E. P. Sanders Tudo o que se pode, corrigir histórico, saber sobre Jesus



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Já foi observado que o governo local, sob os prefeitos, estava nas mãos de cidadãos notáveis: nas cidades e aldeias judaicas, os governantes efetivos eram sacerdotes e leigos judeus notáveis; nas cidades e nas aldeias samaritanas, esta tarefa era cumprida por sacerdotes e leigos samaritanos notáveis. Na Judeia, a situação era muito mais complicada do que na Galileia, dado que, em algumas cidades de maior dimensão, vivia um grande número de prosélitos e a população da Samaria, uma das regiões geográficas da Judeia, não era judaica. Mas basta que nos concentremos em Jerusalém, visto que era a única cidade da Judeia importante na vida de Jesus.

Jerusalém era governada pelo sumo sacerdote judeu e pelo seu Conselho. Isto constituía, pura e simplesmente, um sistema praticado na época persa e helenística antes do levantamento dos Asmoneus. O sumo sacerdote - que atuava frequentemente em consonância com os «chefes dos sacerdotes» e, por vezes, também com «os poderosos» ou com «os anciãos» (leigos influentes) - controlava a polícia normal e o sistema judicial; o sumo sacerdote - sozinho ou nas combinações que acabamos de mencionar - ocupa um lugar de destaque nos Evangelhos, nos Atos dos Apóstolos e em Josefo. Houve sempre uma tendência para atribuir ao Conselho - que se chama Sinédrio, em hebraico - um papel governativo demasiado relevante. Não irei argumentar aqui contra a opinião tradicional sobre o Sinédrio e sobre a sua suposta autoridade legislativa e judi­ cial, mas sim falar em termos gerais sobre o sumo sacerdote e o seu Conselho. É correto dizer que Jerusalém era governada, tanto formal como informalmente, pelo sumo sacerdote e pelos seus conselheiros.

Darei aqui uma explicação sobre o processo de escolha do sumo sacerdote. O sacerdócio era hereditário; os sacerdotes judaicos faziam remontar a sua árvore genealógica a Aarão, irmão de Moisés, que foi considerado o primeiro sacerdote (cf Ex 28, 1). Durante a época persa e helenística, os sumos sacerdotes, os chefes da nação, eram (ou supunha-se que eram) da família de Sadoc, o sacerdote que ungiu Salomão como rei (1 Rs 1, 28-45). Os Asmoneus eram sacerdotes hereditários, mas não eram sadocitas. A consequência natural da sua ascensão ao

poder, em resultado do levantamento bem sucedido contra os Selêucidas, foi a nomeação do chefe da família como sumo sacerdote. Com a investidura de Simão, o Asmoneu, no cargo de sumo sacerdote (1 Mac

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14,41-49), a família dos Sadocitas, que governava anteriormente, foi deposta; no entanto, o sistema de governo pelo sumo sacerdote manteve-se. Porém, cerca de cem anos mais tarde, o levantamento de Aristóbulo II e do seu filho levou à entronização de Herodes como rei, o que alterou o sistema. Herodes não podia invocar uma origem sacerdotal. Durante o período da sua governação limitou-se a nomear os sumos sacerdotes. Quando Roma depôs Arquelau e entregou o governo da Judeia a um prefeito, começou também a nomear o sumo sacerdote. A partir daí, este direito foi concedido, por vezes, a um membro da família de Herodes, mas, outras vezes, ficava reservado ao prefeito, ao procurador da Judeia ou ao legado da Síria. No período entre 6 e 66 e.c., os sumos sacerdotes foram sempre escolhidos de uma das quatro famílias de sacerdotes nobres. Visto que chegavam ao seu cargo através de uma nomeação política, não gozavam do respeito e da autoridade dos sumos sacerdotes hereditários das épocas anteriores (dos Sadocitas e dos Asmoneus), mas tinham algum prestígio e muito poder. De uma forma geral, foram bem sucedidos na governação de Jerusalém durante sessenta anos (de 6 a 66 e.c.).



