A voz do passado



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Do mesmo modo, seria difícil, num estudo sobre experiên-cia de trabalho, obter uma visão crítica de empregados com mui-tos anos de casa, que dedicaram a vida à empresa, e só o fizeram por estar dispostos a aceitar suas condições. Os criados mais ca-317

tegorizados de uma casa de campo são bom exemplo disso. Con-tudo, enquanto empregados desse tipo são fáceis de localizar, os trabalha dores temporários, que podem ter sido em número muito maior do que aqueles, são muito mais difíceis de identificar. E deve ser vigorosamente enfatizado que nem a utilização de docu-mentos escritos compensará necessariamente esse tipo de dese-quilíbrio da evidência oral. John Toland baseou seu complacente retrato de Adolf Hider como um "arcanjo deformado", um in-compreendido, um caráter "complexo e contraditório", em entre-vistas com 250 sobreviventes do círculo pessoal de Hitler. 12 Não teve dificuldade alguma em dar sustentação a isso a partir dos arquivos alemães. História oral dessa espécie simplesmente se iguala às distorções da história oficial. Teria sido inteiramente diferente se ele optasse por encontrar alguns dos adversários e das vítimas de Hitler.


É necessário, também, especial cuidado no caso de se utili-zar a computação como parte da prova, devido ás dificuldades da amostragem retrospectiva. A tabulação pode ser um modo muito valioso de classificar e corrigir as impressões que se tenham a respeito do conteúdo de um grande número de entrevistas. Um exame cuidadoso do material de entrevista, tendo em mente um esquema de codificação, pode de fato obrigar a um exame muito mais preciso daquilo que se tenta demonstrar e de qual evidência as entrevistas podem oferecer. Por outro lado, mesmo com entre-vistas colhidas com base numa amostra representativa, melhor será ater-se ás formas mais simples de análise e não aventurar-se para além de porcentagens fáceis de compreender e padrões de alta correlação. Por exemplo, Trevor Lunimis analisou um con-junto de 35 entrevistas para um programa da Universidade Aberta sobre "Dados históricos e as Ciências Sociais", relativas âdecadência do serviço doméstico no início do século XX. Suge-riu-se que urna das razões dessa decadência podia ter sido o fato de que os empregadores de classe média desejavam uma vida familiar mais privada, e que a presença de empregados aumen-tava a distância entre os membros da família. Um rápido exame

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das entrevistas sugeriu, porém, que a divisão social no interior de uma casa era menos acentuada quando ali havia crianças. Deci-dindo tomar os hábitos de alimentação diária como teste, ele pôde montar a seguinte tabela:
Casas Casas em que os Casas em que os

com empregados comiam empregados

separados dos patrões participavam de pelo

(%) menos uma das

refeições (%)

_____________________________________________________

Um empregado e crianças 8 92

Um empregado sem crianças 80 20

Dois empregados e crianças 67 33

Dois empregados sem crianças100 0


Essas cifras mostram de maneira bastante conclusiva que, no interior dessas casas, a presença de crianças reduz o isola-mento social na hora das refeições. Indicam, ainda, que o número de empregados domésticos na casa também pode ser crítico, mas não são prova disso: seriam necessários mais dados de casas maiores para tal. Contudo, desde que os números sejam suficien-tes e que se levem em conta as fontes de viés devidas à seleção dos informantes, o historiador pode ter a ajuda do cientista social, pois, em estudos quantitativos, o efeito normal da lembrança in-correta é o de baixar todas as correlações entre variáveis, obscu-recendo todos os padrões de modo aleatoriamente confuso, e não distorcendo-os em determinadas direções. Como diz Richard Jen-sen, "isto significa que os verdadeiros valores das correlações são mais elevados do que os observados. Em outras palavras, se o historiador identifica um padrão interessante utilizando dados cheios de erros, pode estar seguro de que, à sua época, o padrão era ainda mais vigoroso - certamente um feliz resultado". 13

