Esses estranhos Homens deveriam ficar muito satisfeitos por serem julgados mais maldosos dó que realmente são



Yüklə 1,82 Mb.
səhifə5/37
tarix27.07.2018
ölçüsü1,82 Mb.
#59874
1   2   3   4   5   6   7   8   9   ...   37

“Ela não é mais a Rainha?”, perguntou Coração de Tartaruga, confuso.

“Ela morreu num acidente infeliz envolvendo veneno de rato”, disse Frex.

“Morreu”, disse a Babá, “ou seu espírito foi de encontro ao de sua filha, Ozma Tippetarius.”

“A Ozma atual tem a mesma idade de Elphaba”, disse Melena, “assim, seu pai, Pastorius, é o Regente Ozma. O bom homem vai reinar até que Ozma Tippetarius tenha idade suficiente para assumir o trono.”

Coração de Tartaruga balançou a cabeça. Frex estava aborrecido porque tinham passado tempo demais conversando sobre o governo temporal e ignorado o reino eterno, e a Babá foi atacada por uma indigestão a qual todos lamentaram, para falar em termos olfativos.

De qualquer modo, mesmo estando irritado, Frex estava feliz por estar em casa. Por causa da beleza de Melena ― nessa noite, ela estava tão luminosa quanto o sol que deixava o céu ― e por causa da surpresa da presença de Coração de Tartaruga, sorrindo e sem autoconsciência perto dele. Talvez por causa do vácuo religioso de Coração de Tartaruga, que Frex considerava desafiador e atraente, quase tentador.

“Então há o dragão embaixo de Oz, numa caverna escondida”, a Babá estava dizendo para Coração de Tartaruga. “O dragão que sonhou este mundo, e que vai atear fogo nele quando despertar...”

“Pára com essa baboseira supersticiosa!”, gritou Frex.

Elphaba, de quatro pés, avançava pelas tábuas irregulares do assoalho. Ela arreganhava os dentes ― como se soubesse o que era um dragão, como se fingisse ser um ― e rugia. Sua pele verde a tornava ainda mais convincente, como se ela fosse uma filha de dragão. Ela rugiu novamente ― “Oh, querida, não”, disse Frex ― e fez xixi no chão, e cheirou sua urina com satisfação e repulsa.




BRINCADEIRA DE CRIANÇA

Numa tarde indo para o fim do verão, a Babá disse: “Um animal se aproxima. Eu o vi na penumbra várias vezes, escondido nas samambaias. Que espécie de criaturas são nativas dessas colinas, afinal?”.

“Você não vai achar nada maior que um geômio”, disse Melena. Elas estavam na beira do riacho, lavando roupa. A umidade da pequena prima-vera cessara havia tempo, e a seca outra vez pousava sua mão avara sobre a região. A corrente era apenas um magro fio de água. Elphaba, que não chegava perto da água, estava despindo um pé de pêra selvagem de sua safra mirrada. Ela se agarrava ao tronco com suas mãos e pés virados para fora, e erguia a cabeça, apanhando a fruta azeda com seus dentes, e então cuspia as sementes e o pedúnculo no chão.

“Esse a que me refiro é maior que um geômio”, disse a Babá. “Creia em mim. Vocês não têm ursos, não? Bem que podia ter sido um filhote de urso, embora se movesse com grande rapidez.”

“Não há ursos por aqui. Há boatos de que existem tigres da rocha no topo das colinas, mas me dizem que nenhum foi avistado em eras. E tigres da rocha são notoriamente ariscos e tímidos. Eles não se aproximam das moradas humanas.”

“Um lobo então? Não há lobos?” A Babá deixou o lençol cair na água. “Podia ter sido um lobo.”

“Bá, a senhora pensa que está no deserto. Pedras do Caminho é desolada, concordo, mas é domesticada e improdutiva para tudo isso. A senhora está me alarmando com sua conversa sobre lobo e tigre.”

Elphaba, que ainda não falava, fazia um rosnado surdo na cavidade de sua garganta.

“Não gosto disso”, disse a Babá. “Vamos parar e secar essas coisas lá na casa. Já bastou. Além disso, há outras coisas que eu quero lhe dizer. Vamos dar a criança para Coração de Tartaruga cuidar e ir para outro lugar.” Ela estremeceu. “Outro lugar mais seguro.”

“O que a senhora tem a dizer, pode dizer ao alcance de Elphaba”, disse Melena. “A senhora sabe que ela não entende uma só palavra.”

