1 Luiz Fernandes de Oliveira



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Interdisciplinaridade

Conversando com a Geografia



Território e gestão da cidade

Alberto Cadena

O território se constitui, fundamentalmente, num espaço definido por relações de poder, tradicionalmente tratadas a partir das políticas territoriais do Estado, frequentemente consideradas na escala nacional. Contudo, as noções geográficas de território não estão circunscritas apenas às concepções de Estado-nação que as reduzem a mero elemento de soberania nacional, mas também às formas de realização do poder sobre o espaço local, urbano.

O território, como instrumento de compreensão da realidade urbana, no Brasil contemporâneo, representa também o conteúdo político das relações da sociedade com o espaço da cidade. Nela, criam-se múltiplas possibilidades quanto às territorialidades dos atores sociais que agem sobre o espaço urbano, especialmente quanto às perspectivas das políticas públicas sobre os "territórios da cidade".

Neste sentido, a cidade deve ser considerada a partir da tendência global à reestruturação produtiva, neoliberal (e o estabelecimento de uma nova ordem também política e social), pelos territórios nacionais e que, se faz notar, nos espaços locais, sobretudo nas grandes cidades. A compreensão de tal tendência nos leva a reconhecer uma forma importante de poder, que se realiza na escala local, urbana, responsável pela normatização de determinadas relações, cuja gestão pode significar formas variadas de controle sobre os usos e a apropriação do território urbano.

O caso da cidade do Rio de Janeiro é exemplar para a realidade brasileira, considerando a realização da Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 - os megaeventos. No espaço público carioca estão deflagrados os conflitos pela apropriação e uso do território urbano, que envolvem as relações entre planejamento estratégico, megaeventos e poder. Esta perspectiva sobre o território apoia-se na noção de que as estratégias adotadas pelos setores dominantes sugerem políticas de gestão territorial, capazes de conduzi-los à acentuada acumulação do poder econômico e político na cidade.

A acumulação do poder se faz notar e se incrementa, por exemplo, nas políticas de remoção compulsória de comunidades carentes e indígenas, situadas em áreas de interesse estratégico para o capital privado. Trata-se da gestão corporativa das cidades, sobretudo daquelas de projeção global, aonde a gestão pública direciona-se à concentração do poder transnacional sobre os territórios locais. Tal concentração, portanto, representa o agravamento das disparidades sociais da cidade, na medida em que acometem as camadas mais vulneráveis da sociedade.



Alberto Silva Cadena é professor de Geografia da Rede Estadual do Rio de Janeiro, da Rede Municipal de Ensino do Município de Macaé-RJ e do curso de Licenciatura em Geografia da FAFIMA - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé-RJ. Licenciado em Geografia pela UFRJ e Mestre em Geografia pela UERJ.

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Interatividade



Revendo o capítulo

1 - O que significa e quando ocorre o processo de urbanização dos seres humanos?

2 - Quais são as principais características das cidades industriais?

3 - O que é segregação socioespacial? Por que ela ocorre?



Dialogando com a turma

1 - O que significa viver em uma favela? Sendo morador ou não, como você descreveria essa experiência? O que você acha a respeito disso?

2 - Pesquise sobre os principais problemas que existem na sua cidade, apresentando-os para a turma.

Verificando o seu conhecimento

1 - (ENEM, 2011)

As migrações transnacionais, intensificadas e generalizadas nas últimas décadas do século XX, expressam aspectos particularmente importantes da problemática racial, visto como dilema também mundial. Deslocam-se indivíduos, famílias e coletividades para lugares próximos e distantes, envolvendo mudanças mais ou menos drásticas nas condições de vida e trabalho, em padrões e valores socioculturais. Deslocam-se para sociedades semelhantes ou radicalmente distintas, algumas vezes compreendendo culturas ou mesmo civilizações totalmente diversas.

A mobilidade populacional da segunda metade do século XX teve um papel importante na formação social e econômica de diversos estados nacionais. Uma razão para os movimentos migratórios nas últimas décadas e uma política migratória atual dos países desenvolvidos são:

(A) a busca de oportunidades de trabalho e o aumento de barreiras contra a imigração.

(B) a necessidade da qualificação profissional e a abertura das fronteiras para os imigrantes.

(C) o desenvolvimento de projetos de pesquisa e acautelamento dos bens dos imigrantes.

(D) a expansão da fronteira agrícola e a expulsão dos imigrantes qualificados.

