Esses estranhos Homens deveriam ficar muito satisfeitos por serem julgados mais maldosos dó que realmente são



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“Hmmm”, disse a Babá, “eu não acho que você tenha muito de uma bruxa. Sua mãe ficaria escandalizada, Deus guarde a sua alma. Seu pai também.”

Elas estavam caminhando no pomar de maçãs. Uma nuvem de flores deixava o ar repleto de perfume. As abelhas da Bruxa estavam tendo um dia de festa, zumbindo com força. Matalegria sentou-se, sacudindo a cauda, à sombra da pedra tumular de Manek, erguida junto ao muro. Os corvos se revezavam em corridas pelo ar, espantando todos os outros pássaros, à exceção das águias. Irji e Nor e Liir, por insistência da Babá, foram levados à escola da aldeia. Kiamo Ko ficava numa bem-aventurada tranqüilidade até o meio-dia.

A Babá tinha setenta e oito anos. Ela caminhava com uma bengala. Não desistira de seus pequenos esforços no sentido de se embelezar, embora agora eles parecessem mais arruiná-la que dignificá-la. Seu pó-de-arroz era espesso demais, o rubro de seus lábios manchava e ficava fora de lugar, e o frágil xale rendado era inútil devido às características do vale. Por seu lado, a Babá achava que Elphaba estava com uma aparência ruim, como se seu formato estivesse às avessas. Pálida. Uma desintegração de adoentada. Ela parecia não se importar nem um pouco com seu belo cabelo, mantendo-o escondido lá no alto, debaixo daquele chapéu ridículo. E o seu roupão negro bem que andava precisando de uma lavagem e secagem.

Elas se detiveram junto a um muro torto e se encostaram nele. As irmãs os estavam colhendo flores a uns poucos campos mais além, e Sarima, inchada como um balão, as acompanhava. Em seu escuro roupão de luto, ela lembrava um enorme perigoso casulo que se desprendera de seu suporte. Era bom ouvir sua risada novamente, mesmo que fosse falsa; a luz tinha esse estranho efeito purificador sobre todo mundo, mesmo sobre Elphaba.

A Babá contara a Elfinha sobre a sua família. O Eminente Thropp finalmente morrera. Na ausência de Elphaba, que todos supunham morta, o manto de Eminência ficara para Nessarose. Assim, a irmã mais nova esta­va agora confinada em Solos de Colwen, emitindo declarações dogmáticas sobre fé e culpa. Frex estava lá com ela também, sua carreira de pastor quase pelo fim. À medida que ele desistia dos esforços, sua mente ia recuperando o equilíbrio. Shell? Ele vinha e voltava. Abundavam boatos de que se tornara um agitador na luta da terra de Munchkin para separar-se de Oz. Ele crescera bonito e bem, na suspeita opinião da Babá: membros saudáveis, pele clara, fala direta, bom coração. Estava agora nas primícias dos vinte anos.

“E o que Nessarose pensa da secessão?”, Elfinha tinha perguntado. “Sua opinião sobre isso será importante, agora que ela é a Eminente Thropp.”

A Babá relatou que Nessarose se tornara muito mais inteligente do que qualquer um previra. Ela mantinha cartas na manga e emitia vagas de­clarações sobre a causa revolucionária, declarações que poderiam ser lidas de vários modos, dependendo do público. A Babá dava como certo que Nessa­rose tinha a intenção de construir alguma espécie de teocracia, incorporando às leis governamentais da terra de Munchkin sua restritiva interpretação do unionismo. “Seu próprio santo pai não sabe se isso será bom ou ruim, e faz silêncio a respeito do assunto. Ele não é muito dado à política, ele prefere o reino místico.” Havia, segundo a Babá observara, até um certo apoio aos planos de Nessarose entre os nativos. Mas, como Nessarose controlava bem as suas observações, as forças armadas do Mágico que tinham guarnição na área não encontravam pretexto para prendê-la. “Ela é perita, uma verdadeira adepta, nisso. Shiz a ensinou bem. Anda muito bem com os próprios pés, agora.”

Essas palavras causaram arrepios na espinha de Elphaba. Estaria Nessa­rose bem agora capitulando a alguma espécie de feitiço que Madame Morrible lançara sobre ela, naqueles nebulosos anos atrás na sala de Crage Hall? Seria ela na verdade um peão de xadrez, uma Adepta do Mágico ou de Madame Morrible? Será que ela sabia por que fazia o que fazia? Nesse aspecto, não seria ela mesma, Elphaba, nada além da peça do jogo de um poder maior e maléfico?

