ColecçÃo dois mundos frederick forsyth o punho de deus cmpv tradução livros do brasil lisboa rua dos Caetanos



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407 coronel se o seu familiar perdera a vida em resultado das bombas americanas, porém ele respondeu secamente que morrera de causas naturais. Segundo os hábitos muçulmanos, o enterramento desenrola-se rapidamente, sem um longo compasso de espera entre o óbito e a inumação. E não há caixão ao estilo dos cristãos, pois o corpo é simplesmente envolto num lençol. O farmacêutico também compareceu, tentando consolar a viúva, e retiraram-se todos em grupo, quando a breve cerimónia terminou. O coronel Badri encontrava-se a poucos metros do portão do cemitério, quando ouviu pronunciar o seu nome. Nas proximidades, avistou uma limusina com janelas obscurecidas. A da retaguarda estava aberta e a voz voltou a chamá-lo. O coronel pediu ao farmacêutico que acompanhasse a mãe a casa e, depois de se afastarem, aproximou-se do carro. --Queira entrar, coronel -solicitou a voz. -Precisamos de conversar. Badri abriu a porta e espreitou para dentro. O único ocupante afastara-se para o lado, a fim de lhe conceder espaço. Ele julgou reconhecer o rosto, embora apenas vagamente. Tinha a certeza de que já o vira algures. Em seguida, subiu e fechou a porta. O homem de fato cinzento premiu um botão e o vidro da janela subiu em silêncio, isolando o interior do veículo dos sons exteriores. Acaba de sepultar o seu pai. É verdade. -Quem seria o homem? Por que não conseguia identificá-lo? O que lhe fizeram desafia qualquer classificação. Se me tivesse inteirado a tempo, talvez conseguisse salvá-lo. Infelizmente, informaram-me demasiado tarde. Osman Badri experimentou uma sensação não muito diferente da produzida por um soco no estômago. Descobriu com quem falava -um homem que lhe haviam indicado numa recepção militar, dois anos atrás. - Vou fazer-lhe uma confissão, coronel, que, se me denunciasse, ocasionaria a minha morte ainda mais horrível que a do seu pai. Badri reflectiu que só havia uma coisa que se aplicava às palavras do interlocutor. Traição. Outrora, eu adorava o Rais -informou o homem, a meia-voz. Eu também. Mas os tempos mudam e as pessoas também. Ele 402 enlouqueceu e, na sua loucura, acumula as crueldades que pratica. É imperioso que se ponha termo a semelhante situação. Está ao corrente da Qaala, sem dúvida? Badri tornou a surpreender-se, desta vez com a mudança brusca de assunto. Com certeza. Participei na sua construção. Exacto. Sabe o que se encontra lá, neste momento? Não. -Fez uma pausa, enquanto o outro o elucidava. -Não é possível! Infelizmente, é. Ele tenciona utilizá-lo contra os americanos. E sabe em que consistirá a represália? Num contra-ataque do mesmo tipo. Não ficará uma única construção de pé. Só o Rais sobreviverá. Quer tomar parte numa enormidade dessas? Badri pensou no corpo acabado de sepultar e tomou uma decisão. , Que pretende de mim? Fale-me da Qaala. Para quê? Para que os americanos a destruam. Pode transmitir-lhes a informação? -Garanto-lhe que há maneiras de superar todos os obstáculos. E assim, o coronel Osman Badri, o jovem engenheiro que desejara construir edifícios que durariam séculos, como tinham feito os seus antepassados, revelou tudo ao homem conhecido por Jericó. - Grade de referência -urgiu este último. Depois de se elucidar também disso, indicou:-Volte para o seu posto, coronel. Estará em segurança. O jovem saiu do carro e afastou-se, ao mesmo tempo que a sensação pungente no estômago persistia. Ainda não percorrera cem metros, quando começou a perguntar-se: "Que fui eu fazer?" De súbito, compreendeu que tinha de falar com o irmão -o irmão mais velho que conservava sempre a cabeça mais fria e o espírito desanuviado. O homem a quem a equipa da Mossad chamava Vigilante regressou a Viena naquela segunda-feira, chamado de Telavive. Era, mais uma vez, um advogado prestigioso de Nova Iorque, com toda a