«nogueiras, que precisavam de um clima particularmente frio ... palmeiras, que necessitam do calor, bem como figueiras e oliveiras, que precisam de um clima mais ameno ... A terra não só tem o mérito surpreendente de dar fruta tão diversa, como também a conserva: a terra produz este tipo de frutos, as uvas e os figos. E estes últimos podem secar-se e conservar-se durante dez meses consecutivos. (Guerra 3,517-519)
No entanto, o carácter de Cafarnaum era, provavelmente, determinado pelo facto de a localidade se encontrar junto do mar. O mar da Galileia, também designado de Genezaret, é um mar muito pequeno, motivo pelo qual alguns autores da Antiguidade (Lucas, Josefo e Plínio, o Velho) lhe chamam «lago». É alimentado a norte pelo rio Jordão, que segue para sul, na direção do mar Morto. O mar da Galileia tem cerca de 20 quilómetros de comprimento e 12 quilómetros de lés
a lés. O peixe é diferente do dos outros lagos e rios e muitas das espécies que se encontram nele e no Jordão não existem em outros lugares. Os barcos eram, provavelmente, bastante pequenos. Josefo descreve uma batalha naval ocorrida no mar da Galileia durante o levantamento judaico contra Roma (66-74 e.c.). Os judeus tinham pequenos esquifes, com «um punhado de homens». Os romanos abateram árvores e construíram grandes jangadas, nas quais cabiam muitos soldados; ganharam o confronto sem grande esforço, massacrando-os judeus até ao último homem, o que deixou o lago vermelho de sangue.
Segundo Josefo, os esquifes foram utilizados para «pirataria» ou «assaltos». Isto talvez queira dizer que serviam para contrabando,
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visto que é difícil imaginar uma frota inteira de piratas num mar tão pequeno. Os esquifes talvez fossem também barcos de pesca transformados, o que explicaria o facto de albergarem «um punhado de homens» (Guerra 3, 522-531). Os relatos evangélicos fazem supor que os barcos de pesca eram tripulados por dois ou três homens (Mc 1, 16-20 e par.)
A pesca era sobretudo de arrasto, isto é, com uma rede munida com pesos e boias que era arrastada atrás de um barco. Jesus refere-se a este tipo de rede (a «rede varredoura») numa parábola: o Reino dos Céus é semelhante a uma rede de arrasto lançada ao mar que apanha tanto
peixe bom, como peixe mau. É necessário fazer uma escolha (Mt 13,47-50). Também era utilizado um outro tipo de rede, uma tarrafa, que podia ser lançado do barco ou da margem e depois novamente recolhido. Parece ser esta rede que está em causa na história de Simão e André relatada por Marcos (Mc 1, 16). Eles estão a lançar as suas redes ao mar e deixam-nas para seguir Jesus; não se fala de um barco. Tiago e João, porém, encontravam-se no seu barco, consertando as suas redes (Mc 1, 19). É possível que houvesse uma distinção social entre aqueles que podiam ter barcos e redes de arrasto de maior dimensão e aqueles que tinham de lançar as suas redes da margem. A pesca com redes de arrasto era, quase com certeza, mais lucrativa.
A maioria das povoações à volta do lago era bastante pequena. Marcos 1, 33, chama «cidade» a Cafarnaum, o domicílio de Jesus, mas esta designação é exagerada. Aqui, como noutros lugares no Evangelho, o conceito é utilizado de uma forma vaga. Josefo refere-se a Cafarnaum como uma «aldeia» (Vida 403), mas «vila» seria, provavelmente, a designação mais adequada. As ruínas da povoação antiga encontram-se num estreito ao longo da costa, com cerca de 500 metros de comprimento e 350 metros de largura. Um dos arqueólogos calcula que esta superfície oferecia espaço vital a 1500 a 2000 habitantes, descontando o espaço necessário para as ruas e os edifícios públicos. Atualmente, é possível visitar as ruínas de uma sinagoga muito requintada, existente no local. A sinagoga tinha 22 metros de comprimento e dois pisos. No entanto, é do século III, o período em
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que foram construídas muitas sinagogas grandes na região. É provável que a sinagoga do tempo de Jesus se situasse no mesmo local, mas que fosse menor.