(E) a fuga decorrente de conflitos políticos e fortalecimento de políticas sociais.

2 - (ENEM, 2009)

Além dos inúmeros eletrodomésticos e bens eletrônicos, o automóvel produzido pela indústria fordista promoveu, a partir dos anos 50, mudanças significativas no modo de vida dos consumidores e também na habitação e nas cidades. Com a massificação do consumo dos bens modernos, dos eletroeletrônicos e também do automóvel, mudaram radicalmente o modo de vida, os valores, a cultura e o conjunto do ambiente construído. Da ocupação do solo urbano até o interior da moradia, a transformação foi profunda.

MARICATO, E. Urbanismo na periferia do mundo globalizado: metrópoles brasileiras. Disponível em: http://www.scielo.br. Acesso em: 12 ago. 2009 (adaptado).

Uma das consequências das inovações tecnológicas das últimas décadas, que determinaram diferentes formas de uso e ocupação do espaço geográfico, é a instituição das chamadas cidades globais, que se caracterizam por:

(A) possuírem o mesmo nível de influência no cenário mundial.

(B) fortalecerem os laços de cidadania e solidariedade entre os membros das diversas comunidades.

(C) constituírem um passo importante para a diminuição das desigualdades sociais causadas pela polarização social e pela segregação urbana.

(D) terem sido diretamente impactadas pelo processo de internacionalização da economia, desencadeado a partir do final dos anos 1970.

(E) terem sua origem diretamente relacionada ao processo de colonização ocidental do século XIX.

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Pesquisando e refletindo

LIVROS

ROLNIK, Raquel. O que é cidade. São Paulo: Brasiliense, 1988.

Este livro analisa o fenômeno das cidades mais diversas. Descreve e reflete sobre as metrópoles capitalistas, suas origens e contradições. Bom livro de uma estudiosa especializada no tema das cidades que pode ser estudado nas aulas de Geografia e Sociologia.

VENTURA, Zuenir. Cidade partida. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

O tema do livro é a divisão da cidade do Rio de Janeiro, de um lado o Rio que todos conhecem, bonito, turístico, alegre, ocupado por uma população afável e de classe média. Do outro, a cidade escondida, onde os moradores são quase sempre pobres e os serviços públicos estão ausentes. A tese do autor é que incluídos e excluídos, ricos e pobres, dividem a mesma cidade, mas é como se fossem duas cidades distintas.

FILMES

EDIFÍCIO MASTER (Brasil, 2002). Direção: Eduardo Coutinho. Duração: 110 min.

Documentário que entrevista e filma o cotidiano de 37 moradores de um condomínio popular situado em Copacabana, Rio de Janeiro, onde residem cerca de 500 pessoas, em 276 conjugados. O diretor e sua equipe conseguiram extrair histórias comoventes, íntimas e reveladoras.

METROPOLIS (Alemanha, 1927). Direção: Fritz Lang. Elenco: Alfred Abel, Gustav Fröhlich, Brigitte Helm, Rudolf Klein-Rogge, Fritz Rasp. Duração: 100 min.

Ficção científica. Metropolis, ano 2026. Os poderosos ficam na superfície e o Jardim dos Prazeres, para os filhos dos mestres, enquanto os operários, em regime de escravidão, trabalham bem abaixo da superfície, na Cidade dos Operários. Esta poderosa cidade é governada por um insensível capitalista cujo único filho leva uma vida idílica, desfrutando dos maravilhosos jardins.

INTERNET

INSTITUTO PÓLIS: http://www.polis.org.br/

Site que discute o tema das cidades, enfatizando as políticas públicas, dados estatísticos e qualidade de vida. Um ótimo site para uma visão sociológica sobre as cidades. Acesso: janeiro/2016.

Blog da RAQUEL ROLNIK: http://raquelrolnik.wordpress.com/

Uma das principais autoras citadas neste capítulo, a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik tem um blog onde se pode pesquisar sobre vários assuntos relacionados ao tema cidade e acompanhar as reflexões e diálogos que são postados. Acesso: janeiro/2016.

MÚSICAS

PUNK DA PERIFERIA - Autor e intérprete: Gilberto Gil.

A periferia impaciente se revolta contra a cidade como um todo.

RAP DA FELICIDADE - Autores e intérpretes: Cidinho e Doca.

Um dos hinos da periferia contra o preconceito, reafirmando a felicidade por viver com tranquilidade na favela.