documentação necessária para o provar. Embora o verdadeiro advogado já não estivesse em férias, as possibilidades de Gemutlich, que detestava os telefones 403 e máquinas de fax, contactar com aquela cidade norte-ameri-cana para se certificar, eram reduzidas. De qualquer modo, tratava-se de um risco que a Mossad estava disposta a correr. O Vigilante instalou-se mais uma vez no Sheraton e escreveu a Herr Gemutlich. Tornou a pedir desculpa pela chegada inesperada a Viena e esclareceu que o acompanhava o contabilista da sua firma, pretendendo ambos efectuar um primeiro depósito substancial em nome do seu cliente. A carta foi entregue por mão própria ao fim da tarde e a resposta do banqueiro austríaco chegou ao hotel na manhã seguinte, para propor um encontro às dez horas. O Vigilante apresentou-se de facto acompanhado. O homem a seu lado era conhecido simplesmente por Arrombador, por ser essa a sua especialidade. Se a Mossad possui no seu quartel-general em Telavive uma colecção virtualmente incomparável de empresas inexistentes, passaportes falsos, variedade de papel timbrado e todos os outros adereços para iludir o próximo, o seu orgulho concentra-se justificadamente nos arrombadores de cofres e serralheiros. A capacidade daquela organização secreta para se introduzir em lugares trancados ocupa uma posição de realce no mundo subterrâneo da Informação e Contra-Espionagem. Se uma equipa cheviot se tivesse ocupado da infiltração no caso Watergate, ninguém se inteiraria. Tão elevada era a cotação desses especialistas de Israel, que quando os fabricantes de fechaduras britânicos enviavam amostras de um novo produto ao SIS para apreciação, a Çentury House consultava Telavive. A Mossad examinava-o, descobria como se podia forçar e devolvia-o a Londres com a classificação de "impregnável". A próxima vez que a fábrica inglesa da especialidade apresentava uma nova fechadura particularmente brilhante, a Cen-" tury House pedia-lhe que a recolhesse e enviasse um modelo "mais fácil" para análise. Foi este último que seguiu para Telavive. Aí, os peritos estudaram-no, conseguiram finalmente forçá-lo e restituíram-no ao SIS, com a indicação de "inexpugnável". Mas foi o primeiro que a Century House recomendou ao fabricante que comercializasse. O facto originou um incidente embaraçoso, um ano mais tarde, quando um serralheiro da Mossad passou três cansativas e enfurecedoras horas no corredor de um bloco de escritórios numa capital europeia, antes de emergir lívido de cólera. Desde então, os ingleses testam as suas fechaduras e deixam a Mossad cuidar dos seus próprios problemas. O serralheiro proveniente de Telavive não era o melhor 404 de Israel, mas o imediato na escala de valores da especialidade. Havia uma razão de peso para isso: possuía algo que faltava ao melhor. O jovem escutou as instruções de Gidi Barzilai ao longo de seis horas, durante a noite, sobre a obra de um fabricante franco-alemão de secretárias do século XVIII e a descrição completa efectuada pelo Vigilante da topografia interna do edifício onde funcionava o Winkler Bank. A equipa yarid completou a sua educação com a enumeração dos movimentos do guarda-nocturno. Naquela mesma segunda-feira, Mike Martin esperou pelas cinco horas da tarde antes de pegar na velha bicicleta e abandonar o recinto residencial de Kulikov pelo portão das traseiras, do lado do jardim. Em seguida, pedalou ao longo da estrada em direcção à estação de ferry-boats mais próxima, para atravessar o rio, onde outrora se situava a ponte de Jumhuriya, antes de os Tornado lhe concederem a sua particular atenção. Ao dobrar a esquina, avistou o primeiro carro estacionado. Depois, o segundo, mais adiante. Quando os dois homens emergiram deste último e se postaram no centro da estrada, sentiu o estômago contrair-se. Arriscou-se a olhar para trás -dois homens do outro carro desencorajavam qualquer ideia de retroceder. Consciente de que tudo terminara, continuou a pedalar em frente. Não havia qualquer alternativa. Um dos indivíduos do primeiro carro apontou para a berma. -Para ali! -bradou. Martin deteve-se debaixo das árvores. No instante imediato surgiram mais três homens -soldados-" as espingardas apontadas ao peito dele, que ergueu as mãos lentamente. CAPÍTULO 21

