Esses estranhos Homens deveriam ficar muito satisfeitos por serem julgados mais maldosos dó que realmente são



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O portão era dourado, o vestíbulo limpo de qualquer vestígio de relva ou excremento, e uma bancada de santos de topiaria em vasos de terracota decorava a sacada acima da maciça porta da frente. Dignatários com fai­xas que denotavam novos postos de hierarquia e prestígio na Terra Livre de Munchkin, ela imaginou, se postavam em pequenos grupos a um lado. Com xícaras de café nas mãos, os oficiais, ao que parecia, tinham concluído uma reunião particular do conselho feita logo de manhãzinha. Ao passar o por­tão, homens armados de espadas avançaram decididamente e barraram seus passos. Começou a protestar ― o que foi imediatamente classificado como ameaça e loucura, ela notou ― e estava para ser expulsa quando uma figura apareceu de um canto de uma casinha ornamental, e mandou-os parar.

“Fabala!”, ele disse.

“Sim, Papai, eu estou aqui”, ela respondeu, com a polidez de uma filha.

Ela se virou. Os dignatários fizeram uma pausa em suas discussões, e recomeçaram, como se percebessem que ouvir a conversa desse encontro seria o máximo em grosseria. Os guardas baixaram sua barreira quando Frex se aproximou. Seu cabelo era fino e longo e preso por um apetrecho de couro cru, como sempre fora. Sua barba era de cor creme e chegava à sua cintura quando ele tirava as mãos de cima dela.

“Esta é a irmã da Eminência do Leste”, disse Frex, fixando os olhos em Elphaba, “e minha filha mais velha. Deixem-na passar, meus caros, agora e sempre que ela se aproximar daqui.” Ele se aproximou e pegou a sua mão, e virou sua cabeça como um pássaro para vê-la através de um olho capaz. O outro, como ela percebeu, estava morto.

“Venha, vamos nos cumprimentar na intimidade, longe dessa atenção toda”, disse Frex. “Palavra, Fabala, você ficou a cara da sua mãe nesses longos anos!” Ele juntou seu braço ao dela, e eles entraram no edifício por uma porta lateral, chegando a um pequeno salão decorado com sedas cor de açafrão e almofadas de veludo cor de ameixa. A porta se fechou atrás deles. Frex se abaixou cautelosamente no sofá e afagou o estofado próximo a ele. Ela se sentou, cansada, espantada com a riqueza de seu sentimento por ele. Estava repleta de carência. Mas, advertia-se, não se esqueça de que você é uma mu­lher madura.

“Eu sabia que você viria se eu escrevesse”, ele disse. “Fabala, eu sempre soube disso.” Ele a envolveu em seus braços, apertadamente. “Agora, eu posso chorar um pouquinho.” Quando ele terminou, perguntou-lhe para onde fora, o que fizera e por que nunca retornara.

“Eu não tinha certeza se haveria um lugar para onde retornar”, ela res­pondeu, percebendo a verdade de suas palavras enquanto falava. “Quando você acabou de converter uma cidade, Papai, você mudou para novos campos. Seu lar estava no pastoreio das almas; o meu nunca esteve. Além disso, eu tinha meu próprio trabalho a fazer.” Ela acrescentou, um momento depois, numa voz baixa: “Ou eu pensava que tinha”.

Ela mencionou que vivera anos na Cidade Esmeralda, mas não revelou o porquê.

“E a Babá estava certa? Você foi mesmo uma monja? Eu não a criei para uma tal submissão”, ele disse. “Estou surpreso. Tanto conformismo e obediência...”

“Não fui uma monja mais do que fui uma unionista”, ela o repreendeu gentilmente, “mas vivi com elas. Elas fizeram um bom trabalho, a despeito do equívoco ou da inspiração de suas crenças. Foi um tempo de recuperação de uma passagem difícil. E então, no ano passado, eu fui para o Vinkus, e acho que fiz meu lar por lá, embora não possa dizer por quanto tempo.”

“E o que você faz?”, ele disse. “Você está casada?”

“Eu sou uma bruxa”, ela respondeu. Ele recuou, desgostoso, perscrutan­do com o olho sadio para ver se ela estava falando por brincadeira.

“Fale-me de Nessinha antes que eu a veja, e de Shell”, ela disse. “Sua carta deu-me a impressão de que ela precisava de ajuda. Eu farei o que puder no tempo curto em que puder ficar aqui.”