Por conseguinte, mesmo quando a Judeia estava formalmente sob o domínio romano «direto», o controlo quotidiano era exercido pelos líderes judaicos. Os magistrados eram judeus e governavam segundo a Lei judaica, as escolas eram judaicas e a religião também. O sumo sacerdote e o seu Conselho assumiam um amplo leque de responsabilidades. Assim, tinham de organizar, por exemplo, o pagamento do tributo, bem como zelar para que o dinheiro e os bens chegassem às mãos certas. A ordem pública em Jerusalém era garantida pelas guardas do Templo, que estavam sob o comando do sumo sacerdote. Durante a guerra civil que acompanhou a revolta judaica (66-74 e.c.), morreram 8500 guardas do Templo na defesa de Ananus, um dos exsumos sacerdotes. Isto pode dar uma ideia da quantidade de forças

policiais que estavam disponíveis em caso de emergência. Já mencionámos que o prefeito e tropas romanas adicionais vinham para Jerusalém durante as festas, para evitar problemas.

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O sumo sacerdote era adequado como governante, por três razões: o governo dos sumos sacerdotes era da tradição; os judeus respeitavam muito o seu cargo e o prefeito romano considerava-o o porta-voz oficial da população de Jerusalém. Já foi suficientemente explicado o cariz tradicional do governo dos sacerdotes: eles governaram a Palestina judaica desde cerca de 445 até 37 a.e.c. Os restantes dois pontos necessitam de ser um pouco mais esclarecidos.



A população odiava algumas das pessoas que ocupavam o cargo de sumo sacerdote durante a era romana; a turba perseguiu e matou um antigo sumo sacerdote, quando a revolta contra Roma eclodiu, em 66 e.c. Outros sumos sacerdotes, pelo contrário, eram respeitados. O primeiro governo revolucionário, que foi eleito por aclamação popular, foi liderado por dois antigos sumo sacerdotes: as massas eram capazes de distinguir os bons dos maus. Porém, independentemente de um sumo sacerdote concreto ser estimado ou não, o respeito pelo cargo era profundo e genuíno. Primeiro, Herodes e, mais tarde, Roma, assumiram o controlo das vestes do sumo sacerdote, entregando-as apenas em ocasiões especiais. O sumo sacerdote, na sua veste oficial, ficava investido de demasiado poder. Houve várias ocasiões em que litígios nos quais estavam em causa as vestes de sumo sacerdote, bem como a nomeação deste foram apresentados para decisão diretamente ao imperador. Era importante saber quem controlava as vestes e o cargo, porque o detentor do cargo não era intermediário apenas entre Roma e a população, mas também entre Deus e o seu povo. Era ele que entrava no Santo dos Santos, no dia da expiação e que expiava os pecados do povo de Israel.

Era provável que existissem pessoas que não gostavam do sistema, não queriam ser governadas pelo sumo sacerdote e que teriam preferido um governante que fosse responsável diretamente perante um Conselho. Mas tinham de se conformar. Os Romanos consideravam que o sumo sacerdote era o funcionário responsável por Jerusalém. Quando alguém queria tratar de algum assunto com Roma, tinha de ir através do sumo sacerdote. Quando Roma queria comunicar qualquer coisa ao povo, o prefeito convocava o sumo sacerdote. Quando alguma coisa corria mal, o sumo sacerdote era considerado o responsável.

O sumo sacerdote no tempo de Jesus era José Caifás. Foi bem sucedido: exerceu o cargo durante 17 anos, mais tempo do que qualquer outro sumo sacerdote sob o império romano. Pilatos foi prefeito durante uma década neste período de dezassete anos. Presumivelmente, entendiam-se bem.