NAQUELA tarde, em Riade, os embaixadores inglês e americano encontraram-se, na aparência informalmente, para se entregarem ao hábito caracteristicamente britânico do chá das cinco. Também se achavam presentes nos jardins da embaixada britânica Chip Barber, supostamente integrado no pessoal da embaixada dos Estados Unidos, e Steve Laing, que poderia dizer a quem o interrogasse que fazia parte da secção cultural do seu país. O terceiro convidado, numa das suas raras pausas do serviço no subsolo, era o general Norman Schwarzkopf. Pouco depois, reuniam-se a um canto isolado do jardim, com as chávenas fumegantes à sua frente. Tornava a vida mais fácil saber o que realmente as pessoas faziam para sobreviver. O único tópico abordado consistiu na guerra iminente, porém aqueles cinco homens dispunham de informações negadas a todos os outros. Entre elas, figurava a notícia dos pormenores do plano de paz apresentado naquele dia por Tariq Aziz a Saddam Hussein, trazido de Moscovo, e as conversações com Mikhail Gorbachev. Tratava-se de uma fonte de preocupação, mas por razões diferentes. O general Schwarzkopf já divulgara nesse dia uma sugestão proveniente de Washington segundo a qual o ataque talvez fosse mais cedo do que o planeado. O plano de paz soviético exigia um cessar-fogo e retirada do Iraque do Koweit no dia imediato. Washington conhecia estes pormenores, não através de Bagdade, mas de Moscovo. A resposta imediata da Casa Branca consistiu em que a proposta tinha méritos, mas não solucionava questões básicas. Não fazia qualquer alusão à anulação para sempre das pretensões do Iraque sobre o Koweit, nem tomava em consideração os danos impossíveis de imaginar causados 406 a este último: os quinhentos poços de petróleo incendiados, os milhões de toneladas de crude vertidas no Golfo para envenenar as suas águas, ou os duzentos koweitianos executados ou ainda a pilhagem na Cidade do Koweit. Segundo Colin Powel me revelou, o Departamento de Estado inclina-se para uma posição ainda mais dura -informou o general. -Quer exigir a rendição incondicional. Sem dúvida -confirmou o enviado americano. Eu preveni-os de que precisavam de um arabista para analisar a situação -volveu o general. Porquê? -inquiriu o embaixador britânico. Os dois embaixadores eram diplomatas consumados, com longa permanência no Médio Oriente. E ambos arabistas. - Bem -declarou o comandante-chefe -, esse tipo de ultimato não funciona com os árabes. Preferem a morte. Estabeleceu-se um longo silêncio. Os embaixadores observaram o semblante impenetrável do general, em busca de uma sugestão de ironia. Os dois homens dos serviços secretos mantiveram-se calados, mas percorria-lhes a mente o mesmo pensamento: "É precisamente essa a questão, meu caro general." - Vens da casa do russo. Era uma afirmação e não uma pergunta. O homem da Contra-Espionagem, apesar de trajar à civil, tinha obviamente a patente de oficial. Sim, Documentos. . - -. Martin procurou nos bolsos e puxou do bilhete de identidade e da carta amarfanhada que ostentava a assinatura do secretário Kulikov. O iraquiano examinou o primeiro, ergueu os olhos para comparar a fotografia com o original e leu a carta. Os falsificadores israelitas tinham executado um excelente trabalho. Era de facto o rosto rude, com barba de alguns dias, de Mahmoud Al-Khouri que figurava no documento. - Revista-o -ordenou por fim o oficial. O outro homem à paisana moveu as mãos ao longo do corpo do detido e abanou a cabeça. Não estava armado. - Bolsos. O conteúdo destes revelou algumas notas de dinar, um canivete, paus de giz de várias cores e uma pequena saqueta de plástico. - Que é isto? -inquiriu o oficial, pegando nesta última. 