“Você confunde não falar com não ouvir”, disse a Babá. “Eu acho que ela entende plenamente.”

“Olhe, ela está lambuzando o pescoço com fruta, como se fosse uma colônia...”

“Como uma pintura de guerra, você quer dizer.”

“Oh, Bá teimosa, pare de ser boba e esfregue melhor esses lençóis. Estão imundos.”

“Eu nem preciso perguntar de quem é esse suor e esse vazamento...”

“Oh, não, a senhora não precisa perguntar, mas não venha me passar sermão...”

“Mas você sabe que Frex vai notar mais cedo ou mais tarde. Essas vigorosas sonecas da tarde que você tira ― bem, você sempre teve uma quedinha para o sujeito bem servido de salsicha e ovos cozidos...”

“Bá, vamos, isso não é de sua conta.”

“Tanto pior”, disse a Babá, suspirando. “Envelhecer não é mesmo uma tapeação cruel? Eu trocaria minhas tão penosamente conquistadas pérolas da sabedoria por uma boa brincadeirinha com o Tio Pau de Bandeira algum dia.”

Melena, de mão cheia, atirou água no rosto da Babá para fazê-la calar. Ela cegou e disse: “Bem, é seu terreno, plante nele o que escolher e colha o que resultar. Estou querendo é falar da criança, afinal”.

A menina estava agora acocorada atrás do pé de pêra, olhos apertados e fixos em alguma coisa a distância. Ela se parecia com uma esfinge, com uma besta mitológica de pedra, pensou Melena. Uma mosca chegou a pousar em seu rosto e caminhou sobre a ponta de seu nariz, e ela não se encolheu ou contorceu. Então, subitamente, saltou em direção a um objeto preciso, como um gato verde nu perseguindo uma borboleta invisível.

“Que a senhora quer dizer sobre ela?”

“Melena, ela precisa se acostumar com outras crianças. Ela começará a falar um pouquinho se vir que as outras crias estão falando.”

“Conversa entre crianças é um conceito superestimado.”

“Não seja precipitada. Você sabe que ela precisa se acostumar a outras pessoas que não nós. Ela nunca terá vida fácil por causa disso, a menos que se livre da pele verde conforme for crescendo. Ela precisa dos hábitos de conversação. Olhe, eu lhe dou tarefinhas para fazer, eu gorjeio cantigas infantis para ela. Melena, por que ela não responde como as outras crianças?”

“Ela é chata. Há crianças assim.”

“Ela devia ter seus bonecos para brincar. O senso de divertimento deles poderia contagiá-la.”

“Francamente, Frex não espera que uma filha dele se interesse por divertimento”, disse Melena. “O divertimento é levado a sério demais neste mundo, Bá. Eu concordo com ele nesse ponto.”

“Então, as suas enroscadas com Coração de Tartaruga são o quê: práticas de exercícios devocionais?”

“Eu lhe disse para não ser traiçoeira, por favor!” Melena fixava a atenção na toalha, batendo-a com aborrecimento. A Babá continuava com o assunto; ela tinha alguma coisa em mente. E havia posto o dedo na ferida, pois sob essa ferida se movimentava Coração de Tartaruga, entrando pelas sombras frias da casa quando Melena estava cansada de uma manhã de trabalho na horta. Ele a cobria com um senso de dever sagrado, e quando os dois tombavam ofegantes nos lençóis da cama, ela não atirava de lado apenas as roupas de baixo. Ela perdia seu senso de vergonha.

Sabia que a coisa não seguia a razão convencional. Apesar disso, se um tribunal de pastores unionistas a convocasse para um julgamento por adultério, ela contaria a verdade. De algum modo Coração de Tartaruga a salvara e restaurara seu senso de graça, de esperança no mundo. Sua crença na benevolência das coisas havia se espatifado quando a pequena e verde Elphaba virará um ser. A criança era uma punição extravagante por um pecado tão pequeno que ela nem mesmo sabia se o havia cometido.

Não fora o sexo que a salvara, embora o sexo fosse vigoroso, até assustador. O que a salvara foi Coração de Tartaruga não ter ficado corado quando Frex aparecera, foi ele não recuar diante da bestial pequena Elphaba. Ele se estabelecera no quintal ao lado, soprando vidro e labutando, como se a vida o tivesse trazido ali só para redimir Melena. Qualquer outro lugar para onde ele estivesse indo ficara esquecido.

