabelecidos e outsiders. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. p. 139-141.

Comentários sobre as atividades

Pesquisa e debate

Oriente os grupos a anotar as conclusões parciais e depois apresentá-las de maneira organizada para o resto da turma. É interessante que vocês tentem formular, em conjunto, um questionário básico para todos os grupos aplicarem em suas pesquisas. O debate promovido deve ser amplo, com a participação de todos os alunos.



Yüklə 2,99 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   48   49   50   51   52   53   54   55   56




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin