Esses estranhos Homens deveriam ficar muito satisfeitos por serem julgados mais maldosos dó que realmente são



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Galinda ficava aliviada por Elphaba nunca participar das saídas que as Amas organizavam. Desde que passou a parar freqüentemente num refeitório para uma refeição modesta, a brigada semanal ficou informalmente conhecida como a Sociedade do Comer e Marchar. O distrito universitário se inflamava pela cor do outono, que vinha não apenas das folhas secas, mas também das bandeirolas das fraternidades, que se agitavam nos topos de telhados e torres.

Galinda se embebia da arquitetura de Shiz. Aqui e ali, na maior parte em pátios fechados de colégios e ruas laterais, a mais velha arquitetura doméstica sobrevivente ainda se mantinha, a antiga taipa e as estruturas ex-postas de barrote se erguendo como avós paralíticos amparados por parentes mais jovens e mais robustos de ambos os lados. Então, em estonteante sucessão, em incomparáveis glórias: o Pedra de Sangue Medieval, o Mértico (tanto o mais antigo quanto o mais fantástico recente), o Gallantine com suas simetrias c restrições, o Gallantine Reformado com todas aquelas ogivas volumosas e frontões triangulares quebrados, o Pedra Azul Revivido, o Bombástico Imperial, e o Moderno Industrial, ou, como os críticos da imprensa liberal denominavam, o Estilo Cru Altamente Hostil, a forma propagada pelo modernizado Mágico de Oz.

Além da arquitetura, a excitação era moderada, para falar a verdade. Numa ocasião notável, que nenhuma jovem de Crage Hall presente jamais esquecera, os rapazes decanos do Colégio Três Rainhas além do canal, por farra e ousadia, tinham enchido a cara de cerveja no meio da tarde, contratado um Urso Branco violinista, e descido para dançar juntos debaixo dos salgueiros, usando nada além de suas apertadas ceroulas de algodão e seus cachecóis escolares. Foi deliciosamente pagão, já que tinham colocado uma velha estátua de madeira lascada de Lurline a Rainha das Fadas num banco de três pés, e ela parecia sorrir para a algazarra de corpos liberados. As jovens e as Amas fingiram ficar chocadas, mas sem convicção; elas se demoraram ali, observando, até que inspetores horrorizados do Três Rainhas vieram correndo para cercar os festeiros. Seminudez era uma coisa, mas lurlinismo público ― mesmo por brincadeira ― chegava a ser intoleravelmente retrógrado, até monárquico. E isso não era permitido no reinado do Mágico.

Numa noite de sábado, quando as Amas tiveram uma rara folga e saíram para um encontro de fé no prazer no Ticknor Circus, Galinda teve uma breve e boba discussão com Pfanee e Shenshen, depois da qual se re-tirou para seu dormitório, reclamando de uma dor de cabeça. Elphaba estava sentada na cama, enrolada em seu cobertor marrom de comissário. Ela estava inclinada sobre um livro, como de hábito, e seus cabelos pendiam como pequenos pedestais dos dois lados de seu rosto. Ela parecia a Galinda uma daquelas águas-fortes ― os livros de história natural estavam cheios delas ― de excêntricas mulheres winkies das montanhas que escondiam sua estranheza com um xale sobre a cabeça. Elphaba estava mascando as sementes de uma maçã, tendo comido todo o resto dela. “Bem, você parece bem acomodada, Senhorita Elphaba”, disse Galinda, desafiadoramente. Em três meses essa era a primeira observação que ela dirigia à sua companheira de quarto.

“Aparências são só aparências”, disse Elphaba, sem olhar para ela.

“Atrapalharia a sua concentração eu me sentar perto da lareira?”

“Você vai fazer sombra, se ficar ali.”

“Oh, lamento”, disse Galinda, e se mudou. “Não devemos fazer sombras, não é, quando palavras urgentes clamam por ser lidas?”

Elphaba já tinha voltado a ler, e não respondeu.

“Que diacho você está lendo, noite e dia?”

Era como se Elphaba estivesse emergindo do fundo de um plácido e isolado laguinho para tomar um pouco de ar. “Quando eu não leio a mesma coisa todo dia, você sabe, de noite fico lendo alguns dos sermões dos antigos pastores unionistas.”

“Por que alguém no mundo iria querer fazer isso?”

“Não sei. Eu nem mesmo sei se quero lê-los. Fico apenas lendo.”

“Mas, por quê? Senhorita Elphaba a Delirante, por que, por quê?”

Elphaba olhou para Galinda e sorriu. “Elphaba a Delirante. Gostei.”

Antes que ela tivesse tempo de preparar uma réplica, Galinda devolveu o sorriso, e ao mesmo tempo um vento furioso soprou granizo sobre o vidro da janela, e o trinco quebrou. Galinda pulou para fechar o caixilho, mas Elphaba correu apressada para o canto extremo do quarto, fugindo da umidade. “Dê-me o fecho do meu bagageiro de couro, Senhorita Elphaba, que está dentro da minha bolsa de escola ― lá na prateleira, atrás das caixas de chapéu ― sim ― e eu vou prender aqui até que possamos chamar o porteiro para vir consertar amanhã.” Elphaba achou a tira, mas, ao fazer isso, as caixas de chapéu despencaram, e três chapéus coloridos rolaram pelo chão frio. Enquanto Galinda subia, atrapalhada, numa cadeira, para manter a janela fechada novamente, Elphaba devolvia os chapéus às suas caixas. “Oh, experimente um, experimente”, disse Galinda. Ela queria era ter alguma coisa da qual dar risada, algo para contar às Senhoritas Pfanee e Shenshen, achando assim um caminho de volta às suas boas graças.

“Oh, não tenho coragem, Senhorita Galinda”, Elphaba disse, e foi pôr o chapéu à parte. “Não, experimente, eu insisto”, Galinda disse, “só por farra. Eu nunca a vi usando nada bonito.”

“Eu não uso coisas bonitas.”

“Qual é o problema?”, disse Galinda. “Vai ser só aqui. Ninguém mais precisa ver você.”

Elphaba ficou olhando para o fogo, mas virava a cabeça até os ombros para olhar longa e fixamente em Galinda, que ainda não tinha pulado da cadeira. A munchkinesa estava de camisola, um saco pardacento sem nenhum auxílio de borda rendada ou fitinhas. O rosto verde acima do tecido cinza-trigo parecia quase brilhar, e o glorioso cabelo negro longo e escorrido caía bem sobre onde os seios deveriam estar, se ela fosse de re-velar qualquer evidência de que os possuía.

Elphaba se parecia com alguma coisa entre um animal e um Animal, como alguma coisa maior que a vida, mas não propriamente Vida. Havia uma expectativa, mas nenhuma intuição, era isso? ― como uma criança que nunca se lembrasse de haver tido um sonho ouvindo agora alguém lhe desejar que tivesse bons sonhos. Era uma coisa que se poderia quase chamar de não-refinada, mas não num sentido social ― mais num sentido de a natureza não ter completado seu trabalho com Elphaba, não ter-se esforçado completamente para torná-la parecida o bastante consigo mesma.

“Oh, ponha o danado do chapéu, realmente”, disse Galinda, para quem, quando o assunto era introspecção, o bastante era o bastante.

Elphaba concordou. A coisa era uma adorável esfera comprada do melhor chapeleiro nas colinas de Pertha. Tinha babados cor de laranja e uma renda amarela que podia ser drapeada para atingir variados graus de disfarce. Na cabeça errada pareceria horripilante, e Galinda ansiava ter de morder seus lábios por dentro para não cair na gargalhada. Era o tipo de coisa superfeminina que os rapazes em pantomima usavam quando fingiam ser garotas.

Mas Elphaba deixou o enfeite açucarado cair em sua estranha cabeça pontuda, e olhou para Galinda outra vez por debaixo da aba larga. Ela ficou parecida a uma flor rara, sua pele como um caule em seu suave reflexo perolado, o chapéu uma excentricidade botânica. “Oh, Senhorita Elphaba”, disse Galinda, “sua terrível, você está bonita.”

“Oh, e agora você mentiu, então vá já confessar ao pastor unionista”, disse Elphaba. “Tem um espelho por aqui?”

“Claro que tem, fica lá embaixo no lavatório.”

“Não vou lá. Eu não vou querer ser vista por aquelas estúpidas usando isso.”

“Bem, então”, decidiu Galinda, “você pode achar um ângulo sem esconder a luz do fogo, e olhar em seu reflexo na janela escura?”

Ambas olharam para o verde e florido espectro refletido no velho vidro apagado, cercado pela escuridão, chacoalhado pela forte chuva lá fora. Uma folha de bordo, no formato de uma estrela com pontas rombudas, ou como um coração que crescera torto, subitamente atirado na noite e colado no reflexo no vidro, irradiando vermelho e refletindo a lareira, justamente onde o coração devia ficar ― ou assim parecia do ângulo pelo qual Galinda olhava.

“Fascinante”, ela disse. “Há alguma estranha qualidade exótica de beleza em você. Eu nunca pensei.”

“Surpresa”, disse Elphaba, e então ficou quase ruborizada, se um verde mais escuro pudesse ser tomado por rubor... “Quero dizer, surpresa, não beleza. É apenas surpresa.”

“Bem, o que você sabe?”

“Não é beleza.”

“Quem sou eu para discutir”, disse Galinda, sacudindo seus anéis e fazendo uma pose, e Elphaba até riu disso, e Galinda aderiu ao riso, em parte horrorizada enquanto o fazia. Elphaba então arrancou o chapéu, e recolocou o em sua caixa, e quando ela apanhou seu livro novamente, Galinda disse: “Então, o que é que a Beldade está lendo, afinal? Eu quero dizer, realmente, diga-me, por que os velhos sermões?”

“Meu pai é um pastor unionista”, disse Elphaba. “Eu estou apenas curiosa por saber o que significa isso, é só.”

“Por que não pergunta a ele?”

Elphaba não respondeu. Seu rosto assumiu um aspecto denso, ansioso, como o de uma coruja que estivesse pronta para apanhar um rato.

“Então, sobre o que os livros são? Alguma coisa interessante?”, disse Galinda. Não fazia sentido desistir de sua curiosidade agora, não havia nada mais a fazer e ela estava perturbada demais pela tempestade para dormir.

“Este aqui é uma reflexão sobre o bem e o mal”, disse Elphaba. “Se eles existem de fato.”

“Oh, chatice”, disse Galinda. “O mal existe, eu sei, e seu nome é Tédio, e os pastores são, dentre todos, o grupo que mais comete esse pecado.”

“Você acha isso mesmo?”

Galinda não tinha o costume de parar para considerar se acreditava ou não no que dizia; o importante era que a conversa fluísse. “Bem, eu não quis insultar seu pai, porque sei que ele é um divertido e esperto pastor.”

“Não, eu quero dizer, você acha que o mal realmente existe?”

“Bem, como vou saber o que penso?”

“Bem, pergunte a si mesma, Senhorita Galinda. O mal existe?”

“Eu não sei. Você que diga. O mal existe?”

“Não tenho esperança de saber.” O aspecto de Elphaba mudara um pouco para oblíquo e introspectivo, ou era o cabelo balançando para frente como um véu novamente?

“Por que você não pergunta a seu pai? Eu não entendo. Ele deve saber, é o trabalho dele.”

“Meu pai me ensinou bastante”, Elphaba disse lentamente. “Ele foi muito bem educado, de fato. Ele me ensinou a ler e escrever e pensar, e mais. Mas não o suficiente. Eu só acho, como nossos professores daqui, que os pastores são eficazes, bons para fazer perguntas que levam você a pensar. Não acho que eles podem ter as respostas. Não necessariamente.”

“Oh, bem, diga isso ao nosso pastor maçante em casa. Ele tem todas as respostas, e responsabilidades por elas, também.”

“Mas talvez haja alguma coisa no que você diz”, disse Elphaba. “Quero dizer, mal e aborrecimento. Mal e tédio. Mal e falta de estímulo. Mal e sangue parado.”

“Parece que você está escrevendo um poema. Por que uma garota estaria interessada no mal?”

“Eu não estou interessada nele. É apenas o assunto de que tratavam todos esses últimos sermões que li. Assim, eu penso naquilo que abordavam, só. Às vezes eles falam de dieta e não comer Animais, então, reflito sobre a coisa. Eu apenas gosto de refletir sobre o que leio. Você não?”

“Eu não leio muito bem. Assim, não acho que penso muito bem tampouco.” Galinda sorriu. “Apesar disso, me visto para arrasar.”

Não houve reação de Elphaba. Galinda, habitualmente satisfeita por saber o modo correto de conduzir toda conversa para um louvor a ela mesma, estava confusa, sem saber o que dizer. Ela mal e mal arriscou, irritada por ter de fazer um esforço. “Bem, que diabos aqueles velhos grosseiros pensavam sobre o mal, então?”

“É difícil dizer com exatidão. Eles pareciam obcecados por localizá-lo em alguma parte. Quero dizer, uma nascente má nas montanhas, uma fumaça ruim, sangue ruim nas veias indo de pai a filho. Eles se pareciam com os pioneiros exploradores de Oz, exceto que os mapas que faziam eram de substância invisível, muito incoerentes um com o outro.”

“E onde está localizado o mal?” Galinda perguntou, afundando em sua cama e fechando os olhos.

“Bem, eles não chegavam a um acordo, chegavam? Ou senão por que teriam de escrever sermões discutindo a respeito? Alguns diziam que o mal original era o vácuo causado pelo fato de a Rainha Fada Lurline haver abandonado o ser humano. Quando o bem se afasta, o espaço que ele ocupa se corrói e se transforma em mal, e talvez se pulverize e multiplique. De modo que toda coisa ruim se tornará um sinal da ausência da deusa.”

“Bem, eu não identificaria uma coisa ruim se ela caísse sobre mim”, disse Galinda.

“Os primeiros unionistas, que eram em grande parte mais lurlinistas que os unionistas de hoje, argumentavam que algum invisível foco de corrupção flutuava ao redor de suas moradas, um descendente direto da dor que o mundo sentiu quando Lurline se afastou. Como uma golfada de ar frio numa plácida noite quente. Uma alma perfeitamente cordial poderia apanhá-la ao andar e ficar infectada, e então ir matar um vizinho. Mas, então, seria falta sua se você estivesse andando por acaso no meio desse ar ruim? Se você não pudesse percebê-lo? Nunca houve um só conselho de unionistas que decidisse a questão de um modo ou de outro, e hoje em dia tanta gente nem mesmo acredita em Lurline.”

“Mas eles acreditam no mal ainda”, disse Galinda com um bocejo. “Não é engraçado, a deusa está ultrapassada, mas os atributos e implicações da deusa permanecem...”

“Você está pensando!”, Elphaba gritou. Galinda ergueu-se nos cotovelos, afetada pelo entusiasmo na voz de sua companheira de quarto.

“Eu estou a ponto de dormir, porque isso é profundamente maçante para mim”, Galinda disse, mas Elphaba estava rindo de orelha a orelha.
* * *
Pela manhã Ama Clutch regalou as duas com histórias da noite que passara fora. Havia uma jovem bruxa talentosa vestindo nada exceto roupas de baixo rosa-choque, enfeitadas com plumas e contas. Ela cantou canções para a platéia e recolheu dos ruborizados homens não-graduados das mesas próximas vales-refeição, que colocou nas dobras de seus seios. Fez um pouco de mágica doméstica, transformando água em suco de laranja, transformando repolhos em cenouras, e perseguindo e matando um aterrorizado porquinho, que esguichou champanhe em vez de sangue. A platéia toda tomou um golinho. Um terrível homem gordo e barbudo perseguiu a bruxa como se quisesse beijá-la ― oh, a coisa foi cômica demais, cômica demais! No fim, o elenco inteiro e a platéia juntos ficaram em pé e cantaram “O que Não Permitimos em Públicos Lugares (Na Verdade Está à Venda nas Bancas Mais Vulgares”). As Amas tiveram uma diversão fora do comum, todas.

“Realmente”, disse Galinda, torcendo o nariz. “A fé no prazer é tão ― tão comum.”

“Mas vejo que a janela quebrou”, disse Ama Clutch. “Espero que não tenham sido os garotos tentando entrar.”

“Ficou louca?”, disse Galinda. “Naquela tempestade?”

“Que tempestade?”, disse Ama Clutch. “Isso não faz sentido. A noite passada foi calma como um raio de lua.”

“Hah, isso é efeito de algum show”, disse Galinda. “Você foi tão contagiada pela fé no prazer que perdeu o juízo, Ama Clutch.” Desceram juntas para o desjejum, deixando Elphaba ainda dormindo, ou talvez fingindo que dormia. Apesar disso, enquanto caminhavam juntas pelos corredores, o sol através das amplas janelas fazendo faixas de luz nos pisos de ardósia fria, Galinda pensou seriamente no capricho do tempo. Seria mesmo possível para uma tempestade despencar numa parte da cidade e ignorar outra? Havia tanta coisa nesse mundo que ela não sabia.