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Visto que tantos leitores e estudiosos do Novo Testamento imaginaram Jesus vivendo num contexto em que a população era permanentemente oprimida por soldados e funcionários romanos e dado que, agora, alguns investigadores defendem a opinião de que, nas cidades judias, havia uma percentagem considerável de gentios, gostaria de voltar a sublinhar qual era, realmente, a situação Na Galileia não havia qualquer presença de funcionários romanos. Os gentios de língua grega viviam nas cidades que habitavam havia já muito tempo e que constituíam uma espécie de semicírculo em torno da Galileia: havia cidades de gentios a leste, a norte e a ocidente. Na região geográfica da Galileia existia uma única cidade de gentios, Citópolis, mas não fazia parte da unidade política da Galileia. Na Judeia, a presença de funcionários romanos era em número muito reduzido. Havia um único romano importante a residir na província e dispunha de um contingente de tropas muito pequeno. Este romano, bem como o seu pequeno exército, vivia entre uma multidão de outros gentios na Cesareia, ia raramente a Jerusalém e não tomava qualquer iniciativa para introduzir leis e hábitos greco-romanos nas zonas judaicas. Em Jerusalém, a percentagem de gentios era insignificante. Em lugar da imagem de tropas romanas patrulhando as cidades e as aldeias da Palestina, obrigando os judeus a carregar os seus fardos e os comerciantes e os agricultores a servir os seus gostos, deveríamos pensar em alguns soldados romanos, vivendo todos juntos numa pequena unidade, numa única cidade ou nas suas imediações, e mantendo apenas postos avançados fortificados muito pequenos num território potencialmente hostil. O governo efetivo estava nas mãos dos aristocratas e dos anciãos locais.

O imperador romano e o Senado romano não pretendiam romanizar os judeus da Judeia, do ponto de vista cultural. Ao contrário do que pensam alguns investigadores do Novo Testamento, Roma não «anexou» a Palestina - nem sequer a Judeia, apesar de esta ser uma província romana. O prefeito não impunha à população judia instituições greco-romanas ao nível educacional, civil, religioso ou legal.

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Não existia qualquer expectativa de que a Judeia se tornasse, alguma vez, como a Gália, que estava cheia de colónias romanas, algumas usufruindo dos direitos dos romanos, etc. Os interesses de Roma eram bastante limitados: estava interessada numa região estável entre a Síria e o Egipto. Roma nem sequer estava interessada no lucro financeiro. Os lucros vinham do Egipto e da Ásia Menor e estes países deviam ser protegidos contra as invasões dos Partos; a Palestina encontrava-se simplesmente entre aqueles dois países. Não temos conhecimentos suficientes sobre o montante das receitas fiscais e das despesas para poder avaliar se a Judeia dava prejuízo, mas é possível que sim. Os prefeitos e procuradores enchiam os seus próprios bolsos em maior ou menor grau. Estas receitas eram consideradas como fazendo parte do serviço num ambiente «bárbaro» e hostil.



Nos finais dos anos vinte e trinta, a Palestina judaica não se encontrava, de modo algum, à beira de uma revolta. Josefo tentou apresentar a situação como se, nas décadas anteriores à irrupção da revolta no ano 66 e.c., a má administração romana e a rebeldia judaica tivessem aumentado continuamente. Ele escreveu retrospetivamente e queria fazer passar a mensagem de aumento da agitação e da violência com o aproximar da guerra. Muitos investigadores pensam que, na época, a eclosão da guerra era algo cada vez mais provável a cada ano que passava e que as crises se sucediam umas às outras a uma velocidade crescente. Porém, se se contarem os levantamentos e os tumultos que o próprio Josefo menciona, não se observa nenhum crescimento contínuo. Os levantamentos surgiram, sim, quanto houve mudanças na liderança ou nas formas de governo. Verificaram-se tumultos quando Herodes morreu, quando Arquelau procurou assumir a sucessão de Herodes e quando Roma destituiu Arquelau. Quando Roma conseguiu controlar completamente a situação, as coisas acalmaram. Os protestos mais significativos no tempo em que Jesus viveu foram, de maneira geral, de natureza não-violenta. Pilatos ordenou às tropas que marchassem através de Jerusalém com os seus estandartes, e isto constituiu um insulto para os judeus; talvez os estandartes fossem considerados «ídolos». De qualquer modo, houve uma grande multidão que foi a Cesareia para protestar. Quando Pilatos deu ordens às suas tropas para os cercarem, eles descobriram os seus pescoços e declararam que preferiam morrer a ver a Lei espezinhada. Pilatos

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recuou. O ambiente que se vivia naquela época torna-se mais evidente se atendermos a algo que se tornou o principal motivo de revolta, alguns anos mais tarde. Por volta do ano 40, o imperador Gaio (que tinha a alcunha de Calígula) decidiu colocar no Templo de Jerusalém uma estátua da sua pessoa ou de Zeus, com as suas feições. Isto foi algo verdadeiramente alarmante: o filósofo e estadista judeu Filo escreveu de Alexandria, ameaçando que haveria um levantamento mundial. Na Palestina, os agricultores judeus planeavam uma greve agrícola que teria como consequência a fome e enormes distúrbios, incluindo, certamente, tumultos; de resto, a principal reação consistiu numa petição de uma grande delegação dirigida ao legado romano, na qual também afirmaram preferir a morte, mas, ao que parece, não empunharam armas. Impressionado pelo ardor e pelo grande número de pessoas envolvidas na petição e preocupado com a ameaça de uma greve, o legado adiou a execução da ordem do imperador. O problema acabou por se resolver a contento de todos: Gaio foi assassinado.