FILME DESTAQUE



BLADE RUNNER, O CAÇADOR DE ANDROIDES (Blade Runner)

FICHA TÉCNICA:

Direção: Ridley Scott

Elenco: Harrison Ford, Sean Young, Rutger Hauer, Daryl Hannah

Duração: 117 min.

(EUA, 1982)



FONTE: The Land Company/Ridley Scott

SINOPSE:

"Cult movie" da ficção científica, que mostra uma chocante visão do futuro. Ano 2000, o planeta Terra está em total decadência. Os habitantes vivem aglomerados em gigantescos arranha-céus e a vida urbana é um caos. A engenharia genética se tornou uma das maiores indústrias, criando os "replicantes", criaturas dotadas de muita força e inteligência, praticamente indistinguíveis dos humanos.

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Aprendendo com jogos



O Cortiço

(Virtual Educação, Cultura e Comunicação/ Fundação Telefônica, 2013)

UM ESPAÇO PRA CHAMAR DE SEU

FONTE: Divulgação: Fundação Telefônica

O objetivo do jogador é construir um cortiço e acumular recursos da exploração dos trabalhadores. O jogo é baseado na obra O Cortiço, de Aluísio Azevedo, publicado em livro em 1890, e permite compreender aspectos do processo de urbanização de uma sociedade que experimentava a passagem do trabalho escravo para o trabalho assalariado, quando capitalistas emergentes tiveram oportunidades de exploração acentuada dos trabalhadores urbanos, não raro pelo domínio de suas condições de moradia e de vida. O livro também é uma narrativa sobre o nascimento das favelas cariocas, sob o olhar do autor do romance. No romance O Cortiço, assim como no jogo, acompanhamos os conflitos relacionados às condições de vida tanto quanto relativas ao trabalho assalariado, como podemos conhecer também as tensões entre certos valores, aristocráticos e campesinos, e outros, contextualizados na dinâmica emergente do aglomerado urbano.

Como jogar:



1. Jogue em http://www.livroegame.com.br/

2. Após leitura e discussão do capítulo 17, inicie a atividade descrita a seguir.

3. Na primeira aula, leia e comente trechos do romance O Cortiço, em sala de aula, enquanto trava uma conversação com seus colegas a respeito das questões envolvidas, sobretudo sobre a questão da urbanização.

4. Na segunda aula: organize-se em grupos com os colegas e joguem o jogo em grupo, explorando o site do livro-game e trechos da obra. Leiam a HQ disponível e anotem todas as informações que julgarem mais importantes.

5. Anotem, principalmente, os resultados financeiros finais da contabilidade do personagem principal, o dono do cortiço (papel que o grupo assume ao jogar).

6. Na terceira aula: relatem as suas anotações, comentem as suas impressões e reflexões, exponham as finanças do dono do cortiço ao final de suas partidas e, finalmente, respondam como foi possível o enriquecimento do dono do cortiço não fosse a exploração do trabalho e o controle das condições de vida e moradia dos trabalhadores moradores do cortiço.

7. Na quarta aula: individualmente, faça pesquisas na internet e, junto aos vizinhos mais antigos de seu bairro em busca de imagens antigas de sua cidade e junto com toda a classe, organize uma exposição em sua escola.

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Capítulo 18 - "Ocupar, resistir, produzir." A questão da terra no Brasil

Boxe complementar:



Tudo o que fere a terra, fere também

os filhos da terra.

O índio é filho da terra;

a terra é a nossa vida e a nossa

liberdade.

Os grandes senhores da terra não

compreendem o povo índio,

porque os grandes senhores da terra

escravizam a terra.

São estranhos que chegam de noite

roubam da terra tudo quanto querem.

Para eles um torrão de terra é

igual a outro.

A terra não é sua irmã, é sua inimiga,

eles a destroem e vão embora.

Deixam para trás o túmulo de seus pais,

roubam a terra dos seus filhos.

Sua ganância empobrecerá a terra

e eles deixarão atrás de si só a areia

cansada dos desertos.

A força do povo índio é amar e

defender a terra.

Ela é de todos os homens.

Quem tem o direito de vender a mãe de

todos os homens?

A terra é a nossa vida e a nossa

liberdade.

Índio sem terra é como tronco sem

raízes à beira do caminho.

Tudo o que fere a terra, fere também

os filhos da terra.

(Texto escrito por um índio desconhecido, recolhido pela Comissão Pastoral da Terra - CPT. Publicado em CARVALHO,1980, p. 89)

Fim do complemento.