Ele lhe falou da ascensão de sua irmã ao posto de Eminência, e da secessão que houvera na última primavera. “Sim, sim, eu sei disso, mas não sei o porquê”, ela disse, aguilhoando. Então, ele descreveu o incêndio de uma granja onde reuniões da oposição vinham sendo feitas, a denúncia do es­tupro de um par de moças munchkinesas depois de um baile do exército do Mágico que estava com uma guarnição perto de Armário do Dragão. Ele mencionou o massacre em Macieira Distante e a pesada taxação sobre as colheitas das fazendas. “A gota d’água”, ele disse, “até onde Nessie ficou sabendo, foi a intempestiva destruição de simples capelas do campo pelos soldados do Mágico.”

“Não parece a gota d’água”, disse Elphaba. “Um cômodo de fundos de uma mina de carvão não é um lugar tão santo para oração quanto uma capela? Quero dizer, segundo o ensinamento?”

“Bem, o ensinamento”, disse Frex. Ele deu de ombros; tais distinções estavam além de seu alcance, agora. “Nessinha ficou encolerizada, e mani­festou sua indignação, e antes que ela soubesse, a faísca se alastrou e pegou fogo. Dentro de uma semana, depois que deflagrou uma carta furiosa para o Imperador Mágico em pessoa ― um ato perigoso e indisciplinado ―, a febre revolucionária havia se aglutinado em torno dela. Isso aconteceu bem aqui no vestíbulo de Solos de Colwen. Foi magnífico, e você teria imaginado que Nessinha nascera para a dissidência. Ela se dirigiu aos homens mais velhos das comunidades rurais de perto e de longe, e manteve sua convicção reli­giosa sob controle, sensatamente, eu acho. Assim, seu apelo para que eles a apoiassem foi esmagadoramente respondido. Houve uma aprovação unânime para a secessão.”

Papai ficara pragmático depois de velho, Elphaba observou com alguma surpresa.

“Mas como você se livrou das patrulhas das fronteiras?”, ele perguntou. “Estando as coisas do jeito que estão ― esquentando cada vez mais, como dizem.”

“Eu só tive de voar por cima delas, um pequeno pássaro negro dentro da noite”, ela respondeu, sorrindo para ele, e tocando na sua mão. Estava vitrificada e de um rosa mosqueado, como uma lagosta do lago na fervura. “Mas o que eu não sei, Papai, é por que você me chamou aqui. O que espera que eu faça?”

“Eu achei que você poderia se unir à sua irmã em seu trono de autori­dade”, ele disse, com a esperança simplória de alguém cuja família estava de há muito separada. “Eu sei quem você é, Fabala. Eu duvido que você tenha mudado muito durante esses anos. Conheço sua astúcia e sua convicção. Eu também sei que Nessinha está à mercê de suas vozes religiosas, e ela poderia ter uma recaída e desfazer o grande bem que está fazendo neste momento ao ser uma figura central para a resistência. Se isso acontecer, as coisas não irão bem para ela.”

Então, estou aqui para me fazerem de Cristo, pensou Elphaba, para ser a linha de frente da defesa. Seu prazer se evaporou.

“E não irão bem para eles, os ansiosos que estão lhe dando apoio”, Frex disse, fazendo com a mão um sinal que significava a maior parte da Terra de Munchkin. Seu rosto se curvou ― seu sorriso era fruto de esforço também, ela pensou friamente ― e seus ombros caíram. “Eles passaram mais de uma geração sob a ditadura suave desse nosso Glorioso Mágico patife ― oh, até esqueço que estamos agora na Terra Livre de Munchkin ―, esses fazendeiros na certa subestimam a dimensão de uma eventual retaliação. Na verdade, Shell descobriu, por fontes fidedignas, que os estoques de cereais na Cidade Esmeralda são maciços, e que podemos ficar algum tempo sem a necessidade de um governo. Salvo o desbaratamento de algumas divisões de soldados na fronteira, e a prisão de alguns arruaceiros bêbados, tem sido uma dissidên­cia muito tranqüila até aqui. Estamos iludidos ao acreditar que estamos em segurança. Eu quero dizer que Nessinha está iludida também, acho. Você possui uma mente mais clara, foi o que sempre percebi. Você pode ajudá-la a se preparar, você pode oferecer a ela o equilíbrio e o apoio necessários.”

“Eu sempre fiz isso, Papai”, ela disse. “Na infância e no colégio. Agora, soube que ela poderia se virar sozinha.”