Aqui, cerca de uma década depois da morte de Jesus, temos uma provocação que teria conduzido certamente a um grande derramamento de sangue, se aquilo que constituía uma ameaça para o Templo se tivesse concretizado. No entanto, não temos quaisquer provas de que a população estivesse, de facto, disposta a entrar em guerra.

Com isto não se pretende afirmar que os judeus dos anos vinte e trinta se sentiam bem com a situação, nem que Roma - e, nos seus respetivos domínios de poder, também Antipas e Caifás - não tinha de estar alerta. Quando Roma assumiu o poder direto na Judeia, no ano 6 e.c., e realizou um censo para fins fiscais houve um levantamento armado; nos anos cinquenta, houve pelo menos um grupo de judeus exaltados que obrigou o procurador a pôr em combate tropas fortemente armadas (ver abaixo). Segundo Josefo, Antipas mandou executar João Baptista porque receava que a sua pregação levasse à revolta. Por conseguinte, a guerra era uma possibilidade, tanto na Galileia, como na Judeia. Na Judeia, qualquer incidente podia levar a que um soldado romano puxasse da sua espada e, se tal acontecesse, outras espadas podiam ser puxadas. Isto era mais uma razão para Caifás manter o controlo de Jerusalém e para recorrer à sua própria guarda para o fazer.

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Alguma, talvez a maior parte, da violência ocorrida revela uma esperança de intervenção divina, que é designada geralmente (ainda que de forma errónea) como «esperança messiânica» - a esperança de um ungido que fosse representante de Deus. É muito provável que Antipas tenha mandado executar João Baptista, em parte, porque este tinha anunciado o juízo que se aproximava. Depois de Jesus, surgiram profetas que reuniram seguidores, prometendo a «salvação». Um deles, Teudas, parece ter liderado um movimento não violento. Prometeu aos seus seguidores que se estes o seguissem até ao rio Jordão, este abrir-se-ia em dois, aludindo, provavelmente, a um segundo êxodo e a um futuro de liberdade. O procurador enviou uma unidade de cava­laria ligeira que matou várias pessoas e regressou com a cabeça de Teudas. Mais tarde, um homem conhecido apenas pelo nome de «Egípcio» liderou um movimento que representou uma ameaça mais séria. Segundo um relato, prometeu aos seus seguidores que se estes marchassem à volta das muralhas de Jerusalém, estas cairiam. Provavelmente, considerava-se a si próprio um segundo Josué, que restabeleceria, a paz e a liberdade no Estado de Israel. Segundo um outro relato, o Egípcio liderou os seus seguidores num ataque a uma das

portas da cidade, tendo-se confrontado com tropas com armamento pesado, que mataram muitas pessoas, apesar de o Egípcio ter escapado. Josefo acrescenta que houve outros profetas que congregaram seguidores no deserto da Judeia, prometendo-lhes «sinais da salvação», isto é, a esperança de uma intervenção divina. Roma derrubou todos estes movimentos.

Quando a revolta acabou por estalar, no ano de 66, houve muitos que se lhe associaram porque acreditavam que Deus estava disposto a salvá-los. Gerou-se um tal tumulto e derramamento de sangue que o Legado da Síria se viu obrigado a marchar sobre Jerusalém. Interrompeu o cerco à cidade inexplicavelmente, cedeu e iniciou a retirada; durante esta operação, as suas tropas caíram numa emboscada. Este acontecimento deve ter parecido a muitos um sinal enviado do céu.