407 O infiel deitou-a fora. Utilizo-a para o meu tabaco. Mas não contém tabaco nenhum. Pois não, Bey, Acabou-se-me. Tencionava comprar mais no mercado. -Não me chames bey. Isso desapareceu com os turcos. De onde és? Mártir" descreveu a pequena aldeia no norte. É muito conhecida pela qualidade dos seus melões - acrescentou. Estou-me nas tintas para os teus melões -ripostou o oficial. Uma longa limusina surgiu do fundo da rua e deteve-se a uns duzentos metros do pequeno grupo. O soldado fez sinal ao seu superior e inclinou a cabeça naquela direcção. O outro voltou-se e ordenou a Martin: --Aguarda aqui. Encaminhou-se para o carro e dirigiu-se ao ocupante através da janela aberta. Quem é aquele? -perguntou Hassan Rahmani. Um jardineiro, senhor. Trabalha naquela casa. Cuida das roseiras e vai às compras para a cozinheira. Esperto? Não, senhor, praticamente um simplório. É um camponês da região dos melões, no norte. Reflectiu por um momento. Se prendesse o imbecil, os russos estranhariam que não regressasse, o que os alertaria. Acalentava a esperança de que, se a iniciativa de paz dos soviéticos abortasse, o autorizassem a revistar a residência. Por outro lado, se deixasse o homem ir à sua vida, poderia prevenir o amo. A experiência indicava a Rahmani que só havia uma linguagem que um iraquiano sem recursos entendia bem. Por conseguinte, puxou da carteira e extraiu uma nota de cem dinares. Dá-lhe isto. Que vá às compras e volte para casa. Depois, que conserve os olhos bem abertos, à procura de alguém com um chapéu de prata enorme. Se guardar silêncio a nosso respeito e amanhã nos revelar o que viu, será recompensado. Se, pelo contrário, falar de nós aos russos, entregá-lo-ei à AMAM. Perfeitamente, brigadeiro. O oficial aceitou o dinheiro e foi transmitir ao jardineiro as instruções que acabava de receber. 408 -Um guarda-chuva?, sayidi? -articulou este último, perplexo. - Sim, de prata, enorme, talvez preto, apontado ao céu. Nunca viste nenhum? ?-Não, sayidi -declarou, com ar compungido. -Quando chove, mete-se toda a gente em casa. Não é para proteger da chuva, estúpido! Serve para transmitir mensagens. Um guarda-chuva que transmite mensagens -repetiu pausadamente. -Hei-de prestar atenção. Pronto, põe-te a andar -indicou o oficial, meneando a cabeça, num gesto de desespero. -E guarda silêncio sobre o que se passou aqui. Martin subiu para a bicicleta e pedalou. Quando passou diante da limusina, Rahmani voltou a cabeça para o outro lado. Não havia necessidade de deixar o camponês ver o rosto do chefe da Contra-Espionagem da República do Iraque. Martin descobriu a marca a giz às sete e recolheu a mensagem às nove. Leu-a à luz da montra de um café-o clarão de um candeeiro de petróleo, claro, pois não havia energia eléctrica. Quando se inteirou do texto, emitiu um silvo em surdina, dobrou o papel várias vezes e guardou-o no interior das cuecas. Nem merecia a pena pensar em regressar à residência do Primeiro-Secretário russo. O transmissor fora descoberto e a menor tentativa de enviar uma mensagem resultaria catastrófica. Pensou na hipótese de se dirigir ao terminal de autocarros, mas havia patrulhas do exército e da AMAM por todo o lado, à procura de desertores. Ao invés, dirigiu-se ao mercado de fruta em Kasra e abordou um condutor de pesados que seguia para oeste. Destinava-se a poucos quilómetros para além de Habbaniyah, e vinte dinares convenceram-no a aceitar um passageiro. Muitos motoristas de camiões preferiam percorrer as estradas durante a noite, persuadidos de que os Filhos de Cães nos seus aviões não os poderiam ver na escuridão, sem saberem que, de noite ou de dia, os transportes de fruta não constituíam os alvos prioritários do general Chuck Horner. Por conseguinte, viajaram ao longo da noite e, ao amanhecer, Martin foi depositado na auto-estrada a oeste do Lago Habbaniyah, onde o motorista prosseguia por um desvio em direcção às herdades produtoras de fruta do Vale do Eufrates. 