ApresentaçÃo do projeto político – pedagógico


Desenvolvimento Socio-Educacional



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Desenvolvimento Socio-Educacional

  • História do Paraná (Lei nº 13381/01);

  • História e Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena (Lei nº 11.645/08);

  • Música (Lei nº 11.769/2008);

  • Prevenção ao uso indevido de drogas;

  • Sexualidade Humana;

  • Educação Ambiental;

  • Educação Fiscal;

  • Enfrentamento à Violência contra a criança e o adolescente;

  • Direito das Crianças e Adolescentes (Lei Federal nº 11525/07);

  • Educação Tributária Dec. Nº 1143/99, Portaria nº 413/02;

  • Educação Ambiental (Lei Federal nº 9795/99, Decreto nº 4201/02).

Percebe-se que o percurso indicado para a abordagem do gênero discursivo, seja oral ou escrito, seja para leitura ou produção, começa pela definição dos papeis enunciativos: definem-se as pessoas enunciativas, para em seguida se definir a situação de enunciação (BENVENISTE, 1989). O passo seguinte é a definição dos recursos argumentativos, ou seja, pensa-se no texto a partir das propostas da Semiótica, em termos de embate ideológico, não importando o gênero, se tal oposição de ideias é explícita ou não. Usam-se aqui termos da Semântica Argumentativa, como coesão e coerência. Em seguida, a preocupação recai sobre as especificidades de gêneros, e aqui o percurso sofre alterações: por exemplo, a escrita se preocupa com discurso direto ou indireto, ou com recursos gráficos, enquanto a oralidade irá preocupar-se com turnos de fala, ou variações linguísticas. A leitura, por sua vez, está interessada em localizar esses elementos, com vistas à depreensão do sentido. Talvez aqui a prática de leitura peque por se preocupar pouco com as características de gênero, elemento que, para Bakhtin (2003, p. 261s) dá início à interação entre quem enuncia e quem recebe o enunciado. Sem a depreensão do gênero como etapa preliminar, automática, internalizada pelo falante, a compreensão do texto se compromete. O que se faz é tornar consciente um processo que existe como internalizado.

Quanto aos conteúdos relacionados à cultura afro-brasileira e à história dos povos africanos, devem ser contemplados em Língua Portuguesa sob inúmeras formas. Antes mesmo da formulação das leis 11645/08 e 10639/03, a disciplina sempre tratou da cultura afro-brasileira, seja sob a forma da arte literária, seja sob o enfoque de questões ligadas ao assunto, contidas na imensidade de gêneros que circulam na sociedade. A história da literatura brasileira está eivada de obras que discutem a situação do negro na sociedade, e de pessoas que ensejam a discussão, na maioria das vezes sob o enfoque crítico. Da mesma forma, a disciplina aborda a problemática, que pode ser inserida em uma imensidade de gêneros discursivos, verbais e não-verbais.

Também no que se refere à lei 9795/99, que trata de temas emergentes na sociedade, como direitos políticos, sexualidade, uso de substâncias entorpecentes, educação ambiental, entre outros, a disciplina sempre os enfeixou, através da abordagem de gêneros. Não se trata apenas de ler textos que focalizem os temas; a disciplina possibilita a produção de textos, orais e escritos, que os abordem. Inclusive, através da possibilidade de inserção de textos de opinião em fóruns de discussão, ou como cartas de leitor, em meios de comunicação que podem possibilitar a divulgação destes. Trata-se de uma possibilidade inerente à disciplina, mas que se torna uma forma profícua de o aluno expressar sua opinião, não precisando fazê-lo de forma isolada, mas alcançando leitores efetivos, fora da escola. O aluno pode tornar-se um produtor de textos autênticos a partir da oportunidade patrocinada por tais temas.



3- Metodologia da disciplina

Não há dúvida de que a ênfase nas Diretrizes curriculares de Língua Portuguesa recai sobre a metodologia. Afinal, a disciplina optou pela prática como forma de abordagem, fazendo de toda teoria apenas um aparato que garanta o sucesso daquela.