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Eram poucos os judeus - se é que havia alguns - que acreditavam que uma revolta da sua própria iniciativa seria bem sucedida. No entanto, Deus já os tinha libertado no passado e, se quisesse, poderia fazê-lo novamente (ver, por exemplo, Vida 290). Havia muitos dispostos a pegar em armas quando os sinais dos tempos fossem suficientemente claros. Pensavam eles que Deus interviria e lhes daria a vitória.

Esperanças deste tipo não exigiam a expectativa de um «Messias», de um descendente de David, pronto para se tornar rei."? Nem sequer era necessária a esperança no estabelecimento próximo do Reino definitivo de Deus. Por conseguinte, não podemos dizer que as esperanças judaicas de liberdade eram, necessariamente, de natureza «messiânica» ou, em termos ainda mais gerais, escatológica." O levantamento dos Asmoneus contra o império sírio no século II a.e.c. tinha sido bem sucedido graças à intervenção de Deus, mas os judeus não pensaram que o Reino de Deus tinha chegado. Não temos possibilidade de saber quantos dos judeus que se juntaram às insurreições contra Roma ou seguiram um profeta estavam convencidos de que o Reino final de Deus estava próximo. No entanto, deve dizer-se que todos esperavam auxílio de Deus. Os judeus pensavam que Deus controlava a história e decidia o resultado de todos os acontecimentos importantes. A situação só se alteraria de forma decisiva se Deus interviesse. Alguns, talvez poucos, acreditavam que Deus estabeleceria o Seu Reino na terra num futuro próximo.

Dedicámos este capítulo à história política da Palestina anterior e contemporaneamente a Jesus, sobretudo à situação política e jurídica, que era diferente na Galileia e Judeia nos anos vinte e trinta do nosso calendário. Juntámos muito material num espaço reduzido; tal como acontece sempre nos breves resumos políticos, o leitor deparou-se com muitas datas e com muitos nomes. Apresento aqui uma lista dos aspetos mais relevantes para compreender Jesus.

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1. Roma não governava realmente a Palestina no dia-a-dia. Governava indiretamente, através de um rei, etnarca ou tetrarca, que funcionava como um vassalo (fantoche) ou através de um procurador local, que, por seu lado, se servia dos aristocratas locais, sobretudo, do sumo sacerdote.

2. Na Galileia, no tempo de Jesus, Antipas era um tetrarca - vassalo semi-independente. Era tão independente como o tinha sido o seu pai, Herodes Magno, embora pareça ter sido mais brando e menos impiedoso. As tropas pertenciam-lhe, os impostos eram-lhe pagos a ele (apesar de ele pagar tributo a Roma), nomeava os governadores distritais e a administração local obedecia-lhe.

3. Nos anos vinte e trinta, a Judeia esteve submetida a um outro sistema imperial: havia um governador romano (um prefeito) e um pequeno contingente de tropas estacionadas na Palestina, a maior parte do tempo, longe de Jerusalém, a capital, porque os judeus reagiam com extrema sensibilidade ao desrespeito à sua religião na Cidade Santa. O controlo do dia-a-dia estava nas mãos do sumo sacerdote, que possuía conselheiros oficiosos, assim como nas de um pequeno conselho oficial. A maioria dos conselheiros era aristocrata, e muitos deles pertenciam à aristocracia sacerdotal.

4. A Palestina judaica não se encontrava à beira de uma revolta no tempo em que Jesus foi executado. Tinham existido tensões entre os judeus, sobretudo os habitantes de Jerusalém, e os romanos, porque Pilatos mandou desfilar estandartes romanos pela cidade. Numa outra ocasião (de qual não se falou acima), também se apropriou de algum dinheiro do Templo para a construção de um aqueduto, o que provocou protestos da multidão, mas os soldados romanos, que se encontravam entre esta, abafaram rapidamente a revolta iminente." Porém, é um facto que nos dez anos do seu mandato (26-S6), nunca houve grades irrupções de violência. Alguns anos mais tarde, no ano 40 ou 41,

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quando Gaio quis colocar uma estátua pagã no templo de Jerusalém, poderia ter havido um perigo sério de uma guerra à escala global.



