E. P. Sanders Tudo o que se pode, corrigir histórico, saber sobre Jesus



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Resta ainda notar que foram os sacerdotes do Templo que acabaram por declarar guerra a Roma, no ano 66 e.c. Um sacerdote da nobreza (Eleasar, filho de Ananias) convenceu-os de que «não deveriam aceitar mais ofertas ou sacrifícios de estrangeiros». Até aí, tinha

havido sacrifícios em prol de Roma e de César. Agora, os sacerdotes que exerciam o serviço rejeitavam tais sacrifícios, recusando com eles a obrigação de fidelidade a Roma. Não deram ouvidos nem aos aristocratas, nem a Agripa II (bisneto de Herodes), nem aos líderes fariseus: os sacrifícios em prol de Roma acabaram (Guerra 2, 409-421). Este talvez tenha sido o passo mais decisivo para conduzir o povo judaico para a guerra.

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Mas também havia não-sacerdotes que desempenhavam um papel de liderança na vida judaica, graças à sua competência na interpretação da Escritura. Como a Lei estava escrita, todos os judeus que sabiam ler podiam estudá-la e aqueles que não sabiam ler ouviam-na ler e discutir na sinagoga. Em consequência disso, em geral, os judeus conheciam muitíssimo bem a sua Lei. Além disso, qualquer pessoa podia tornar-se especialista. Nas outras religiões, só os sacerdotes é que precisavam de saber em pormenor como prestar culto a cada deus, visto que a religião abrangia pouco mais do que o culto no Templo. No entanto, como a religião judaica dizia respeito a todos os aspetos da vida, havia um estímulo considerável para os leigos aprenderem cuidadosamente todas as passagens da Lei que se aplicavam às suas próprias vidas. Mencionámos anteriormente como era importante saber de que maneira observar o sábado e quando eram permitidas as relações sexuais. Vou apresentar outro exemplo de uma lei que era importante para uma grande parte da população. A Bíblia tem várias formas de exigir caridade, mas aplicam-se, todas elas, aos agricultores. O cultivo da terra era proibido ao sacerdócio judaico hereditário pelo que as disposições legais sobre a caridade só se aplicavam aos leigos. Uma dessas disposições é a seguinte:

Quando procederes à ceifa dos teus campos, não ceifarás as espigas até à extremidade do campo, nem apanharás as espigas caídas depois da tua ceifa. E não rebuscarás a tua vinha, nem apanharás os bagos caídos da tua vinha. Deixá-los-ás para o pobre e para o estrangeiro. Eu sou o Senhor, teu Deus. (Lv 19, 9 e segs.)

A exigência de deixar ficar as espigas e os bagos caídos é muito clara. Mas quantos bagos deveriam ser deixados por vinha? Até onde deveriam cortar-se as espigas? O agricultor judeu consciencioso, que acreditava em Deus e na Lei, queria deixar para os pobres a percentagem correta da colheita. Mas qual era a percentagem correta? As práticas habituais tinham evoluído ao longo dos séculos e os filhos que herdavam as propriedades também herdavam tradições relativas à prática da caridade. Mas esta lei, tal como a maior parte das outras, podia

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ser estudada e interpretada por qualquer pessoa que fosse instruída, inteligente e diligente. Esta descrição aplicava-se a alguns leigos, entre os quais se distinguiam os fariseus.

O partido dos fariseus, cujas origens remontam, ao que parece, ao início do período dos Asmoneus (antes de 135 a.e.c.), era composto, em grande parte, ainda que não exclusivamente, por leigos. No tempo de Herodes havia cerca de 6000 fariseus (Antiguidades 17, 42). Do ponto de vista teológico, os fariseus partilhavam a ortodoxia judaica (acreditavam num único Deus, na eleição de Israel, na origem divina da Lei, assim como no arrependimento e no perdão). Tal como a maioria dos outros judeus do século I, os fariseus também acreditavam em alguma forma de existência depois da morte - uma ideia que é difícil encontrar na Bíblia Hebraica (a única referência clara a este assunto é Dn 12, 2). Além disso, desenvolveram um cânone considerável de «tradições» não bíblicas sobre as formas de cumprimento da Lei. Algumas destas tradições tornaram a Lei mais difícil, mas outras tornaram-na menos restritiva. Na maior parte das vezes, os fariseus só criavam regras especiais para si próprios e não pretendiam impô-las a todos os outros. (É provável que tenham tentado impor o seu ponto de vista no tempo dos Asmoneus, mas, ao que parece, não o fizeram durante o período herodiano e pós-herodiano.) Seja como for, os fariseus eram conhecidos pela meticulosidade com que interpretavam a Lei e pelo rigor com que a cumpriam. Segundo Josefo, punham em prática «os ideais mais altos tanto no seu estilo de vida, como no seu discurso» (Antiguidades 18, 15).