“Muito bem, sua velha vaca intrometida”, disse Melena. “Em matéria de argumento, o que a senhora propõe?”

“Devemos levar Elfinha para Margens Agitadas e encontrar algumas crianças pequenas para brincar com ela.”

Melena caiu das pernas. “Mas a senhora deve estar brincando!”, ela gritou. “Lerda e deliberada como Elphaba é, aqui pelo menos está protegida! Eu posso não ser capaz de dar muito calor maternal, mas eu a alimento, Bá, e eu a impeço de ferir-se! Que cruel, impor o mundo exterior a ela! Uma criança verde será um convite aberto ao desprezo e a maus-tratos. E as crianças são mais malvadas que os adultos, elas não têm senso de restrição. Com esse raciocínio, seria o mesmo que jogá-la no lago, de que ela tem tanto medo.”

“Não, não, não”, disse a Babá, pondo suas mãos gordas sobre seus próprios joelhos; sua voz estava densa de determinação. “Agora eu vou discutir com você sobre isso, Melena, até que você ceda. O tempo, com sua sabedoria, vai aproximar você de meu modo de pensar. Me escute. Me escute. Você é apenas uma garotinha rica e mimada que saltou de aulas de música para aulas de dança com crianças da vizinhança igualmente riquinhas e estúpidas. É claro que há crueldade neste mundo.. Mas Elphaba deve aprender quem ela é e deve encarar a crueldade bem cedo. E haverá menos crueldade do que você pensa.”

“Não banque a Babá Santa comigo. Eu não vou entrar nessa.”

“A Babá não vai desistir”, disse ela, com a mesma ferocidade. “Tenho uma visão de longo alcance de sua felicidade bem como da dela, e creia, se você não lhe der as armas e armaduras com as quais se defender do desprezo, ela tornará sua vida tão infeliz como a dela infalivelmente será.”

“E ela aprenderá a ter armas e armaduras com os sujos diabretes de Margens Agitadas?”

“Zombaria. Divertimento. Caçoada. Sorriso.”

“Ora, por favor.”

“Eu não estou longe de chantagear você para esse fim, Melena”, disse a Babá. “Eu posso dar um pulo a Margens Agitadas nesta tarde e descobrir onde Frex está realizando a sua reunião de retorno e sussurrar umas palavrinhas a ele. Enquanto Frex estiver ocupado tentando despertar o ardor religioso dos preguiçosos de Margens Agitadas, será que não ficará interessado em saber o que sua esposa está fazendo com Coração de Tartaruga?”

“Você é uma miserável diaba velha! Você é uma vilã repulsiva e desleal!”, gritou Melena.

A Babá sorriu, orgulhosa. “Não passa de amanhã”, ela disse, “Vamos lá amanhã e faremos Elphaba começar a viver.”

Pela manhã um vento forte e implacável despencou a galope das alturas. Revolveu as velhas folhas e os restos das colheitas malogradas e dos pomares. A Babá jogou um xale sobre seus ombros redondos e pôs um gorro na cabeça. Seus olhos estavam cheios de animais pelos cantos; ela continuou se virando para ver se via algum felino furtivo ou uma raposa se dissolvendo em coágulos de folhas mortas e escombros.

A Babá achara um cajado de abrunheiro para ajudá-la a atravessar as pedras e buracos do caminho, mas ela contava estar preparada para brandi-lo contra alguma besta faminta. “A terra está seca e fria”, ela observou, quase que só para si mesma. “E tão pouca chuva! É claro que os animais selvagens sairão dos montes. Vamos caminhar juntas, nada de correr na minha frente, sua verdinha.”

Fizeram a marcha em silêncio: a Babá com medo, Melena com raiva de perder sua diversão das tardes e Elphaba como um brinquedo de corda, um pé solidamente em frente do outro. As margens do lago tinham recuado, e algumas das docas naturais eram agora caminhos sobre seixos e podridões secas, com as águas sendo empurradas para além de seu alcance.

A cabana de Gawnette era de pedra preta, com um telhado moldado de sapé. Por causa das cadeiras doentes, Gawnette não estava em forma para puxar as redes de pesca ou para se ajoelhar no trabalho nas desoladas hortas. Ela era dona de uma mistura de pequenas crianças em vários graus de nudez, de gritaria, aborrecimento e agitação, que se espalhavam num pequeno bando pelo quintal sujo. Ela olhou para a família do pastor, que se aproximava.