Uma contagem e um cálculo de porcentagem simples podem ser feitos por qualquer pessoa. Uma calculadora portátil

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apressará o processo, mas com um conjunto de menos de uma centena de entrevistas, recursos mecânicos mais sofisticados pro-vavelmente levarão mais a perder do que a ganhar tempo. Até mesmo com microcomputadores simples, precisa-se de tempo para introduzir as informações na máquina de forma adequada; e caso se utilize um computador de grande porte de uma institui-ção, também é provável que você desperdice muito tempo para obter de volta as informações, pelo fato de o computador não estar disponível exatamente quando e onde você desejar. Os pro-gramas imediatamente disponíveis, até agora desenvolvidos para análise estatística de histórias de vida, provavelmente se mostra-rão muito primitivos e trabalhosos para utilizar com transcrições de entrevistas. 14 E a etapa realmente mais demorada, quer se use ou não esses recursos, estará na leitura e categorização crítica e detalhada do material.


Uma contagem preliminar pode indicar de que modo deve ser desenvolvida uma interpretação. Propondo novas questões, pode também indicar a necessidade de trabalho de campo com-plementar. De fato, não se pode fazer a distinção nítida que até agora ternos dado como certa. A situação ideal é muito diferente: um contínuo aperfeiçoamento mediante o vaivém de grandes teo-rias, pequenos palpites e a estratégia prática do trabalho de campo. O que se encarou, de saída, como o problema principal pode acabar sendo um equívoco, um beco sem saída; assim, a medida que continua o trabalho de campo, a ênfase se desloca para outra área de indagação, ou se busca um grupo diferente de informantes. Alternativamente, a teoria original não se ajusta aos fatos descobertos. Pode-se modificar a teoria? Ou será melhor olhar para os fatos de outra perspectiva inteiramente diversa? Claro que não existe um procedimento estabelecido pelo qual se possa levar adiante essa busca de interpretação em curso. Por definição, ela exige flexibilidade e imaginação. Nem tudo será bem-sucedido. Escalar os pontos culminantes da história é algo perigoso. E são poucos os problemas realmente interessantes que

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serão resolvidos definitivamente. Não obstante, na associação imaginativa entre interpretação e trabalho de campo, o historia-dor individual tem uma vantagem peculiar em relação ao projeto de pesquisa de grandes dimensões. Pelo fato de que o material pode ser enxergado como um todo, e também em profundidade, a partir de muitas perspectivas, e por estar o trabalho de campo sob controle direto, a flexibilidade interpretativa pode desenvolver-se de modo a dar sustentação ao objetivo global. De fato, todo o método se baseia numa associação entre investigação e questio-namento no diálogo com o informante: o pesquisador chega com a esperança de aprender o inesperado tanto quanto o esperado. Daí a reconhecida eficácia das entrevistas de história de vida na geração de "conceitos, conjeturas e idéias, tanto em nível local e situacional, quanto em nível histórico-estrutural, e dentro da mesma área e na relação com outras áreas". 15 Em contraposição, defeito bem conhecido das operações em larga escala é que, muito embora elas possam abranger um leque muito mais amplo de explicações e fontes possíveis, não podem ser submetidas a esse tipo sutil de controle e modificação de detalhe. Partem de um projeto de pesquisa bem estabelecido, o trabalho de equipe organiza-se nessa base, o tempo é limitado e o trabalho de campo precisa estar completo bem antes de ser escrito o primeiro ras-cunho do relatório final. Contudo, uma vez iniciada a análise do trabalho de campo, toma-se claro que grande parte do material é de pequeno interesse, mas se ao menos se tivesse explorado mais a fundo aquela determinada área... O historiador individual não ficará satisfeito se não fizer essa busca complementar.
Isso pode ser proposto de outro modo, pela comparação entre o historiador e um cientista. A pesquisa científica progride mediante uma seqüência sinuosa de teoria geral, observações e conjeturas, experimentos, hipóteses de trabalho testadas por ex-perimentos ulteriores, becos sem saída, e conjeturas e testes adi-cionais, até que, finalmente, urna hipótese resiste a todas as con-dições e, se for conveniente, busca-se, então, uma reformulação da teoria. Todo trabalho histórico padece da desvantagem inevitá-321

vel de ter que trabalhar a partir de casos reais disponíveis e não de experimentos especialmente criados. Como sugeriu Edward Thompson, os historiadores têm que testar suas idéias com um processo lógico muito semelhante ao da prova jurídica, sempre vulnerável à descoberta de evidência subseqüente. 16 O grande projeto, porém, que utiliza um levantamento de campo está du-plamente prejudicado por reduzir a apenas um todos os passos experimentais das etapas essenciais do desenvolvimento da pes-quisa. Fica, pois, imobilizado por qualquer descoberta suficiente-mente importante que conteste suas condições preestabelecidas. Daí a tendência a que as conclusões de um levantamento se es-tendam em explicações sobre o óbvio. Eles obtêm seus grandes recursos à custa - para usar a frase de Vansina - do "poder da dúvida sistemática da pesquisa histórica": que constitui a essên-cia mesma do progresso criativo em interpretação histórica.


Tudo isso é algo abstrato. Examinemos um exemplo prático da interação entre teoria e trabalho de campo. Peter Friedlander expôs com clareza incomum, na introdução a The Emergence of a UAW Local 1936-1939: a Study in Class and Culture, de que maneira se desenvolveu sua pesquisa. 17 De início, tinha a seu dis-por determinados fatos - tais como cifras brutas do censo, datas e uma narrativa simples tirada de documentos da época; e tam-bém diversas teorias gerais - tais como o marxismo da luta de classes que fundamenta a história operária e, de Max Weber, os conceitos de racionalidade e individualismo como essenciais a uma era burguesa. Mas as lacunas eram enormes. Não existia evidência documental de atitudes na fábrica em relação à autori-dade e de como isso mudou à medida que o sindicato se organi-zou; nem de quem constituía o circulo interno dos líderes sindi-cais, nem de como eles se relacionavam com os grupos sociais dentro da fábrica, nem de se esses líderes formavam ou refletiam opinião nem de quais eram, de fato, os grupos sociais principais de trabalhadores na fábrica, como variavam suas atitudes em re-lação à luta sindical, e como isso afetava sua vida e pontos de vista pessoais. Do mesmo modo, os conceitos teóricos eram insa-322

tisfatórios. Essa luta sindical não tinha lugar apenas numa socie-dade capitalista industrial desenvolvida. A maioria dos trabalha-dores havia migrado para a cidade em que trabalhavam provindos dos mais diversos contextos sociais. Assim, sua luta pela sindicali-zação fazia parte, também, de unia transformação muito mais ampla de culturas sociais nas famílias e nos indivíduos migrantes: dentre eles, os eslavos de mentalidade religiosa, os nacionalistas croatas revolucionários, os artesãos ianques e escoceses, as famílias ru-rais dos Apalaches e os negros norte-americanos urbanizados. Esses subgrupos culturais específicos estavam presentes ao evento para proporcionar a chave para a interpretação. Contudo, como ob-serva Friedlander,


a historiografia operária, que tendeu a ter como certa a presença de um trabalhador moderno, individualizado e racional, em geral tem encarado o processo de sindicalização em termos estritamente racionais, institucionais e com vistas a um fim. Passa-se em silêncio por sobre o problema da cultura e da práxis.
Mesmo nos casos em que, na história operária, se utiliza um esquema explicitamente marxista, a tendência é que toda uma seção da sociedade seja
concebida como um individuo, e o problema é então explicar a formação institucional como resultado de um processo racional dentro da cons-ciência desse quasi individuo.
Nem sempre, porém, é fácil localizar essa racionalidade es-perada; nem explicar sua insuficiência num determinado caso, em termos de conceitos teóricos gerais, tais como, por exemplo, "falsa consciência
A cada momento em que se observa uma lacuna entre as abstra-ções da economia política do trabalho e a realidade concreta do indiví-duo, do grupo de pares, da gangue, da facção, da família e da vizinhança - de caráter e de cultura -, logo aparecem noções psicológicas ad hoc investidas de um poder explicativo espantosamente ubíquo. Essas no-ções ignoram um dos problemas básicos do pensamento histórico: a na-323

tureza das relações existentes entre essas muitas camadas da realidade social (...) a estrutura complexa das culturas e das relações que se desen-volvem e interagem.


Com o andamento da pesquisa, revelou-se que apenas os trabalhadores protestantes, qualificados e norte-americanos de tradição mais antiga podiam ser descritos nos termos individua-lista e racionalista clássicos. Esse grupo fornecia a maior parte da liderança, muito embora nele também houvesse muitos que não sentiam qualquer interesse pelo sindicato. Os apalaches também atuavam como indivíduos, mas principalmente em base moral:

aderiram ao sindicato relativamente tarde, quando passaram a acreditar que sua causa era certa e, tendo aderido, eram tão intei-ramente leais a ele quanto a suas seitas religiosas. Os velhos imi-grantes do Leste europeu preocupavam-se muito mais com o que era certo ou errado, em termos sociais ou éticos, para a comunidade, e atuavam explicitamente como grupo. Muito embora pes-soalmente amedrontados e submissos, não gostavam dos capata-zes e da gerência, e se tornaram sustentáculos seguros da liderança sindical. Em contraposição, seus filhos eram muito mais ativos e abertos, e um grupo de jovens poloneses, em particular, que per-tenciam a gangues de vizinhança, teve no nível papel na luta. Como os eslavos mais velhos, atuavam em conjunto, mas com pouca consciência política e social: eram pragmáticos, oportunis-tas - incontroláveis militantes da greve selvagem, dispostos a romper um contrato pela greve e, a seguir, fornecer gente para os piquetes. Era como se, para eles, o sindicato fosse "uma gangue maior e melhor".


Só quando se identificaram esses grupos e suas atitudes e que a narrativa da luta pôde ser reconstruída de maneira signifi-cativa. Contudo, não só nenhuma dessas informações era acessí-vel de saída, como também nem se sabia se viriam a ser necessá-rias. A descoberta das informações e o desenvolvimento de uma interpretação foram avançando par a par à medida que, durante um período de dezoito meses, Friedlander conversava com o líder sindical Edmund Kord. Kord possuía uma memória excep-324

cionalmente rica e precisa e, de fato, foi se lembrando de mais coisas à medida que sua mente se concentrava cada vez mais naqueles anos passados. Por três vezes, Friedlander gastou uma semana inteira com ele, e cada uma dessas sessões prolongadas deu origem a esboços, comentários, perguntas e discussões. Du-rante um dos dois intervalos entre as sessões, houve seis horas de conversa telefônica gravada; o outro produziu, ao todo, 75 pági-nas de correspondência. Eles tiveram que criar entre si não só os fatos necessários, mas uma compreensão e uma linguagem co-muns para seu intercâmbio. E se a "volumosa descrição", em que afinal Friedlander fundiu os fatos e as interpretações, não lhe per-mitiu dar o passo final completo para uma nova teoria, certa-mente lançou os alicerces para isso com as diferenças acentuadas que mostrou existir entre gerações, bem como entre diversos gru-pos sociais na fábrica, cada qual trilhando seu caminho entre um tipo e outro de consciência.


As trilhas contrastantes percorridas por diferentes gerações do mesmo grupo de trabalho também são demonstradas pelos no-táveis estudos de Tamara Hareven sobre Manchester, outrora a capi-tal têxtil da Nova Inglaterra. Fundada pela Companhia Amoskeag, na década de 1830, a cidade cresceu em torno dos terrenos da fábrica, e a promessa de trabalho seguro e bem pago atraiu suces-sivas levas de imigrantes. No início do século XX, seu complexo de trinta fábricas, empregando 17 mil trabalhadores, constituía o maior parque têxtil do mundo. A indústria gigante era tão funda-mental em suas vidas que o povo de Manchester acreditava que ela ia existir para sempre: "A gente pensava que estaria sempre lá". Contudo, num prazo de duas décadas, suplantado pela mão-de-obra mais barata e pela maquinaria mais nova de outras re-giões, o gigante morreu. Amoskeag fechou as portas, falida, em 1936. Firmas menores reviveram mais tarde algumas partes do parque industrial, de modo que a indústria têxtil continuou lu-tando durante mais uns quarenta anos em Manchester, mas final-mente a última fábrica fechou as portas em 1975. Mesmo então, havia trabalhadores que não continham as lágrimas: "Vou sentir

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falta das pessoas com quem trabalhei, vou sentir falta da própria fábrica..."; "ela é como um segundo lar".18 A Revolução Indus-trial viera e se fora: uma alegoria obsessiva do destino de grande parte do mundo ocidental.
Tamara Hareven publicou dois livros sobre Manchester. O primeiro, Amoskeag (1978), foi um documentário dramático construído em torno de fotografias de Randolph Langenbach e do testemunho de antigos tecelões: sobre como conseguir emprego e aprender ofícios, os prazeres e as tensões do trabalho, as brinca-deiras, o paternalismo da companhia, e as amargas lutas finais com Amoskeag. É um testamento do trabalho industrial, de sua posição central na vida das pessoas, e o perigo em que esse tra-balho se encontra agora, contado pelos próprios homens e mulhe-res de Manchester - livro de raro vigor. Family lime and Indus-trial lime (1982), em contraposição, é uma interpretação reflexiva e analítica que reúne um conjunto muito mais amplo de material. Paralelamente a extratos das entrevistas, os argumentos são sus-tentados por inúmeras tabelas extraídas do censo local e de uma amostra dos registros de mão-de-obra de Amoskeag. Hareven proporciona uma história operária mais amplamente documen-tada da evolução das políticas de Amoskeag relativas a paterna-lismo, gerenciamento científico, confronto com os trabalhadores e sindicalismo empresarial, bem como análises de modelos de carreira e oportunidades de Promoção dentro das fábricas.
Contudo, os antes insights do livro provêm da justaposição desse estudo do mundo da fábrica com a vida fami-liar dos trabalhadores de Manchester, o que foi possível por meio

Da história oral. O resultado é uma contestação de muitas opi-niões amplamente defendidas. Ela mostra como a família nuclear "moderna "não é a que lida com uma catástrofe das di-e mão-de-obra, mas sim a família extensa mais "tradicional", que consegue manter-se eficaz

Quando espalha - na verdade, mais eficaz justamente por estar espalhada a o canal de recrutamento de trabalhadores migrantes para a fábrica; e, no fim, foi a rede de

segurança da retirada. Ou ainda, os trabalhadores que não haviam seguido carreiras regulares mostraram maior probabilidade de possuir capacidade de adaptação para enfrentar com êxito aquele tipo de crise do que aqueles que haviam seguido. Além disso, esses resultados são colocados dentro de um quadro teórico clara-mente sistematizado do "tempo da família" d~ "tempo do tra-balho": a luta entrecruzada dos "planos de vida" familiares e a história industrial. A analogia do tempo talvez sugira excessiva certeza do resultado, mas coloca bem em relevo o modo pelo qual, embora alguns aspectos do ciclo vital se repetissem cons-tantemente, a experiência e as oportunidades de cada geração di-feriam acentuadamente. Enquanto para uma delas a Amoskeag deu a segurança de uma família paternalista e chances de promo-ção, para a geração seguinte oferecia um pesadelo de tensões; e para a última, a desesperança de um navio que está afundando. A consciência oscilante da comunidade - leal, militante, desespe-rada - refletiu o momento histórico em que a juventude de cada geração atravessou os portões da fábrica.