409 Tinham sido interceptados duas vezes por patrulhas, mas Martin mostrara os documentos e explicara que regressava a casa por ter sido despedido pelo infiel para o qual trabalhava. Naquela noite, Osman Badri não se encontrava longe de Mike Martin e rumava na mesma direcção. O seu destino era a base de "caças" onde o irmão mais velho, Abdelkadrim, exercia as funções de comandante de esquadrilha. Durante os anos oitenta, uma empresa de construções belga chamada Sixco fora contratada para a instalação de oito bases aéreas superprotegidas, a fim de conterem a nata dos "caças" iraquianos. A chave de tudo consistia no facto de quase tudo se situar no subsolo -aquartelamento, hangares, depósitos de carburantes e de munições, oficinas e potentes geradores para fornecimento de energia eléctrica. A úmica coisa visível à superfície eram as pistas, com três mil metros de extensão. Mas como parecia que não havia hangares ou quaisquer edifícios nas proximidades, os Aliados supunham que se tratava de aeródromos abandonados. Uma inspecção mais atenta e de mais perto revelaria portas de betão com um metro de espessura de acesso a rampas, nas extremidades das pistas. Cada base era um quadrado de cinco quilómetros de lado rodeado por uma vedação de arame farpado. No entanto, como no caso de Tarmiya, as instalações Sixco pareciam inactivas e abandonadas. Para operar a partir delas, os pilotos teriam de receber instruções no subsolo, subir para os aparelhos e ligar aí os motores. Só depois de estes devidamente aquecidos seriam abertas as portas das rampas. Assim, os "caças" podiam percorrê-las velozmente, deslizar na pista e descolar em poucos segundos. Mesmo quando o AWACS os detectou, dir-se-ia que haviam surgido bruscamente e supôs-se que se dedicavam a uma missão a baixa altitude e provinham de outro local. O coronel Abdelkarim Badri prestava serviço numa dessas bases Sixco, conhecida apenas por KM 160, porque se situava nas proximidades da estrada Bagdade-Ar Rutba, cento e sessenta quilómetros a oeste da capital. O seu irmão mais jovem apresentou-se à entrada áo recinto protegido por arame farpado pouco depois do pôr-do-Sol. O guarda telefonou para a base no subsolo e não tardou a surgir um jipe que parecia ter emergido das entranhas da Terra. 410 Um jovem tenente da Força Aérea acompanhou o visitante ao interior da base e, depois de enveredarem por numerosos corredores, desembocaram na área destinada aos oficiais e, mais precisamente, no apartamento do comandante. Abdelkarim e o irmão abraçaram-se. O primeiro tinha trinta e sete anos, também coronel, bem parecido, de bigode fino estilo Ronald Colman (49). Apesar de solteiro, nunca necessitava de desenvolver esforços porfiados para conseguir companhia feminina. Os generais da Força Aérea reconheciam que se tratava do melhor piloto de "caças" do país, e os russos que o tinham treinado com os seus MIG 29 "Fulcrum" supersónicos concordavam plenamente. - Que te traz por cá? -perguntou, terminadas as efusões iniciais. Osman descreveu os eventos das últimas sessenta horas -a chegada das tropas da AMAM ao amanhecer, a busca, a descoberta do rádio no jardim, o espancamento da mãe e Talai e a detenção do pai. Explicou que tinha sido chamado pelo farmacêutico e regressara a casa, para se lhe deparar o corpo sem vida do pai em cima da mesa da sala de jantar. Os lábios de Abdelkarim comprimiram-se, quando o irmão referiu o que descobrira ao abrir o saco de lona que continha o corpo mutilado. Inclinou-se para a frente com curiosidade, quando Osman explicou que fora interceptado à saída do cemitério e o diálogo que se estabelecera. - Disseste-lhe tudo isso? -estranhou no final. -Sim. E é verdade? Participaste mesmo na construção da Fortaleza, da Qaala? Exacto. Revelaste-lhe onde se situa, para que ele informe os americanos? Achas que fiz mal? Reflectiu por um momento e perguntou: - Quantas pessoas mais, em todo o Iraque, estão ao corrente disso? !