Jesus também pregava e curava em outras cidades e aldeias da Galileia. Ouvimos falar de Maria Madalena, presumivelmente de Magdala, também perto do mar. Os Evangelhos mencionam outras aldeias próximas, como Corazim, que ficava cerca de três quilómetros a norte de Cafarnaum, e Betsaida, provavelmente uma pequena localidade junto do mar." Em Mateus 11,20-24 / / Lucas 10, 13-15, encontra-se um lamento profundo de Jesus por causa de Corazim, Betsaida e Cafarnaum não se terem convertido, quando Jesus fez os seus «atos poderosos»: «Serei mais tolerante para Tiro e Sídon no dia do juízo do que para vós.» Trata-se de uma passagem elucidativa porque indica que existia uma tensão maior entre Jesus e as cidades marítimas do que os Evangelhos nos deixariam supor. Marcos e os outros sinópticos descrevem Jesus como alguém muito popular nestas pequenas cidades e nos seus arredores. Além disso, Jesus recrutou os seus discípulos nestas localidades. No entanto, é óbvio que não encontrou ali a resposta que esperava.
O mesmo se pode dizer da sua cidade natal, Nazaré, onde a sua mensagem foi rejeitada: «E não pôde fazer ali milagre algum. Apenas curou alguns enfermos, impondo-lhes as mãos. Estava admirado com a falta de fé daquela gente.» (Mc 6, 1-6) Sabemos ainda menos sobre Nazaré antiga do que sobre Cafarnaum. Devia ter sido uma aldeia insignificante, visto que o seu nome não aparece nem na Bíblia Hebraica, nem em Josefo, nem na literatura rabínica. Não se encontrava numa estrada principal, mas ficava apenas alguns quilómetros a sul de Séforis, uma cidade importante no interior da Galileia. Atualmente, há alguns investigadores que desejam ver a proximidade de Nazaré em relação a Séforis como um factor muito importante. Imagina-se que os habitantes de Nazaré beneficiavam da cultura supostamente greco-romana de Séforis. podiam assistir a peças de teatro gregas, ouvir filósofos gregos e adquirir, em geral, maneiras cosmopolitas. Isto é altamente improvável. A vida da aldeia era dominada pelo trabalho. As
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pessoas trabalhavam seis dias por semana e a liberdade de movimento ao sábado era limitada a um perímetro de cerca de 900 metros. É improvável que muitos habitantes de Nazaré tivessem passado muito tempo em Séforis. Quando tinham alguns dias livres durante uma ou várias festas de peregrinação, não viajavam para Séforis, mas sim para Jerusalém, que se encontrava no Sul. É possível que muitos fossem levar alimentos ou outros produtos a Séforis para os vender no mercado, como é óbvio. Nesse caso, tinham de se levantar antes do nascer do Sol, de moer grão e preparar um farnel, comer, carregar o burro, ir com ele a pé até Séforis (uma viagem de uma a duas horas) e vender a sua mercadoria. Quando o dia de mercado terminava, embrulhavam as coisas e iam para casa. Não podiam regressar com o burro à aldeia depois do pôr-do-sol, visto que o animal podia ferir-se. Não ganhavam o suficiente para ir ao teatro ou para passar a noite na cidade. Em resumo, os aldeões de então, como os de todos os tempos, até hoje, viviam na sua aldeia e raramente viajavam, exceto para vender ou trocar os seus produtos.
A leste do mar da Galileia e do rio Jordão ficava a Decápolis, «Dez Cidades» de origem macedónia e grega politicamente independentes. No século III a.e.c., os sucessores de Alexandre Magno fundaram muitas cidades novas (ou refundaram as antigas), dando-lhes uma constituição grega e liberdade política (sob supervisão geral exclusivamente do poder governante). Estas cidades eram muito importantes para impérios cujas tropas serviam durante anos em regiões muito remotas:
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os conquistadores davam terras aos soldados aposentados e a promessa de terra própria era um fator importante no recrutamento das tropas. Os homens estabeleciam-se e casavam - eventualmente, com uma mulher que tinha seguido o exército nas suas campanhas. Tornavam-se agricultores, artesãos ou algo semelhante: bons, bravos cidadãos, leais ao império. As cidades Decápolis serviam de escudo aos reinos helenistas contra ataques provenientes do deserto. Os reis Asmoneus, sobretudo Alexandre Janeu, conquistaram muitas destas cidades. Roma adquiriu o controlo delas quando Pompeu conquistou a Palestina. Da perspetiva das cidades helénicas, ele libertou-as do domínio judaico; as suas moedas comprovam que Pompeu era encarado como
o fundador de uma nova era. Os descendentes dos soldados macedónios e helénicos transferiram a sua lealdade para o Império Romano.