A opção pela metodologia como centro da proposta, que organiza o conjunto, é uma forma de se evitarem os desencontros ocasionados por propostas curriculares anteriores. Fica definida ali a opção pela prática. E o modo como essa prática se organiza e deve ser trabalhada é especificada duas vezes na proposta estadual, ou seja, ela é definida no capítulo “Fundamentos teórico-metodológicos” e explicitada no capítulo “Encaminhamentos metodológicos” das Diretrizes curriculares. O diferencial da última edição do documento, em relação aos anteriores, é a inclusão do item “análise linguística” logo após as práticas discursivas. O documento deixa claro: “análise linguística é uma prática didática complementar às práticas de leitura, oralidade e escrita, faz parte do letramento escolar” (PARANÁ, 2008, p. 77), mas não é uma prática discursiva, o que significa que ela não aparece na relação de conteúdos, e deve ser vista apenas suporte para tais práticas. O professor deve saber que a abordagem de um gênero discursivo não é pretexto para a fixação, como exercício, de conceitos extraídos de aulas de análise discursiva: o que deve ocorrer é o oposto: a produção ou a leitura de gêneros é que deve ser construída tendo a análise linguística como um complemento.

É preciso que fique bem claro: o cerne da proposta curricular de Língua Portuguesa é a metodologia. É ela que rompe com os chavões metodológicos, como os exercícios de fixação, os testes, as provas, e coloca a prática com gêneros discursivos efetivos como sendo a possibilidade de entrada em quaisquer conteúdos. A prática discursiva, a partir do conteúdo estruturante “discurso como prática social”, só pode ocorrer enquanto gênero discursivo: o contrário seria ignorar Bakhtin, e fazer da linguagem uma abordagem sem ligação com as formas como ela se cristaliza na sociedade. As ideias de Bakhtin, Benveniste, Ducrot, Greimas, incorporadas pela proposta, não são um modismo, uma concepção política, mas conhecimento científico organizado. Trata-se, sem dúvida, da aceitação do conhecimento científico acerca da linguagem pela disciplina. A incorporação da ciência pela proposta atual aborda a linguagem como fenômeno humano, tal como faz a Linguística.

Portanto, a metodologia aponta para a superação de alguns entraves. A noção de gênero discursivo nada mais é que a aceitação de pressupostos que vem ao encontro das variantes linguísticas e se equivalem, servindo cada qual a uma forma de interação, cristalizada em gêneros socialmente definidos. Não há uma variante melhor ou “certa”. Existe adequação da linguagem ao gênero, ao interlocutor, às estratégias textuais. A chamada “economia das trocas linguísticas” (SOARES, 1994), motivo para que a variante padrão seja moeda de maior valor, e a classe que a utiliza seja vista como necessariamente mais apta a exercer o poder, passa a ser questionada a partir do momento em que todos os gêneros são motivos para abordagens. O que deve ser salientado é que a proposta curricular enxerga a variante padrão como algo a ser construído no aluno, ficando as demais como formas espontâneas, mais próximas à coloquialidade de que ele já dispõe.

A mediação do professor é importante para flexibilizar o uso das demais variantes, em seus gêneros específicos, como forma de romper com a visão excludente. Um gênero como história em quadrinhos, que é escrito, ou uma peça teatral, que é oral, por exemplo, fazem uso das variantes coloquiais, e são textos que demandam esforço de elaboração, até para que a linguagem apareça como adequada. Da mesma forma, a adequação a formas mais específicas de linguagem, como a da criança ou do idoso, em textos direcionados para os mesmos, são formas de se mostrar a adequação lexical e se fazer uso de estratégias argumentativas.

É preciso, no entanto, que se tome muito cuidado para que não se vejam oralidade e escrita como práticas separadas, que se excluem ou anulam. Esse erro é ainda comum em sala de aula. Trata-se de uma visão que já havia sido superada, por exemplo, em Geraldy (1997b), com a noção de “produção de textos”, que incluía tanto as modalidades orais como as escritas em uma ação: produzir. Ao mesmo tempo, este teórico havia colocado a ação de ler como se referindo às duas modalidades, e até mesmo às formas mistas ou não-verbais. Tudo se resumia em ação: ler. A proposta paranaense cria uma dificuldade de abordagem ao colocar oralidade como uma prática separada da escrita e da leitura, pois não se podem abordar, na escola, gêneros orais que não seja através de produção ou leitura. É preciso que se tome cuidado com os equívocos que isso pode ocasionar. O principal deles é a não aceitação, pelo aluno, de um conceito amplo de texto, que enxergue os gêneros orais como tal. O risco é entender-se apenas a escrita como produção de textos. O professor precisa definir claramente ao aluno o conceito de texto da Semiótica, que entende como tal toda unidade portadora de sentido, incluindo-se aqui o não-verbal, as obras de arte, como esculturas e pinturas, também são textos. Afinal, é o conceito da Semiótica que permeia a proposta das diretrizes.

Em relação às três práticas discursivas, assim como à abordagem do texto literário, existe um percurso a ser seguido. Tal percurso é que define os encaminhamentos metodológicos para cada prática. Por isso, o que se dispõe como “abordagem teórico-metodológica” na grade curricular é apenas um desdobramento do que já está contido nos conteúdos básicos. Estes já são um método, como percurso definido a partir de teorias que possibilitem uma visão metódica e abrangente do texto enquanto gênero discursivo.

Ainda em relação à oralidade e à escrita, a adoção do processual como enfoque metodológico e avaliativo traz consigo a necessidade de não se atentar para determinados gêneros apenas como orais ou escritos. Marcuschi deixa evidente que não há por que insistir nessa separação, em Da fala para a escrita. Na verdade, a tabela de gêneros, classificados a partir da diferença entre oral e escrito, agrupados também por esferas de circulação, indica que há graus de formalidade dentro das duas práticas. Assim, há uma zona intermediária, em que oral e escrito se tornam indissociáveis. Um gênero como o telejornal, por exemplo, parte da escrita para a oralidade. A mesma condição ocorre com letras de música, peças de teatro, discursos de palanque. Como especificá-los em uma única prática, se seu processo de produção aponta para momentos diversos? Sua enunciação não se confunde com seu momento de produção. Além deste aspecto, que não pode ser esquecido, é preciso que se olhe para a possibilidade da passagem do oral para o escrito, a partir daquilo que Marcuschi define como “atividades de retextualização”, ou seja, possibilidades de que textos orais sejam transformados em textos escritos, com a necessária mudança nos gêneros discursivos, e a devida adequação a eles. Não é possível evitar-se essa abordagem. Para os alunos de 5ª e 6ª séries, sobretudo, essa é a forma mais segura de se construírem competências definitivas. É reconhecida como um problema com repercussão sobre o restante da vida escolar do aluno a dificuldade que ele apresenta em relação à construção de habilidades de escrita, que rompam com marcas de oralidade onde elas devam ser evitadas. Na verdade, o aluno permanece numa espécie de limbo, o analfabetismo funcional, que se torna gritante quanto à escrita. Mas a escola, tantas vezes, evita construir estratégias que sirvam como intermediárias entre a oralidade e a escrita, e que apareçam sob a forma de gêneros organizados. A oralidade passa a ser vista como um mal evitável. Ou se cria uma noção de respeito pelo seu falar, mas que o reconhece como impróprio. E o aluno não passa por aqueles gêneros que constituem escalas intermediárias entre as duas práticas, como piadas, histórias em quadrinhos, peças teatrais, entre outros. Para Marcuschi, uma possibilidade de se construir essa passagem é a retextualização, ou seja, a transformação de gêneros orais em escritos. Os livros didáticos estão cheios de tiras humorísticas, trechos de peças teatrais, mas que quase nunca são usados como possibilidade de intermediação entre as duas práticas. Da mesma forma, é preciso que se faça uso daqueles gêneros orais que se transportam para a escrita, como entrevistas.

Feitas as considerações anteriores, é preciso que se especifiquem as práticas, separadamente.

Em relação à prática de oralidade, as diretrizes apregoam:

O trabalho com os gêneros orais deve ser consistente. Isso significa que as atividades propostas não podem ter como objetivo simplesmente ensinar o aluno a falar, emitindo opiniões ou em conversas com os colegas de sala de aula. O que é necessário avaliar, juntamente com o falante, por meio da reflexão sobre os usos da linguagem, é o conteúdo de sua participação oral. O ato de apenas solicitar que o aluno apresente um seminário não possibilita que ele desenvolva bem o trabalho. (PARANÁ, 2008, p. 66)


O trecho evidencia a preocupação com a construção de habilidades em variante padrão, mesmo com a prática da oralidade. Deixa claro que essa prática não constitui um trabalho a partir da espontaneidade do aluno, que valorize uma fluência não condicionada por características de gênero; ao contrário, o que se considera como prática de oralidade é exatamente o trabalho com gêneros orais regrados, ou seja, a possibilidade de se construírem situações em que existam graus de formalidade, e o aluno possa adequar sua linguagem às situações de uso. Não é objeto da prática oral o comentário espontâneo, feito, por exemplo, a partir de um filme; é preciso que o aluno saiba qual o gênero que está sendo produzido, mesmo quando em situações em que o simples comentário é entendido como um gênero discursivo. Da mesma forma, as práticas orais servem para construir habilidades comunicativas, ou seja, elas servem para desinibir o tímido, levando-o a expressar-se naquelas situações entendidas como produção de gênero oral. Não se trata jamais de se trocar uma prática oral por uma escrita, com o intuito de não forçar o aluno que tem resistência a expressar-se oralmente; ao contrário, é preciso que se entenda que a construção de habilidades orais passa pela superação da resistência. Não se está avaliando o conteúdo, como ocorre em outras disciplinas, em que o aluno pode escolher formas de avaliação, orais ou escritas, apenas para que possa ser avaliado de um modo que facilite para ele. Em Língua Portuguesa, interessa a prática oral como tal. Por isso, é preciso que se entenda que a expressão “conteúdo de sua expressão oral” não se refere ao significado no sentido estrito. O significado tem sua importância como recurso e habilidade comunicativa, mas aqui, conteúdo se refere a todo o percurso definido nos conteúdos básicos, incluindo as especificidades de gênero, como forma de enunciação. Não há como se trocar um gênero oral por outro, escrito, pois o conteúdo inclui a enunciação oral.

Em relação à escrita, é preciso que se especifique que se trata de produção de gêneros escritos. Não se trata da realização de testes ou provas. Ou seja, escrita é produção, que passa por um processo definido, além daqueles elementos já especificados como conteúdos básicos. O processo tem prevalência sobre o produto final, tal como especificado no capítulo sobre avaliação. Em relação à produção escrita, é preciso que se estabeleça que as etapas especificadas na tabela de conteúdos, como conteúdos básicos ou abordagem teórico-metodológica, são essenciais à produção de qualquer gênero, pois não há como se desvincular as categorias enunciativas ou as especificidades de gênero do ato de se produzir; o aluno deve estar de posse desses elementos. para a produção de textos que estejam adequados ao que se dispõe nos conteúdos básicos.

O processo de produção de textos pode ser simplificado em três etapas: planejamento, escrituração e revisão. No entanto, há outras possibilidades de abordagem. Uma das propostas mais adotadas, sobretudo por propostas construtivistas, provém das teorias dos cognitivistas, como Elbow e Calkins. Desta autora, que divide o processo em quatro etapas (CALKINS, 1989, p. 139s), a saber, ensaio, esboço, revisão e edição, surgiram outras derivações, como as experiências de Jolibert e Jacob (2009) com crianças das séries iniciais. No Brasil, uma proposta passível de execução é a de Passarelli (2004, p. 106), contida em Ensinando a escrita. Nela, a autora divide as etapas de produção de texto em quatro fases: planejamento, tradução de ideias em palavras, revisão e editoração. No entanto, Kato (1987, p. 85-92) compreende que a editoração é uma atividade concomitante a todas as outras, ou seja, a todo o instante o texto é revisto e reorientado, fazendo com que o professor possa ganhar tempo, a ser destinado para análises epilinguísticas do texto, momentos em que se reorienta o aluno e se fornecem noções básicas de escrita. Para Kato, o que garante o êxito no processo é presença de um monitor que planeja, estabelece metas e edita o texto a todo instante. A revisão seria, para ela, um momento em que se atenta para a forma, enquanto a editoração controla a adequação do texto ao que se planejou.

A questão a ser focalizada aqui é: uma única revisão não é suficiente para que o aluno da escola para a qual este plano se destina consiga realizar sua produção de texto de modo satisfatório. É preciso que o texto seja reelaborado, como revisão, até que atinja um patamar aceitável de adequação à proposta feita pelo professor. Essa adequação deve evidenciar, sobretudo, o percurso didático disposto como conteúdos básicos:

a) as características de gênero discursivo encabeçam o processo de escrita; a partir do momento em que o aluno não produziu ou não está reconhecendo as especificidades do gênero pedido, a atividade deve ser reorientada, para que se obtenha, ao final, não uma atividade escrita apenas para que se conceda nota, mas um produto que corresponda ao gênero especificado;

b) a estrutura deve corresponder à do gênero pedido; se não corresponder, de imediato a atividade deve ser reorientada e refeita; não há como dar continuidade a um texto que, desde sua organização macroestrutural, não corresponde ao gênero textual pedido;

c) a versão preliminar do texto, disponibilizada para ser anotada pelo professor, como revisão, pois o aluno não pode monitorar sozinho seu texto, já deve corresponder ao gênero textual pedido; o que se faz então é melhorar essa versão, adequando a linguagem, melhorando seu aspecto estrutural, sugerindo aprimoramentos no aspecto da significação;

d) a versão preliminar normalmente não fica pronta após uma única revisão, seguida de reescrituração; é preciso que o texto retorne ao professor, para outras revisões e reescriturações, até que o texto produzido corresponda, de fato, às exigências dispostas;

e) uma atividade de escrita deverá, dentro das possibilidades, ser lida pelos demais alunos, colocada sob sua apreciação crítica, no momento da revisão, e depois de concluído, conforme descrito nas diretrizes e preconizado pelos modelos de produção textual propugnados pela Linguística Textual, os quais derivam quase sempre dos cognitivistas; da mesma forma, deve suplantar o âmbito da sala de aula.

A reescrituração do texto é parte do processo, e deve ser compreendido como tal, ou seja, o desempenho do aluno ao longo deste deve prevalecer, como avaliação, em relação ao produto final, já pronto. Ela possibilita exatamente aquilo que as leis reguladoras chamam de “recuperação concomitante” (BRASIL, 2005), ou seja, o aluno refaz sua atividade sem interromper o processo de produção. Não há, nessa recuperação, um intervalo entre um produto terminado e sua refacção. O que faz com que essa refacção possa ser entendida como recuperação é que, durante o processo, são fornecidas ao aluno as informações necessárias para que resolva as suas dúvidas, e vá construindo as habilidades necessárias para que chegue a um resultado satisfatório. Essa é a forma de recuperação que as leis requerem para todas as disciplinas, mas, no caso específico da Língua Portuguesa, ela é o próprio processo, conforme definido pelos pesquisadores da área.

A possibilidade de se reorientar o aluno antes que ele chegue ao final do seu trabalho está na base para que se trabalhe com noções fundamentais de língua portuguesa, através de abordagens epilinguísticas, o que garante cientificidade a estas (GERALDY, 1997c). São elas que constroem competências definidas, nos momentos em que o aluno se debate com o uso da língua. As experiências que acreditam possível criarem-se habilidades através do conhecimento teórico, para apenas em seguida relacioná-lo à prática, resultaram em fracasso. Aprende-se a usar a língua em condições de uso da mesma. É o momento em que as habilidades são adquiridas. Algo que está nas propostas pedagógicas vigentes e até mesmo naquelas já suplantadas; não há como se separar aprendizagem da prática com o objeto de estudo.

Em relação à leitura, esta pode ser entendida sob duas perspectivas diversas: existe a leitura de gêneros discursivos diversos, englobando esferas de circulação amplas, e existe a leitura do texto literário. Não há como se reduzirem as duas perspectivas de leitura a um único processo. Não se lê texto literário para se obterem informações de caráter pragmático, não é o referente que interessa nele.

O ensino de literatura, como arte, ou seja, a Literatura, ainda que não seja uma disciplina autônoma, deve ser visto como uma prática em si, e não um suporte para aulas preocupadas apenas com o conhecimento da língua, ou habilidades de interpretação de texto. O texto literário deve ser visto como uma das artes, a mais complexa e elevada dentre elas, como apregoava Hegel (1954). A arte literária está, para o filósofo alemão, na iminência de se tornar ciência do humano. É a última evolução possível, da Arte, antes de desembocar na filosofia e na ciência. Por isso, é o encontro da emoção com a razão. Dentro da literatura convivem o expressionismo e o surrealismo mais passional, por exemplo, com o romance de tese ou o romance filosófico. Não há como se subordinar a Arte à emoção imediata, ou a um pretenso conteúdo. Se o “conteúdo” da leitura não for a própria obra literária, como conceito, a razão pela qual se estuda literatura já foi negada.

Por isso, nota-se o esforço das Diretrizes curriculares por tentar encontrar um modelo de abordagem do texto literário que proporcione tanto a tão ansiada fruição quanto a compreensão deste como fenômeno, a ser observado a partir de critérios científicos. Se falhar a tentativa de fruição, pelo menos se construiu um conjunto de noções científicas, que desmistifiquem o texto literário como mera distração, substituível pela televisão ou pela internet.

A proposta curricular contida nas Diretrizes tenta criar um aparato científico que dê conta de ambos os aspectos: fruição e ciência, para tal, busca embasar-se nas diferentes teorias que norteiam esse trabalho, como por exemplo a Estética da Recepção, movimento de origem alemã difundido sobretudo por Hans Robert Jauss (2002) e Wolfgang Iser (1996 e 1999a), a partir da década de 60, é uma descrição do modo pelo qual o leitor interage com a obra.

A Estética da Recepção surge como uma reação ao método estruturalista, que orientava as investigações literárias a partir de modelos menos críticos e mais descritivos. A necessidade de se fazer da leitura uma forma de interação, em que a figura do leitor não fosse apenas a de receptor passivo, é uma consequência direta dos movimentos sociais da década de 60. A descrição que os integrantes desse movimento fizeram da interação autor-leitor coloca a figura deste último como um dos responsáveis pela construção dos sentidos da obra. Não se trata de um movimento isolado. Na Semiótica, os trabalhos de Umberto Eco, como Obra aberta, já apontavam para uma abertura na produção dos sentidos, preenchida pela figura do leitor. Eco (2001) descreve essa relação de um modo próximo ao do movimento alemão. O que a Estética da Recepção viria a fazer seria uma sistematização desse processo interativo. Mas é preciso que se reconheça que o movimento quase esgota suas possibilidades de abordagem nessa descrição. A construção de uma teoria sobre a obra literária, como produto de elaboração estética, viria a ser obra de Wolfgang Iser, a partir do que veio a ser chamado de Teoria do Efeito Estético. Tal proposta tem ocupado o teórico alemão, juntamente com a elaboração de uma explicação para a necessidade humana de se criar a literatura. Iser chamou de Antropologia Literária essa ciência mais vasta. Seu pressuposto reside no fato de que todas as sociedades humanas dispõem de uma literatura. Dessa forma, a literatura corresponde a uma necessidade de explicação do real, que a compartimentação da ciência em áreas específicas não consegue realizar. A literatura funde todas as esferas do real que interessam ao humano explicar, e que são uma condição para sua sobrevivência. Explica os sentidos do real, não apenas sua condição como fenômeno. Por isso, a literatura não pode ser entendida como excrescência, algo que se aborda se sobrar tempo dentro da carga horária; como necessidade antropológica, ela é uma das áreas essenciais à formação humana, tantas vezes apregoada pela proposta curricular.

A escola que ignora a literatura nessa condição de necessidade antropológica, indissociável do humano, nega sua intenção humanista, e se desmascara como preocupada unicamente com as contingências do mercado de exigências escolares.

Iser (1999b) define a relação autor-leitor, ou relação da obra com o leitor, como sendo uma forma de jogo. Cada obra constitui-se em um sistema fechado sobre si, que possui regras próprias de interação. Se o leitor perceber essas regras, será capaz de interagir com a obra. Poderá ser um leitor eficiente. Mas se esse leitor não aceitar as regras da obra, e não jogar com ela, sua leitura fracassará. Ou seja, tem-se aqui uma descrição daquilo que Coleridge, no século XIX, definia como “suspensão da descrença”, modo pelo qual cada leitor aceita as regras próprias da obra e se deixa seduzir por ela. Para Iser, essas regras são obra do “autor-implícito”, instância interna ao texto, e que as instaura. Esse autor-implícito está em busca de seu leitor, aquele que interagirá com sua obra. O leitor real, efetivo, da obra, pode ou não corresponder a esse leitor que é ansiado por ela. Evidentemente, a existência desse leitor é condicionada pelo reconhecimento de especificidades do texto literário. O leitor deve saber que cada obra corresponde a uma intencionalidade, mas só irá percebê-la se compreender o que faz da obra literária aquilo que ela é. Apenas o leitor que dispõe de noções sobre o que seja, de fato, uma obra de arte literária, pode interagir com ela. A escola precisa criar essas noções. Por isso, o ensino de Literatura não pode se reduzir a apenas leitura espontânea, é preciso sistematizar essas leituras no leitor ainda em formação, fornecendo a ele formas de adentrar o universo de cada obra. Sem essa formação, sua leitura estará sujeita aos gostos criados pela indústria cultural, que se resumem ao entretenimento passageiro. Hoje, mais do que nunca, é preciso que se despertem no aluno conceitos que o levem a romper com essa dependência do mercado cultural. Por isso, a literatura deve ser vista como se focalizam também obras de pintura, escultura, música, ou até mesmo cinema, ou seja, a partir do conceito estético que dá origem a elas. É preciso que o efeito estético, que corresponde a uma intenção do autor sobre o leitor, seja especificado, e buscado por quem incentiva a leitura.

A historiografia literária, neste sentido, importa como possibilidade de se desenvolverem essas noções de estética literária. É preciso que a história da literatura seja vista como formação de noções de estilo, que possam ser comparados entre si e essa comparação deve se estender a outras artes. É uma das razões pelas quais os livros didáticos estão repletos de obras de pintura e escultura, e sugestões de filmes: formar noções estéticas que possibilitem a formação do leitor. Importa também que o professor disponha dessa cultura artística; sem ela não há como se formar o leitor pelo qual a obra almeja.

A escola precisa fazer uso efetivo das obras literárias que vêm sendo disponibilizadas através dos programas de incentivo à leitura e formação de acervos. Não se trata de deixar o aluno ler apenas como forma de melhorar sua escrita, mas como forma de introduzi-lo no universo da literatura. As escolas têm recebido grandes obras, de autores essenciais na história da literatura universal.

Uma metodologia de trabalho com a leitura de obras literárias não deve corresponder à mesma que se utiliza para a leitura de outras obras. Não se trata de perceberem-se conteúdos ou mensagens, mas de se entender a obra em seus aspectos constitutivos, formais. O “horizonte de expectativas” do leitor, expressão assumida pelas Diretrizes Curriculares como sendo uma decorrência da Estética da Recepção, não corresponde ao espontaneísmo, à leitura que apenas “acha” alguma coisa do livro, opinião balizada em fatores não-estéticos. Esse horizonte de expectativas precisa ser criado e, no caso de leitores em formação, francamente superado. O horizonte de expectativas de um leitor ainda jovem jamais corresponderia ao do leitor intencionado por grandes escritores. É preciso que se pense aqui na obra literária como “estranhamento” (TODOROV, 2004, p. 24s), termo com o qual o formalismo russo define o efeito estético. Esse estranhamento seria, assim, o elemento que diferencia o texto literário do texto não-literário. Neste, qualquer estranhamento pode causar insucesso, e o texto fracassar em sua intenção. O leitor de uma propaganda não deve desconhecer a mensagem do texto. No caso do texto literário, é esse estranhamento que leva à reflexão sobre a obra, sua constituição formal, e àquilo que aparece nas diretrizes como “superação do horizonte de expectativas” do leitor.

A metodologia que se aplica ao texto não-literário, esta sim, se aproxima cada vez mais daquela que vê o texto em sua integralidade, como ato intencional. A opção pela abordagem de todo texto como gênero discursivo traz consigo a necessidade de se atentar para os aspectos constitutivos do texto, como linguagem, como estrutura, como adequação aos interesses de quem o produz, ou seja, não se trata mais de se decodificar para se interpretar a mensagem. O código passa a fazer parte dessa mensagem.

Por isso, é importante que a escola passe a entender que não há textos a serem valorizados pelo seu conteúdo. Um panfleto de propaganda de um telefone celular é um texto abordável, tanto como uma crônica de autor consagrado. O que ocorre é que há diferentes esferas de circulação, integradas por gêneros que possuem uma função, como prática social.

O conceito de multiletramento, tão apregoado pelas diretrizes curriculares, e que é amplamente discutido como “letramento múltiplo”, por autores como Rojo, Kleiman, Tfouni, entre outros, é uma consequência imediata de se superar a visão escolar do texto como pretexto para mensagens formadoras. Interessa ao leitor competente ser capaz de interagir com os gêneros discursivos, entendendo-os como forma de interação com as próprias esferas de circulação de onde se originam. Não interagir com esses textos significa estar excluído dessas esferas. Por isso, o letramento múltiplo é a única possibilidade real de inclusão do indivíduo nas esferas sociais. Inserir o indivíduo na sociedade significa fazer com que ele entenda os textos que a sociedade produz.

Letramento múltiplo significa adotar as formas modernas de exercício da linguagem, como as mídias eletrônicas. Não há por que se excluir da escola a linguagem da internet, dos chats, assim como não se exclui dela a linguagem mercadológica da propaganda, da televisão, trata-se de entender cada uma dessas mídias como formas específicas de manifestação do discurso como prática social. Teóricos são incisivos em relação à necessidade de a escola atentar para as muitas esferas, com a atenção para os tipos de linguagem, como narrar, descrever, argumentar, desde que o aluno ingressa nela. É preciso que cada série, em sua proposta de trabalho elaborada anualmente pelo docente responsável, tenha inseridos em si gêneros de diversas esferas.

É importante que se especifique que o livro didático é instrumento auxiliar, e deve estar em conformidade com a proposta curricular.

Da mesma forma, o uso dos recursos didáticos deve ser feito pensando-se nos letramentos múltiplos, utilizando o que a escola hoje dispõe de computadores com internet, televisões nas salas de aula, projetores, entre outros recursos, trata-se, de usar esses recursos para favorecer o acesso a múltiplos gêneros textuais, que vão desde o filme, de inegável valor estético, ao comercial, ao debate político, aos gêneros que formam a mentalidade dependente da indústria cultural, e que devem ser observados, de fato, com criticidade. Não há limites para as esferas de circulação. Mesmo os gêneros peculiares à internet, como chats e correios eletrônicos, devem ser objetos de leitura e escrita. Essas mídias são uma forma de a escola proporcionar o acesso à informação efetiva, no momento de sua produção, em páginas eletrônicas, proporcionam que o aluno participe de fóruns de discussão, envie cartas do leitor autênticas, que serão lidas e, talvez, publicadas, favorecem o acesso à informação de qualidade, que transcenda e modifique o horizonte de interesses do aluno. Muitas vezes, ele nem sabe que vai encontrar, na internet, o assunto pelo qual se interessa, pois não sabe usar a mídia.

A televisão possibilita o diálogo com obras diversas, como reproduções de pinturas e esculturas, que são essenciais à formação estética, sobretudo nas aulas de Literatura. A televisão deve ser forma de multiletramento, o que interessa na abordagem de gêneros múltiplos é o que está disposto nos conteúdos básicos: uma partida de futebol, exibida na televisão, interessa como gênero discursivo, assim como videoclipes, novelas, entre outros, devendo ser observados a partir do que se dispõe como leitura nas Diretrizes curriculares. A televisão é útil sobretudo para aulas de leitura.

O mesmo pode ser dito em relação ao uso do computador. Sabe-se que a escrita a mão está em vias de uma redução drástica, e que as linguagens da internet estão em expansão. Mas é preciso ir além do simples contato com linguagens novas, que são importantes. Este recurso deve servir, também, para que o aluno aprenda a usar os gêneros diversos em sua forma digitada, em editores de texto, ou seja, ele precisa saber a configuração que seu texto feito a mão vai assumir, quando editado no computador. É uma habilidade que a escola não pode negar ao seu aluno.

Os recursos devem prever a possibilidade de utilização de gêneros em suas configurações originais, como impressos diversos, revistas e jornais.



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