. . Cinco.



- Indica-as. (") Actor de cinema dos anos quarenta, que, em geral, interpretava papéis de galã romântico. (N. do T.) ........ 411 "? -O Rais, Hussein Kamil, que se encarregou da parte financeira e do recrutamento do pessoal, Amer Saadi, fornecedor da tecnologia, o general Ridha, que contribuiu com os artilheiros, e o general Musuii, do Corpo de Engenheiros, que me incumbiu da obra. - E os pilotos dos helicópteros que transportam os visitantes? -Precisam de conhecer as coordenadas do lugar, mas não o que contém. E são mantidos em quarentena, numa base qualquer. Desconheço o local. Quantos desses visitantes estão inteirados? Nenhum. São-lhes vendados os olhos antes da descolagem, até ao local de chegada. Se os americanos destruírem o Qubth-ut-Allah, de quem julgas que a AMAM suspeitará? Do Rais, dos ministros, dos generais... ou de ti? Que fui eu fazer? -gemeu Osman, levando as mãos à cabeça. Receio que nos tenhas destruído a todos. Ambos conheciam as regras. No caso de traição, o Rais não exigia um único sacrifício, mas a extirpação de três gerações -pais e tios, para exterminar a semente conspurcada; irmãos, pelo mesmo motivo, e filhos e sobrinhos, para que nenhum sobrevivente levasse a cabo uma vingança. Osman Badri começou a chorar em silêncio. Abdelkarim levantou-se, fê-lo pôr-se de pé e abraçou-o. Procedeste como devias. Agora, temos de descobrir a maneira de sair daqui. -Consultou o relógio, que indicava oito horas. -Não há linhas telefónicas públicas para Bagdade. Apenas as subterrâneas com o pessoal da Defesa e seus vários bumkers. Mas esta mensagem não se lhes destina. Quanto tempo levarias a chegar a casa da nossa mãe? Três horas, quatro no máximo. Dispões de oito para ir e voltar. Diz-lhe que meta tudo o que considerar valioso no carro do pai. Ela sabe conduzir; não muito bem, mas o suficiente. Que leve o Talat e siga para a aldeia dele. Pedirá asilo à tribo, até que um de nós contacte com ela, Muito bem. Posso estar de volta ao amanhecer. Mas para quê? Amanhã, dirijo uma esquadrilha de MIG através do Irão, onde ficaremos. Outros já o fizeram. É uma ideia arrojada do Rais para salvar os seus melhores aviões de caça. Não acre- 412 dito que o consiga, mas podemos aproveitá-la para sobreviver. Irás comigo. Mas o MIG 29 não é apenas de um lugar? Tenho uma versão de treino com dois. O modelo UB. Vestirás o uniforme de oficial da Força Aérea. Com um pouco de sorte, havemos de nos safar. E agora, põe-te a mexer. Mike Martin seguia para oeste, naquela noite, na estrada de Ar Ruthba, quando o carro conduzido por Osman Badri passou velozmente a seu lado. No entanto, nenhum deles reparou no outro. O destino do primeiro situava-se no próximo ponto de travessia do rio, cerca de vinte e cinco quilómetros adiante. Aí, em virtude da destruição da ponte, os camiões tinham de esperar pelo ferry-boat, e ele disporia de maiores possibilidades de pagar a outro motorista para que lhe desse boleia.. . A meio da noite, descobriu exactamente um veículo nessas condições, porém o homem só o pôde levar até um lugar logo após Muihammadi, onde Martin teve de tornar a esperar... Às três da madrugada, o carro do coronel Badri voltou a passar, agora no sentido contrário; todavia ele absteve-se de lhe fazer sinal para parar, consciente de que o condutor tinha pressa. Pouco antes da alvorada, surgiu outro-camião, que se prontificou a levá-lo. Martin