Segundo Marcos, Jesus foi duas vezes à região da Decápolis, mas, ao que parece, sem visitar as cidades em si.12 Também foi uma vez à «região de Tiro e de Sídon» (Me 7, 24), duas importantes cidades não-judaicas na costa fenícia, mas também não visitou as cidades.
Ficaremos com uma ideia mais aproximada da Galileia no tempo de Jesus e talvez o compreendamos um pouco melhor se dissermos algumas palavras sobre as principais cidades da Galileia, que contrastavam com as regiões em que ele desenvolveu o seu ministério. Séforis foi durante muitos anos a cidade mais importante da Galileia. Foi destruída (ou parcialmente destruída) no ano de 4 e.c., durante os levantamentos posteriores à morte de Herodes Magno. Segundo Josefo, o legado da Síria, Varus, queimou a cidade e vendeu a população como escravos, embora a maioria não tivesse nada a ver com os revoltosos e não os tivesse ajudado (Guerra 2, 56; 2, 58).13 Antipas mandou reconstruir e repovoar imediatamente a cidade, transformando-a na «joia de toda a Galileia» (Antiguidades 18, 27). Séforis foi a sua capital
durante algum tempo e o lar da nobreza da Galileia. A população era composta maioritariamente por judeus, embora também houvesse
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alguns gentios. A cidade permaneceu fiel aos romanos durante a revolta judaica (66 e.c.); as autoridades civis pediram e receberam uma guarnição romana (Guerra 3, 30-34; cf. 2, 511). Os galileus que aderiram à revolta detestavam Séforis de todo o coração, naturalmente, mas é provável que a inimizade tivesse raízes mais profundas: é possível que a cidade, rica e aristocrática, já não fosse particularmente popular antes da guerra e o facto de ter apoiado Roma durante a guerra reflete a sua orientação fundamental, que causou ressentimento a muitos
galileus.
Antipas construiu Tiberíades no ano 25 e.c., fazendo dela a nova capital. A cidade fica nas margens do mar da Galileia, o que permitia um acesso às várias regiões da tetrarquia de Antipas melhor do que aquele que Séforis possuía. A população de Tiberíades era mista, embora os judeus estivessem claramente em maioria. Tiberíades foi construída em parte sobre um velho cemitério e os judeus religiosos recusavam-se a viver nela, porque andar por cima de um túmulo significava contrair a impureza dos cadáveres. Esta impureza, segundo a Lei bíblica, não é errada: supõe-se que os vivos cuidem dos mortos, tornando-se, portanto, impuros. A pureza adquiria-se através de um ritual que durava sete dias. As únicas coisas que a impureza impedia eram o acesso ao Templo e a participação na ceia pascal, pelo que, na Galileia, não tinha quaisquer consequências práticas. Mesmo assim, havia muitos judeus piedosos que não desejavam ser sempre impuros. Por isso, a capital de Antipas atraía gentios e judeus relativamente pouco piedosos; alguns só eram persuadidos a viver ali através da oferta de casa e de terra. É provável que Tiberíades, tal como Séforis, também fosse encarada com desconfiança por muitos judeus da Galileia.
A terceira cidade, Citopólis, foi fundada como uma cidade grega no lugar da antiga Beth Chean. Tal como foi observado anteriormente, embora Citopólis fizesse parte da Galileia em termos geográficos, era independente do ponto de vista político; não era governada por Antipas, tal como não o tinha sido por Herodes. Era a única cidade da Decápolis na margem ocidental do rio Jordão. Embora a cidade fosse de fundação grega, no tempo de Jesus, tinha uma população mista. Quando o levantamento começou, em 66 e.c., os cidadãos judeus (cerca
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de 13 000 pessoas) foram obrigados a ajudar os gentios na defesa da cidade contra os rebeldes judeus. Apesar disso, a população gentia massacrou os judeus (Vida 26).