Podemos dizer que a questão da terra no Brasil teve início com a chegada dos colonizadores portugueses, em 1500. E as primeiras vítimas dessa "invasão", com a consequente ocupação predatória das terras brasileiras, foram aqueles que aqui viviam - os povos indígenas. O texto, acima, nos mostra que estes povos continuaram sendo vitimados através dos séculos, massacrados pela expansão do "homem branco", com seus tratores e motosserras, suas estradas e fazendas, a criação de gado para a exportação de carne e as plantações de soja administradas por modernas agroindústrias capitalistas.

LEGENDA: Quais as consequências para o desenvolvimento do Brasil da concentração de terras sempre ter estado nas mãos de poucos? De que forma essa realidade poderia ser modificada? Na foto, militantes do MST em manifestação pela reforma agrária, Curitiba (PR), em 2011.

FONTE: Jonas Oliveira/Folhapress

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O que acabamos de escrever não significa que somos "contra o desenvolvimento econômico". Nada disso! Da mesma forma que os portugueses ocuparam o território da Terra de Santa Cruz somente com a intenção de extrair todas as riquezas possíveis, "passando por cima" de quem estivesse no caminho, pode-se dizer, em se tratando da questão da terra no Brasil, que essa história continua se repetindo - guardando as diferenças e especificidades de cada época -, apresentando a mesma "lógica perversa" nesta atual expansão capitalista do chamado "agronegócio".

Questão de terra ou questão de gente?

A propriedade da terra no Brasil sempre esteve concentrada nas mãos de poucos. Usaremos como imagem o momento em que todo o território da então colônia portuguesa foi dividido em Capitanias Hereditárias, separado da colônia espanhola pelo Tratado de Tordesilhas. Na época, houve "gritaria" de outros reinos europeus que indagavam se "Deus havia dividido o mundo entre Portugal e Espanha".

Ingleses e franceses protestaram e resolveram se apossar de parte da terra dividida, para poder usufruir das eventuais riquezas que encontrariam na América e na África. Os portugueses, por sua vez, não se contentaram com o território que lhes coube e invadiram a parte espanhola, contando a seu favor com o trabalho dos bandeirantes - aventureiros e mercenários que não hesitavam em assassinar seus adversários. Hoje dão seus nomes a grandes rodovias como Fernão Dias, Anhanguera etc. e a um monumento em sua homenagem, na cidade de São Paulo.

FONTE: ©Angeli - FSP 08.01.2008

Passando bem rapidamente pela História do Brasil, a título de exemplo, perguntamos:

Boxe complementar:

- No tempo do Brasil Colônia, por que os povos indígenas foram massacrados em todas as partes do território?

- O que significou e por que ocorreu a guerra dos Sete Povos das Missões?

- Durante o Brasil Império, por que foi aprovada, em 1850, uma Lei de Terras? O que ela de fato significava?

- Já no início do Brasil República, por que aconteceu o massacre do povo comandado por Antonio Conselheiro, em Canudos?

Fim do complemento.

Nestes quatro exemplos, apesar dos momentos históricos diferentes, uma mesma dinâmica acompanhou a luta pela terra no Brasil: a lógica determinada pelos interesses econômicos e políticos da classe dominante, formada por grandes proprietários de terras.

Começando pelo Brasil Colônia, qual era o modelo adotado para a ocupação do nosso imenso território? Ora, o rei de Portugal doava sesmarias - grandes extensões de terra - a pessoas de sua inteira confiança, que viraram "nossos" primeiros latifundiários (grandes proprietários de terras). Para extrair a riqueza da terra, escravizavam os povos indígenas que aqui viviam e, posteriormente, os povos africanos trazidos pela empresa do tráfico negreiro.

Segundo o pesquisador Júlio José Chiavenato, uma norma que existia no Regimento de 1548 - que determinava as funções do primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Sousa - foi a responsável não só pela instituição do latifúndio, como também da monocultura, implantando um modelo de posse da terra que perdura até hoje.

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Essa norma recomendava que "as terras apropriadas fossem doadas, livremente, para o cultivo de cana e para a fundação de engenhos, às pessoas com 'possibilidades' de desenvolver a empresa"(CHIAVENATO, 1996, p. 29). Esta decisão significava, de acordo com Chiavenato, que os gigantescos latifúndios implantados pelas sesmarias seriam ocupados, segundo o Regimento, somente pela monocultura da cana-de-açúcar, impedindo a formação de pequenas propriedades.