pagou-lhe do maço de dinares cada vez mais reduzido. Calculou que, de manhã, o pessoal da residência de Kulikov se queixaria de que o jardineiro desaparecera. Uma busca efectuada à barraca revelaria o bloco de papel de carta debaixo da enxerga, objecto estranho na posse de um analfabeto, assim como o transmissor sob as lajes do chão. Antes do meio-dia, as pesquisas para o localizar já se achariam no auge, com início em Bagdade, mas tornando-se gradualmente extensivas a todo o país. Por conseguinte, precisava de se entranhar no deserto antes de anoitecer. O camião em que viajava ultrapassara o marco dos 160 quilómetros, quando a esquadrilha de MIG 29 descolou. Osman Badri estava aterrorizado, pois pertencia ao número das pessoas que detestam viajar de avião. Nas cavernas subterrâneas, aguardara à parte,, enquanto o irmão transmitia instruções aos quatro jovens pilotos que constituíam a esquadrilha. A maior parte dos contemporâneos de Abdelkarim morrera, pelo que aqueles pertenciam a outra geração e escutavam-no atentamente. No interior do MIG, mesmo com a canópla fechada, Osman não se recordava de ouvir um ruído tão intenso. Encolhido na caringa atrás do irmão, teve a sensação de que recebera o 413 coice de uma mula na base das costas, no momento em que o aparelho se pôs em marcha. Decidiu fechar os olhos e orar. Quando os voltou a abrir, verificou que se encontravam no ar e, espreitando para baixo, descobriu que as portas das rampas estavam de novo fechadas e as pistas apresentavam o habitual aspecto de abandono. A trezentos metros de altitude, a esquadrilha de cinco MIG formou uma fila indiana, com rumo a leste, esperançada em escapar à detecção do radar e cruzar os arrabaldes a sul de Bagdade a coberto da curiosidade dos americanos. Naquela manhã, mais ou menos a essa hora, o capitão Don Walker da 336.a Esquadrilha de Caças, proveniente de Al Kharz, chefiava um grupo de quatro Eagle Strike em direcção a Al Kut, a norte, com o objectivo de bombardear uma ponte importante sobre o Tigre, na qual um J-STAR procedente do Koweit surpreendera vários tanques da Guarda Republicana. A 336.a passara a maior parte da sua guerra em missões nocturnas, todavia a ponte a norte de Al Kut constituía uma "posição urgente", o que significava que não havia tempo a perder, se o material pesado iraquiano a utilizava para se dirigir ao sul. Assim, a missão de bombardeamento daquela madrugada tinha a designação de código de "Operação Jeremias", e o general Chuck Horner insistira na sua execução imediata. Os Eagle transportavam bombas de mil quilogramas dirigidas por laser e mísseis ar-ar. Em virtude do posicionamento dos suportes das primeiras sob as asas, a carga era assimétrica, com as bombas a um lado mais pesadas que os mísseis Sp&rrow no outro, situação que tinha o nome de "carga bastarda". No entanto, o controlo automático de compensação equilibrava a diferença, mas, apesar disso, não era a companhia que mais agradava aos pilotos, na eventualidade de um combate encarraçado. Enquanto os MIG, agora a cento e setenta metros de altitude, se aproximavam de oeste, os Eagle avançavam do sul, a cento e vinte quilómetros de distância. A primeira indicação que Abdelkarim teve da sua presença consistiu numa espécie de trinado nos auscultadores. O irmão atrás dele não sabia de que se tratava, mas os outros pilotos achavam-se perfeitamente inteirados. A esquadrilha formava