“Bom dia, e você deve ser Gawnette”, disse a Babá alegremente. Ela estava satisfeita por ter aberto o portão e ficado em segurança dentro do jardim, mesmo o dessa choça. “O irmão Frexpar disse que nós a encontra-ríamos aqui.”

“Doce Lurline, o que dizem é verdade!”, disse Gawnette, fazendo um sinal da cruz sobre Elphaba. “Pensei que eram mentiras maldosas, e aqui está ela!”

A criança tinha diminuído a marcha para andar. Havia ali meninos e meninas, de cara escura ou branca, todos imundos, todos ávidos por alguma novidade. Embora continuassem andando, brincando de algum jogo de resistência ou faz-de-conta, não tiravam os olhos de Elphaba.

“Você sabe que esta aqui é Melena ― claro que sabe ― e eu sou sua Babá”, disse. “Temos prazer em conhecê-la, Gawnette.” Ela deu uma olhada de esguelha para Melena e mordeu seu lábio superior, sorrindo.

“Muito prazer, sem dúvida”, disse Melena, rígida.

“E precisamos de algum conselho, pois você é bem recomendada”, disse a Babá. “A menininha tem problemas, e, por melhor que possamos pensar, não temos tido boas idéias.”

Gawnette inclinou-se um pouco mais, desconfiada.

“A criança é verde”, sussurrou a Babá confidencialmente. “Você pode não ter notado, distraída por seu encanto e sua simpatia. É claro que sabemos que o bom povo de Margens Agitadas não deixará que uma coisa dessas o incomode. Mas devido a ser verde, ela é tímida. Olhe para ela. Pequena tartaruga verde assustada. Precisamos desenvolvê-la, fazê-la feliz, e não sabemos como.”

“Ela é verde mesmo”, disse Gawnette. “Não admira o inútil irmão Frexpar ter-se afastado de sua pregação por tanto tempo!” Ela jogou sua cabeça para trás e disparou a rir rouca e grosseiramente. “E só agora tomou coragem de recomeçar! Bem, ele tem culhões de fato!”

“O irmão Frexpar”, interrompeu Melena friamente, “nos lembra as Escrituras: ‘Ninguém sabe a cor de uma alma’. Gawnette, ele sugeriu que eu lhe recordasse precisamente esse texto.”

“Não diga”, murmurou Gawnette, sentindo-se punida. “Bem, então, o que vocês querem comigo?”

“Que ela brinque, que ela aprenda, que ela venha aqui e seja orientada por você. Você sabe mais do que nós”, disse a Babá.

A astuciosa vaca velha, pensou Melena. Ela está tentando a mais rara das estratégias, contar a verdade e fazê-la parecer plausível. Elas se sentaram.

“Eu não sei se eles a aceitarão”, disse Gawnette, soltando-se um pouco. “E vocês sabem que minhas cadeiras não me deixam saltar e ir detê-los quando eles correm.”

“Veremos. E é claro que haverá alguma remuneração, um dinheirinho, Melena concorda totalmente”, disse a Babá. O pedaço de horta improdutivo tinha chamado a sua atenção. Aquilo era a pobreza. A Babá deu um empurrão em Elphaba. “Bem, vá, criança, e veja como é.”

A menina não se movia, não piscava. As crianças se aproximaram dela. Havia cinco meninos e duas meninas. “Que cãozinho feio!”, disse um dos meninos mais velhos. Ele tocou Elphaba no ombro.

“Brinque direito agora”, disse Melena, quase saltando, mas a Babá conteve a sua mão para dizer: “Fique sentada.”

“Pega, vamos pegar!”, disse o menino, “quem é a mosca verde?”

“Esta não, esta não!” As outras crianças gritaram e correram para tocar Elphaba com suas mãos, e então fugiram. Ela ficou parada por um momento, insegura, as próprias mãos pendidas e agarradas, e então correu alguns passos, e parou.

“É isso aí, exercício saudável”, disse a Babá, aprovando. “Gawnette, você é um gênio.”

“Conheço meus franguinhos”, disse Gawnette. “Não diga que eu não conheço.”

Como um rebanho, as crianças voltaram à carga, dando pegadinhas e depois se afastando, correndo, mas a menina não as seguiu. Assim, aproximaram-se dela de novo.