A recordação das propostas de Madame Morrible para as suas carreiras ― dela, de Nessarose e de Glinda ― voltara à memória de Elfinha com um choque que viera depois da recuperação de Liir de sua extenuação e quase afogamento no inverno anterior. Quando o menino se refizera o suficiente para responder a perguntas sobre como fora parar no fundo do poço dos pei­xes, ele só conseguira dizer: “O peixe falou comigo, ela me disse para descer”. Elfinha sabia no coração que fora Manek, o horrivelmente maldoso Manek, que torturara o menino implacável e abertamente o inverno todo. Ela não se importava com o fato de ele haver morrido, mesmo sendo o filho precioso de Fiyero. Qualquer torturador era fichinha para geleiras bem afiadas. Mas ela tivera de parar para pensar, engolindo seco, com o que Liir lhe dissera depois. Ele dissera: “O peixe me contou que ele era mágico. Ele disse que Fiyero era meu pai, e que Irji e Manek e Nor são meus irmãos e minha irmã.”

“Peixe dourado não fala, meu doce”, Sarima disse. “Você está imagi­nando coisas. Você ficou lá em baixo tempo demais e seu cérebro se encheu de água.”

Elphaba ficara ansiosa em relação a Liir, uma estranha, infeliz com­pulsão. Quem era esse menino que vivia ao seu lado? Oh, ela sabia mais ou menos de onde ele viera, mas quem ele era ― parecia fazer uma diferença, pela primeira vez em sua vida. Ela se aproximara e colocara a mão em seu ombro. Ele a tirara dali; não estava acostumado com um tal gesto. E ela se sentira rejeitada.

“Quer ver meu rato de estimação, Liir?”, disse Nor, que fora calorosa com o menino durante a sua convalescença. Liir sempre escolhia a compa­nhia de seus pares, alheio ao questionamento dos adultos, e fora impossível arrancar dele informações sobre sua experiência penosa. Ele não parecia mui­to mudado, exceto pelo fato de que, com Manek morto, podia vaguear por Kiamo Ko com maior animação e liberdade.

E Sarima olhara para Elphaba, e Elphaba pensara que a hora de sua libertação estava por perto, enfim. “Que bobagem desse menino, ele é decep­cionante”, Sarima dissera por fim. “A idéia de Fiyero ser seu pai. Fiyero não tinha um grama de gordura em seu corpo, e olhe só para esse menino.”

Debaixo das condições que ela estabelecera para a sua hospedagem, Elphaba não podia forçar Sarima a mudar de opinião, mas ela olhou fixo para a sua anfitriã, desejando que ela aceitasse os fatos. Mas ela não aceitara. “E quem poderia ser a mãe?”, disse Sarima brandamente, tocando a bainha de sua saia com suavidade. “É um absurdo além de todas as palavras.”

Pela primeira vez, Elfinha desejou que Liir tivesse ao menos uma su­gestão de verde em sua pele.

Sarima se retirara, para chorar na sua capela pelo seu marido, pelo seu segundo filho.

E os termos do aprisionamento de Elfinha ― como uma traidora inde­sejável, como uma monja exilada, como uma mãe infeliz, como uma rebelde fracassada, como uma Bruxa disfarçada ― permaneceram imutáveis.

Mas a idéia de um Peixe Dourado ou uma Carpa no poço de peixes revelando aquelas coisas para Liir ― havia qualquer possibilidade de uma coisa dessas? Ou teria Madame Morrible a habilidade de mudar de forma, de viver na escuridão fria, de deslizar por ali e observar o que Elphaba fazia? Liir não tinha imaginação para falar de tal coisa, ele não poderia ter chegado àquilo sozinho. Poderia?

Quando ela fora olhar no poço de peixes, muitas vezes em todas as horas do dia ou da noite, a velha carpa ― ou Carpa ― estava fora de vista.

“Estou contente por saber que Nessarose anda com seus próprios pés”, disse Elphaba por fim, voltando do mundo de suas reflexões para a realidade do pomar. A Babá estava roendo um pedaço de açúcar-cande.

“Eu disse isso literalmente, você sabe”, disse a Babá no meio de sua saliva. “Ela não precisa mais ser carregada. Nem figurativa nem literalmente. Ela consegue ficar em pé sozinha, firmar-se e sentar-se.”

“Sem a ajuda dos braços? Eu não acredito nisso”, disse a Bruxa.

“Você terá de acreditar. Você se lembra daquele par de sapatos que Frex enfeitou para ela?”

Claro que Elphaba se lembrava! Os belos sapatos! O sinal da devoção de seu pai à sua segunda filha, de seu desejo de realçar a sua beleza e afastar as atenções que se voltassem sobre a sua deformidade.

“Bem, a velha Glinda dos Arduennas, lembra-se dela? Casada com Sir Chuffrey, e fracassada, na minha humilde opinião. Ela veio a Solos de Colwen há alguns anos. Ela e Nessarose passaram ótimas horas matando as saudades, recordando os tempos de colégio. E ela calçou justamente aqueles sapatos como numa espécie de encantamento. Não me pergunte nada. A magia nunca foi minha praia. Os sapatos permitiram a Nessarose sentar-se, firmar-se em pé e caminhar sem apoio. Ela nunca fica sem eles. Ela afirma que eles lhe transmitem virtudes morais também, mas então acho que desse artigo ela tem mais do que precisa. Você ficaria surpresa ao ver como os munchkineses deram para ficar supersticiosos, ultimamente.” A Babá suspirou. “Foi por isso que fiquei livre para sair à procura de você, queridinha. Os sapatos mágicos me tornaram redundante. A Babá ficou sem emprego.”

“Você é velha demais para trabalhar, fique sentada e aproveite o sol”, disse Elphaba. “Pode ficar por aqui quanto tempo quiser.”

“Você fala como se esta fosse a sua casa”, disse a Babá. “Como se você tivesse o direito de fazer tais convites.”

“Até que eu possa partir, esta é a minha casa”, disse Elfinha. “Não posso evitar.”

A Babá entrefechou os olhos e olhou para o alto das montanhas, que à luz do meio-dia parecia um chifre polido. “Essa é muito boa, pensar em você como uma Bruxa, de uma certa maneira, e em sua irmã tentando se estabelecer como Santa residente. Quem teria pensado numa coisa dessas, lá naqueles anos lamacentos nos pântanos de Quadling? Não acredito que você seja uma bruxa, não importa o que você diga. Mas uma coisa eu quero saber. Liir é seu filho?”

Elphaba tremeu, embora seu coração, no mais profundo de sua reserva de frieza, manifestasse desgosto com energia quente. “Não é uma pergunta que eu possa responder”, ela disse, tristemente.

“Você não precisa esconder nada de mim, queridinha. Lembre-se, a Babá foi enfermeira e confidente de sua mãe também, e uma mulher mais sociável e sensual que ela estou ainda por encontrar. As convenções não a prendiam, nem na juventude nem depois de casada.”

“Eu não acho que queira saber dessas coisas”, disse Elfinha.

“Então, vamos falar de Liir. Que diabos quer você dizer, afirmando que não pode responder a uma pergunta tão simples quanto essa? Ou você o concebeu e pariu, ou não. Por tudo que sei deste mundo, não há outras histórias.”

“O que quero dizer”, disse Elphaba, “e a única observação que farei so­bre isso é esta. Quando eu cheguei ao monastério, sob os bons serviços da Mãe Yackle, eu não estava em condições de saber o que estava acontecendo comigo, e passei quase um ano num sono de morta. É bem possível que eu tenha levado um filho comigo e dado à luz. Eu era outra doente com um ano inteiro para recuperação. Assim que assumi meus deveres, trabalhei com os enfermos e os moribundos, e também com as crianças abandonadas. Eu não tinha mais relações com Liir que com qualquer outra daquelas dúzias de pirralhos. Quando deixei o monastério para vir para cá, foi sob a condição de que traria Liir comigo. Eu não questionei a ordem ― não se questiona as ordens de superiores. Eu não tenho calor maternal com relação ao menino” ― ela engoliu, para caso isso não fosse mais verdade ― “e eu não sinto que te­nha passado pela experiência de parir uma criança. Eu não acredito que seja completamente capaz disso, na verdade, embora eu esteja disposta a admitir que seja simplesmente ignorância e cegueira de minha parte. Mas isso é tudo que posso dizer a respeito. Não direi mais, nem você o fará.”

“Você tem uma obrigação de ser maternal com ele então, a despeito do mistério?”

“As únicas obrigações a que me sujeito são aquelas que escolho para mim mesma. E isso, Bá, é isso.”

“Você está muito ácida, essa situação a deixa infeliz. Mas, se acha que vim para cá para criar outra geração de Thropps, esqueça. A Babá está em seu período senil agora, lembre-se, e feliz assim.”

Mas Elphaba não pôde deixar de notar nas semanas seguintes que a Babá começou a satisfazer às necessidades de Liir de modo mais afetuoso que aquele com que tratava Nor e Irji. Elphaba registrou o fato com vergo­nha, pois ela também viu como Liir respondeu à atenção da Babá com boa vontade.

Ao contar episódios das façanhas de Shell ― seu velho coração vivaz palpitando quase visivelmente debaixo de seu peito ― a Babá revelou detalhes das campanhas do Mágico. Isso deixou Elphaba furiosa, pois até aí vinha mantendo a esperança de perder o interesse pelas ações dos homens maus.


* * *

A Babá fuxicou sobre o Mágico haver montado uma nova espécie de acampamento para a juventude, o Jardim do Imperador ― uma bela, eufe­mística denominação. Todas as crianças munchkinesas de quatro a dez anos foram obrigadas a aderir, em residências por um mês de verão. As crianças prestavam juramento de segredo ― um grande jogo para elas, sem dúvida. A Babá contou uma história cheia de longos desdobramentos, mais apropria­da para velhas desdentadas sentadas em volta de uma lareira que para uma mesa de jantar com eretas e reprimidas solteironas arjikis, de como Shell, o querido desconhecido irmão Shell, se disfarçou como um vendedor de batatas fazendo entregas. E atravessou os portões. Oh, as muitas aventuras divertidas de um libertino! A filha adolescente do General do Acampamento num roupão, os inventivos álibis de Shell, seus flertes, suas escapadas por um triz! Quase sendo descoberto em suas relações ― por crianças! Que farra! A Babá permanecia, no fundo, uma velha camponesa bocuda, apesar de seus ares de importância. Elphaba pensava: Ela mal compreende que está falando de doutrinação, traição, recrutamento forçado de crianças numa guerra de baixo nível. Com a recém-descoberta preocupação quanto ao fato de Liir estar ainda pairando nos limiares da vida, movendo-se desajeitada e afetuosamente através de seus dias, ela achava essas histórias de crianças doutrinadas hor­ríveis e repugnantes.

Ela foi ao Livro das Sombras e escancarou sua capa maciça ― ornamen­tada de couro com argolas de cadeado e pregadores dourados, revestida de lâmina de prata ― e examinou os tomos para encontrar o que torna as pessoas sedentas por tanta autoridade e força. Seria a crua natureza da besta interior, o animal humano dentro do Ser Humano?

Ela procurou uma receita para derrubar um regime. Encontrou muita coisa sobre poder e destruição, mas pouco sobre estratégia.

O Livro das Sombras descrevia o envenenamento dos lábios que se aproximam dos copos, o enfeitiçamento dos degraus de uma escada para fazê-los vergar, a incitação de um cãozinho de estimação de um monarca para que desse uma mordida num lugar indesejável. Sugeria a inserção noturna, através de qualquer orifício apropriado, de uma invenção demoníaca, um fio parecido a uma corda de piano, em parte tênia em parte estopim aceso, para causar uma morte particularmente dolorosa. Tudo isso parecia de um ilusionismo carnavalesco para Elphaba. O que era mais interessante, em seu entender, era um pequeno desenho que ela vira perto de uma seção denomi­nada Características do Demônio. O desenho ― feito, a acreditar na crédula Sarima, num outro mundo ― era um esboço inteligente de uma mulher-de­mônio de rosto cheio. Manuscritas de modo angular, cheio de ramificações, com elegantes serifas afuniladas, estavam as palavras UIVO DO CHACAL. Elphaba olhou novamente. Ela viu uma criatura em parte mulher, em parte chacal dos campos, suas mandíbulas arreganhadas, suas garras dianteiras erguidas para dilacerar o coração que saía de uma teia de aranha. E a criatura fazia com que ela lembrasse da velha Mãe Yackle do monastério.

Teorias de conspiração, como Sarima dissera, pareciam assombrar seus pensamentos. Ela virou a página.

Não havia nada no Livro das Sombras sobre como derrubar um tirano ― nada que fosse útil. Legiões de anjos superiores não eram coisas que pu­dessem lhe dar respostas. Não havia naquelas páginas nada que descrevesse por que homens e mulheres podiam ser tão horríveis. Ou tão maravilhosos ― se é que esta alternativa ainda pudesse ocorrer.

2
Na verdade, a família fora devastada pela morte de Manek. Havia um sentimento não confessado de que a vida de Liir, de algum modo, fora salva ao custo da vida de Manek. As irmãs tinham sofrido a mais temida das perdas: o roubo do Manek adulto de suas vidas. Seu triste fardo fora supor­tável nesses anos todos porque Manek iria ser o homem que Fiyero fora, e talvez até mais. Elas perceberam em retrospecto que tinham tido a esperança de que Manek recuperasse as glórias perdidas de Kiamo Ko.

O fraco Irji não tinha mais senso de destino que um cão da pradaria. E Nor era uma menina, mais frívola e distraída que estas costumam ser. Assim, Sarima, debaixo de seus gestos extasiados de aceitação da vida (suas alegrias, suas dores, seus mistérios, tal como ela gostava de fantasiar), ficou ainda mais alheia. Nunca fora chegada às suas irmãs, e agora começara a tomar suas refeições sozinha no Solar.

Irji e Nor, que tinham gostado de unirem-se de tempos em tempos numa espécie de aliança contra a maldade dominadora de Manek, tinham agora menos coisas a uni-los. Irji começou a vagar pela velha capela unionista, ensinando-se a ler melhor pelo estudo de mofados hinários e breviários. Nor não gostava da capela ― ela achava que o fantasma de Manek permanecera lá, já que fora lá o último lugar em que ela vira o corpo do menino numa mortalha descoberta ― então, tentou se engraçar com a Titia Bruxa ― mas sem proveito. “Você é dada a fazer mal ao Chistérico”, protestou Elfinha, “e eu tenho mais que fazer. Vai encher o saco de outro.” Ela simulou dar um pontapé em Nor, que, choramingando e gritando como se este houvesse de fato a atingido, foi embora apavorada.

Nor dera para vagar ― agora que o verão se aproximava ― pelo vale elevado, aquele com o rio em sua base ― e subia pelo outro lado, onde as ovelhas pastavam a melhor grama que teriam no ano todo. No passado, teria ido para lá na companhia dos irmãos, ou teria sido proibida de fazer a esca­lada sozinha. Mas, nesse ano, ninguém estava prestando atenção a ela para proibi-la de nada. Ela não se importaria de sofrer uma proibição, não teria nem mesmo se incomodado com uma correia que a prendesse. Andava se sentindo solitária.

Um dia ela vagou para pontos particularmente distantes do vale, delei­tando-se com a força e a resistência de suas pernas fortes. Ela tinha apenas dez anos, mas eram dez anos robustos, maduros. Ela erguera a sua saia verde até a cintura, e porque o sol estava a pino e forte, tirara a sua blusa e a amar­rara como uma tiara em sua cabeça. Ela mal estufava seu peito aqui e ali para espantar alguma ovelha, e, de qualquer modo, esperava poder avistar um pastor a milhas de distância.

Como foi que, de todos os lugares de Oz, eu vim parar logo aqui, ela se perguntava, pisando no terreno da reflexão como uma novata. Aqui estou eu, uma menina numa montanha, nada além de vento e ovelhas e relva semelhan­te a um prado esmeralda, verde e dourado como os enfeites de Lurlinemas, sedoso por cima, tosco por baixo. Só eu e o sol e o vento. E aquele grupo de soldados vindo por detrás das rochas. Ela recuou e se abaixou na relva, recolocou a sua blusa, e se apoiou nos cotovelos, escondendo-se.

Não eram soldados como aqueles que ela já tinha visto. Não eram ho­mens arjikis em seus uniformes e capacetes cerimoniais, com suas lanças e escudos. Esses eram homens em uniformes e boinas marrons, com mosquetes ou coisas parecidas pendurados em seus ombros. Usavam um tipo de bota mais ou menos alto e impróprio para caminhadas pelos montes, e quando um deles parou e se pôs a perder tempo com um prego ou uma pedra em sua bota, seu braço desapareceu nela até a altura do cotovelo.

Havia uma listra verde na frente de seus uniformes, e uma barra a cru­zava, e Nor sentiu-se esfriar com um desconhecido senso de premonição. Ao mesmo tempo ela queria ser vista. O que Manek teria feito?, ela se pergun­tava. Irji fugiria, Liir ficaria espantado e tremeria, mas, Manek? Manek teria marchado na direção deles e descoberto o que estava acontecendo.

E ela assim faria. Examinou a blusa novamente para se certificar de que seus botões estavam fechados, e foi descendo o penhasco em passadas largas na direção dos homens. Quando ela conseguiu toda a atenção deles, e o ho­mem que tirara a bota já a tinha recolocado, começou a repensar a sensatez de seu plano. Mas era tarde demais para fugir agora.

“Salve”, ela disse de um modo formal, usando a linguagem do leste, não seu próprio vernáculo arjiki. “Salve e alto. Eu sou a Princesa Filha dos Arjikis, e isto em que vocês estão pisando com suas grandes botas pretas é o meu vale.”

Era meio-dia alto quando ela os conduziu para dentro dos domínios do castelo de Kiamo Ko. As irmãs estavam em seu pátio de lavar roupas no verão, batendo tapetes elas mesmas porque não confiavam que as lavadeiras nativas tratassem-nos com o devido cuidado. O som de botas a ressoar nas pedras fez as irmãs correrem por uma arcada, todas ruborizadas e empoeiradas, o cabelo enrolado em lenços de algodão. Elphaba ouviu o barulho, também, e escancarou a janela, arregalando os olhos. “Não dêem um passo adiante antes que eu desça”, ela gritou, “ou eu as transformarei em roedores. Nor, afaste-se deles. Todas vocês, afastem-se.”

“Vou buscar a Viúva Princesa”, disse Dois, “se isso os agrada, cavalheiros.”

Mas quando Sarima chegou, com resquícios sonolentos de um cochi­lo, Elphaba já tinha descido, a vassoura sobre o ombro, suas sobrancelhas erguidas até o crânio. “Vocês não são bem-vindos aqui”, parecendo mais que nunca uma Bruxa em suas saias monacais, “então, como é que querem ser tratados? Quem está na chefia? Você? Quem é o mais velho à frente dessa missão? Você?”

“Se me faz um favor, Madame”, disse alguém, um rijo homem gillikinês de cerca de trinta anos. “Eu sou o Comandante ― o nome é Pedra Cereja ― e estou sob as ordens do Imperador para requisitar uma casa grande o bastante para abrigar nosso grupo enquanto estivermos neste distrito de Kells. Esta­mos fazendo uma inspeção das passagens para as Pastagens Milenares.” Ele tirou de dentro de sua camisa um documento manchado de suor.

“Eu que os encontrei, Titia Bruxa”, disse Nor orgulhosamente.

“Vá embora. Vá pra dentro”, disse Elphaba para a garota. “Vocês, ho­mens, não são bem-vindos aqui e a menina não tem o direito de convidá-los. Virem de volta e marchem para além daquela ponte levadiça imediatamente.” O rosto de Nor empalideceu.

“Isso não é um pedido, é uma ordem”, disse o Comandante Pedra Cereja num tom arrependido.

“Isso não é uma sugestão, é um aviso”, disse Elphaba. “Vão embora, ou sofram as conseqüências.”

Sarima, a essa altura, tinha se recuperado o bastante para dar um passo avante, suas irmãs cochichando, empolgadas, a seu redor. “Titia Bruxa”, ela disse, “você se esqueceu do código das montanhas, o mesmo pelo qual você pôde se alojar aqui, e sua velha Babá depois. Nós não mandamos visitas em­bora. Por favor, senhores, perdoem nossa amiga melindrosa. E perdoem-nos. Faz muito tempo que não vemos soldados em uniforme.”

As irmãs se enfeitaram o melhor que podiam ao ouvir esse curto pro­nunciamento.

“Eu não vou aceitar isso, Sarima”, Elphaba disse, “você nunca saiu daqui, você não sabe quem são esses homens ou o que eles vão fazer! Eu não vou aceitar isso, ouviu bem?”

“É o espírito elevado, a determinação, que a torna tão agradável de ter por perto”, disse Sarima um tanto maldosamente, já que em geral ela real­mente gostava da companhia de Elphaba. Mas ela não gostava de ter sua autoridade usurpada. “Cavalheiros, venham por aqui. Vou lhes mostrar onde podem se lavar.”

Irji não sabia bem o que fazer na presença de militares, e não se aproxi­mava muito. Se estava com medo de ser recrutado ou enfeitiçado, não sabia dizer. Levou um colchão de dormir à capela, e dormiu lá, agora que o tem­po era calorento o bastante. Na opinião da Babá, ele estava ficando biruta. “Acredite, depois de uma vida cuidando do devoto marido de sua mãe, Frex, e de sua irmã logo depois, reconheço um lunático religioso infalivelmente”, ela disse para Elphaba. “O menino devia era estar aprendendo lições de virilidade com esses homens, aconteça aqui o que acontecer.”


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