1 Luiz Fernandes de Oliveira


Movimentos sociais e revolução



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Movimentos sociais e revolução socialista

O socialismo científico defendido por Karl Marx e Friedrich Engels apresentou uma mudança qualitativa significativa na postura política dos movimentos sociais até então existentes, já que propunha uma teoria da revolução socialista, na qual o proletariado assumiria um novo papel protagonista na História da humanidade, alterando radicalmente as relações de poder existentes na sociedade. Assim, tendo como um de seus principais guias o texto do Manifesto Comunista, os movimentos sociais passaram não mais a reivindicar o seu lugar na ordem do capital, mas sim a própria derrubada dessa ordem e a construção de uma nova sociedade, sem opressores e oprimidos.

As teorias de Marx e Engels, portanto, resultaram em uma nova conformação dos movimentos sociais, que assumiram o comunismo como o projeto político final, que deveria ser construído a partir da organização e da luta do proletariado. Como principais instrumentos para se alcançar esse objetivo, os trabalhadores, munidos dos ideais e das teorias marxistas - desenvolvidas mais adiante, no século XX, por outros teóricos fundamentais como Vladimir Lênin, Leon Trotsky, Rosa Luxemburgo, Antonio Gramsci e Ernesto Che Guevara, por exemplo -, adotaram como tática a mobilização e a organização da paralisação da produção capitalista (greves), e a estruturação de um partido político operário - o Partido Comunista -, responsável pelo comando do processo revolucionário, através das suas principais lideranças, reconhecidas pelo proletariado (a vanguarda operária).

Portanto, entre a segunda metade do século XIX - quando foi lançado o Manifesto Comunista - e durante a maior parte do século XX - até aproximadamente os anos 1960 -, podemos dizer que a grande maioria dos movimentos sociais surgidos nas diversas partes do planeta, que se constituíram principalmente a partir dos sindicatos urbanos e das associações camponesas, baseava-se na luta classista, na qual o projeto político, sob a liderança dos trabalhadores, passava pela mudança radical das relações sociais de produção existentes na ordem capitalista, com o objetivo de se construir uma sociedade sob outros moldes, de caráter socialista.



LEGENDA: Ernesto Che Guevara (1928-1967) foi um importante teórico e militante revolucionário marxista do século XX. Sua atuação política na Revolução Cubana (1959) e em outros países da África e da América Latina influenciou significativamente os movimentos sociais a partir da década de 1960. Na foto, o rosto de Che Guevara estampado numa bandeira, em Havana, Cuba.

FONTE: Douglas Cometti/Folhapress

Veremos adiante que o caráter dos movimentos sociais começa a se modificar a partir dos anos 1960, apesar da luta classista permanecer como referência para diversos movimentos importantes até os dias atuais.



Movimentos sociais no Brasil contemporâneo

Tomando como referência a História do Brasil, precisamos destacar, em primeiro lugar, que a nossa inserção subalterna e dependente no capitalismo internacional, após a II Revolução Industrial, no século XIX, teve como reflexo direto um baixo nível de organização política dos trabalhadores em geral.

Apesar disso, o operariado brasileiro - mesmo quantitativamente reduzido até a industrialização incentivada pelo Estado, após a Revolução de 1930 - protagonizou uma das maiores mobilizações de que se teve notícia em nossa História, com a organização e desencadeamento de grandes greves no Rio de Janeiro e, principalmente, em São Paulo, entre 1880 e 1929. Nesse período, somente em São Paulo tivemos a ocorrência de 259 greves (SIMÃO, 1966).

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O movimento operário dessa época era composto, em sua grande maioria, por trabalhadores pobres originários de países europeus, que vieram para o Brasil sob a promessa, feita pelo nosso governo, de melhores condições de vida. Chegando aqui, o que encontraram foi exatamente o oposto: baixíssimos salários, alto custo de vida, jornadas diárias de até 16 horas, condições de trabalho sem nenhuma segurança, inexistência de quaisquer direitos trabalhistas e moradias em cortiços sem quaisquer condições de higiene (SOUZA; MACHADO, 1997).

