209 ções da Central Intelligence Agency, em Washington -informou o americano. Os lábios de Gorbachev comprimiram-se e a fronte enrugou-se. - E eu Stephen Laing, director de Operações, Divisão do Médio Oriente, da Informação Britânica. A perplexidade do dirigente soviético acentuou-se. Espiões? Que demónio pretenderiam dele? Cada uma das nossas agências apresentou um pedido ao seu respectivo governo para solicitar que nos recebesse, senhor Presidente. O Médio Oriente caminha para a guerra a passos agigantados. Ninguém o ignora. Para a evitar, precisa-mos de conhecer as intenções íntimas do regime iraquiano. Estamos convencidos de que o que eles dizem em público e o que discutem entre si difere radicalmente. Não há nada de novo nisso -observou secamente. Absolutamente nada, de facto. No entanto, trata-se de um regime muito instável. Perigoso... para todos nós. Se conseguíssemos saber o que se passa no seio do Gabinete do Presidente Saddam Hussein, poderíamos planear uma estratégia para eliminar o risco de uma guerra iminente -disse Laing. É para isso que servem os diplomatas. Sim, em situações normais. Mas há casos em que nem a própria diplomacia é suficientemente aberta para exprimir certas ideias ou projectos particulares. Decerto se recorda do caso de Richard Sorge? Gorbachev assentiu, com um movimento de cabeça. Todos os russos conheciam o episódio relacionado com Sorge. Era um herói póstumo da União Soviética. - Na altura, a informação dele de que o Japão não atacaria a Sibéria revelou-se totalmente crucial para este país - salientou Laing. -Mas não poderia ser transmitida através da embaixada. Temos motivos para crer que existe em Bagdade uma fonte, excepcionalmente situada em termos de importância, em condições de nos revelar as intenções secretas de Saddam Hussein. A obtenção dessa informação pode representar a diferença entre uma guerra e a retirada voluntária dos iraquianos do Koweit. O secretário-geral soviético assentiu, com uma inclinação de cabeça. Também não gostava de Saddam Hussein. Outrora cliente dócil da URSS, o Iraque tornara-se cada vez mais independente e, recentemente, o seu Presidente mostrara-se mesmo ofensivo. Além disso, Gorbachev achava-se plenamente consciente de que, se desejava levar a bom termo as reformas que tinha em mente, necessitaria de apoio financeiro e industrial. O que 210 implicava a boa vontade do Ocidente. A Guerra Fria terminara. Era uma realidade incontestada. Fora por esse motivo que ele levara o seu país a aprovar a condenação iraquiana do Koweit promulgada pelo Conselho de Segurança. Então, contactem com essa fonte, meus senhores. Obtenham informação que as grandes potências possam utilizar para alterar a situação, e ficar-lhes-ei profundamente grato. Eu e todo o meu povo. A União Soviética também não deseja que haja guerra no Médio Oriente. Na verdade, gostaríamos de estabelecer esse contacto -volveu Stewart.-Mas não podemos. A fonte recusa identificar-se, e compreende-se porquê. Os riscos a que se expõe devem ser enormes. Assim, para o conseguirmos, temos de evitar a via diplomática. Ele deixou bem claro que só comunicará connosco secretamente. - Nesse caso, que pretendem de mim? Os dois ocidentais respiraram fundo. Queremos introduzir um homem em Bagdade para servir de agente de ligação entre a fonte e nós -explicou Barber. Um agente? Sim, senhor Presidente, um agente. Que se fará passar por iraquiano. Têm alguém nessas condições? -inquiriu Gorbachev, surpreendido. Temos. Mas precisará de viver algures. Secreta, discreta e inocentemente... enquanto recolhe as mensagens e entrega as nossas pretensões. Pedimos que seja autorizado a fazer-se passar por iraquiano ao serviço de um funcionário superior da embaixada soviética. Uniu as pontas dos dedos de ambas as mãos e pousou nelas o queixo. As operações secretas não lhe eram, de modo algum, estranhas e montara várias na KGB. Agora, solicitavam-lhe que ajudasse antigos antagonistas daquela organização a montar uma e oferecer a embaixada soviética como guarda--chuva do agente. Na realidade, a situação era tão impensável que quase soltou uma gargalhada. Se esse homem fosse apanhado, a minha embaixada ficaria comprometida. Não, senhor Presidente. A embaixada soviética teria sido ludibriada pelos tradicionais inimigos do Ocidente -referiu Laing. -Saddam engoliria a versão. Gorbachev imergiu em reflexões. Ponderou o empenho pessoal de um presidente e uma primeira-ministra no assunto. Era óbvio que o consideravam importante, e ele via-se compelido a encarar a sua boa vontade para consigo não menos valiosa. Por último, inclinou a cabeça. 211 - Muito bem. Transmitirei as instruções necessárias ao general Vladimir Kryuchkov para que conceda a colaboração necessária. O general mencionado era, na altura, director do KGB. Dez meses mais tarde, quando Gorbachev se encontrava em gozo de férias no Mar Negro, Kryuchkov, juntamente com o Ministro da Defesa, Dmitri Yazov e outros, promoveria um golpe de estado para derrubar o Presidente. Os dois ocidentais agitaram-se nas cadeiras com visível desconforto. - Salvo o devido respeito, senhor Presidente, podemos solicitar que confie unicamente no Ministro dos Assuntos Estrangeiros? -aventurou Laing. Eduard Shevardnaze era então o chefe da diplomacia soviética, amigo de confiança de Mikhail Gorbachev. Somente em Shevardnaze? -estranhou este último. Exacto. Ficar-lhe-íamos extremamente gratos. Então, os preparativos decorrerão apenas através do Ministério dos Assuntos Estrangeiros. Quando os dois ocidentais se retiraram, Gorbachev imergiu em cogitações. Queriam que só ele e Shevardnaze estivessem ao corrente do assunto. Não desejavam que Kryuchkov se inteirasse. Saberiam alguma coisa que o presidente da União Soviética desconhecia? Ao todo, eram onze agentes da Mossad -duas equipas de cinco e o controlador operacional que Kobi Dror escolhera pessoalmente, retirando-o de um período fastidioso como instrutor dos recrutas da escola de treino nos subúrbios de Herzlia. Uma delas provinha do ramo de Yarid, secção da Mossad que se debruçava sobre a segurança e vigilância operacionais. A outra pertencia à Neviot, cuja especialidade consistia na instalação de dispositivos de escuta e introdução em lugares privados -por outras palavras, preocupava-se com tudo o que se relacionava com objectos inanimados ou mecânicos. Oito dos dez agentes dominavam o alemão razoavelmente e o controlador da missão de forma fluente. O grupo avançado da Operação Josué introduziu-se em Viena ao longo de três dias, procedente de pontos de partida diferentes, munidos de passaportes perfeitos e histórias de cobertura impecáveis. Como no caso da Operação Jericó, Kobi Dror fechava os olhos a algumas regras, porém nenhum dos subordinados protestaria. Josué fora considerado um caso; ain efes, o que significava "impossível de falhar", e, proveniente do chefe, equivalia a prioridade máxima. As equipas Yarid e Neviot costumam compor-se de sete a 212 nove membros, mas como o alvo era qualificado de civil, neutro, amador e destituído de suspeitas, o número fora reduzido. O chefe de posto da Mossad em Viena contribuíra com três das suas casas seguras e três bodlim para as manter limpas, arrumadas e abastecidas constantemente. Um bodel-bodlim, no plural -costuma ser um jovem israelita, na maioria dos casos estudante, contratado como servente, após a investigação meticulosa dos seus ascendentes, e tem como missão fazer recados, executar pequenos trabalhos domésticos e não manifestar a menor curiosidade pelo que o rodeia. Em troca, permite-se-lhe que viva, sem pagar aluguer, numa casa segura da Mossad, benefício excelente para um estudante de escassas posses numa capital estrangeira. Quando chegam "bombeiros" de visita, o bodel tem de sair, embora possa continuar a efectuar os trabalhos anteriores. Ainda que Viena não pareça uma das grandes capitais da Europa, sempre se revestiu de particular importância para o mundo da espionagem. O motivo remonta a 1945, quando o Terceiro Reich tornou Viena na segunda capital e foi ocupada pelos Aliados vitoriosos, que a dividiram em quatro sectores -francês, inglês, americano e russo. Ao contrário de Berlim, Viena recuperou a liberdade; todavia o preço consistiu na neutralidade absoluta de toda a Áustria. Com a Guerra Fria a aumentar de intensidade durante o bloqueio de Berlim, em 1948, em breve se converteu num reino de espionagem. Pouco depois da sua formação em 1951, a Mossad também se apercebeu das vantagens daquela cidade e instalou-se lá de uma forma tão numerosa, que o chefe de posto supera o embaixador em peso hierárquico. A decisão justificou-se plenamente, quando a antiga capital do império austro-húngaro se tornou num centro ultradis-creto da banca, lar das três agências separadas das Nações Unidas e ponte de ingresso na Europa favorita dos terroristas palestinianos e outros. Compenetrada da sua neutralidade, a Áustria possui desde longa data um aparelho de contra-espionagem e segurança interna tão simples de tornear, que os agentes da Mossad costumam referir-se aos seus homólogos austríacos com notável desdém. O controlador de missão escolhido por Kobi Dror era um katsa dos duros, com anos de experiência europeia atrás de si em Berlim, Paris e Bruxelas. Gideon Barzilai também prestara serviço numa das unidades de execução kidon perseguidoras dos terroristas árabes responsáveis da chacina dos atletas israelitas nos Jogos Olím- 213 picos celebrados em Munique, em 1972. Afortunadamente para a sua carreira, não estivera envolvido noutro dos maiores desaires da história da Mossad, quando uma unidade kidon abatera a tiro um inofensivo empregado de mesa marroquino, em Lille-hammer, Noruega, depois de identificado erradamente como sendo Ali H assa ir Salameh, cérebro que preparara a carnificina. Gideon "Gidi" Barzilai era agora Ewsld Strauss, representante de uma fábrica de artigos sanitários em Francoforte. Não só tinha todos os documentos em ordem, como o conteúdo da sua pasta revelaria a um curioso as brochuras, livros de encomendas e correspondência adequados. A documentação, assim como a dos outros dez membros da sua equipa, constituía o produto de outra divisão dos vastos serviços de apoio da Mossad. Depois de se instalar no apartamento, celebrou uma longa reunião com o chefe de posto local e iniciou a missão com uma tarefa relativamente simples: averiguar tudo o possível sobre uma discreta e ultratradicional instituição bancária denominada Winkler Bank, na Franziskanerplatz. Naquele mesmo fim-de-semana, dois helicópteros Chinook descolaram de uma base militar nas proximidades de Riade e rumaram a norte, para sobrevoar a Tapline Road ao longo da fronteira saudita-iraquiana de Khafji até à Jordânia. Acondicionado em cada compartimento-de carga, havia um Land-Rover reduzido às componentes essenciais, mas equipado com depósitos de combustível para percursos extralongos. Viajavam quatro homens do SAS em cada veículo, comprimidos o melhor possível na área atrás da tripulação. O local do seu destino final situava-se muito para além do seu raio de acção normal, mas na Tapline Road aguardavam-nos dois enormes camiões-cisternas, trazidos de Dammam, na costa do Golfo. Quando os sedentos Chinook pousaram na estrada, as equipas dos camiões-cisterna entraram em acção, até que os depósitos dos helicópteros voltaram a estar "atestados. Em seguida, descolaram de novo em direcção à Jordânia, voando a baixa altitude para evitar os detectores de radar postados do outro lado da fronteira. Os Chinook aterraram mais uma vez llogo após a cidade saudita de Badanah, nas proximidades do ponto em que as fronteiras da Arábia Saudita, Iraque e Jordânia convergem. Havia mais dois camiões-cisterna à sua espera para os reabastecer, mas foi aí que os helicópteros se desembaraçaram da carga e passageiros. Se a tripulação americana sabia para onde os silenciosos 214 ingleses se dirigiam, não o deixava transparecer e, em caso contrário, não tentou averiguá-lo. Os carros camuflados deslizaram pelas rampas para a estrada e os aparelhos descolaram para regressar à base, enquanto os camiões-cisterna abandonavam igualmente o local. Os oito homens do SAS viram-nos distanciar-se e afastaram-se no sentido oposto, a caminho da Jordânia. Oitenta quilómetros a noroeste de Bad&nah, detiveram-se e aguardaram. O capitão que chefiava a missão de dois veículos verificou a posição em que se encontravam. Nos tempos do coronel David Stirling, no deserto da Líbia, efectuava-se recorrendo a pontos de referência como o Sol, a Lua e as estrelas. No entanto, a tecnologia dos anos noventa tornara a tarefa mais fácil e rigorosa. Ele tinha na mão um dispositivo do tamanho aproximado de um livro de bolso, chamado Sistema de Localização Global, ou SATNAVA ou ainda magalânico. Apesar das suas dimensões, o GPS f29) pode localizar quem o utiliza dentro de um quadrado que não excede os dez metros de lado em qualquer lugar da superfície da Terra. O do capitão podia ligar-se para o código Q ou P. Este último oferecia um rigor do tipo do quadrado de dez metros de lado, mas exigia que quatro dos satélites americanos denominados NAVSTAR se encontrassem acima do horizonte ao mesmo tempo. Quanto ao código Q, apenas necessitava de dois acima do horizonte, porém o rigor decrescia para cem metros. Naquele dia, havia apenas dois satélites para orientação, mas bastavam. Depois de confirmar que se achava no local combinado, ele desligou o GPS e refugiou-se debaixo das redes de camuflagem estendidas pelos seus homens entre os dois veículos, para se protegerem do sol. O indicador de temperatura revelava que estavam cinquenta e cinco graus Célsius. Uma hora mais tarde, surgiu o helicóptero britânico Gazelle, proveniente do sul. O major Mike Martin voara desde Riade num transporte Hércules da RAF à cidade saudita de Al Jawf, local mais próximo da fronteira, possuidor de um aeroporto municipal. Este último aparelho transportara o Gazelle com os rotores dobrados, o seu piloto, a tripulação de terra e os depósitos de combustível sobresselentes para levar o Gazelle de A! Jawf até à Tapline Road e regressar. Para a eventualidade de haver algum radar nas cercanias, o helicóptero quase roçara a superfície do deserto, todavia o Piloto não tardou a avistar o verylight disparado pelo capitão do SAS, quando ouviu o ruído do motor aproximar-se. P) Global Positioning System. (N. do T.) , ri 2-n 215 O Gazelle pousou na estrada a cinquenta metros dos Land Rover e Martin saltou para o chão. Trazia uma espécie de mochila aos ombros e um cesto de verga na mão esquerda, cujo conteúdo levara o piloto do helicóptero a perguntar-se se ingressara na força aérea de algum departamento agrícola. Com efeito, o cesto continha duas galinhas vivas. À parte disso, Martin trajava como os oito homens do SAS que o aguardavam: botas do deserto, calça folgada de lona rija, camisa, camisola e blusão de combate camuflado. Em torno do pescoço, usava um keffiyeh que podia ser puxado para cima, a fim de proteger o rosto da areia arrastada pelo vento e na cabeça um pesado gorro de lã encimado por largos óculos protectores. O piloto estranhava que os homens não morressem de calor, com aquela indumentária, mas nunca experimentara o frio intenso de uma noite no deserto. Os membros do SAS só se sentiram à vontade quando o helicóptero partiu. Martin conhecia-os, salvo duas excepções. Depois de se saudarem, dedicaram-se ao que os soldados britânicos costumam fazer, quando dispõem de tempo: chá forte. O ponto que o capitão escolhera para transpor a fronteira do Iraque era isolado e acidentado por duas razões. Assim, haveria menos possibilidades de se cruzarem com uma patrulha iraquiana, e a sua missão não consistia em os enfrentar e vencer em campo aberto, mas escapar totalmente à detecção. A segunda dizia respeito ao facto de que tinha de depositar o pessoal que escoltava o mais perto possível da longa auto-estrada sinuosa que se estendia de Bagdade para oeste, através do deserto, até à fronteira jordana, que atravessava em Ruweishid. O posto isolado no deserto há muito que se tornara familiar aos telespectadores desde a conquista do Koweit, por ser o local onde a vaga de refugiados -filipinos, bengaleses, palestinianos e outros -atravessava, em fuga do caos que a invasão causara. Naquele recanto a noroeste da Arábia Saudita, a distância da fronteira à estrada de Bagdade era a mais curta. O ponto escolhido para proceder à travessia situava-se a cinquenta quilómetros do local em que se encontravam e depois eram mais cem até à estrada Bagdade-Ruweishid. Iniciaram a marcha às quatro da tarde. O sol ainda queimava e o calor fazia com que lhes parecesse que atravessavam uma fornalha. Às seis, principiou o crepúsculo e a temperatura baixou sensivelmente. Às sete, anoitecera por completo e começou a fazer frio. A transpiração secou nos corpos e eles congratularam-se com as camisas que vestiam. 216 Conduziram sem luzes, porém o navegador utilizava uma lanterna-lapiseira para consultar o mapa de que se havia munido e proceder às correcções de rumo necessárias. Efectuavam paragens cada sessenta minutos para confirmar a posição com o magalânico. O avanço era lento em virtude de, cada vez que surgia uma elevação, um dos homens ter de ir averiguar previamente se não os aguardava uma surpresa desagradável do outro lado. Uma hora antes de amanhecer, encontraram um uade, (30) seguiram até lá e cobriram-se com a rede. Um deles deslocou-se a uma proeminência próxima para observar o acampamento à distância e indicar as alterações necessárias para não despertar suspeitas a um eventual avião que sobrevoasse o local. A marcha foi reatada após o pôr-do-Sol. Há uma pequena localidade iraquiana nas imediações da auto-estrada, e, pouco antes das quatro da madrugada, eles avistaram as suas luzes de longe. O magalânico confirmou que se encontravam onde desejavam -a oito quilómetros da estrada. Pouco depois, procuraram e encontraram uma área perto de outro uade, onde se camuflaram para mais um período de imobilidade quase total durante o dia. Enquanto o navegador procedia aos cálculos habituais, Mike Martin despiu-se totalmente e vestiu a túnica, turbante e sandálias de Mahmoud Al-Khouri, o jardineiro e pau para toda a obra iraquiano. Com um saco de lona que continha pão, azeite, queijo e azeitonas para o pequeno-almoço, uma carteira velha com o bilhete de identidade e fotografias dos supostos pais e uma caixa de estanho com algum dinheiro e um canivete, estava preparado para a etapa seguinte da sua odisseia. Felicidades -desejou o capitão. Boa caçada, patrão -disse o navegador. Martin acenou a todos em despedida e principiou a cruzar o deserto em direcção à estrada. Minutos depois, os Land-Rover punham-se igualmente em marcha e o local ficou vazio. O chefe de posto de Viena tinha nos seus registos um sayan que trabalhava na banca, um executivo superior num dos estabelecimentos bancários de maior relevo da cidade. Foi ele o incumbido de preparar um relatório tão minucioso quanto possível sobre o Winkler Bank. Explicaram-lhe apenas que determinadas empresas israelitas haviam entrado em contacto com o Winkler e queriam certificar-se da sua solidez, antecedentes e maneiras de trabalhar. O sayan aceitou o motivo do inquérito e esforçou-se por CaD) Curso de água temporário no deserto. (No do T.) 217 fazer o seu melhor, que não foi nada mau, atendendo a que a primeira coisa que descobriu dizia respeito ao sigilo quase obsessivo com que o banco em causa costumava operar. Fora fundado havia quase cem anos pelo pai do actual presidente. O Winkler de 1990 contava noventa e um anos e era conhecido em Viena por Der Alte, O Velho. Apesar da idade, negava-se a abdicar da presidência e, como era viúvo, sem filhos, não existia um sucessor natural, pelo que a eventual disposição do controlo ulterior teria de aguardar a leitura, um dia, do testamento. Não obstante, o funcionamento quotidiano do banco estava a cargo de três vice-presidentes. As reuniões com o Velho realizavam-se à razão de uma por mês na residência deste último, durante as quais a principal preocupação parecia consistir em se certificar de que os seus rigorosos princípios continuavam a vigorar. Assim, as decisões executivas achavam-se ao cuidado de Kessler, Gemutlich e Blei, os vice-presidentes. Os clientes do Winkler Bank não procuravam recolher juros substanciais, pois preferiam a segurança e anonimato absolutos que aí lhes eram garantidos. Deste modo, a discrição do banco tornava-se extensiva à identidade dos possuidores de contas numeradas. Por outro lado, a aversão do Velho aos dispositivos modernos bania a existência de computadores para armazenamento de informação sensível, máquinas de fax e, tanto quanto possível, telefones. O Winkler aceitava instruções e informação por via telefónica, mas jamais as divulgava através desse meio de comunicação. Na maioria dos casos, recorria à correspondência ou a encontros pessoais no recinto do banco. Quando leu o relatório, Gidi Barzilai entregou-se a uma série de imprecações. O velho Winkler talvez desconhecesse por completo as técnicas mais recentes das escutas telefónicas ou interferência em sistemas de computadores, porém os seus instintos arcaicos revelavam-se de um efeito radical. Por conseguinte, se ele esperava infiltrar-se no computador central do Winkler Bank, podia tirar daí o sentido, porque não existia. Restavam as escutas telefónicas e intercepção da correspondência. No entanto, duvidava de que lhe resolvessem o problema. Muitas contas bancárias carecem de uma tosungSwOrt, uma "palavra de libertação" codificada para as movimentar e efectuar levantamentos ou transferências. Todavia, os seus titulares não costumam poder empregá-la para se identificar num telefonema ou fax e muito menos numa carta. Segundo a maneira como o Winkler Bank parecia operar, uma conta numerada elevada pertencente a um cliente estrangeiro como 218 Jericó disporia de um sistema de funcionamento muito mais complicado-ou uma aparição forma! do titular, munido de abundantes meios de identificação ou um mandato escrito preparado de uma forma e maneira precisas, com determinadas palavras codificadas e símbolos situados exactamente nos lugares previamente estabelecidos. Tudo indicava que o banco aceitaria um depósito de pagamento de qualquer pessoa. A Mossad sabia-o, porque fora assim que remunerara Jericó. Contudo, persuadir o VVi-nkler Bank a efectuar uma transferência para o exterior resultaria extremamente complicado. A única outra coisa que o sayan conseguiu apurar foi que as contas excepcionalmente importantes eram controladas por um dos três vice-presidentes e mais ninguém. O Velho escolhera-os com cuidado, pois parecia tratar-se de indivíduos implacáveis e muito bem remunerados. Numa palavra, eram impenetráveis. E o sayan concluía com a garantia de que Israel não teria qualquer problema com o Winkler Bank. Não subsistiam dúvidas de que o verdadeiro objectivo do inquérito lhe escapara. Por conseguinte, naquela primeira semana de Novembro, Gidi Barzilai começava a estar farto do famigerado Winkler Bank. Havia um autocarro, uma hora após a alvorada, que se deteve para recolher o único passageiro que aguardava na estrada a cinco quilómetros de Ar-Rurba. Entregou duas amarfanhadas notas de dinar, foi sentar-se ao fundo, pousou o cesto com duas galinhas nos joelhos e adormeceu. A patrulha da polícia estava postada no centro da vila, mas embora inspeccionasse os bilhetes de identidade de quem embarcava, contentou-se com espreitar pelas janelas cobertas de pó. Procurava indivíduos com ar suspeito susceptíveis de encobrirem um eventual terrorista. Após mais uma hora de percurso, o autocarro enveredou por um desvio para leste e cruzou-se com algumas colunas militares e, duas ou três vezes, com viaturas do exército. Conservando os olhos fechados, Martin escutava as conversas à sua volta e aproveitava para detectar uma ou outra palavra ou sotaque que pudesse ter esquecido, pois o arábico daquela área do Iraque diferia notavelmente do que se falava no Koweit. Somente um observador excepcionalmente perspicaz se aperceberia de que a base do cesto que continha as galinhas tinha mais dez centímetros de largura que o interior e, dentro desse espaço havia alguns objectos que a polícia de Ar-Rutba teria achado intrigantes, embora interessantes. 219 Um era um prato de parabólica dobrável. Outro, um emissor-receptor de pequenas dimensões, apesar de mais potente do que o que Martin utilizara no Koweit, pois Bagdade não lhe proporcionaria a facilidade de transmitir, enquanto vagueava no deserto. Com efeito, as emissões prolongadas achavam-se fora de questão, o que justificava a presença do terceiro e último objecto no esconderijo. Tratava-se de um gravador, mas de um tipo especial. Era fácil de utilizar e continha algumas características úteis. Uma mensagem de dez minutos podia ser lida lenta e claramente ao respectivo microfone. Antes de gravada na fita, um chip de silicone codificava-a numa algaraviada que, se fosse interceptada, os iraquianos dificilmente lograriam decifrar. Premindo determinada tecla, a fita rebobinava-se. Recorrendo a outra, regravava, mas a uma velocidade cinzentas vezes inferior, o que a reduzia a uma "erupção" de três segundos, quase impossível de localizar. Seria essa "erupção" que o transmissor enviaria para o ar, quando ligado à antena parabólica, à bateria e ao gravador. A mensagem seria captada em Riade, reduzida à velocidade normal, descodificada e passada em linguagem clara. Martin apeou-se do autocarro em Ramadi e embarcou noutro em direcção ao Lago Habbaniyah e antiga base da Royal Air Force, agora convertida numa unidade de "caças" iraquianos modernos, prosseguindo até alcançar Bagdade, onde os bilhetes de identidade foram inspeccionados. Ele conservou-se humildemente na fila de espera, sem largar o cesto das galinhas, enquanto os passageiros se aproximavam da mesa onde se encontrava o sargento da polícia. Quando chegou a sua vez, este examinou o documento e pousou o indicador no local correspondente à proveniência do portador. Onde fica isto? É uma aldeia a norte de Baji, muito conhecida pela qualidade dos seus melões, bey. O sargento comprimiu os lábios. "Bey" era uma forma de tratamento respeitosa que datava do império turco e só se usava ocasionalmente entre as pessoas no interior do país, distantes dos grandes centros populacionais. Por fim, gesticulou para que Martin passasse e este pegou no cesto e regressou ao autocarro. Pouco antes das sete, o veículo voltou a parar e o major Martin apeou-se no terminal de autocarros de Kadhnmiya, em Bagdade. 220