Como, no Novo Testamento, os fariseus desempenham um papel ainda mais importante do que o sumo sacerdote, gostaria de colocar um pouco de «carne» nesta descrição, tão «seca», recorrendo a dois exemplos de «tradições» farisaicas não bíblicas. Um dos exemplos está relacionado com a lei do sábado. O profeta Jeremias tinha proibido os judeus de tirarem cargas das suas casas ao sábado (Jr 17, 19-27). Isto tornava o jantar festivo difícil, visto que a forma mais fácil de os amigos jantarem juntos era cada família trazer comida preparada e os sábados eram os únicos dias em que era possível o convívio social (porque as exigências do trabalho diário eram demasiado pesadas). Os fariseus

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decidiram que as casas que se encontravam lado a lado numa rua ou que se encontravam à volta de um pátio podiam estar ligadas entre si, através das ombreiras e das soleiras das portas, transformando-se assim numa única «casa». Os habitantes podiam, então, levar tachos e pratos de uma parte da «casa» para outra, comendo juntos ao sábado. Os fariseus sabiam que esta e outras ações simbólicas para alterar as limitações do sábado - ações cuja designação técnica é eruvin - não tinham fundamento na Bíblia Hebraica, mas tornaram-nas uma «tradição dos anciãos- e observaram-nas. Alguns judeus consideravam isto uma infração à Lei, visto que os recipientes eram trazidos para fora de algo a que a maioria das pessoas chamaria uma casa.

O segundo exemplo é a lavagem das mãos. A Lei mosaica exige que uma pessoa tome banho antes de entrar no Templo, a fim de eliminar determinadas impurezas. Os fariseus acrescentaram uma norma relativa à pureza. Lavavam as mãos antes da refeição ao sábado e das

outras refeições festivas. Provavelmente, a lavagem das mãos antes das refeições nos dias sagrados tornava-os um pouco mais especiais. Os judeus acabaram por lavar as mãos antes de todas as refeições.

Estes pequenos ajustamentos farisaicos à Lei revelam o cuidado com que as pessoas pensavam na Lei e no cumprimento da vontade divina. Em princípio, a Lei cobria todos os aspetos da vida. Os judeus piedosos do século I pensavam em todos os pormenores, de forma a observarem a vontade de Deus de todas as maneiras possíveis.

Os fariseus eram respeitados e amados pela maioria dos outros judeus por causa da sua devoção e precisão. No tempo dos Asmoneus, o partido dos fariseus tinha sido uma força política importante. Entretanto, a situação tinha mudado. Sob Herodes, ninguém além dele detinha poder político e aqueles que procuravam tê-lo eram executados imediatamente. Os fariseus comportavam-se de uma forma discreta. Antipas, que sucedeu a Herodes, na Galileia, estava tão

pouco inclinado como o seu pai a conceder autoridade a um grupo de piedosos mestres da religião. E em Jerusalém, após a destituição de Arquelau, eram os sumos sacerdotes que governavam, apoiados pelo poder intimidante de Roma. Os fariseus continuaram a comportar-se

de uma forma discreta. Trabalhavam, estudavam, ensinavam e serviam

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a Deus. A sua popularidade junto do povo tinha crescido, provavelmente, mas não tinham poder real.

