E. P. Sanders Tudo o que se pode, corrigir histórico, saber sobre Jesus



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Espírito = o Senhor = Jesus. Quando estudarmos as afirmações dos Evangelhos sinópticos vou chamar frequentemente a atenção para a limitação da criatividade dos primeiros cristãos. Penso que é bastante provável que as principais alterações no material tenham consistido em alterações do contexto e em pequenas adaptações. No entanto, também temos de aceitar que haja algum material que tenha sido criado - isto é, que os cristãos o tenham ouvido na oração.

Uma segunda fonte possível para material novo eram as Sagradas Escrituras Judaicas (que se transformaram no «Antigo Testamento» dos cristãos, depois de estes terem decidido que uma parte da sua literatura também era Escritura» tendo-a designado como «Novo Testamento»). Os cristãos pensavam que havia profetas hebreus que tinham falado de Jesus e que ele tinha cumprido as expectativas proféticas. Por isso, os cristãos podiam ler os profetas e encontrar coisas que Jesus tinha de ter feito. Explicarei pormenorizadamente esta perspetiva no próximo capítulo.

Os investigadores desenvolveram vários processos para tentar determinar quais as afirmações e ações que são «autênticas», portanto, para distinguirem entre o material criado de novo e aquele que remonta, de facto, ao tempo de Jesus. Não descreverei aqui estes processos, mas alguns aparecerão em capítulos posteriores. Nos capítulos 20 e 21 do meu livro Studying the Synoptic Gospels ofereço uma lista bastante completa destes critérios.

Há duas convicções implícitas na nossa apresentação que eu gostaria de tornar, agora, explícitas. Uma delas é que os Evangelhos, na sua forma actual, não foram escritos por testemunhas oculares, com base num conhecimento directo de Jesus. O segundo pressuposto é que existe uma diferença substancial entre os primeiros três Evangelhos e o quarto.


Anonimato

Não sabemos quem escreveu os Evangelhos. Atualmente, eles intitulam-se «segundo Mateus», «segundo Marcos», «segundo Lucas»

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e «segundo João». Os nomes Mateus e João referem-se a dois dos primeiros discípulos de Jesus. Marcos era um seguidor de Paulo e, provavelmente, também de Pedro; Lucas era um dos convertidos por Paulo." Estes homens - Mateus, Marcos, Lucas e João - existiram, de facto; no entanto, não sabemos se eles escreveram os Evangelhos. Aquilo que sabemos hoje indica que os Evangelhos permaneceram sem nome até à segunda metade do século 11. Eu reuni estas provas num outro lugar." pelo que não gostaria de as repetir aqui, exceto num ponto. Os Evangelhos, tal como os temos atualmente, foram citados na primeira metade do século II, mas sempre sob anonimato (tanto quanto podemos dizer, com base nas provas que chegaram até nós). Os nomes apareceram subitamente por volta do ano 180. Naquela altura, havia uma série de evangelhos, não só os nossos quatro, e os cristãos tiveram de decidir quais tinham autoridade. Isto era uma questão decisiva acerca da qual existiam divergências de opinião muito grandes. Sabemos quem triunfou: aqueles que consideravam que havia quatro Evangelhos, nem mais, nem menos, que eram os relatos sobre Jesus que possuíam autoridade.



Embora hoje conheçamos o resultado, no fim do século II, ele era muito incerto. Alguns cristãos queriam que houvesse mais evangelhos a serem reconhecidos oficialmente, outros, menos. Comentarei apenas uma parte da história: a existência de evangelhos que acabaram por não ser reconhecidos na cristandade católica. Estes evangelhos, que se designam habitualmente como evangelhos «apócrifos» («ocultos»), fascinaram as pessoas durante muito tempo. Alguns deles (como, por exemplo, o Evangelho dos Egípcios) perderam-se e são conhecidos apenas através de algumas breves passagens citadas por autores cujas obras chegaram até nós. Atualmente, é possível ler a tradução de numerosos outros evangelhos apócrifos, mas a maior parte deles foi escrita depois de 180.8 Dois deles são relativamente antigos e contêm material interessante: o Evangelho da Infância, de Tiago, e o Evangelho de Tomé. O primeiro é um evangelho especial: como o título

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sugere, trata apenas do nascimento e da infância de Jesus. O Evangelho de Tomé é uma coleção de ditos que foram encontrados no Egipto, entre os manuscritos gnósticos. (O gnosticismo consistia numa visão da realidade que considerava mau tudo o que era material; o deus que criou o mundo era um deus mau e a sua criação era má. Os gnósticos que também eram cristãos acreditavam que o Deus bom tinha enviado Jesus para salvar as almas das pessoas, mas não os seus corpos, e que Jesus não era verdadeiramente um ser humano. Os cristãos que rejeitavam estas opiniões acabaram por os declarar heréticos.)

Partilho a convicção da maior parte dos investigadores, segundo a qual é pouquíssimo daquilo que, nos evangelhos apócrifos, poderia conceber-se como remontando ao tempo de Jesus. Os evangelhos apócrifos são lendários e mitológicos. De todo o material apócrifo, apenas alguns ditos no Evangelho de Tomé merecem ser analisados. Isto não significa que possamos fazer uma distinção clara entre os quatro Evangelhos históricos e os evangelhos apócrifos lendários. Existem traços lendários nos quatro Evangelhos do Novo Testamento, bem como uma certa quantidade de material criado de novo (como já vimos). No entanto, é nos quatro Evangelhos canónicos que temos de procurar os vestígios do Jesus histórico.

Voltamos agora à história da atribuição de nomes aos Evangelhos. Para os membros da fação vencedora (aqueles que não queriam mais de quatro Evangelhos), era importante poder atribuir os Evangelhos «certos» às pessoas que tinham proximidade histórica com Jesus ou com os seus maiores apóstolos. Os detetives de entre os cristãos deitaram mãos ao trabalho e tiraram conclusões sobre a autoria de cada um dos Evangelhos a partir de pormenores nos mesmos que eles consideravam como indícios relativos aos seus autores. Para dar um exemplo: no Evangelho que se encontra atualmente no quarto lugar no Novo Testamento, destaca-se um «discípulo amado» cujo nome não é revelado. No entanto, este Evangelho não menciona João, apesar de ele ter sido um dos discípulos principais (como sabemos dos outros Evangelhos, dos Atos dos Apóstolos e da Carta aos Gálatas). Os detetives cristãos do século II chegaram, provavelmente, à conclusão de que o quarto Evangelho tinha sido escrito por João, que preferiu

referir-se a si próprio como o «discípulo amado»; e daí resultou que, hoje, designamos o quarto Evangelho como «Evangelho segundo João». Neste caso, os cristãos do século II deduziram a autoria a partir da ausência de um nome.

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O trabalho «detectivesco» do século II foi bastante as tu cioso. Na realidade, é precisamente com base em indícios de pormenor que nós tentamos dizer alguma coisa sobre os autores de obras anónimas. Os seus nomes podem-nos escapar, mas as suas características seguramente que não. No entanto, as conclusões a que os cristãos do século II chegaram no que diz respeito aos nomes eram muito mais firmes do que as suas provas. Em João (isto é, no Evangelho que tem o seu nome), o autor pretendia dizer algo através das suas referências frequentes ao «discípulo amado». Também tem a sua visão própria no que diz respeito aos nomes dos outros discípulos, que são um tanto diferentes dos nomes apresentados por Mateus, Marcos e Lucas (abaixo, pp. 120-122). Mas não podemos ter a certeza de que o seu tratamento especial dos discípulos pretendesse constituir uma indicação do seu próprio nome. É possível que os primeiros leitores do Evangelho tenham compreendido o que o autor pretendia. Por que razão não foi o nosso Evangelho atribuído imediatamente a João? A resposta mais provável é que a atribuição foi tardia e baseada mais numa suposição do que numa tradição sólida.



É improvável que os cristãos conhecessem os nomes dos autores dos Evangelhos, mas que não os mencionassem na literatura que chegou até nós (e que é bastante), mais ou menos, durante um século. Também é intrinsecamente provável que os títulos iniciais fossem apenas «o Evangelho [a boa nova] de Jesus Cristo» ou qualquer coisa semelhante, sem os nomes dos seus autores. Os autores queriam, provavelmente, eliminar interesse pela pessoa que tinha escrito a história, para que o leitor se concentrasse no assunto. Mais importante ainda: uma história anónima possuía mais autoridade do que a de uma obra com autor. Um livro anónimo na Antiguidade, tal como acontece hoje com um artigo de enciclopédia, reclamava implicitamente um conhecimento e uma credibilidade totais. O Evangelho de Mateus não teria tido o mesmo impacto se o autor tivesse escrito: «esta é a minha versão», em vez de escrever: «foi isto que Jesus disse e fez».

Referir-me-ei sempre aos Evangelhos pelos nomes que são, agora, familiares. Designarei, por exemplo, o autor do Evangelho de Lucas como «Lucas» e designarei também o próprio Evangelho como «Lucas», sendo que utilizarei uma expressão descritiva em caso de ambiguidade (por exemplo, «o evangelista Lucas» é o autor). Utilizo os nomes exclusivamente por motivos práticos. Na minha opinião,

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todos os Evangelhos foram escritos anonimamente e os nomes só lhes foram atribuídos depois de 150, com base em indícios do tipo daqueles que apresentei para o Evangelho de João.


Os sinópticos e João

No capítulo anterior mencionámos brevemente que a cronologia de João se distingue da dos outros três Evangelhos. Pretendo explorar agora esta e outras diferenças, que são muito consideráveis.

Mateus, Marcos e Lucas são designados coletivamente como «Evangelhos sinópticos» porque, no século XVIII, os investigadores começaram a estudá-los em livros com colunas paralelas, chamadas «sinopses», o que significa literalmente «visão de conjunto». Portanto, é possível imprimir os textos de Mateus, Marcos e Lucas, colocá-los lado a lado e fazer muitas comparações diretas. O esquema geral da vida de Jesus é igual e muitas das sequências também. Veremos exemplos nos capítulos 11, 12 e 16. João é um caso à parte. O plano narrativo é diferente e o material discursivo tem pouca semelhança com os ditos dos Evangelhos sinópticos. Comecemos pelo plano narrativo:

Os sinópticos só falam uma vez da festa da Páscoa e a ação parece ter-se desenrolado toda em menos de doze meses. Em Me 2, 23-28 é possível comer trigo na espiga, o que situa o acontecimento no início do Verão; em 6, 39, é Primavera, uma vez que a erva está verde; nessa mesma Primavera, Jesus vai a Jerusalém para a festa da Páscoa (Mc 11; sobre a festa da Páscoa ver 14,1. 12). Se as indicações relativas às estações do ano são corretas e se encontram no lugar certo, o ministério de Jesus decorreu todo entre o início de um Verão ou o fim de uma Primavera e a Primavera seguinte. Em João, pelo contrário, Jesus vai a Jerusalém, para uma festa da Páscoa (2, 13), no início da sua vida pública e antes da última (11, 55; 13, 1; 18,28), ainda há uma outra Páscoa (6, 4). Sendo assim, o ministério público de Jesus ter-se-ia prolongado por um pouco mais de dois anos. Além disso, a narrativa de João situa uma grande parte do ministério de Jesus na Judeia, enquanto os relatos dos sinópticos situam tudo, exceto a última semana, na Galileia. No capítulo anterior, também referimos que João coloca a execução de Jesus no dia 14 de Nisan, enquanto os sinópticos se referem ao dia 15 de Nisan.

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Há mais dois aspetos da apresentação de João que merecem ser mencionados. A «purificação do Templo», que aparece nos sinópticos como o motivo principal para a execução de Jesus, em João, acontece logo no início do seu ministério, durante a sua primeira viagem a Jerusalém (2, 13-22), sem que tenha havido consequências graves. O conteúdo do relato joanico sobre a audiência perante as autoridades judaicas distingue-se consideravelmente da versão dos sinópticos. Nos Evangelhos sinópticos, há um processo formal perante o tribunal judaico, o Sinédrio. São chamadas testemunhas, que fazem depoimentos; por fim, é interrogado o próprio Jesus. O sumo sacerdote formula uma acusação formal: culpado de blasfémia. Em João, Jesus é interrogado, ao que parece, em privado, primeiro por Anás (que tinha sido sumo sacerdote e era pai dos cinco sumos sacerdotes que se lhe seguiram) e depois por Caifás, o sumo sacerdote em exercício, que é apresentado como genro de Anás (Jo 18, 12-40). Não se fala nem de testemunhas, nem de uma acusação formal.