De acordo com as informações dos Evangelhos, Jesus só conhecia uma cidade digna desse nome: Jerusalém. No entanto, é possível que tenha visitado Séforis, pelo menos, ocasionalmente. Ele não era um cosmopolita; baseou a sua atividade nas pequenas cidades e aldeias da Galileia, sobretudo naquelas que se encontravam na margem do mar. Apesar de Jesus ter ficado dececionado com a receção que teve nas aldeias da Galileia, tendo-se lamentado em relação a algumas delas, Séforis, Tiberíades e Citopólis nem sequer isto receberam.
É difícil saber o peso que devemos atribuir ao facto de Jesus ter evitado os centros urbanos (ao que parece). Veremos mais adiante que ele prometeu o Reino aos excluídos e aos pecadores, incluindo aos cobradores de impostos e às prostitutas. Poderia pensar-se que tal missão o teria levado a Tiberíades, a capital. Ele podia ter ido a Séforis para protestar contra a riqueza da aristocracia. O desejo de atingir todo o Israel podia tê-lo levado aos centros de maior concentração populacional. Contudo, Jesus atuou entre os seus: habitantes das aldeias, artesãos, negociantes, camponeses e pescadores.
Talvez o tenha feito simplesmente porque eram seus iguais. Ele identificava-se com os fracos e os oprimidos - eles eram, por natureza, os destinatários da sua missão. Além disso, tal como muitos profetas e visionários, ele não fez cálculos do tipo dos nossos. A pergunta implícita no último parágrafo - «se queres converter os pecadores, então, porque não vais a Tiberíades?» - não lhe diria nada. Quando pensava em «todo o Israel», não fazia cálculos, perguntando-se: «como posso alcançar o maior número possível de pessoas da maneira mais eficaz?» Pensava, certamente, em termos simbólicos e, provavelmente, representativos - os doze discípulos simbolizavam e representavam todo o Israel (ver, mais adiante, pp. 159-160,234 e segs.). Sabemos que Paulo, Pedro, Tiago e João pensaram o mesmo alguns anos mais tarde. Distribuíram a missionação do mundo entre eles - Pedro, para os judeus, Paulo, para os gentios (GI 2, 9) - mas ninguém foi a Alexandria. Paulo, depois de ter fundado comunidades em cerca de uma dúzia de cidades da Ásia Menor e da Grécia, disse que tinha «completado» os evangelhos e que não tinha mais campo de ação naquela região, pelo que tinha de ir para Espanha (Rm 15, 19. 23s). Este «completamento» era apenas simbólico e representativo.
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Portanto, Jesus era um homem proveniente de uma aldeia na Galileia, cuja atividade se limitou a outras aldeias e pequenas cidades na região e nas redondezas - e, no entanto, estava convencido de que a sua missão era importante para todo o Israel.
Um movimento itinerante
Vimos que os Evangelhos descrevem Jesus e os seus discípulos como itinerantes. Alguns deles, se não todos, tinham casa e família, mas passavam muito tempo em viagem e não existem referências de que trabalhassem durante a vida pública de Jesus. Por um lado, estavam ocupados com o anúncio do Reino e, por outro lado, o chamamento dos discípulos mais íntimos tinha como condição que eles deixassem tudo. No entanto, tinham de ter algum apoio financeiro. As aves do céu comem de graça (Mt 6, 26), mas as pessoas, não. Em Mateus 10, os discípulos são encarregados de uma missão. Na sua forma atual, a passagem reflete o conhecimento da igreja pós-ressurreição, mas, mesmo assim, pode fornecer informações sobre a forma como era suposto viverem os seguidores de Jesus:
Não leveis nem ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos; nem alforge para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado; pois o trabalhador merece o seu sustento. Em qualquer cidade ou aldeia onde entrardes, procura i saber se há nela alguém que seja digno, e permanecei em sua casa até partirdes. (M tIO, 9-11)
As cartas de São Paulo mostram que alguns dos missionários cristãos seguiam estas instruções depois da morte de Jesus. Segundo Paulo, o Senhor ordenou «que aqueles que anunciam o Evangelho vivam do Evangelho» (1 Cor 9, 14), o que corresponde, mais ou menos, à citação de Mt 10,9-11. Paulo escreve que, embora ele e Barnabé não aceitassem dinheiro, e apesar de ele viver do trabalho das suas mãos, não era isso que se passava com os outros apóstolos. Eles viviam e viajavam juntamente com as suas mulheres à custa das igrejas (1 Cor 9,3-7). No entanto, Paulo não abdicou completamente deste direito apostólico: durante a sua atividade em Corinto, recebeu dinheiro de outras igrejas (2 Cor, 11, 8s) e a Carta aos Filipenses (4, 14-16) informa-nos do apoio que a igreja local lhe prestou enquanto
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ele esteve na Macedónia. Por fim, na Carta aos Romanos 16, 2, Paulo menciona uma mulher, Febe, como sua patrona e de outros. Por conseguinte, Paulo viveu frequentemente de acordo com a afirmação do Senhor: «o trabalhador merece o seu sustento» - isto é, da caridade.