agora um "V", com Abdelkarim no vértice, e todos se deram conta do som. Provinha do seu RWR -Receptor de Aviso de Radar (M) - H Radio Warning Receiver. (N. do T.) 414 e significava que havia outros radares algures a esquadrinhar o céu. Com efeito, os quatro Eagle tinham-nos ajustados para a posição de "rastreio" e os feixes estendiam-se para a frente, a fim de determinar o que se encontrava lá. Os Receptores de Aviso de Radar haviam-nos captado e informavam os respectivos pilotos. Os MIG nada podiam fazer além de prosseguir na rota estabelecida. A cento e setenta metros de altitude, encontravam-se muito abaixo dos Eagle e cruzavam o espaço de rastreio destes últimos. A cem quilómetros de distância, o trinado nos auscultadores dos pilotos iraquianos converteu-se num blip agudo, o que indicava que os RWR lhes revelavam: "Alguém nas proximidades desligou a posição de rastreio e aponta para vocês." Atrás de Don Walker, o wizzo, Tim, apercebeu-se da alteração na atitude do radar e anunciou: - Temos cinco alvos não identificados a noroeste, em voo baixo. -E ligou a IFF, enquanto os três wizzos dos outros aparelhos lhe seguiam o exemplo. A Identificação de Amigo ou Inimigo (51) é uma espécie de transponder f52) existente em todos os aviões de combate, que emite um impulso em determinadas frequências, alterado diariamente. Os aparelhos do mesmo lado da luta captam-no e respondem: "Sou amigo." A aviação inimiga não está, pois, em condições de o fazer. Os cinco blips no ecrã de radar que cruzavam o horizonte dos Eagles podiam ser outros tantos "amigos" que regressavam de uma missão. Tim interrogou-os através dos sistemas Um, Dois e quatro, mas não obteve resposta. - Hostis -informou imediatamente. Don Walker transmitiu a ordem necessária aos outros pilotos e começou a perder altitude. Abdelkarim Badri sabia que se encontrava em desvantagem. Compreendeu-o no momento em que o sistema de rastreio dos americanos se fixou na sua esquadrilha. Não precisava de uma IFF para se certificar de que os outros aparelhos não podiam ser iraquianos. Inteirou-se de que fora descoberto por hostis e aceitou a realidade de que não os poderia enfrentar vitoriosamente. P) Identification Fríend or Foe. (N. do T.) V) Aparelho de rádio ou radar que emite um sinal especial, quando recebe outro que o obriga a proceder assim. (N. do T.) ;;, 415 A sua desvantagem residia no MIG que pilotava. Como se tratava da versão de treino, único tipo com dois lugares, não fora previsto para combater. -Que descobriram? -perguntou ao piloto do avião mais próximo. São três hostis a grande altitude, mas estão a "picar" rapidamente. Dispersem e tentem alcançar o Irão! Não precisou de o repetir. Os quatro aparelhos partiram disparados e não tardaram a transpor a barreira do som. . ",. Apesar do acréscimo de carburante, podiam manter a velocidade durante o tempo suficiente para se esquivarem, aos americanos e atingir o seu destino. . . . Abdelkarim Badri, porém, não dispunha de semelhante possibilidade, devido às insuficiências do modelo de treino que pilotava. . Acudiram-lhe ao espírito uns versos que lera muito tempo atrás de um poema estudado na escola de Mr. Hartley, em Bagdade. De Tennyson? De Wordsworth? Não, de Macaulay e referiam-se a um homem nos seus derradeiros momentos de vida:

A todo o homem nesta terra, , A morte acode, cedo ou tarde.


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