Para percebermos que papel os fariseus desempenhavam no tempo de Jesus o melhor é fixarmos a nossa atenção no início da revolta contra Roma, algumas décadas depois da morte de Jesus. Enquanto a relação entre o procurador e a população judia piorava, os sacerdotes e os leigos aristocratas continuavam a apelar à calma e à moderação ­ com um certo, ainda que insuficiente, sucesso. No último momento, os chefes dos sacerdotes pediram a ajuda dos líderes dos fariseus. Nem sequer eles conseguiram acalmar a multidão em Jerusalém e a revolta rebentou. Os fariseus desempenharam um papel de liderança (tal como os chefes dos sacerdotes) na própria guerra. Estes acontecimentos mostram que os fariseus não tinham qualquer responsabilidade pública sob o governo do procurador romano. Os sumos sacerdotes e os seus conselheiros eram os grupos politicamente responsáveis aos olhos de Roma. Mas os fariseus continuavam em jogo e ainda comandavam a opinião pública. Por isso, a aristocracia governante chamou-os naquela situação de emergência. Quando a situação o permitia - quando já não eram controlados nem por Herodes, nem pelos romanos - os fariseus avançavam para desempenhar um papel decisivo nos assuntos políticos e militares de Israel. Mas, no tempo de Jesus, eles devem ser encarados principalmente como mestres e especialistas religiosos, merecidamente amados e respeitados.

Conhecemos as designações de mais dois partidos na Palestina do século I: os essénios e os saduceus. Os essénios são descritos tanto por Josefo como por Filo;15 a maioria dos investigadores identifica-os como o grupo responsável pelos Manuscritos do Mar Morto. Se esta identificação for correta - e eu penso que sim - sabemos bastante sobre os essénios. Estes constituíam um pequeno partido dividido, pelo menos, em dois ramos e que possuía cerca de 4000 membros ao todo. O grupo era composto tanto por leigos como por sacerdotes, mas os sacerdotes eram predominantes. Quando os Asmoneus chegaram ao poder, em 14'2 a.e.c., destituíram a família de sumos sacerdotes anterior, os sadocitas. Alguns dos sacerdotes aristocratas depostos

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juntaram-se a um grupo que se transformou, mais tarde, no partido dos essénios e, ao que parece, assumiram em grande parte a liderança do mesmo. Contudo, os leigos que eram membros também estudavam a Bíblia e as regras específicas do partido, pelo que se podiam tornar tão especialistas quanto os sacerdotes. Tanto quanto sabemos, os essénios não desempenharam nenhum papel direto na vida e na atividade de Jesus; por isso, não farei a apresentação dos mesmos. Quem se interessa por este tema, verificará que agora a literatura essénia é relativamente fácil de estudar - graças a boas traduções e a um corpo credível de material introdutório.

Gostaria, no entanto, de recorrer aos essénios para realçar um aspeto acerca dos fariseus. A literatura essénia revela um estudo intenso da Bíblia Hebraica e uma riqueza de regras comunitárias suplementares à Lei mosaica. Os essénios eram muito mais rigorosos do que os fariseus em quase todos os aspetos. Portanto, se (como diz Josefo) os fariseus eram considerados os guardiões «mais rigorosos» da Lei, a palavra «rigorosos» tem de ser entendida no sentido do cumprimento mais «pormenorizado» da Lei e não no sentido de «exageradamente cumpridores».

Os saduceus constituíam o terceiro partido do qual conhecemos o nome. Sabemos pouco deles, para além de que a maioria eram aristocratas, não acreditavam em qualquer forma de vida depois da morte e não aceitavam as tradições particulares dos fariseus. A maioria dos investigadores pensa que muitos dos sumos sacerdotes, durante a época romana, eram saduceus, mas Josefo só nos dá informações diretas acerca de um: Ananus, que era sumo sacerdote no ano de 62 e.c. (quando mandou executar ilegalmente Tiago, o irmão de Jesus), que foi um dos líderes da revolta contra Roma e que era saduceu.!" O leitor do Novo Testamento encontra raramente os saduceus,

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o Novo Testamento confirma a estreita ligação destes com os sacerdotes aristocratas e com o facto de não acreditarem na ressurreição.

Vimos que, no tempo de Jesus, havia determinadas crenças e práticas que eram habituais no judaísmo. A força motriz era a fé em Deus e a dedicação à forma de vida que Ele tinha estabelecido para o povo judaico através dos Seus porta-vozes: Moisés e os profetas e sacerdotes que se lhe seguiram. A maioria das pessoas no mundo antigo era religiosa, mas, mesmo assim, a religiosidade e a devoção do povo judaico sobressaía. Além disso, eles estavam vinculados a uma religião respeitável, que inculcava os princípios de uma vida honesta, do amor, da oração e do arrependimento.