De acordo com João (21, 1-3), os discípulos de Jesus regressaram à pesca depois da execução deste. Contudo, os Atos dos Apóstolos afirmam que eles iniciaram imediatamente a sua atividade em Jerusalém, onde não tinham qualquer apoio financeiro visível. O movimento con quistou seguidores que dispunham de bens, como Barnabé, por exemplo (Act 4, 36 e segs.), que colocavam o seu dinheiro e os seus haveres num cofre comum. Os apóstolos dependeram do apoio financeiro de outros desde o início da sua atividade.
Por conseguinte, as fontes dos primeiros tempos da igreja indicam que os seguidores de Jesus esperavam ser apoiados por outros durante a sua atividade missionária. Esta expectativa derivava, provavelmente, da sua prática enquanto seguidores de Jesus durante a sua vida. Os Evangelhos mostram, de vez em quando, Jesus e, por vezes, os discípulos, a comer em casa de alguém. É o que acontece em Marcos 2, 15-17.16 Em Lucas 7, 36-50, Jesus come com Simão, um fariseu, em 11, 37-44, come em casa de um outro fariseu e em 19, 1-10 fica em casa de Zaqueu, um cobrador de impostos. Não sabemos se estes pormenores correspondem à verdade, mas podemos aceitar o sentido geral destas passagens: ao deslocarem-se de aldeia em aldeia, Jesus e os seus seguidores encontraram alguém disposto a oferecer-lhes comida e um alojamento simples. Segundo Lucas, Jesus e os seus discípulos dispunham de meios de sustento ainda mais amplos: enquanto andavam pela Galileia, Jesus e os Doze faziam-se acompanhar por mulheres, incluindo «Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demónios, e Joana, mulher de Cuza, administrador de Herodes, e Susana e muitas outras, que os serviam com os seus bens.» (Lc 8, 1-3.)
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O autor de Lucas, que também escreveu os Atos dos Apóstolos, queria chamar a atenção para as mulheres importantes que apoiavam primeiro Jesus e, depois, também os seus apóstolos: em Tessalónica, «alguns deles ficaram convencidos e juntaram-se a Paulo e a Silas, bem como o fizeram grande número de crentes gregos e muitas mulheres importantes.» (Act 17, 4) Lucas tinha um interesse especial pela piedade das mulheres e pelo seu papel na religião, em geral; além disso, queria demonstrar que o cristianismo atraía as classes mais altas. Por isso, é possí vel que a passagem citada (8, 1-3) exagere a dimensão do apoio dado a Jesus e aos seus seguidores pelas mulheres, entre as quais se encontrava uma com algum estatuto social (a mulher do camareiro de Antipas).
De qualquer modo, é evidente que estas mulheres existiram, realmente, no início do cristianismo. Já mencionámos Febe, que era patrona de Paulo e de outros. De Corinto, conhecemos Cloé, que era suficientemente rica para enviar os seus escravos ou servos livres com uma mensagem para Paulo (1 Cor 1,11). Além disso, há fenómenos análogos: as mulheres constituíam, por vezes, as principais apoiantes de outros movimentos religiosos. Foi isto que aconteceu, por exemplo, numa fase inicial do farisaísmo. Embora Herodes Magno se opusesse aos fariseus, estes eram, em parte, protegidos e apoiados por mulheres da corte. Na opinião de Nicolau de Damasco, o cronista da corte de Herodes, este facto constituía um descrédito para os fariseus: só atraíam mulheres.!? Portanto, ao sublinhar o papel das mulheres, Lucas não estava, necessariamente, a apresentar Jesus e o seu movimento de uma forma que os leitores de então considerassem favorável.
Parece, portanto, que podemos aceitar a afirmação de Lucas como provável em termos gerais: Jesus e os outros eram apoiados, em parte, por mulheres abastadas e algumas de entre elas também o «seguiam». Em que sentido é que eram seguidoras?
Em Lucas 8, 1-3, as mulheres acompanhavam Jesus e os seus discípulos do sexo masculino quando estes iam «de cidade em cidade, de aldeia em aldeia». Além disso, as mulheres encontravam-se no grupo das pessoas que acompanharam Jesus entre a Galileia e Jerusalém. Segundo Mateus '2.7, 55 e segs., havia «muitas mulheres», entre elas «Maria de Magdala, Maria, a mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos
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de Zebedeu». Lucas não menciona nomes nesta passagem, referindo-se apenas a «mulheres que o tinham seguido desde a Galileia» (23, 55). Marcos menciona «Maria de Magdala, Maria, a mãe de Tiago Menor e de José, e Salomé», acrescentando que estas também o seguiam na Galileia e que o «serviam». Acrescenta que «também havia muitas mulheres que tinham vindo com ele para Jerusalém» (15, 40-41). A palavra grega aqui traduzida com «servir» é diakoneo, a mesma palavra utilizada em Lc 8, 3, que significa, provavelmente, «apoiado». Penso que é provável que as mulheres só muito raramente seguissem Jesus no sentido físico do termo, como, por exemplo, em peregrinações a Jerusalém, nas quais era geralmente aceitável que homens e mulheres viajassem juntos em grupos. Se as mulheres tivessem, de facto, viajado com Jesus e com os seus discípulos em outras ocasiões e passado a noite pelo caminho, encontraríamos nos Evangelhos um eco da crítica que este comportamento escandaloso teria provocado. As apoian tes desempenharam, provavelmente, o seu papel mais tradicional, arranjando alojamento e alimentação.
Jesus disse que «as raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a sua cabeça». (Mt 8, 20). Será que ele e os seus discípulos mais próximos ficavam, por vezes, sem alojamento durante a noite? Será que o seu ministério era sasonal? Não temos respostas certas para estas perguntas. A temperatura média em Tiberíades no mês de Janeiro situa-se, hoje, entre os 10 e os 18 graus e o número de dias de chuva situa-se entre os trinta e os cinquenta por ano, sendo que chove sobretudo entre o início de Dezembro e o início de Março.l'' No entanto, muitos dias são mais desagradáveis do que revelam estas temperaturas. Além disso, Jesus e os seus discípulos passaram parte do tempo afastados do mar da Galileia, portanto, em regiões com um clima um pouco mais rigoroso. Não é possível que o grupo regressasse a Cafarnaum sempre que o tempo estava mau. Jesus deve ter levado uma vida de pobreza e sem lar durante a sua vida pública; mas, por vezes, tanto ele como os seus acompanhantes, devem ter encontrado alojamento e camas, em especial, quando viajavam no Inverno.
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Estas considerações fazem-nos regressar à questão do período de duração da missão de Jesus (ver, atrás, pp. 96-99), mas não a resolvem. Mesmo que o seu ministério só tivesse durado alguns meses, terminando com a Páscoa, na Primavera, teria tido que passar um Inverno e, para tal, ele e os seus acompanhantes necessitavam de um certo apoio. Temos de adivinhar como seria a sua vida, a partir de alguns indícios: não tinha casa; viajava na companhia dos seus discípulos, um grupo composto - pelo menos, durante uma parte do tempo - por mais pessoas do que apenas os «Doze»; o grupo quase não tinha reservas financeiras; por vezes, podiam comer e dormir confortavelmente, graças ao facto de Jesus ter encontrado alguns apoiantes abastados, sobretudo, mulheres.
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9. O início da missão de Jesus
Depois do relato sobre o batismo de Jesus (discutido no capítulo 7), os Evangelhos sinópticos apresentam mais material introdutório: a tentação de Jesus, o chamamento dos discípulos e as curas e os ensinamentos através dos quais ele chamou a atenção das pessoas pela primeira vez.
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