Essa capacidade de fazer conexões entre esferas distintas da vida constitui uma força intrínseca da história oral no desenvolvi-mento da interpretação histórica. Ao estudar a transição de uma cultura para outra, no tempo, ou por migração, não só podemos ver essas culturas separadamente, mas também observar os cami-nhos trilhados por cada indivíduo de uma cultura para outra. E quase toda vida individual cruza a fronteira entre o lar e o tra-balho. Conseguir sair desses limites conceituais pode produzir hipóteses surpreendentemente novas, mesmo a partir de um estudo de pequenas proporções. Em demografia, por exemplo, tem-se por certo que o planejamento familiar e o emprego do controle da natalidade espalharam-se por "difusão" de atitudes das classes medias superiores para baixo na escala social, chegando até as classes trabalhadoras. Já se haviam registrado algumas exceções, como a baixa fertilidade dos plantadores de algodão; porém, foi um projeto piloto de história oral, executado por Diana Gittins, que, pela primeira vez, indicou que o modelo básico de "difusão"

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era falso: pois as mulheres da classe operária alteraram suas prá-ticas de controle de natalidade mediante influências independentes - notadamente discussão do assunto no trabalho - e não por influência direta da classe média. Na verdade, as que tinham con-tato mais estreito com famílias de classe média, trabalhando para elas como empregadas domésticas, foram as que receberam menos informação sobre planejamento familiar; e até mesmo os médicos e enfermeiras foram em geral de pouco proveito, quando não positivamente desorientadores, para seus clientes das classes trabalhadoras. Essa primeira descoberta exploratória através da história oral levou à importante pesquisa, que contém análises estatísticas da taxa de fertilidade das mulheres trabalhadoras e utiliza antigos registros clínicos, publicada por Diana Gittins em Fair Sex (1982). Sua reinterpretação constitui um resultado típico da história oral, pois a teoria da "difusão" credita às classes mé-dias uma transformação social que se deve igualmente às aspira-ções das próprias mulheres da classe operária.
Contudo, se a mulher trabalhadora desempenhou papel tão importante na profunda mudança social marcada pela transição demográfica entre as décadas de 1870 e de 1920, da qual decor-reu tanta coisa mais de natureza econômica e social, por que foram elas tão mais lentas do que os homens em reconhecer seu interesse coletivo na política e no sindicalismo? Os políticos e historiadores masculinos têm, o mais das vezes, suposto ser "na-tural" que as mulheres tenham parte menos ativa no movimento operário; e quando o problema chegou a ser considerado, foi em termos de local de trabalho, e da vida profissional mais curta e mais interrompida das mulheres. Porém, a pesquisa de Joanna Bomat, sobre os sindicatos têxteis de Yorkshire, mostrou como a consciência das mulheres foi moldada pela subordinação tanto no lar quanto na fábrica. Arrumavam emprego mediante contatos fa-miliares, eram treinadas na fábrica por parentes, e entregavam seus envelopes de pagamento inteirinhos para suas mães; e era seu pai quem decidia se ela devia ou não entrar para o sindicato. Se entravam, os cobradores do sindicato iam buscar sua contri-328

buição em casa e não no recinto da fábrica.19 Em suma, a divisão masculina entre os mundos do trabalho e do lar obscureceram toda compreensão adequada da consciência de classe das mulhe-res operárias. Porém, uma história que não as leve em considera-ção estará apoiada em frágeis alicerces.


Não há dúvida de existe o perigo de as fontes orais, utiliza-das isoladamente, estimularem a ilusão de um passado quoti-diano em que fiquem esquecidos tanto os entrechoques da narra-tiva política da época, quanto as pressões invisíveis da mudança econômica e estrutural, exatamente porque elas raramente i1I~ fluem nas lembranças dos homens e mulheres comuns. É essen-cial situá-las nesse contexto mais amplo. Como vimos, porém, as fontes orais podem auxiliar-nos a compreender como se constitui aquele contexto. Além disso, acenam com a promessa de avançar nessa compreensão de modo fundamental.

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