“Você soube de meus sapatos preciosos”, ele disse. “Comprei-o de uma velha decrépita, e então os restaurei para Nessa com minhas próprias mãos, usando as habilidades para lidar com vidro e metal que aprendi com Coração de Tartaruga. Fiz os sapatos com a intenção de dar a ela um pouco de beleza, mas não esperava que fossem enfeitiçados por outra pessoa. Não lamento que tenham sido. Mas, Nessa agora pensa que não precisa de mais ninguém, para se sustentar ou para apoiar seu governo. Ela escuta menos que nunca. Em alguns aspectos, acho que aqueles sapatos são perigosos.”

“Eu queria que os tivesse feito para mim, Papai”, ela disse numa voz surda.

“Você não precisava deles. Você tinha a sua voz, a intensidade, até mes­mo a sua crueldade, como escudo.”

“Minha crueldade!” Ela recuou.

“Oh, você era uma coisinha demoníaca”, disse Frex, “mas e daí?, as crian­ças crescem para desenvolver aquilo que são, dentro e fora das expectativas. Você era um terror quando se aproximou de outras crianças pela primeira vez. Você se acalmou apenas quando começamos a viajar e tinha de carregar o bebê. Foi Nessarose quem a domou, você sabe. Você tem de agradecer a ela; ela abrandou sua fúria com a carência óbvia que tinha. Você não se lembra disso, suponho.”

Elfinha não conseguia lembrar-se, ela não conseguia sequer pensar nes­sas coisas. Até a idéia de haver sido cruel lhe escapava. Em vez disso, tentava sentir afeto por seu pai, apesar do cansaço de ser obrigada a ser outra vez um subtenente, a serviço de sua querida e carente Nessarose. Ela estava era con­centrada na preocupação de seu pai com os cidadãos da Terra de Munchkin Sempre uma sensibilidade pastoral, a dele. Embora rejeitasse sua teologia, ela o adorava por seu senso de compromisso.

“Vou querer saber mais sobre Coração de Tartaruga algum dia”, ela disse num tom leve, “mas, agora, suponho que devo ir agradecer à minha irmã. E vou pensar no que o senhor disse, Papai. Eu não consigo me imaginar como parte de um triunvirato governamental, com você e Nessarose ― ou de um comitê, caso Shell entre nisso também. Mas suspenderei meu julgamento, por enquanto. E Shell, Papai, como ele está?”

“Atrás das linhas inimigas, dizem”, Frex respondeu enquanto ela se er­guia para sair. “Ele é um sem-juízo e estará entre os primeiros a morrer, quan­do a coisa de fato esquentar. Ele parece com você, em certos aspectos.”

“Ele ficou verde?”, ela perguntou, espantada.

“É tão irredutível quanto as manchas do pecado”, ele respondeu.

Nessarose estava isolada numa sala do pavimento superior, fazendo a sua meditação matutina. Frex providenciou para que Elphaba tivesse li­berdade para vagar pela casa e dependências. Afinal, houvesse sido outra a configuração dos eventos, Elphaba poderia estar (ou poderia ainda se tornar) a Eminente Thropp, a Eminência do Leste, a líder nominal da Terra Livre de Munchkin. Frex observava sua filha verde passando pelos corredores de mármore, carregando a sua vassoura como uma arrumadeira, olhando para os ormolus, os damascos, as flores frescas, os serviçais, os retratos. Sentia, como sempre sentira, uma pontada dolorida no fundo de seu peito pelas coisas ocultas e inconfessáveis que ele fizera de errado ao criá-la. Mas estava feliz por ela estar ali, enfim.

Elphaba encontrou o caminho para a capela particular no final de uma sala de mogno polido. Era mais barroca que antiga, e estava em meio a um trabalho de redecoração. Nessarose na certa mandara que os afrescos fossem cobertos de cal; talvez as imagens suculentas distraíssem as pessoas de suas tarefas de meditação. Elphaba sentou-se num banco ao lado, em meio a baldes de calcário e brochas de pintura e escadas. Ela não fingiu que estava rezando, embora se sentisse muito desconfortável com a situação toda. Fixou seu olhar, para focalizar sua mente, numa secção de grandes proporções que ainda exibia as suas imagens. Mostrava anjos rotundos levitando com a ajuda de asas de tamanho considerável. Seus trajes haviam sido recortados para acomodar a irregularidade anatômica, notou. Estavam mais para senhoras de corpos cheios, mas as asas não estavam se salientando com artérias reforçadas nem rachando nas pontas. O artista tinha levado em conta o comprimento e a largura ideais exigidos para que as obesas senhoras fossem guinchadas para o alto. A fórmula parecia equivaler a asas três vezes mais compridas que o braço, corrigidas talvez para se ajustar à imponência do conjunto. Se alguém pode abrir seu caminho para o Outro Mundo com um batimento de asas, por que não com uma vassoura?, ela pensou. E percebeu que devia estar mui­to cansada; normalmente, teria deixado de lado a especulação sem sentido quanto a esses absurdos unionistas sobre uma vida após a morte, um Além, um Outro Mundo.

Eu devo é me lembrar minhas lições no curso de ciências da vida, ela pensou. Todas as devastadoras fronteiras de conhecimento que o Doutor Dillamond estava por cruzar. Eu quase entendi alguma coisa daquilo tudo. Eu poderia costurar asas no Chistérico. Ele poderia voar comigo. Que farra.

Ela se ergueu e foi se encontrar com a irmã.

Nessarose ficou menos surpresa vendo a irmã do que Elfinha teria es­perado. Talvez fosse porque Nessa houvesse se acostumado a ser o centro das atenções, pensou. E de novo ela era mesmo o centro das atenções. “Querida Elfinha”, ela disse, erguendo os olhos de um par de livros idênticos que algum auxiliar deixara ali, um bem próximo ao outro, para que ela pudesse ler quatro páginas sem chamar alguém para ajudá-la a virar uma. “Dê-me um beijo.”

“Oh, você está aí, então”, Elphaba disse, condescendente. “Como está, Nessinha? Você está com boa aparência.”

Nessarose se levantou, exibindo os belos sapatos, e sorriu radiosamente. “A graça do Deus Inominável me enche de força, como sempre”, ela disse.

Mas Elphaba não estava disposta a se aborrecer. “Você evoluiu, você se ergueu, e não digo apenas quanto a seus pés”, ela disse. “A História a esco­lheu para desempenhar um papel nela, e você o aceitou. Fico orgulhosa com isso.”

“Não precisa se orgulhar”, disse Nessarose. “Mas, obrigada, querida. Eu achei que você provavelmente viria. O Papai obrigou você a vir para cá a fim de tomar conta de mim?”

“Ninguém me obrigou a vir para cá, mas Papai escreveu.”

“Então, depois de todos esses anos de isolamento, o tumulto político a traz de volta. Onde você estava?”

“Aqui e ali.”

“Você sabe que chegamos a pensar que você tinha morrido”, disse Nes­sarose. “Estenda aquele xale nos meus ombros e o prenda com um alfinete, por favor, para que eu não tenha de chamar uma criada. Eu me refiro àquela época medonha, medonha, em que você me abandonou em Shiz. Ainda estou furiosa com você devido àquilo, acabo de lembrar.” Ela franziu o lábio, afeta­damente; Elphaba ficou feliz ao notar que ela possuía ao menos um resíduo de senso de humor.

“Éramos todos jovens naqueles tempos, e talvez eu estivesse errada”, disse Elfinha. “Meu abandono não lhe causou nenhum dano duradouro, de qualquer modo. Ao menos não pelo que posso notar.”

“Tive de me virar com Madame Morrible sozinha, por dois anos. Glin­da foi de ajuda por algum tempo, aí se graduou e foi em frente. A Babá foi a minha salvação, mas ela já estava velha naquela época. Ela foi ao seu encontro recentemente, não foi? Bem, naqueles tempos eu me senti terrivelmente só. Apenas minha fé me sustentou.”

“Bem, a fé faz dessas coisas”, disse Elfinha, “quando você a possui.”

“Você fala como alguém que ainda vive nas terras sombrias da dúvida.”

“Na verdade, acho que temos a discutir coisas mais importantes que o estado de minha alma e a lacuna nela existente. Você está com uma revolução em suas mãos ― sinto, foi a força do hábito ― e você é a comandante geral residente. Parabéns!”

“Oh, eventos fatigantes do mundo enganador, sim, sim”, disse Nessarose. “Olhe, é uma beleza ali fora, nos jardins. Vamos caminhar e tomar um pouco de ar um pouquinho. Você parece verde de fome...”

“Tudo bem, eu mereço isso...”

“... e há tempo de sobra para entrar nos assuntos diplomáticos. Eu tenho uma reunião daqui a pouco, mas ainda há tempo para dar uma passeadinha. Você precisa conhecer este lugar. Deixe-me mostrá-lo a você.”

5
Elphaba só conseguiu obter a atenção de Nessarose por pequenas frações de tempo. Embora fosse desatenta quanto às exigências de sua liderança, Nessarose era muito consciente de sua agenda social, e passava horas prepa­rando-se para reuniões.

A princípio as discussões foram frívolas ― memórias da família, dos dias de escola. Elfinha estava impaciente para abordar o âmago da questão ali. Mas Nessarose não se deixava apressar. Às vezes deixava Elfinha plantada à espera enquanto mantinha audiências com os cidadãos. Elfinha não estava muito satisfeita com o que via.

Uma tarde uma mulher idosa de algum povoado no Cesto de Milho apareceu. Ela fez mesura de uma maneira muito nauseante e servil, e Nessa­rose pareceu reagir a isso com um brilho de glória. A mulher queixou-se de ter uma empregada que, tendo se apaixonado por um lenhador, queria deixar seu serviço para se casar. Mas a idosa já havia dado três filhos para o reforço de defesa da nova milícia local, e ela e a empregada eram a única mão-de-obra disponível para fazer a colheita. Se a empregada debandasse ao lado de seu lenhador, as colheitas seriam danificadas e ela ficaria arruinada. “E tudo em nome da liberdade”, ela concluiu amargamente.

“Bem, o que a senhora quer que eu faça?”, disse a Eminência do Leste.

“Eu posso lhe dar duas Ovelhas e uma Vaca”, disse a idosa.

“Eu tenho criação...”, disse Nessarose, mas Elphaba a interrompeu e disse: “A senhora quer dizer Ovelhas? Uma Vaca? Quer dizer Animais?”

“Animais de propriedade inteiramente minha”, a idosa respondeu, or­gulhosamente.

“Como é que a senhora pode ser dona de Animais?”, Elphaba perguntou, e cerrou os dentes. “Os Animais agora são bens móveis na terra de Munchkin?”

“Elfinha, por favor”, disse Nessarose, surdamente.

“O que fará para libertá-los?”, cobrou Elfinha, passionalmente.

“Eu já disse. Faça alguma coisa no caso desse lenhador.”

“O que a senhora quer que eu faça?”, interrompeu Nessarose, desgostosa por sua irmã estar usurpando seu papel de arbitra da justiça.

“Eu lhe trouxe o machado dele. Pensei que você poderia enfeitiçá-lo e fazer com que o matasse.”

“Que vergonha!”, disse Elphaba, mas Nessarose disse: “Oh, bem, isso não seria muito bom.”

“Muito bom?”, Elfinha disse. “Isso não seria muito bom de jeito ne­nhum, Nessinha.”

“Bem, você é quem define a justiça por aqui”, disse a idosa, resoluta­mente. “O que sugere?”

“Eu poderia enfeitiçar seu machado e fazê-lo escorregar”, disse Nessaro­se refletidamente, “só o bastante para cortar seu braço. Eu sei por experiência própria que uma pessoa sem um braço não é tão desejável para o sexo oposto quanto uma que tenha os dois.”

“Acho que dá”, disse a idosa, “mas, se isso não funcionar, voltarei aqui e você fará mais, pelo mesmo preço. Ovelhas e uma Vaca não saem baratas por aqui, como sabe.”

“Nessarose, você não é uma bruxa, não, não acredito nisso”, disse Elpha­ba. “Você não faz feitiços, de modo algum!”

“A pessoa virtuosa pode fazer milagres em nome do Deus Inominável”, disse Nessarose calmamente. “Mostre-me esse machado, se você o trouxe.”

A idosa estendeu um machado de lenhador, e Nessarose se ajoelhou perto dele, como se estivesse rezando. Era uma coisa estranha, até arrepiante, ver o delgado corpo desprovido de braços conseguir se projetar, sem amparo e fora de equilíbrio, e depois, com o feitiço já realizado, ser capaz de se en­direitar sozinho. Isso é por obra de certos sapatos, pensou Elfinha, discreta e amargamente. Glinda tem algum poder, por todo o seu deslumbramento social, ou talvez o poder provenha do amor de nosso pai por Nessinha. Ou uma mistura dos dois. E se Nessarose não estiver soprando areia nos olhos dessa velha trabalhadora, ela se tornou uma feiticeira também, seja qual for o nome que der a isso.

“Você é uma bruxa”, disse Elphaba novamente; não conseguiu calar-se. Talvez fosse um erro, já que a mulher idosa estava acabando de agradecer a Nessarose por seus esforços. “Trarei os Animais do estábulo”, ela disse. “Estão acorrentados na cidade”.

“Animais! Acorrentados!”, exclamou Elfinha, fervendo.

“Obrigado, Senhora Eminência”, disse a idosa. “A Eminência do Leste. Ou devo chamá-la de a Bruxa do Leste?” Ela riu com todos os dentes, tendo conse­guido o que queria, e saiu pela porta carregando o machado enfeitiçado sobre seu ombro do mesmo jeito que um jovem lenhador todo desenvolto faria.

Elas não conseguiram ficar sozinhas novamente por mais algum tempo. Elphaba foi então fazer uma ronda em torno do estábulo e dos abrigos até que encontrou um ajudante que pôde conduzi-la até as duas Ovelhas e a Vaca. Estavam num cercado com palha limpa, cada uma olhando para um canto diferente, ruminando abstrações.

“Vocês são os novos Animais, trazidos para cá por aquela velha diaba vingativa”, disse Elphaba. A Vaca olhava, confusa, como se estivesse desacos­tumada a ter quem lhe dirigisse a palavra. As Ovelhas não deram sinal de haver entendido.

“Que tipo de carne é a sua?”, disse a Vaca, com humor negro.

“Tenho vivido no Vinkus”, disse Elfinha. “Não há muitos Animais por lá. Uma vez fui agitadora no movimento popular pelos Direitos Animais ― eu não sei realmente como as coisas andam para os Animais munchkineses agora. O que vocês podem me dizer?”

“Posso lhe dizer para ir se meter com a própria vida”, disse a Vaca.

“E as Ovelhas?”

“Essas Ovelhas não podem lhe dizer nada, ficaram mudas.”

“Elas são ― ovelhas comuns? Isso acontece?”

“Fala-se de humanos que viram legumes ― ou nozes ― ou mesmo frutas”, disse a Vaca, “mas não querem dizer isso literalmente. As Ovelhas não viram ovelhas, elas viram Ovelhas mudas. Aliás, nem precisam ser discutidas aqui, já que não estão nem ouvindo.”

“Claro. Peço desculpas”, ela disse às Ovelhas, uma das quais piscou de modo funesto. À Vaca ela acrescentou: “Eu preferiria chamá-la pelo seu nome.”

“Desisti de usar meu nome em público”, disse a Vaca. “Não posso me arvorar a ter direitos individuais o bastante para ter um nome próprio. Re­servo-o para uso privado.”

“Eu entendo isso”, disse Elphaba. “Eu sinto o mesmo. Eu sou apenas a Bruxa agora.”

“Sua Eminência em pessoa?” Um fio viscoso de cuspe pingou do queixo da Vaca. “Fico lisonjeada. Não sabia que você chamava a si mesma de Bruxa, eu pensei que era apenas um desprezível apelido que se dizia pelas costas. A Bruxa do Leste.”

“Bem, não. Eu sou a irmã dela. Eu poderei ser a Bruxa do Oeste, se você achar melhor.” Ela sorriu. “Na verdade, eu não sabia que ela era tão depreciada.”

A Vaca tinha cometido uma gafe. “Asseguro que não quis desrespeitar a sua família”, ela disse. “Eu deveria ficar com a minha boca fechada e me concentrar em minha ruminação. O fato é que estou chocada ― ser vendida em troca de um feitiço de bruxa! Não há nada de errado com aquele lenhador ― oh, eu tenho ouvidos, eu tenho, embora eles se esquecem ― e a idéia de um simplório de bom coração como Nick Chopper ser ferido por um feitiço de bruxa ― sendo eu parte do custo da troca ― bem, é difícil imaginar como alguém poderia cair tão baixo na vida.”

“Eu vim para libertar vocês”, Elfinha disse.

“Com autoridade de quem?”, a Vaca bufou, desconfiada.

“Eu lhe disse, sou irmã da Eminente Thropp ― a Eminência do Leste.” Ela se corrigiu: “A Bruxa do Leste. É a minha prerrogativa aqui.”

“E livres para irmos para onde? Para fazermos o quê?”, disse a Vaca. “Iríamos daqui para o Monte de Estrume de Baixo e seríamos atreladas no­vamente. Sujeitas à escravidão sob o governo do Mágico, e a catecismos sob o poder da Eminente Thropp! Nós não nos misturamos com esses pequeninos e rastejantes munchkineses humanos.”

“Você ficou um pouco melancólica”, disse Elphaba.


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