A concentração da terra permaneceu e se aprofundou durante todo o Período Colonial. E era um problema tão grave que, pouco antes da Independência, até um dos membros da classe dominante, José Bonifácio, apresentou uma proposta de legislação que previa a possibilidade de redistribuição das terras improdutivas por parte do Estado, por impossibilitarem o desenvolvimento econômico da Colônia (CHIAVENATO, p. 29-30).

LEGENDA: José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), o "Patriarca da Independência".

FONTE: Bruno Stuckert/Folhapress

Essa realidade ficou inalterada até 1850, já durante o Império, quando a Lei n. 601, que ficou conhecida como Lei de Terras, acabou com o sistema de posse, determinando que a terra somente poderia ser adquirida através da compra. Mas, o que significou essa Lei de Terras, afinal?

Uma das suas características era elevar o preço das terras, obrigando o pagamento à vista. Dessa forma, a venda das terras públicas era dirigida para uma elite social e o dinheiro arrecadado seria aplicado na vinda de colonos europeus. "A Lei de Terras visava não só consolidar a posse da terra nas mãos de uma elite, como também preparar um novo tipo de mão de obra para a lavoura, pois sabia-se que o escravismo teria de acabar." (CHIAVENATO, p. 30).

Essa lei concentrou ainda mais o latifúndio, pois as terras públicas - aquelas que não estavam ocupadas pela monocultura da cana-de-açúcar, do algodão, do café etc. - se tornaram muito mais caras do que as terras particulares, fazendo com que a sua aquisição somente fosse possível por parte das famílias mais ricas e poderosas, melhor dizendo, aquelas que já eram latifundiárias. Como o trabalho escravo foi sendo aos poucos substituído pelo trabalho assalariado, a Lei de Terras acabou por cumprir dois papéis: impediu que o imigrante europeu que chegava ao país adquirisse o seu pedaço de terra por meio da compra (com exceção de algumas regiões do Sul do Brasil) e impediu que o ex-escravo tivesse uma alternativa de trabalho com base na pequena propriedade da terra. É evidente que isso somente seria possível através da realização de uma reforma agrária, como fizeram todos os países capitalistas que realizaram a Segunda Revolução Industrial na mesma época, no século XIX. Nesse sentido, um exemplo clássico de um modelo capitalista, totalmente oposto ao brasileiro, foi dado pelos Estados Unidos que incentivou e forneceu todas as condições para a ocupação de terras por colonos americanos em direção ao Oeste - apesar do genocídio dos povos indígenas, como ocorreu por aqui.

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Este modelo brasileiro de alta concentração fundiária permanece até os dias de hoje. A Guerra de Canudos (1896-1897) pode ser considerada como um emblema do drama e da luta dos sem-terra em nosso país.



Deixando de lado o fanatismo religioso que formou o Arraial de Canudos, a pregação mística do beato Antonio Conselheiro arrastou uma multidão que não tinha onde ficar e nem para onde ir, em um Nordeste empobrecido enormemente pelo acelerado deslocamento dos investimentos econômicos rumo ao Sul do país, iniciado pela expansão da lavoura cafeeira. O massacre militar de toda aquela população de miseráveis foi a "solução" determinada pelo governo dos "coronéis" da República Velha, sob pressão dos latifundiários baianos, assustados com a possibilidade de que aquele movimento significasse uma verdadeira reforma agrária naquela região, "na marra" e "de baixo para cima" (cf. MARTINEZ, 1987, p. 10).

LEGENDA: A estátua acima, localizada em Canudos - BA, é uma representação de Antônio Conselheiro, o fundador do antigo Arraial de Canudos, no interior do estado.

FONTE: Letícia Moreira/Folhapress

Apesar de apresentar algumas características específicas, parte do que escrevemos sobre Canudos igualmente poderia abarcar a Guerra do Contestado (1912-1916), que também apresentou como semelhanças uma população expulsa de suas terras pelo processo de expansão capitalista no Sul do país, com o massacre da população camponesa pelo exército. Assim como em Canudos, a forte resistência popular tinha como base de sustentação a fé proporcionada por lideranças místicas e religiosas.

Na História do Brasil, portanto, a garantia da propriedade da terra para uns poucos chefes locais (a "oligarquia dos coronéis") e, depois, os modernos interesses capitalistas sempre prevaleceram sobre as necessidades de sobrevivência física da grande maioria da população.


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