“É verdade que vocês tem um quadling imundo feito rã morando lá também?”, disse Gawnette. “É verdade que ele come apenas grama e esterco?”

“Que foi que disse?”, gritou Melena.

“É o que dizem por aí, é verdade?”, disse Gawnette.

“Ele é um bom homem.”

“Mas é um quadling?”

“Bem ― sim.”

“Não o traga aqui então, porque ele espalha uma praga”, disse Gawnette.

“Eles não espalham coisa alguma”, protestou Melena.

“Não joga, Elphabinha querida”, a Babá alertou.

“Eu digo apenas o que ouvi dizer. Dizem que de noite, quando os quadlings dormem, suas almas saem pelas bocas e vagam por aí.”

“Gente estúpida diz um monte de coisas estúpidas.” Melena foi rude e falou alto demais. “Eu nunca vi sua alma sair de sua boca enquanto ele dormia, e eu tive um monte de oportu...”

“Querida, nada de pedras”, gritou a Babá. “Nenhuma das outras crianças tem pedras na mão.”

“Agora elas têm”, observou Gawnette.

“Ele é a pessoa mais sensível que eu já conheci”, disse Melena.

“Sensível não é lá muita coisa para a mulher de um pescador”, disse Gawnette. “Como é que é para um pastor e para a mulher do pastor?”

“Agora apareceu sangue, que vexame”, disse a Babá. “Crianças, deixem a Elfinha de lado para que eu possa limpar o corte. E eu que não trouxe um pano. Gawnette?”

“Sangrar é bom para eles, tira um pouco a fome”, disse Gawnette. “Considero sensível uma coisa muito superior a estúpido”, disse Melena, fervendo.

“Sem morder”, disse Gawnette a um de seus menininhos, e, então, vendo Elphaba abrir a boca para retaliar, ergueu-se prontamente, com cadeiras doentes ou não, e berrou, “não morda, pelo amor de Deus!”

“Crianças não são mesmo divinas?”, disse a Babá.




ESCURIDÃO À VISTA

A cada dois ou três dias a Babá pegava Elphaba pela mão e caminhava devagar pela estrada sombria que levava a Margens Agitadas. Ali Elphaba ia para se misturar às sujas crianças, ficando sob a vigia da taciturna Gawnette. Frex se mudara novamente (seria confiança ou desespero?) ― andava agora ocupado em assustar povoados miseráveis com sua barba franzida e sua seleta de opiniões sobre fé. Desaparecia por oito, dez dias de cada vez. Melena praticava arpejos de piano num teclado de imitação sem som que Frex tinha esculpido para ela, para aperfeiçoar a escala.

Coração de Tartaruga parecia definhar e ressecar à medida que o outono chegava. As tardes de divertimento começaram a perder o calor da urgência e evoluíram para algo mais morno. Melena sempre apreciara as atenções de Frex e fora identicamente atenciosa com ele, mas era claro que o corpo de seu marido não havia sido tão maleável como o de Coração de Tartaruga. Ela se entregava ao sono com a boca de Coração de Tartaruga num de seus seios e as mãos ― aquelas manoplas ― vagando pelo seu corpo como bichinhos de estimação sensitivos. Ela imaginava que Coração de Tartaruga dividia seu corpo quando ela fechava os olhos; sua boca vagueava, seu pênis se erguia e se movia e encostava delicadamente, sua respiração estava em algum lugar que não a boca, silvando-lhe elegantemente nos ouvidos, algo sem palavras, seus braços parecendo estribos.

Mesmo assim ela não o conhecia, não do mesmo modo que conhecia Frex; ela não conseguia ver dentro dele como via dentro de outras pessoas. Ela atribuía isso a seus modos muito formais, mas a Babá, sempre observadora, observou certa noite que era apenas devido aos seus serem os modos de um quadling e que Melena nem havia notado que ele vinha de uma cultura diferente da sua.

“Cultura, o que é cultura?” Melena disse preguiçosamente. “Gente é gente.”

“Não se lembra de seus versinhos de infância?” A Babá pôs sua costura de lado (com alívio) e recitou.
“Dos meninos o estudo, das meninas o saber,

É assim que as lições costumam ser.

Meninos aprendem, meninas esquecem,

É assim que as lições permanecem.

Os de Gillikin, ferinos preparados.

Em Munchkin, todos uns superados.

Glikkuneses espancam as mulheres feias,

Winkies são sem graça nas colméias cheias.

Mas os quadlings, oh, que gente, essa!