A cena do julgamento descrita por João é muito mais plausível do ponto de vista da probabilidade intrínseca do que a dos sinópticos. Quem ler Josefo aperceber-se-á que João descreve um tipo de processo que teria sido considerado adequado num caso sem grande importância: o sumo sacerdote ouviu conselheiros (neste caso, Anás, um antigo sumo sacerdote) e fez uma recomendação ao prefeito, que agiu em conformidade. Isto é mais provável do que a existência de um processo completo perante um tribunal formal durante a época festiva. Portanto, no que diz respeito ao processo, João parece ser melhor. No entanto, no que diz respeito à colocação da «purificação do Templo» na sequência narrativa, a descrição dos sinópticos, que situa o acontecimento mais tarde, é muito mais plausível do que a de João. Diz-se que Jesus tentou interferir nos negócios de compra e venda que eram necessários para a manutenção do serviço no Templo - um serviço que resultou de uma ordem expressa de Deus. Isto deve ter causado um escândalo, sendo muito provável que tenha existido uma estreita relação entre aquilo que Jesus fez no Templo e a sua execução.

Quanto à duração do ministério de Jesus, é difícil decidir. João coincide, certamente, com o ritmo da vida na Palestina judaica, marcada por três festas anuais. Além das três festas da Páscoa, João menciona uma outra festa, sem especificar qual (5, 1), enquanto os acontecimentos do capítulo 7 são situados durante a Festa das Cabanas

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(ou Tabernáculos). A tabela que se segue compara as referências que João faz às festas que teriam ocorrido se tivesse havido três Páscoas durante o ministério de Jesus:


Páscoa (Primavera)-------------------------------- Jo 2, 13

Festa das Semanas

(Pentecostes, início do Verão) ----------------- talvez Jo 5, 1

Festa das Cabanas

(Tabernáculos, Outono) ------------------------ não mencionada

Páscoa ------------------------------------------- Jo 6, 4

Festa das Semanas ----------------------------- não mencionada

Festa das Cabanas ------------------------------ Jo 7

Páscoa ------------------------------------------- Jo 11,55

Apesar de existirem lacunas, o esquema geral de João é perfeitamente plausível. Mas o dos sinópticos também. É o seguinte: quando João Baptista foi preso, surgiu um outro profeta - Jesus; ele pregou e curou durante alguns meses, causando alguma agitação, mas não a ponto de assustar Antipas, foi a Jerusalém, para a festa da Páscoa, teve uma intervenção aparatosa no Templo, fez algumas observações provocatórias sobre o tema da autoridade e do «Reino» e foi rapidamente eliminado. Esta descrição é perfeitamente razoável. As referências de Josefo a outras figuras proféticas são compatíveis com carreiras muito curtas. Estes profetas prometiam «sinais de salvação» no deserto, as massas seguiam-nos e os romanos enviavam tropas rapidamente ­ que não precisavam de esperar por um processo formal perante um tribunal judaico antes de usarem as suas espadas. (Sobre estes profetas, ver pp. 49 e segs.) Existem outros indícios que tornam o ministério breve dos sinópticos mais credível do que o de João. Ao que parece, Jesus era um pregador itinerante e os seus seguidores mais próximos abandonaram as suas ocupações normais para estarem com ele. Há notícias de apoios exteriores (Lc 8, 1; ver p. 109), contudo, o material não nos revela nada sobre o modo de vida do pequeno grupo, sobre o local onde dormiam os seus membros e sobre quem pagava as despesas. (Jo 13, 29 afirma que os membros do grupo juntavam dinheiro de uma maneira não especificada.) Esta ausência geral de informação é um pouco mais fácil de explicar na hipótese de um ministério curto, baseado na improvisação de meios. Um ministério mais longo implica mais organização e seria de esperar encontrar mais vestígios desta nos

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Evangelhos. (Sobre a vida errante, ver pp. 145-149.) O enquadramento dos sinópticos é pelo menos tão plausível quanto o de João e, talvez, até um pouco mais convincente.



Esta discussão parece pressupor que temos de aceitar um dos dois: João (três festas da Páscoa; purificação do Templo no início; processo informal) ou os sinópticos (uma festa da Páscoa; purificação do Templo perto do fim, processo semiformal). É tentador alternar entre ambos, com base na plausibilidade ou na probabilidade intrínseca, fazendo um compromisso na questão da duração: um ministério de onze a vinte e cinco meses (compromisso); purificação do Templo perto do fim (sinópticos); processo informal (João). No entanto, também temos de considerar outra possibilidade: talvez nenhum dos autores soubesse nem o que aconteceu, nem quando ocorreram os acontecimentos (exceto o processo e a crucificação, como é óbvio). É possível que tivessem reunido pedaços de informações dispersas, a partir das quais construíram narrativas credíveis que contêm uma grande quantidade de suposições. Ou talvez nem sequer se tenham preocupado com a ordem cronológica, juntando o material de acordo com outro plano (por exemplo, temático). A consequência teria sido, então, um espalhar completamente acidental de indícios cronológicos que não permitiria tirar quaisquer conclusões razoáveis. A cena em Marcos 2, 23-28, que ocorre no Verão, talvez nem sequer devesse estar colocada antes da cena da Primavera em Marcos 6, 39; talvez se tenha passado no Verão seguinte e não no Verão anterior. Nesta secção de Marcos (2, 1-3, 6), os textos estão ordenados por tema e é muito possível que Marcos tenha colocado 2, 23-28 no seu lugar atual apenas porque é compatível com o tema da secção (pequenos conflitos sobre a Lei, na Galileia).

Se desviarmos a nossa atenção do esquema narrativo para o conteúdo, verificamos que João e os sinópticos voltam a ser muito diferentes.

1. Nos Evangelhos sinópticos, há muitas curas feitas por Jesus, algumas delas com um significado central para a história, que consistem em exorcismos. Em João, não há exorcismos. (Sobre o exorcismo e outros milagres, ver capítulo 10.)

2. Nos sinópticos, quando pedem a Jesus um «sinal» da sua autoridade, ele recusa-se a dá-lo (Mc 8, 11 e segs.). Um dos aspetos mais salientes de João consiste numa série de «sinais» que provam a posição e a autoridade de Jesus (10 2, 11. 23; 3, 2; 4, 4,8. 54; 6, 2.14; 7, 31; 9, 16; 11,47; 12,8.37; 20, 30).

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3. O Jesus dos sinópticos pergunta aos discípulos quem pensam as pessoas que ele é (Me 8, 27), mas não comenta explicitamente o assunto. Quando desafiado sobre a sua autoridade, limita-se a perguntar qual era a autoridade de João Baptista, mas não diz nada sobre a sua (Mc 11, 27-33). Em João, pelo contrário, o tema principal dos discursos de Jesus é a sua própria pessoa - a sua posição, a sua identidade e a sua relação com Deus e com os discípulos. Estes temas não consti­



tuem o conteúdo de comunicações privadas aos seus íntimos, mas sim a substância do seu ensinamento público.

4. O tema principal do material discursivo nos sinópticos é o Reino de Deus. Em João, este termo só aparece uma vez (3, 3-5).

5. A diferença mais evidente talvez seja a do estilo do ensinamento. Nos sinópticos encontramos discursos breves sobre diversos temas. Os únicos discursos substanciais consistem numa série de ditos deste tipo. A outra forma literária predominante é a parábola, na qual se utiliza uma história simples para afirmar algo sobre Deus e o seu Reino. A comparação exprime-se através da expressão «é como»: o Reino de Deus é como a história que se segue. Literariamente, as parábolas sinópticas baseiam-se numa comparação e muitas delas não são mais do que comparações desenvolvidas. Em João, há discursos metafóricos inseridos no texto, aos quais falta a palavra «como», pelo que não constituem comparações. O traço característico dos discursos metafóricos de João consiste nos ditos que começam com a frase: «eu sou», como, por exemplo, «Eu sou a videira verdadeira» (15, 1). Isto é uma metáfora na qual o autor identifica Jesus com a realidade indicada pelo símbolo. A videira é um símbolo da vida; Jesus é a verdadeira videira; portanto, Jesus é a vida. Ele não é corno qualquer coisa - neste caso, uma videira -, ele é a única videira verdadeira. Assim, Jesus é também o pão (Jo 6, 35), isto é, o único pão verdadeiro; todas as outras coisas a que se chama pão não passam de uma imitação insignificante. Ao contrário do material de ensinamento dos sinópticos, em João não existem histórias, nem ações que revelem a forma como Deus procede com as pessoas. Tal como não existem comparações ou parábolas em João no sentido dos sinópticos, também não há metáforas simbólicas nos sinópticos.

É impossível imaginar que Jesus tivesse passado o seu breve ministério a ensinar de duas maneiras completamente diferentes e a transmitir conteúdos tão díspares e que houvesse simplesmente duas

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tradições, remontando a Jesus, transmitindo cada uma delas 50% daquilo que ele disse quase sem sobreposições. Por isso, nos últimos 150 anos, os investigadores tiveram de escolher. Concluíram quase unanimemente - e penso que de forma absolutamente correta - que os ensinamentos do Jesus histórico se devem procurar nos Evangelhos sinópticos e que João representa um desenvolvimento teológico no qual as meditações sobre a pessoa e a obra de Cristo são apresentadas na primeira pessoa, como se tivessem sido proferidas pelo próprio Jesus. O autor do Evangelho de João seria o primeiro a insistir que isto não significa que os discursos que ele atribuiu a Jesus sejam «falsos»; ele concordaria tão pouco com a ideia de que o rigor histórico e a verdade são sinónimos como com a ideia de que a verdadeira videira era um vegetal. Na perspetiva de João, a «verdade», por definição, não é uma coisa que parece rigorosa. A verdadeira água mata a sede para sempre, propriedade que a substância molhada que a água parece ser não possui (Jo 4, 13).



João exprime, de uma maneira inequívoca, a sua própria visão do material de ensinamento incluído no seu Evangelho (atribuindo-o, obviamente, a Jesus):

Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não as podeis compreender por agora. Quando o Espírito da Verdade vier, há-de guiar-vos para a Verdade total, pois Ele não falará por si próprio, mas há-de dar-vos a conhecer tudo quanto ouvir e anunciar-vos as coisas que estão para vir. (Jo 16, 13.)

De maneira semelhante, em 14, 23, o autor de João diz que Jesus «virá» aos seus seguidores, no futuro, e, em 14, 25, que o Espírito Santo «virá» e ensinar-lhes-á tudo. O autor revela que escutou o Espírito da Verdade que veio a ele; este Espírito também pode chamar-se «Jesus». João tem uma visão meta-histórica de Jesus: os limites da história comum eram inadequados e Jesus ou o Espírito (não é possível distingui-los claramente) continuou a ensinar depois da crucificação.

Todos os cristãos concordavam com João até certo ponto. O Senhor continuava a falar com eles em visões e na oração, como já vimos. É de supor que algumas destas mensagens tenham entrado nos Evangelhos sinópticos. Mas o autor de João foi mais longe: escreveu um Evangelho baseado nesta premissa. Ele pensa que a sua obra contém

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muitos ensinamentos do Espírito Santo, ou de Jesus, que «veio» ao autor depois da sua crucificação e ressurreição, revelando-lhe verdades que os discípulos não tinham ouvido.



Uma vez concluído que devemos seguir os Evangelhos sinópticos no que diz respeito ao ensinamento do Jesus histórico, qual é o impacto disto na questão do plano narrativo? A sequência de acontecimentos em João está tão marcada pela teologia do autor como o seu material discursivo? Há dois casos nos quais temos de dar uma resposta afirmativa a esta questão. Já mencionámos que, segundo João, Jesus morreu numa sexta-feira, dia 14 de Nisan, e não numa sexta-feira, dia 15 de Nisan, como afirmam os sinópticos. A razão para tal é que o autor queria apresentar Jesus como o cordeiro pascal, que era tradicionalmente sacrificado no dia 14 de Nisan. Na descrição da morte de Jesus, João escreve que os soldados não lhe quebraram as pernas, tal como fizeram com os outros dois crucificados, visto que a Escritura (a Bíblia Hebraica) (Ex 12,46) diz que: «Não se lhe quebrará um só osso» (lo 19, 36). Esta citação refere-se ao cordeiro pascal (SI 34, 20; Ex 12,46; Nm 9, 12). Em João 1,36, Jesus é designado como o «Cordeiro de Deus» e a comparação entre Jesus e o cordeiro determinou o dia em que João situa a crucificação. À mesma hora em que os cordeiros pascais estavam a ser sacrificados no Templo, o verdadeiro cordeiro de Deus morria fora das muralhas da cidade. Dada a estreita ligação existente entre a data e a teologia de João, estamos inclinados a preferir os sinópticos, concluindo que Jesus foi executado no dia 15 de Nisan.


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