Vimos também que o sacerdócio hereditário representava, aos olhos de muitas pessoas, a liderança natural da nação. Apesar disso, a característica fundamental da religião judaica implicava que os leigos tinham a possibilidade de enfrentar os sacerdotes e de reclamar serem os melhores intérpretes da Lei. (A Lei estava escrita, orientava todos os aspetos da vida, toda a gente podia estudá-la e todos ouviam a sua discussão e interpretação na sinagoga, aos sábados.) Surgiram partidos específicos, com interpretações próprias e com a pretensão de serem os verdadeiros porta-vozes de Deus. Um dos ramos dos essénios era constituído por um grupo separatista cujos membros acreditavam que eram os únicos a possuir a verdadeira aliança com Deus. De resto, os membros dos partidos comungavam do judaísmo comum. Partilhavam as crenças e as práticas descritas na primeira parte do capítulo, apesar de divergirem em alguns pormenores. Acima de tudo, todos prestavam culto no mesmo Templo e aceitavam os seus serviços como uma mediação entre eles e Deus - ainda que não gostassem do sumo sacerdote e que não concordassem com a forma concreta como os sacerdotes cumpriam algumas das suas obrigações. Mesmo os membros da linha separatista dos essénios participavam no judaísmo comum num aspecto muitíssimo importante: acreditavam num único Deus, na eleição

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divina, na revelação da Lei, assim como no arrependimento e no perdão. Também observavam todos os mandamentos bíblicos. Eram separatistas por causa das suas afirmações radicais: só eles é que eram fiéis à aliança, só eles é que tinham a interpretação correcta da Lei, os seus sacerdotes eram os únicos aceitáveis, etc.

O judaísmo não era constituído pelos três partidos principais: a maioria dos judeus não pertencia a nenhum deles. Os partidos servem-nos, antes, como exemplos: o judaísmo não estava totalmente nas mãos da elite dos sacerdotes de Jerusalém; os leigos tinham a possibilidade de formar as suas próprias opiniões. Tal como os fariseus, todos os outros judeus acreditavam que deviam compreender e seguir a Lei divina. Resta apenas acrescentar que, de vez em quando, surgiam indivíduos que reclamavam ser os verdadeiros representantes de Deus. Este é o contexto em que a figura de Jesus encaixa, em termos gerais. Ele era um indivíduo que estava convencido de que conhecia a vontade de Deus.

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5. Fontes externas

As principais fontes para o conhecimento de Jesus são (tal como foi notado anteriormente) os Evangelhos do Novo Testamento. Neste capítulo, porém, consideraremos fontes «externas»; debaterei alguns exemplos de informações provenientes da literatura não cristã e que são relevantes para a vida de Jesus; além disso, recorrerei a uma disciplina científica: a astronomia.


Literatura não cristã

Jesus tornou-se um homem tão importante na História mundial que é, por vezes, difícil acreditar como ele foi insignificante durante a sua vida, sobretudo fora da Palestina. A maior parte da literatura do século I que se conservou foi escrita por membros da elite muito restrita do Império Romano. Para eles, Jesus (se é que tinham ouvido falar dele) não passava de um agitador incómodo e de um feiticeiro num cantinho atrasado do mundo. As fontes romanas nas quais é mencionado baseiam-se todas em relatos cristãos. O processo contra Jesus não deu brado em Roma e os arquivos romanos não possuem

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quaisquer registos do mesmo. Caso tenham existido arquivos em Jerusalém, foram destruídos na revolta do ano 66 e.c. ou na guerra subsequente. Esta guerra também devastou a Galileia. Se havia registos, não foram preservados. Quando Jesus foi executado, não era mais importante para o mundo exterior do que os dois assaltantes ou rebeldes que foram executados juntamente com ele e cujos nomes não conhecemos.



Cerca de dez anos depois da morte de Jesus, os romanos já sabiam que um homem, chamado Chrestus, estava a causar desordem entre os judeus que viviam em Roma. Quer isto dizer que havia um conflito na comunidade judaica de Roma sobre a questão de Jesus ter sido ou não enviado por Deus e ser ou não o Messias. «Chrestos» é uma ligeira deturpação de «Christos», a palavra grega que traduz o termo hebraico «Messias».) Vinte anos depois, os cristãos já eram suficientemente importantes na capital para serem perseguidos pelo imperador Nero e as pessoas conheciam a sua estranha «superstição» e a sua devoção a um homem que tinha sido crucificado. Mas aquilo que se sabia de Jesus limitava-se àquilo que se sabia do cristianismo; por outras palavras, se os adeptos de Jesus não tivessem dado início a um movimento que chegou a Roma, Jesus nem sequer teria entrado na história romana. Em consequência disto não temos aquilo de que gostaríamos muito de dispor: um comentário em Tácito ou num outro autor gentio que nos ofereça indícios independentes sobre Jesus, sobre a sua vida e sobre a sua morte.

Jesus é mencionado na obra de Josefo, intitulada Antiguidades judaicas o Josefo nasceu (como já foi dito) no ano de 37 e.c., alguns anos depois da morte de Jesus, e escreveu as Antiguidades nos anos noventa. Ele sabia, certamente, qualquer coisa sobre Jesus e, na realidade, na obra mencionada encontra-se um parágrafo sobre ele (18, 63 e segs.). Mas as obras de Josefo foram conservadas por escribas cristãos que não conseguiram resistir à tentação de rever o texto, fazendo Josefo proclamar que Jesus era «o Messias», que ele ensinou «a verdade» e que «ressuscitou» depois da sua morte." Como nos foi negada a descoberta

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feliz de uma versão original, nunca saberemos aquilo que Josefo escreveu realmente. Ele não se converteu ao cristianismo e não pensava realmente que Jesus era o Messias. No entanto, há uma notícia positiva: é provável que os escribas cristãos se tenham limitado a reescrever o texto. É muito possível que Josefo tivesse incluído Jesus na sua apresentação da época. Josefo debruçou-se sobre João Baptista e sobre outras figuras proféticas, como, por exemplo, Teudas e o Egípcio. Além disso, a passagem sobre Jesus não é adjacente ao relatório sobre João Baptista, onde um escriba cristão o teria, provavelmente, colocado se tivesse inventado todo o parágrafo. Por conseguinte, o autor da única história do judaísmo na Palestina do século I de que dispomos atualmente considerava Jesus suficientemente importante para lhe dedicar um parágrafo - nem mais, nem menos.



Este parágrafo, cujo texto exato não conhecemos é a melhor prova objetiva da importância de Jesus no tempo em que viveu. Os Evangelhos dão a ideia de que toda a população estava viva­ mente interessada em Jesus e no seu destino. Não há dúvida de que ele chamou a atenção. No entanto, se medirmos o impacto público das figuras proféticas pela perturbação que causaram, temos de concluir que Jesus era menos importante aos olhos da maioria dos seus con­ temporâneos do que João Baptista e o Egípcio. Tanto João Baptista como Jesus inquietaram Antipas, mas Jesus era obviamente menos incómodo do que João, visto que saiu da Galileia com vida. Alguns anos mais tarde, o Egípcio levou os romanos a porem em marcha tropas com armamento pesado, para combater o seu movimento. Isto deve ter agitado muito mais a população do que a prisão secreta e a execução rápida de Jesus.

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Como as descrições históricas das autoridades romanas se dedicam principalmente à história de Roma e não às províncias da periferia, seria de esperar que uma história deste tipo mencionasse o único romano que aparece nos Evangelhos, isto é, Pilatos, sem lhe dar, contudo, muita atenção, visto que era prefeito de uma província menor. Esta expectativa confirma-se. Tácito, a nossa principal fonte para a história romana daquela época, menciona Pilatos, mas incidentalmente e apenas no contexto da perseguição de Nero aos cristãos: Nero iluminou uma das suas festas queimando seguidores de Christos, um homem que Pilatos tinha mandado executar." Esta referência de passagem demonstra a insignificância da Palestina. No entanto, autores judaicos decisivos, Josefo e Filo, para os quais a história da Palestina era muito importante, escrevem muito sobre Pilatos e de forma pouco lisonjeira. Os Evangelhos coincidem com Josefo e Filo no que diz respeito aos dados biográficos de Pilatos, mas divergem no que diz respeito ao seu carácter. Debruçar-nos-emos brevemente sobre o carácter de Pilatos mais adiante, nas páginas 340-341.
Datas e astronomia

Gostaria de explicar agora um pouco mais pormenorizadamente os nossos problemas com as datas. É muito difícil determinar inequivocamente datas da história antiga, por uma diversidade de motivos, um dos quais se prende com o facto de o mundo antigo não ter um calendário uniformizado, o que leva a que as nossas fontes se refiram às várias épocas de formas muito diversas. Dois exemplos, um do Evangelho de Lucas e o outro de Josefo:

No décimo quinto ano do reinado do imperador Tibério, quando Pôncio Pila tos era governador da Judeia e Herodes [Antipas], governava a Galileia e o seu irmão Filipe era governador da ... e Lisânias era governador de ... durante o sumo sacerdócio de Anás e Caifás ... (Lc 3, 1-2.)

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Esta desgraça [a ocupação de Jerusalém por Herodes, no ano 37 a.e.c.] abateu-se sobre a cidade de Jerusalém enquanto Marco Agripa e Caninius Gallus eram cônsules em Roma, durante a centésima octogésima quinta olimpíada; no terceiro mês, no dia de jejum, como se fosse uma repetição da desgraça que aconteceu aos judeus, no tempo de Pompeu, visto que foi precisamente no mesmo dia, mas vinte e sete anos antes, que a cidade foi conquistada por Sôsio. (Antiguidades 14, 487)

Estas passagens são extraordinariamente elaboradas, mas ilustram os problemas que se colocam devido à ausência de um calendário comum. Teria sido muito mais simples falar do ano «29 e.c.» e do ano «37 a.e.c.», mas os autores da Antiguidade que escreveram em grego para um público que abrangia todo o Império Romano não dispunham da possibilidade de uma datação deste género." Eram obrigados a utilizar uma série de marcos temporais; o acontecimento em causa ocorreu no momento de cruzamento de vários outros acontecimentos. Era difícil manter a clareza. A ausência de um calendário comum significava que, até os historiadores da Antiguidade, que estavam habituados às suas próprias formas de datação, tinham mais dificuldades do que nós em registar e recordar datas. Também tinham poucos recursos, tais como arquivos de jornais para os ajudarem.

A citação de Lc 3, 1-3, onde se fala do sumo sacerdócio de «Anás e Caifás», evidencia a ausência de arquivos. Não podia haver mais do que um sumo sacerdote simultaneamente. As pessoas mencionadas desempenharam a função de sumo sacerdote em épocas diferentes. O facto de Lucas conhecer ambos os nomes é um dado positivo; não seria de esperar a perfeição, dadas as circunstâncias. A citação de Josefo ainda é mais problemática, apesar de eu não ir fazer uma referência pormenorizada às dificuldades. Na obra de Schürer intitulada History if the

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Jewish People, são necessárias quase duas páginas com letra miúda para apresentar os problemas mais importantes e os vários caminhos para a sua solução. Mencionarei apenas um dos problemas: o estudo de todas as provas sobre a conquista de Jerusalém por Pompeu e, mais tarde, por Herodes, tornaram praticamente impossível acreditar que Herodes conquistou (com a ajuda do general romano Sósio) Jerusalém exatamente vinte e sete anos depois da conquista da cidade por Pompeu. O que acontece é que Josefo gostava de situar uma catástrofe no dia do aniversário de uma desgraça anterior. Podemos ignorar pura e simplesmente esta parte da declaração, mas as dificuldades mantêm-se. Existem, fundamentalmente, três tipos de problemas no que diz respeito às datas do nascimento e da morte de Jesus. Referir-me-ei sucessivamente a cada um deles.

1. As referências a datas, pessoas e acontecimentos nos Evangelhos entram, por vezes, em contradição. Como vimos, tanto Mateus como também Lucas situam o nascimento de Jesus no fim da governação de Herodes (isto é, nos anos 6-4 a.e.c.). Mas Lucas indica também uma data inconciliável com esta, a saber, o ano do censo sob Quirino (6 e.c.). Quirino não era o legado da Síria no tempo de Herodes (apesar de Lc 1, 5.26; 2, 2). No momento da morte de Herodes, o legado era Varus.


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