5. Apesar de, sob a prefeitura de Pila tos, não ter havido atos de violência de maior dimensão, durante a época romana, existiu sempre a possibilidade de uma insurreição grave, tanto nas regiões governadas por vassalos como nas regiões onde havia um prefeito ou um procurador. O próprio Herodes tinha receado uma revolta e Antipas tinha preocupações semelhantes. Na Judeia, o sumo sacerdote e o prefeito tinham de zelar para prevenir o desencadeamento de violência, sobretudo quando se reuniam grandes multidões para as festas. Mas nada disto era novo. Na Antiguidade, as grandes multidões, normalmente, tinham de ser observadas. Além disso, a guerra civil marcou a história judaica durante todo este período. Tinha havido levantamentos muito importantes contra um dos reis Asmoneus, Alexandre Janeu. Pompeu invadiu a Palestina por causa da guerra civil entre dois Asmoneus, o que significa que o sistema imperial dos romanos não provocava mais revoltas do que o sistema dos Asmoneus - reis-sacerdotes judeus completamente independentes. No tempo de Pila tos, a Palestina não estava à beira de uma revolta, mas o medo de levantamentos estava presente, como esteve ao longo da época dos Asmoneus, da dinastia de Herodes e dos romanos.

6. Muitos judeus desejavam a libertação do domínio romano e pensavam que isto só podia ser alcançado com a ajuda de Deus. A natureza e o objetivo desta mudança há muito desejada variava bastante, assim como variavam as ideias sobre a forma como Deus provocaria a mudança. Eram relativamente poucos aqueles que esperavam um Messias da tribo de David, que libertaria os judeus vencendo o exército romano. Algumas pessoas esperavam que o tempo da libertação fosse assinalado por um grande sinal (como, por exemplo, a derrocada dos muros de Jerusalém), enquanto outros não esperavam senão que Deus fortalecesse a mão dos justos e enchesse de terror o coração dos soldados romanos.

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4. O judaísmo como religião

No capítulo anterior, pressupus alguns conhecimentos do judaísmo. Aqui quero apresentar algumas crenças e práticas fundamentais que eram habituais na Palestina judaica do século I e dar uma ideia esquemática dos grupos e partidos mais importantes.

No mundo mediterrâneo do século I, judeus e gentios estavam de acordo em muitos aspetos. A maior parte deles acreditava em seres sobrenaturais, na veneração de Deus (ou dos deuses) através do sacrifício de animais e em vários tipos de rituais e de purificações. Também existiam muitos pontos de contacto no que diz respeito à ética: todos condenavam o assassinato, o roubo, o furto e o adultério. Realçarei as ideias teológicas e as práticas religiosas que distinguiam os judeus dos outros quando apresentar alguns dos elementos fundamentais do judaísmo. Começamos pela teologia.

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O judaísmo comum

1. Monoteísmo. Os judeus acreditavam que só havia um Deus verdadeiro. Ele tinha criado o mundo e continuava a governá-lo. Muitos judeus acreditavam em outros seres sobrenaturais - anjos e demónios. O apóstolo Paulo, que representa a opinião judaica habitual nestas questões, considerava que as divindades pagãs eram demónios (1 Cor 10, 20). Chamava até «deus deste mundo ao arquidemónio, Satanás, (2 Cor 4,4; sobre «Satanás», ver 2 Cor 11, 14). Estas ideias não significavam uma negação do monoteísmo, do ponto de vista dos judeus daquela época. No fim, todos os outros poderes se submeteriam ao Deus único (1 Cor 15, 24-26; FI 2, 10 e segs.). Entretanto, só esse Deus é que era digno de ser adorado. Os gentios (na opinião dos judeus) deveriam ter sido capazes de reconhecer isto, visto que é possível deduzir o criador a partir da sua criação, tal como é possível deduzir a existência de um oleiro a partir de uma vasilha de barro. Seja como for, os judeus eram os recetores da revelação e era-lhes estritamente proibido ter qualquer relação com divindades pagãs.

2. A eleição divina e a Lei. Os judeus acreditavam que Deus tinha escolhido Israel e feito uma aliança com o povo judeu que os obrigava a obedecer-lhe, assim como obrigava Deus a guiá-los e a protegê-los. Os três momentos mais importantes na história desta aliança foram chamamento de Abraão (Gn 17), o êxodo do Egipto (Ex 14) e a revelação a Moisés da Lei divina, no monte Sinai (Gn 19, 16 até ao fim do Dt).


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