“Ela não fez nada além de papear sobre o mal”, disse Galinda às suas amigas, ignorando os biscoitinhos amanteigados recheados com geléia de pé de charrua. “Alguma torneira lá por dentro foi aberta, e a conversa fiada jorrou dela. E, meninas, quando ela experimentou o meu chapéu, eu quase morri. Ela parecia a tia solteirona de alguém que tivesse retornado do túmulo, quero dizer, tão desmazelada como uma Vaca. Suportei a coisa só por vocês, para que pudesse lhes contar tudo; não fosse assim, eu teria morrido de rir ali mesmo. Foi demais!”

“Pobrezinha de você, ter de ser nossa espiã e suportar o vexame daquela coleguinha gafanhoto!”, disse Pfanee devotamente, apertando a mão de Galinda. “Você é boa demais!”

3
Numa noite ― a primeira noite de neve ― Madame Morrible realizou um sarau poético. Rapazes do Três Rainhas e Torres de Ozma foram convidados. Galinda desfilou seu roupão de seda vermelho-claro com o xale e os chinelos combinando e um leque gillikinês que recebera de herança, pintado com um desenho de samambaia e fênix. Ela chegou adiantada para pegar a cadeira estofada que melhor realçaria seu traje, e arrastou a cadeira até a altura das prateleiras de livros de modo que a luz das velas da biblioteca incidisse suavemente sobre ela. O resto das jovens ― não apenas as calouras, mas as secundanistas e as decanas ― entraram num grupo sussurrante e acomodaram-se em sofás e divas da mais bela sala de visitas de Crage Hall. Os rapazes que vieram eram um pouco decepcionantes; não eram tantos, e pareciam aterrorizados, ou davam risadinhas tolas uns para os outros. Então os professores e doutores chegaram, não apenas os Animais de Crage Hall, mas os professores dos rapazes também, que eram na maior parte humanos. As garotas começaram a ficar alegres por terem-se vestido bem, pois, enquanto os rapazes eram uma mancha indistinta, os professores exibiam solenes e charmosos sorrisos.

Mesmo algumas das Amas vieram, embora tenham ficado atrás de um biombo ao fundo da sala. O som de suas agulhas de tricotar trabalhando em ritmo rápido era tranqüilizador para Galinda, de certo modo. Ela sabia que Ama Clutch lá estava.

As portas duplas no fim da sala de visitas foram escancaradas por aquele pequeno caranguejo de bronze industrial que Galinda havia conhecido na sua primeira noite em Crage Hall. Tinha sido especialmente equipado para a ocasião; o odor cortante do polimento de metal podia ser detectado. Madame Morrible então fez uma entrada, severa e impressionante em um manto preto-carvão, que ela deixava cair até o chão (a coisinha o recolhia e lançava sobre um sofá de retaguarda); seu roupão era de um laranja flamejante, com cascas de caramujo do lago alinhavadas no conjunto. A despeito de si mesma, Galinda tinha de admirar o efeito. Em tons ainda mais untuosos que o habitual, Madame Morrible saudava as visitas e liderava polidos aplausos ao conceito da Poesia e Seus Civilizados Efeitos.

Então ela falou da nova forma de verso que vinha fazendo furor nos salões finos e nos antros de Shiz. “É conhecido como o Brando”, disse Madame Morrible, em seu sorriso de Diretora, que exibia uma impressionante fileira de dentes. “O Brando é um poema curto, de natureza enaltecedora. Ele emparelha uma seqüência de trinta linhas curtas, tendo como ar-remate um apotegma sem rima. A graça do poema está na revelação do contraste entre o argumento da rima e o dito do arremate. Por vezes eles podem se contradizer, mas sempre iluminam e, como toda poesia, santificam a vida.” Ela estava radiante como um farol na neblina. “Nesta noite, especialmente, um Brando pode servir como um anódino para os desagradáveis tumultos que soubemos que vêm acontecendo na capital da nação.” Os rapazes ficaram no mínimo alarmados, e todos os professores compreenderam, embora Galinda não tivesse conseguido notar em nenhuma das garotas uma percepção do que fosse “desagradáveis tumultos”. Madame Morrible estava jogando conversa fora.

Uma jovem do terceiro ano improvisou alguns acordes estridentes num teclado de cordas de martelo, e os convidados limparam suas gargantas e olharam para os sapatos. Galinda viu Elphaba chegando lá no fundo da sala, vestida com seu displicente traje vermelho de hábito, dois livros sob o braço e um lenço enrolado na cabeça. Ela afundou na última cadeira vazia, e mordeu uma maçã bem quando Madame Morrible estava tomando fôlego solenemente para começar.


Canta um hino à retidão.

Arrojada multidão.

Vai em grato rastejar

A atitude aprimorar.

Elevando o nosso bem,

Sermos só irmãos convém

Celebremos autoridade,

Fraternal comunidade

Unidos, restringiremos

O mal que em liberdade temos.

Nada há tão luminoso

Quanto o Poder generoso

Reprimindo o desastroso.

Desça o porrete e eleve a criança.
Madame Morrible abaixou sua cabeça para deixar claro que terminava. Houve um surdo rumor de comentários indistintos. Galinda, que não sabia muito de poesia, pensou que essa talvez fosse a maneira habitual de apreciá-la. Ela deu alguns resmungos para Shenshen, que se sentava numa cadeira de espaldar reto ao seu lado, com um ar hidrópico. A cera da vela comprida estava caindo no roupão branco de ombreiras de seda com dobras de chiffon verde-limão que ela usava, e o arruinaria, era quase certo, mas Galinda concluiu que a família de Shenshen tinha recursos para comprar outro para a amiga. Ficou impassível.

“Mais um”, disse Madame Morrible. “Mais um Brando.”

A sala ficou em silêncio, mas não estaria um pouco incomodada?
Ai! Punir a impropriedade

Com a guilhotina da piedade.

Para sanar a sociedade

Não aderir à saciedade

Em abusada felicidade.

Escolhe a sã sobriedade.

Age como se a divindade

Viesse em mistério e majestade

Saudada com sonoridade.

Deixa tua história especial

Erguer-se em forma comunal

Cujas virtudes exemplos dão

E os Bens Sociais só crescerão.

Os animais devem ser vistos e não ouvidos.
Novamente, houve rumor, mas era de uma natureza diferente agora, numa clave mais agressiva. O Doutor Dillamond pigarreou e bateu o casco fendido no chão, e foi ouvido a dizer: “Bem, isso não é poesia, é propaganda, e nem boa propaganda chega a ser”.

Elphaba foi para o lado de Galinda com sua cadeira sob o braço, e deixou-a cair entre Galinda e Shenshen. Encostou seu esqueleto às ripas do assento e se inclinou para Galinda e perguntou: “O que vocês acham disso?”

Era a primeira vez que Elphaba dirigia a palavra a Galinda em público. A mortificação brotou. “Eu não sei”, ela disse debilmente, olhando para outra direção.

“É uma perfídia, não é?”, disse Elphaba. “Quero dizer aquela última linha, você não poderia perceber por aquele tom elegante se a referência era aos Animais ou aos animais. Não admira o Doutor Dillamond estar furioso.”

E ele estava. O Doutor Dillamond olhava para toda a sala como se tentasse organizar a oposição. “Estou chocado, chocado”, ele disse. “Profundamente chocado”, emendou, e marchou para fora da sala. O professor Lenx, o javali que ensinava matemática, também saiu, chocando-se acidentalmente com um antigo aparador dourado ao tentar evitar pisar na cauda de renda amarela da Senhorita Milla. O Senhor Mikko, o macaco que ensinava história, se sentou desconsoladamente nas sombras, confuso e ferido demais em seu bem-estar para esboçar um movimento. “Bem”, disse Madame Morrible num tom carregado, “é previsível que a poesia, se for Poesia, incomode. É o Direito da Arte.”

“Eu acho que ela é pirada”, disse Elphaba. Galinda achou isso horrível demais. O que aconteceria se algum dos garotos cheios de espinhas visse Elphaba cochichando para ela? Ela nunca ergueria a cabeça em sociedade outra vez. Sua vida estava arruinada. “Shh, estou escutando, eu amo poesia”, Galinda lhe falou severamente. “Não converse comigo, você está arruinando a minha noite.”

Elphaba recuou, e terminou sua maçã, e ambas ficaram escutando. Os rumores e murmúrios aumentavam ao fim de cada poema, e os rapazes e garotas começaram a relaxar e olhar em volta uns para os outros.


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