Nessas condições de vida e de trabalho é que surgiram no Brasil os primeiros movimentos sociais de trabalhadores assalariados, tendo como lideranças imigrantes europeus, principalmente italianos e espanhóis. Seus ideais de organização, porém, não era o socialismo defendido por Marx, mas o chamado anarcosindicalismo, bastante influente entre os trabalhadores europeus do final do século XIX e início do século XX. Entre suas propostas, podemos enumerar o projeto político de "(...) uma nova organização da sociedade, o fim da exploração do homem pelo homem, a abolição da propriedade privada, a coletivização dos meios de produção e a solidariedade entre os produtores - a classe trabalhadora" (SOUZA; MACHADO, 1997, p. 65).

Mas, isto não é "comunismo"?! Não, essas eram as principais propostas do movimento social anarquista da época, bastante próximas, como podemos perceber, das ideias de Karl Marx.

Os primeiros núcleos anarquistas foram fundados no Brasil a partir de 1890, publicando jornais como meio de propaganda das suas ideias, que incluíam - como instrumento de luta - o recurso à greve geral, ou seja, a paralisação total dos trabalhadores. Um exemplo foi a grande greve geral que ocorreu no dia 1º de maio de 1907, que atingiu as cidades de São Paulo, Santos, Ribeirão Preto e Campinas, envolvendo, além dos metalúrgicos e dos trabalhadores das indústrias de alimentação, gráficos, sapateiros, garis e pedreiros e serventes da construção civil.

A greve teve imensa repercussão no país e foi parcialmente vitoriosa, com algumas categorias profissionais conquistando, por lei, o direito à jornada de oito horas diárias de trabalho. Por outro lado, o Estado brasileiro passou a tentar controlar o movimento sindical, instituindo, ainda em 1907, uma lei que ameaçava de deportação os trabalhadores estrangeiros que participassem de movimentos grevistas.

O movimento sindical recuou, mas continuou organizado. Em junho de 1917, o movimento deflagrou uma das maiores greves gerais de que se teve notícia, atingindo 35 mil trabalhadores no estado de São Paulo e, ao se estender durante o mês de julho, paralisando mais 60 mil trabalhadores no Rio de Janeiro.

Boxe complementar:

Veja as principais reivindicações do movimento, apresentadas aos empresários e ao governo brasileiro:

- jornada de oito horas diárias de trabalho;

- fim do trabalho de menores;

- segurança nos locais de trabalho;

- redução dos valores dos aluguéis;

- redução do custo dos alimentos;

- direito à sindicalização;

- libertação dos operários presos durante a greve e recontratação dos grevistas demitidos.

(cf. SOUZA; MACHADO, p. 67-70)

Fim do complemento.

Então, como se pode perceber, facilmente, a partir do exemplo citado - o movimento operário brasileiro do início do século XX -, os movimentos sociais são uma ferramenta fundamental dos trabalhadores, não somente na sua luta por direitos básicos de sobrevivência, mas, também, como elemento que contribui para a sua conscientização política e para o avanço na conquista de outros direitos sociais, políticos e econômicos.

Nesse mesmo período citado, o país foi sacudido por outros movimentos sociais bem distintos do movimento operário, mas também muito importantes, como foram a Guerra de Canudos (1896-1897), no interior da Bahia; a Revolta da Vacina (1904) e a Revolta da Chibata (1910), na capital federal, Rio de Janeiro; e a Guerra do Contestado (1912-1916), em Santa Catarina, entre outros.

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Esses movimentos apresentaram características específicas, relacionadas a determinadas situações de opressão, conjugadas com o padrão de desenvolvimento capitalista que as classes dominantes procuraram impor ao nosso país. Em todos esses casos, os trabalhadores foram vítimas de discriminação, inclusive racial, e interesses políticos e econômicos, sendo considerados como obstáculos que precisavam ser eliminados.

LEGENDA: No final do século XIX, o sertão brasileiro foi agitado por um movimento social muito importante: a Guerra de Canudos.

FONTE: Acervo da Biblioteca Nacional

Vale a pena pesquisar sobre cada um dos movimentos citados, estudando a sua história e anotando suas causas, características e principais reivindicações.



O surgimento dos novos movimentos sociais

As diversas mudanças sociais, econômicas e culturais que ocorreram principalmente nas sociedades mais industrializadas, a partir da década de 1960, resultaram na organização de movimentos sociais de um novo tipo que, apesar de também terem surgido como reação às opressões e contradições existentes, não tinham como projeto político principal a destruição das relações de produção capitalistas e a construção de uma sociedade alternativa. Essas novas organizações que emergiram na sociedade ficaram conhecidas nos estudos sociológicos como novos movimentos sociais. Em oposição a essa ideia, o sindicalismo e as associações camponesas tradicionais, caracterizadas pela luta classista, passaram a ser rotuladas como representantes dos velhos movimentos sociais.

Quando nos referimos aos " velhos" movimentos sociais, definindo-os como classistas, não podemos ignorar que diversos movimentos que ocorreram nesse período, mesmo que pudessem ser entendidos como partes integrantes e ativas da luta de classes, tinham como objetivo organizar a revolução socialista. Este é o caso dos movimentos citados anteriormente, que ocorreram no Brasil da República Velha.

Os novos movimentos sociais, entretanto, são reconhecidos como diferenciados não somente em termos de projetos de sociedade, mas também, segundo seus estudiosos, na "forma de se fazer política".



LEGENDA: Os novos movimentos sociais contam com grande participação da juventude. Manifestação contra o aumento das passagens, no Rio de Janeiro, em 2013.

FONTE: Diego Felipe

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Uma das sociólogas que se dedicou ao estudo dos novos movimentos sociais que ocorreram no Brasil, a partir da década de 1970, foi Ana Maria Doimo, que publicou a obra A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70 (1995). No seu estudo, Doimo apresenta uma análise sobre o movimento contra o desemprego e os movimentos de saúde, do transporte coletivo, de moradia e do custo de vida, afirmando que todos eles apresentam uma postura ética e política comum, sendo compostos por sujeitos coletivos autônomos e independentes, que não se deixam cooptar ou manipular na sua luta por democracia e pela construção de políticas alternativas que defendam os direitos humanos e sociais (DOIMO, 1995, p.124).

FONTE: Latuff

Essas ideias listadas por Doimo se repetem na maior parte dos movimentos sociais que surgem no "apagar das luzes" da ditadura civil-militar de 1964, principalmente a partir da crise econômica que o capitalismo vivia naquele momento, que atingiu com força o país no final dos anos 1970, provocando o aumento desenfreado do custo de vida, inflação descontrolada e achatamento salarial. Foi nesta época que ressurgiu com força o movimento sindical brasileiro, com destaque para os metalúrgicos das montadoras e autopeças da região do ABCD paulista, que foi um dos berços políticos do Partido dos Trabalhadores (PT) e de onde surgiu como grande liderança Luiz Inácio Lula da Silva, que viria depois ser eleito presidente da República, governando entre 2003-2010.

As condições sociais, políticas e econômicas e o contexto em que surgiu o movimento sindical do ABCD foram captadas por precisão pelo sociólogo Eder Sader, que escreveu uma obra que ficou clássica sobre o tema, intitulada Quando novos personagens entraram em cena (1988). Entre outras questões importantes, Sader nos mostra como o movimento sindical operário se articulava com outros movimentos existentes na região, como as comunidades eclesiais de base (CEBs) da Igreja católica, influenciadas pela chamada Teologia da Libertação, e as práticas e dinâmicas oriundas da Pedagogia do Oprimido, formulada pelo educador brasileiro Paulo Freire.

A socióloga Evelina Dagnino afirma que esses novos movimentos sociais, diferentemente dos anteriores, se caracterizavam principalmente por apresentarem uma luta pela cidadania relacionada à ideia de acesso à cidade como um todo - como é o caso das associações de moradores - e a ampliação de direitos para as mulheres, homossexuais, negros, e em defesa do meio ambiente. Como ela mesma diz: "...na organização desses movimentos sociais, a luta por direitos - tanto o direito à igualdade como o direito à diferença - constituiu a base fundamental para a emergência de uma nova noção de cidadania" (DAGNINO, 1994, p. 104).

LEGENDA: Lutando pela ampliação de direitos - como o "direito à diferença" -, o Movimento LGBT pode ser caracterizado como um exemplo dos novos movimentos sociais surgidos entre 1970 e 1980. Na foto, a 17a edição da Parada Gay, em Copacabana - Rio de Janeiro, em 2012.

FONTE: Guillermo Giansanti/UOL/Folhapress

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Podemos acrescentar que não é por acaso que quase todos os movimentos sociais surgidos no final dos anos 1970 e que se multiplicam na década seguinte vão acompanhar a criação e a consolidação do Partido dos Trabalhadores (PT) enquanto instrumento de luta e projeto de conquista do poder político, já que uma das suas características iniciais é exatamente o questionamento do modelo do "socialismo real". Dentre as bases de sustentação social do PT, encontramos também os militantes das CEBs, as práticas político-pedagógicas inspiradas por Paulo Freire, e as bandeiras de lutas defendidas pelos movimentos dos negros, feministas, ecológicos e dos trabalhadores rurais que lutam pela Reforma Agrária.

A década de 1980 foi o período áureo dos novos movimentos sociais brasileiros e de construção dessa nova cidadania, como entendida por Dagnino. Esses movimentos participaram ativamente do processo de redemocratização do país, estiveram à frente da mobilização pelo retorno das eleições presidenciais diretas (o movimento das Diretas Já!, que organizou comícios que chegaram a reunir um milhão de pessoas). Ainda procuraram interferir com as suas principais propostas na elaboração da nova Constituição brasileira, através da organização do movimento intitulado como Plenário Nacional Pró-Participação Popular na Constituinte. Em todos esses momentos de luta, travados durante a década (1980), podemos dizer que as vitórias dos movimentos sociais foram parciais: afinal, o Diretas Já! foi derrotado pelo Congresso, em 1984, que manteve as eleições indiretas para o mandato presidencial seguinte, exercido por José Sarney; e a nova Constituição Federal de 1988, apesar de apelidada de "cidadã", em função dos avanços previstos na legislação social, acabou controlada pelos interesses capitalistas exatamente nos seus artigos sobre a ordem econômica. De qual quer forma, podemos dizer que essas duas derrotas dos movimentos sociais citadas aqui já estavam relativamente "anunciadas", pois esses movimentos, apesar de toda a força e o apoio popular que tiveram, não conseguiram sensibilizar um Congresso em que a maioria dos seus parlamentares ainda estava totalmente comprometida com o regime civil-militar, que teimava em resistir às mudanças. Isto aconteceu tanto na votação das Diretas Já!, quanto por ocasião da convocação, por esse mesmo Congresso, de uma Assembleia Nacional Constituinte, como propunham os movimentos sociais, ou seja, com a participação de representantes eleitos de forma direta pela sociedade, independentemente de partidos políticos, escolhidos para cumprir com a imensa tarefa de elaborar uma nova Lei Magna para o país. Os interesses conservadores, com maioria no Congresso, não permitiram que isto acontecesse, deliberando pela convocação de um "Congresso Constituinte", elegendo deputados e senadores pela via tradicional, como representantes indicados pelos partidos políticos existentes. Como se pode deduzir, desse quadro já "viciado" quaisquer mudanças seriam relativas, rasas, sem alterar minimamente as estruturas de poder então vigentes.



LEGENDA: Jovens em manifestação contra o sucateamento das escolas públicas do Rio de Janeiro, agosto de 2014.

FONTE: Diego Felipe

Por fim, podemos dizer que "o último suspiro" dos novos movimentos sociais brasileiros, nessa década, foram as eleições presidenciais de 1989, na primeira vez em que Lula concorreu e sofreu a sua mais dura derrota - para o ex-governador de Alagoas, Fernando Collor de Mello. A partir da sua posse e da implantação das políticas neoliberais no país, os movimentos sociais que marcaram os anos 1980 entraram num período de desmobilização cada vez mais crescente, perdendo também parcialmente os elementos políticos inovadores que o caracterizaram até então, apontados pelos estudos citados de Doimo, Sader e Dagnino.

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Para completar essa situação, Luiz Inácio Lula da Silva, cuja candidatura em 1989, pelo Partido dos Trabalhadores, representava a voz política dos movimentos sociais naquele período, tornou-se presidente da República, tempos depois, nas eleições de 2002, com o apoio de grande parte dos setores empresariais e conservadores que o haviam derrotado anteriormente - inclusive, o próprio Fernando Collor de Mello, que apoiou as campanhas eleitorais de Lula e, depois, da sua sucessora pelo PT, em 2010, Dilma Rousseff.



Movimentos sociais no século XXI

Refletindo sobre os movimentos sociais à luz de um olhar sobre a História das sociedades, percebemos que eles não desaparecem, mas dão lugar a novos movimentos, com características diferenciadas, de acordo com a realidade social, política, econômica e cultural de cada época. A cada dia sempre surgem e surgirão mais movimentos sociais, pois, numa sociedade com muitas desigualdades e com o Estado mostrando-se incapaz de satisfazer as necessidades dos diferentes grupos sociais, podemos afirmar que esses movimentos sempre surgirão, como o do Movimento do Passe Livre (MPL). São centenas de grupos que persistem na luta cotidiana contra o preconceito, o racismo, o desemprego, a falta de moradia, os salários rebaixados, o autoritarismo, contra o descaso com o meio ambiente, com a criança, com o idoso, com a educação, a saúde, com o transporte público etc.

O não atendimento das necessidades humanas básicas e a ausência de garantias para o exercício dos direitos fundamentais das pessoas fazem com que existam, por exemplo, os sem-terra, o movimento negro, o movimento de mulheres, os movimentos contra a discriminação de gays e lésbicas, os sindicatos, os grêmios estudantis, o movimento ecológico, o movimento pelos direitos humanos, os partidos de esquerda e algumas Organizações Não Governamentais (ONGs).

Por outro lado, devemos exercer toda a nossa capacidade de pensar criticamente quando lemos ou ouvimos os noticiários que os meios de comunicação - e as pessoas que reproduzem o que veem na TV e na internet - apresentam a respeito dos movimentos sociais em geral. Aqui, nosso olhar sociológico deve mais do que nunca funcionar para perceber os interesses que estão em jogo em relação a uma determinada questão social. Por exemplo: quando se faz uma crítica ao Movimento Passe Livre em São Paulo, chamando seus participantes de vândalos, quem está fazendo essa crítica? Os empresários dos transportes, os meios de comunicação ou o trabalhador comum das cidades?

Ao terminar a leitura do texto, reflita sobre a importância dos movimentos sociais num mundo capitalista.

LEGENDA: Manifestação das Mulheres Negras na praia de Copacabana - Rio de Janeiro, em julho de 2015.

FONTE: Acervo dos autores

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Interdisciplinaridade

Conversando com a História



Porque eu gosto das segundas-feiras

Marcelo Badaró

Segunda-feira, 17 de junho de 2013, Rio de Janeiro, Brasil. Centenas de milhares de pessoas foram às ruas em diversas cidades de todo o país na tarde/noite de hoje. Muitas ainda estão pelas ruas quando escrevo estas linhas. No Rio de Janeiro foram mais de 100 mil manifestantes, a enorme maioria deles(as)jovens, mas também alguns(mas) veteranos(as) de tempos em que passeatas dessas dimensões eram mais comuns. Outras(os) tantas(os) em São Paulo, muitas(os) em Belo Horizonte, Salvador, Belém, Porto Alegre, Maceió e várias outras cidades. Em Brasília, a manifestação ocupou o teto do Congresso Nacional, como nas "Diretas Já", em 1984, ou nos protestos contra a "reforma" da previdência de Lula da Silva, em 2003. Brasileiros(as) espalhados(as) pelo mundo, em mais de 50 cidades europeias e da América do Norte, foram às ruas ontem e hoje, para sentirem-se parte deste mesmo movimento.

Por quê? Faz uns 15 dias que as manifestações começaram, São Paulo como epicentro, tendo como reivindicação imediata a reversão do reajuste das passagens do transporte público. À frente dos protestos, o movimento pelo passe livre, que já completa cerca de uma década e é capitaneado pelos estudantes. Seus/suas protagonistas são estudantes universitários(as) e secundaristas, alguns(mas) organizados(as) em partidos e movimentos de esquerda, mas outros(as) reativos(as) às formas organizativas tradicionais e muitas(os) sem qualquer referência desse tipo, vestindo máscaras de anonymous (do filme/quadrinho V de vingança), paradoxalmente combinadas a bandeiras do Brasil. Mas, lá também estavam muitos(as) trabalhadores(as) descontentes com o preço das passagens e com muito mais. O que mais?

Estamos em tempos de ensaio de Copa do Mundo, com a tal Copa das Confederações. Muita gente foi "despejada" (como se gente fosse dejeto mesmo) de suas casas, sob a justificativa de que novas vias tinham que ser abertas para a tal Copa, as Olimpíadas (e a valorização do solo urbano...). E quem vai e volta do trabalho todo dia em conduções superlotadas, gastando horas extras não remuneradas nesses trajetos, não vê nenhuma melhora em sua vida depois disso, pelo contrário. Mas, vê os governos isentando as empresas privadas do setor rodoviário de impostos e ainda assim aumentando as passagens para garantir lucros elevados. "Da copa eu abro mão, quero dinheiro pra saúde e educação", cantam os(as) manifestantes. Tudo isso em época de hipervalorização dos preços dos imóveis urbanos e dos aluguéis, aumentos generalizados dos custos da alimentação e de outros gastos essenciais para a manutenção da sobrevivência. Não há porque estranhar as vaias para Dilma.

Podemos, porém, avaliar que há algo mais por trás desse rápido despertar das mobilizações de massa. Um caminho para tanto é localizar quais são os principais alvos das manifestações. Nos telejornais, especialmente do maior grupo empresarial monopolista das comunicações no Brasil (a Rede Globo), cujos(as) repórteres têm que se manter distantes e anônimos(as) para não serem hostilizados(as) pelos(as) manifestantes, percebe-se enorme dificuldade em manter a linha editorial de alguns dias atrás, que classificava as primeiras manifestações como baderna e vandalismo. Agora se veem obrigados a baixar o tom e reconhecer o caráter de massa dos movimentos. Isso porque os monopólios das comunicações são um dos alvos mais evidentes das manifestações. As pessoas reagem, ainda que de forma contraditória, em alguns momentos, contra o que percebem ser um instrumento claro de imposição de "consensos" em torno de valores que lhes são estranhos, quando não hostis, de pacificação dos conflitos a partir da valorização da repressão e da conformação à ordem dominante.

O outro centro do descontentamento expresso pelas mobilizações é a repressão policial. Não seria errôneo avaliar que o rápido crescimento do número de pessoas nas ruas registrado hoje pode ser atribuído a uma reação contra a violência da polícia - especialmente a paulistana - na repressão aos atos da última semana. Atos contra o reajuste das passagens hoje foram ampliados como atos em defesa do direito de manifestação. Alguns dizem que a polícia cometeu excessos, outros afirmam que ela é despreparada. Se equivocam, ou querem confundir. O simples fato de que o Estado brasileiro manteve polícias militares, mesmo após o fim da ditadura, já deve ser tomado como fator explicativo para muita coisa. E não é despreparo o que os policiais demonstram quando atiram à queima-roupa em manifestantes - eles foram treinados para fazer isso todos os dias nas favelas e periferias das grandes cidades (com a diferença de que lá as balas não são de borracha...). Estão também habituados a aplicarem essa força repressiva contra todos os movimentos da classe trabalhadora que ousem ir além do papel de claque dos governantes.

Em suma, os alvos aparentemente secundários (cada vez mais primários) dos protestos contra os reajustes das tarifas - os monopólios de mídia em seu esforço incessante por moldar corações e mentes aos desígnios da ordem do capital e o braço policial/repressivo de um Estado que nunca abdicou de sua face mais dura (...) indicam uma novidade estimulante das manifestações em curso. Elas prenunciam (...) um clima de levante latente, contra as duas faces mais fortes, que combinadas trabalham para a contenção da luta de classes e caracterizam a dominação burguesa na atualidade brasileira: a imensa rede de aparelhos de criação de consensos e o nunca desmontado/sempre incrementado, aparato de coerção repressiva. Claro, para que esse potencial se transforme em uma efetiva onda de mudanças é preciso muito mais. (...)

Cabe a nós plantarmos agora, no asfalto das ruas, essas flores da primavera brasileira, pois o inverno já dura demais nestes trópicos ensolarados.



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