Só rogar sujas pragas em santos lhe interessa,

São de comer seus jovens e os velhos enterrar

Um dia antes dos seus corpos esfriar.

Me dá uma maçã e eu recito de novo.”

“Que é que você sabe dele?” a Babá perguntou. “Será casado? Por que ele deixou o Buraco Lamacento ou qualquer que tenha sido o lugar de onde veio? Naturalmente, sei que não me cabe fazer perguntas...”

“Desde quando você conhece o seu limite e respeita isso?”

“Quando a Babá deixar os seus limites, creia, você saberá”, disse ela.

Numa noite no início do outono, por divertimento, ergueram uma fogueira no quintal. Frex estava em casa e de bom humor, e a Babá estava pensando em voltar para Solos de Colwen, o que deixava Melena bem-humorada também. Coração de Tartaruga fizera uma ceia, um desagradável goulash com pequenas maçãs azedas novas, queijo e bacon.

Frex se sentia expansivo. O efeito daquela maldita engenhoca de tiquetaquear, o Relógio do Dragão do Tempo, estava começando a sofrer desgastes ― graças ao Deus Inominável ―, e os pobres infelizes estavam voltando a ouvir a sua arenga novamente. Uma missão de duas semanas em Três Árvores Mortas tinha sido um sucesso. Frex tinha sido presenteado com uma pequena carteira de moedas de bronze e fichas de permuta, e o brilho da devoção ou mesmo da ânsia no rosto de mais de um penitente.

“Talvez nosso tempo aqui seja limitado”, disse Frex, suspirando de contentamento e cruzando os braços atrás da cabeça ― a típica reação masculina à felicidade, pensou Melena: prognosticar sua pouca duração. Seu marido continuou. “Talvez a estrada de Margens Agitadas nos leve a coisas mais elevadas, Melena. Maiores posições na vida.”

“Oh, por favor”, ela disse. “Minha família lutou para sair de suas origens humildes por nove gerações para que eu terminasse aqui, enfiada na lama, no meio de lugar nenhum. Eu não acredito em coisas mais elevadas.”

“Eu me refiro às sublimes aspirações do espírito. Eu não estava dizendo que pretendia tomar de assalto a Cidade Esmeralda e me tornar confessor particular da Rainha Ozma.”

“Por que você não tenta se tornar o confessor de Ozma Tippetarius?” a Babá perguntou. Ela via-se a si mesma ascendendo à corte da sociedade da Cidade Esmeralda se Frex galgasse tal posição. “Que importa se o bebê real tenha só, o quê, dois anos de idade? Três? Assim, temos o governo de um rei novamente. É apenas um compromisso limitado ― como a maior parte dos negócios masculinos. Você ainda é jovem ― ela crescerá ― e estará bem colocado para influir na política...”

“Eu não me interesso em pregar na corte, nem para uma Ozma, a Devota Fanática.” Frex acendeu um cachimbo de pau de salgueiro. “Minha missão é pregar para os oprimidos e os humildes.”

“Bom homem deveria ir para o Estado de Quadling”, disse Coração de Tartaruga. “Pregar para os oprimidos de lá.”

Coração de Tartaruga não falava de seu passado com freqüência, e Melena lembrou-se da zombaria de sua Babá sobre sua falta de curiosidade. Ela espantou a fumaça para longe com a mão e perguntou: “Por que você deixou Ovvels, afinal?”.

“Horrores”, ele disse.

Elphaba, que estava por ali esperando que as formigas rastejassem sobre a mó para que pudesse esmagá-las com uma pedra, ficava olhando para a bacia rasa do moinho. Os outros esperavam que Coração de Tartaruga continuasse falando. O coração de Melena começou a palpitar com inquietação ― ela fora tomada de uma súbita premonição de que as coisas mudariam a partir dali, dessa exata noite, dessa mais esplêndida e deliciosa noite, coisas que dariam para entortar logo agora quando estavam se ajeitando.

“Que espécie de horrores?”, perguntou Frex.

“Sinto um arrepio. Vou pegar um xale”, disse Melena.

“Ou servir de pastor para Pretorius! A Rainha Ozma! Por que não, Frex?”, a Babá dizia. “Estou certa de que com as relações da família de Melena, você poderia arrancar um convite...”

“Horrores”, disse Elphaba.


Yüklə 1,82 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   2   3   4   5   6   7   8   9   ...   37




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin