Esses estranhos Homens deveriam ficar muito satisfeitos por serem julgados mais maldosos dó que realmente são



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“Não é pelos céus.” Frex começou a chorar. “O céu não vai melhorar por esse fato, Bá; o céu não aprova. O que nós vamos fazer?”

“Cale-se.” A Babá detestava ver homem chorando. “Não pode ser tão horrível assim. Não tem uma pitada de sangue ruim nas veias de Melena. Qualquer praga que a criança tenha, o tratamento da Babá aqui dará um jeito. Confie em mim.”

“Confiei no Deus Inominável”, soluçou Frex,

‘Nós não trabalhamos sempre com propósitos iguais, Deus e eu”, disse a Babá. Sabia que era blasfemo, mas não conseguia resistir a fazer uma pilhéria ao perceber que a guarda de Frex estava baixa. “Mas não se preocupe, eu não vou soprar uma palavra que seja à família de Melena. Vamos resolver a coisa num relâmpago, e ninguém precisará ficar sabendo. O bebê tem um nome?”

“Elphaba”, ele disse.

“Por Santa Elphaba da Cachoeira?”

“Sim.”

“Um belo nome antigo. Vocês usarão o apelido comum Fabala, suponho.”



“Quem pode saber se ela vai chegar a viver o bastante para ter um apelido.” Soava como se Frex tivesse a esperança de que isso acontecesse.

“Paisagem interessante, estamos ainda em Pedras do Caminho?”, a Babá perguntou, para mudar de assunto. Mas Frex se fechara por dentro, mal se importando em guiar os cavalos pelo caminho certo. O campo estava sujo, esburacado, pisoteado pelos roceiros; a Babá começou a desejar não ter-se vestido com sua melhor roupa de viagem. Os ladrões de estrada podiam achar que encontrariam ouro numa mulher mais velha de aparência tão refinada, e teriam razão em suas suposições, pois a Babá portava uma liga dourada surrupiada havia anos do toucador de grande dama. Que humilhação, se a liga fosse levada anos depois da coxa bem torneada, embora envelhecida, que ela tinha! Mas os medos da Babá eram infundados, pois a carroça chegou, sem incidentes, ao quintal da casinha do pastor.

“Deixe-me ver o bebê primeiro”, a Babá disse. “Será mais fácil e mais justo com Melena se eu souber com que estamos lidando.” E isso não foi difícil de arranjar, pois Melena estava alheia ao problema graças às folhas de alfineteiro, enquanto o bebê numa cesta sobre a mesa gemia suavemente.

A Babá pegou uma cadeira para que não se machucasse ao desmaiar e cair de costas. “Frex, ponha a cesta no chão onde eu possa olhar para dentro.” Frex fez a obrigação, e então saiu para devolver a carroça e os cavalos a Bfee, que raramente precisava deles para suas obrigações de prefeito, mas os emprestava para ganhar alguns dividendos eleitorais.

A criança estava envolta em panos de linho, ela viu, e a boca e os ouvidos estavam amarrados com uma tipóia. O nariz parecia uma saliência de cogumelo venenoso, pressionada para o alto por necessidade de ar, e os olhos estavam abertos.

A Babá se aproximou mais. A criança não poderia ter, o quê, três semanas de vida? No entanto, enquanto ela se movia de lá para cá, olhando para o seu perfil de um ângulo ou de outro, como se quisesse avaliar o formato do cérebro, os olhos da menina seguiam cada movimento seu. Eram castanhos e profundos, de uma cor de terra carregada, salpicada de mica. Havia um entrecruzamento de frágeis linhas vermelhas a cada ângulo suave onde as pálpebras se encontravam, como se a menina estivesse rompendo as linhas de sangue com o exercício de observar e entender.

E a pele, ah, sim, a pele era verde como o pecado. Não era uma cor feia, a Babá pensou. Só que não era uma cor humana.

Ela estendeu as mãos e passou o dedo pelo rosto do bebê. A criança recuou, e sua espinha arqueou, e o pano que a envolvia com segurança do pescoço ao dedão do pé partiu-se e abriu como palha de milho. A Babá rangia os dentes e estava decidida a não ser intimidada. O bebê tinha-se exposto, do esterno à virilha, e a pele de seu peito era da mesma cor in-confundível. “Vocês ao menos tocaram nessa criança?” murmurou a Babá. Ela pôs a palma da mão sobre o peito arfante do bebê, os dedos cobrindo os quase invisíveis bicos dos seios, e aí deslizou sua mão a fim de examinar o aparato logo abaixo. A criança estava molhada e manchada, mas podia-se sentir que era feita de acordo com o padrão tradicional. A pele era o mesmo milagre de maleável suavidade da pele que Melena tivera quando menina.

“Venha com a Babá, sua coisinha horrível.” A Babá se abaixou para pegar o bebê, com tralha e tudo.

O bebê se virou para evitar o toque. A sua cabeça bateu no fundo empalhado do cesto.

“Você dançou lá dentro do útero, eu bem que noto”, disse a Babá, “com que música terá sido? Músculos tão bem desenvolvidos! Não, você não vai fugir de mim. Venha cá, pequeno demônio. A Babá não dá bola. A Babá gosta de você.” Ela mentia feio, mas ao contrário de Frex, ela acreditava que algumas mentiras eram sancionadas pelo céu.

E ela manteve as mãos sobre Elphaba, e ainda colocou-a em seu colo. E ali a Babá esperou, cantarolou e de vez em quando olhava para longe, para além da janela, para se recuperar e se impedir de vomitar. Ela esfregava a barriga do bebê para acalmá-lo, mas não havia jeito de acalmá-lo, ao menos não por enquanto.

Pela tarde, Melena se apoiou em seus cotovelos quando a Babá trouxe uma bandeja com chá e pão. “Já me acomodei na casa”, disse a Babá, “e já fiz amizade com sua queridinha. Agora, volte a si, doçura, e deixe-me dar-lhe um beijo.”

“Oh, Bá!”, Melena se permitiu ser mimada. “Obrigada por vir. A senhora viu o monstrinho?”

“Ela é adorável”, disse a Babá.

“Não minta e não disfarce”, disse Melena. “Se quiser ajudar, terá de ser honesta.”

“Se eu vou ajudar, você é que terá de ser honesta”, disse a Babá. “Não precisamos entrar no assunto agora, mas eu terei de saber tudo, meu doce. Assim, decidiremos o que tiver de ser feito.” Bebericaram seu chá, e porque Elphaba havia adormecido, pareceu por uns momentos que voltavam aos velhos dias de Solos de Colwen, quando Melena voltava para casa de seus passeios vespertinos com graciosos jovens bem-nascidos com os quais flertava e se gabava da beleza masculina deles a uma Babá que fingia não tê-la notado.

Na realidade, com o passar das semanas, a Babá notou algumas coisas bem perturbadoras no bebê.

Para começar, ela tentou tirar as bandagens, mas Elphaba parecia determinada a morder e arrancar as suas mãos, e os dentes dentro daquela bela boca de lábios finos eram realmente monstruosos. Ela abriria um buraco ali na cesta se fosse deixada sem vigilância. Ela se virava contra o próprio ombro e o retalhava em carne viva. Ela parecia um ser que estivesse se estrangulando. “Não se pode arranjar um barbeiro para vir extrair os dentes?”, a Babá perguntava. “Ao menos até que o bebê aprenda a ter auto-controle?”

“A senhora está maluca”, Melena disse. “Vai correr pelo vale todo que ela é verde como abobrinha. Vamos manter o queixo amarrado para cima até resolvermos o problema da pele.”

“Como diabos foi que a pele dela saiu verde?”, a Babá se perguntava, estupidamente, porque Melena ficava branca e Frex avermelhava, e o bebê prendia a respiração como se tentasse ficar azul para satisfazer a todos.

A Babá decidiu ter uma conversa com Frex mais além, no quintal. Depois do duplo choque do nascimento e de seu malogro público, ele ainda não estava pronto para engajamentos profissionais e lá ficava, esculpindo rosários com cascas de carvalho, entalhando e inscrevendo emblemas da Inominabilidade de Deus pelos troncos afora. A Babá escondera Elphaba bem dentro da casa ― ela tinha um medo irracional de ser ouvida oniscientemente e, pior ainda, compreendida, pela menina ― e saíra fuçando no quintal à procura de uma abóbora para a ceia.

“Frex, eu não suponho que exista verde nos antepassados de sua família”, ela começou, sabendo muito bem que o avô poderoso de Melena teria confirmado uma tal predisposição antes de concordar em deixar sua neta casar-se com um pastor unionista ― entre todas as escolhas que ela tinha!

“Nossa família nada tem a ver com o dinheiro e com os poderes terrenos”, disse Frex, não se ofendendo dessa vez. “Mas eu descendo em linha direta de seis pastores antes de mim, de pai a filho. Somos tão bem considerados em nossos círculos espirituais quanto a família de Melena nos salões finos e na corte de Ozma. E não, não há verde em nenhuma parte. Nunca ouvi falar disso em minha família.”

A Babá concordou e disse: “Bem, tudo bem, eu estava só perguntando. Eu sei que você é mais santo que os mártires gnomos”.

“Mas”, disse Frex humildemente, “Bá, eu acho que fui o causador desse problema. Minha língua escorregou no dia do nascimento da menina ― anunciei que o demônio estava chegando. Eu queria dizer o Relógio do Dragão do Tempo. Mas vamos supor que essas palavras abriram a porta para o demônio...”

“A criança não é um demônio!”, respondeu a Babá, asperamente. Não é anjo tampouco, ela pensou, mas guardou o pensamento só para si.

“Por outro lado”, Frex continuou, soando mais seguro, “ela pode ter sido amaldiçoada acidentalmente por Melena, que interpretou mal minha observação e chorou por isso. Talvez Melena tenha aberto dentro de si uma janela pela qual um duende desgarrado entrou e coloriu a criança.”

“Bem no dia em que ela estava para nascer?” disse a Babá. “Um duende muito capacitado. Será que sua bondade é tão exaltada que atrai sempre os mais poderosos entre os Espíritos da Aberração?”

Frex deu de ombros. Há algumas semanas teria concordado, mas sua confiança agora estava arruinada pelo fracasso abjeto que sofrerá em Margens Agitadas. Ele não se atrevia a sugerir o que temia: que a anomalia da criança era um castigo por seu fracasso em proteger seus fiéis da fé no prazer.

“Bem...”, a Babá perguntou a bem dizer, “se com tal maldição o bem foi arruinado, através do que o mal poderá ser remediado?”

“Um exorcismo”, disse Frex.

“Você está autorizado para isso?”

“Se eu for bem-sucedido em modificar a criança, saberemos que estou autorizado”, disse Frex. Mas agora que tinha um objetivo, seu ânimo se iluminava. Ele passaria alguns dias jejuando, pesquisando orações e recolhendo subsídios para o ritual arcano.

Quando ele saiu para as florestas e Elphaba cochilava, a Babá se empoleirou ao lado do duro colchão de casamento de Melena.

“Frex está pensando se a profecia dele de que o demônio estava chegando não teria feito uma janela se abrir em você, deixando passar uma coisa maligna para estragar o bebê”, disse a Babá. Ela estava fazendo uma ponta de renda de crochê, desajeitada; nunca tivera muito jeito para trabalhinhos, mas gostava de lidar com a agulha de marfim polido do crochê. “Eu cá me pergunto se você não teria aberto outra janela?”

Melena, grogue com as folhas de alfineteiro como de hábito, ergueu uma sobrancelha, confusa.

“Você dormiu com algum sujeito que não fosse o Frex?” a Babá perguntou.

“Não seja louca!”, disse Melena.

“Eu a conheço, benzinho”, disse a Babá. “Não estou dizendo que você não seja uma boa esposa. Mas nos tempos em que os rapazes ficavam zumbindo feito zangões no pomar da casa dos seus pais, você trocava suas perfumadas roupas de baixo mais de uma vez por dia. Não a estou rebaixando. Mas não finja para mim que seus apetites não eram bem sadios.”

Melena afundou o rosto no travesseiro. “Oh, naqueles tempos!”, ela gemeu. “Não é que eu não ame o Frex! Mas eu odeio ser superior a esses idiotas roceiros daqui!”

“Bem, agora que essa filha verde traz você ao nível deles, você deveria ficar satisfeita”, disse a Babá, insinuante.

“Bá, eu amo o Frex. Mas ele me deixa sozinha com tanta freqüência! Eu ficaria muito feliz se algum vendedor ambulante passasse e me vendes-se mais que uma cafeteira de lata! Eu pagaria bem por alguém que fosse menos santo e tivesse mais imaginação!”

“É uma questão para o futuro”, disse a Babá, sensatamente. “Estou lhe perguntando é do passado. O passado recente. A partir do seu casa-mento.”

Mas o rosto de Melena ficara vago e apagado. Ela concordava, ela dava de ombros, ela balançava a cabeça.

“A teoria óbvia envolve um elfo”, disse a Babá.

“Eu não iria transar com um elfo!”, Melena berrou.

“Nem eu”, disse a Babá, “mas o verde faz a gente pensar. Há elfos aqui por perto?”

“Há bandos barulhentos deles por aí, elfos das árvores, em algum lugar lá pelo alto das colinas, mas talvez sejam mais débeis mentais que os bons moradores de Margens Agitadas. Verdade, Bá, nunca vi nenhum, ou se vi, foi a distância. A idéia é repulsiva. Elfos riem de tudo, a senhora sabia? Um deles cai de um carvalho e esmaga o crânio como um nabo podre, e os outros se juntam para rir do coitado e daí a pouco já se esqueceram dele. E um insulto seu a mera insinuação de uma coisa dessas.”

“Pois se acostume com a idéia, se não acharmos uma saída desse atoleiro.”

“Bem, a resposta é não.”

“Então, outra pessoa. Algum sujeito bonito o bastante para os padrões locais, trazendo um germe que talvez você tenha contraído.”

Melena ficou chocada. Ela não havia pensado em sua própria saúde desde que Elphaba nascera. Será que ela estava em perigo?

“A verdade”, disse a Babá. “Temos de saber.”

“A verdade”, disse Melena de um modo distante. “Bem, impossível sabê-la.”

“Que é que você está tentando dizer?”

“Eu não sei a resposta para a sua pergunta.” E Melena explicou. Sim, a sua casa estava fora da trilha mais usada, e claro que ela nunca fora além dos mais lacônicos cumprimentos com os fazendeiros, pescadores e cretinos em geral do lugar. Mas apareciam nas colinas e florestas mais viajantes do que você poderia acreditar. Muitas vezes ela ficara, alheia e solitária, enquanto Frex estava ausente em suas pregações, e se consolara oferecendo a algum forasteiro de passagem uma refeição simples e uma conversa animadora.

“E que mais?”

Mas nesses dias maçantes, Melena murmurava, dera para mascar folhas de alfineteiro. Quando acordava de seu torpor, o sol estava se pondo ou Frex estava por ali de cara fechada ou sorrindo para ela, pouca coisa conseguia lembrar.

“Você está querendo dizer que caiu no pecado do adultério e não tem nem a vantagem de uma boa lembrança apimentada do que fez?”, a Babá estava escandalizada.

“Eu não sei o que fiz!” disse Melena. “Eu não tinha escolha, quero dizer que não tinha como fazê-la com um pensamento claro. Mas eu me lembro de uma vez em que um vendedor ambulante com um sotaque engraçado me deu um trago de alguma infusão embriagadora de uma garrafa de vidro verde. E eu tive uns sonhos de uma rara expansão, Bá, do Outro Mundo, realmente ― cidades de vidro e neblina ― ruído e cor ― que eu tentei lembrar.”

“Então, você bem que poderia ter sido estuprada por elfos. Seu avô não ficará lá muito satisfeito em saber do jeito que Frex toma conta de você.”

“Pare!”, gritou Melena.

“Bem, eu não sei o que deve ser feito!” A Babá estava perdendo a calma, por fim. “Todo mundo está sendo irresponsável! Se você não se lembra se seus votos de casamento foram ou não quebrados, não há bem nenhum em agir como uma santa ofendida.”

“A gente sempre pode afogar o bebê e recomeçar.”

“Você que tente afogar aquela coisa”, murmurou a Babá. “E eu terei pena do pobre lago que for usado para isso.”

Mais tarde, a Babá examinou minuciosamente a pequena coleção de remédios de Melena ― ervas, pastilhas, raízes, aguardentes, folhas. Ela pensava, sem muita esperança, se poderia inventar alguma coisa que pudesse branquear a pele da menina. Por trás da gaveta, a Babá achou a garrafa de vidro verde de que Melena falara. A luz era ruim e sua vista não era boa, mas ela conseguiu distinguir as palavras ELIXIR MILAGROSO num pedaço de papel grudado na frente.

Embora fosse dotada de uma habilidade inata para curar, a Babá se sentia incapaz de fazer uma poção para mudar a pele. Banhar a criança em leite de vaca não tornara a pele branca, tampouco. Mas a criança não deixava de modo algum que a enfiassem num balde de água do lago; ela se contorcia e se esquivava como um gato em pânico. A Babá seguiu usando o leite de vaca. Ele deixava um horrível cheiro azedo se ela não o esfregas-se e tirasse completamente com um pano.

Frex organizou um exorcismo. Envolvia velas e hinos. A Babá observou de uma certa distância. O homem ficava com os olhos lacrimejantes, transpirava com o esforço, embora as manhãs estivessem mais e mais frias. Elphaba dormia envolta em seus panos no meio do tapete, indiferente ao sacramento.

Nada acontecia. Frex se rendia, exausto e desgastado, e embalava sua filha verde dentro da curva de seus braços, como se finalmente abraçasse a prova de algum pecado não descoberto. O rosto de Melena se enrijecia.

Havia apenas uma coisa a tentar. A Babá tomou coragem de trazê-la à tona no dia em que estava para retornar a Solos de Colwen.

“Vemos que os tratamentos rústicos não funcionam”, disse ela, “e que a intervenção espiritual falhou. Você tem coragem de pensar em feitiçaria? Haverá por aqui alguém que pudesse tirar a peçonha verde da criança com artes mágicas?”

Frex pulou para cima da mulher, brandindo os punhos. A Babá caiu de costas de seu banco, e Melena se precipitou sobre ela, gritando. “Como se atreve!” gritou Frex. “Nesta família! A menina verde já não é ofensa o bastante? A feitiçaria é o refúgio dos amorais; quando não é charlatanismo desvairado, é mortalmente perigosa! Contratos com os demônios!”

A Babá dizia: “Oooh, Deus me defenda! Você, bom homem, não conhece o uso do fogo contra fogo?”.

“Bá, já basta”, disse Melena.

“Batendo numa velha frágil”, disse a Babá, magoada. “Que apenas tentava ajudar.”

Na manhã seguinte, a Babá arrumou a sua valise. Não havia mais nada que pudesse fazer, e ela não estava querendo viver o resto de sua vida com um ermitão fanático e um bebê estragado, mesmo em consideração a Melena.

Frex levou-a de volta à estalagem em Ponta de Espato, para a carruagem pontual conduzi-la para casa. A Babá sabia que Melena podia ainda estar pensando em matar a criança, mas tinha lá as suas dúvidas. Segurava a sua valise junto ao peito largo, temendo os bandidos outra vez. Dentro dela escondia sua liga dourada (poderia sempre alegar que fora posta lá sem que ela soubesse, conquanto fosse difícil alegar que fora posta em sua perna nas mesmas circunstâncias). Ela também se apoderara da agulha de crochê de marfim, de três dos rosários de oração de Frex, porque gostava dos entalhes, e da bela garrafa de vidro verde deixada por algum vendedor itinerante que oferecia, pelo jeito, sonhos, paixão e sonolência.

Não sabia o que pensar. Seria Elphaba um fruto dos demônios? Seria ela um meio-elfo? Seria um castigo para o fracasso de seu pai como pastor, ou para a moral frouxa e a memória curta de sua mãe? Ou seria simplesmente uma enfermidade física, uma praga como uma maçã deformada ou um bezerro de cinco patas? A Babá bem sabia que sua visão do mundo era nebulosa e caótica, prejudicada por demônios, fé e crendice popular. Todavia, não escapava à sua atenção que Melena e Frex tinham acreditado de maneira intransigente que teriam um menino. Frex era o sétimo filho de um sétimo filho, e para piorar essa equação poderosa, ele descendia de seis pastores de uma série. Qual criança dos dois (ou de qualquer um dos dois) sexos ousaria seguir uma linha tão auspiciosa?

Talvez, pensou a Babá, a pequena e verde Elphaba houvesse escolhido seu próprio sexo, e sua própria cor, e que seus pais fossem para o inferno.




O SOPRADOR DE

VIDRO DE QUADLING



Por um curto e úmido mês, no começo do ano seguinte, a seca se dissipou. A primavera transbordou como água verde de poço, espumando nas sebes, borbulhando à beira da estrada, salpicando o teto da casa com grinaldas de hera e flores de trepadeira. Melena vagava pelo quintal num estado de tranqüilo pouco-vestir, para poder sentir o sol em sua pele pálida e o profundo calor de que sentira falta o inverno todo. Presa com correias em sua cadeira à soleira da porta, Elphaba, agora com um ano e meio de idade, batia nos peixinhos de seu desjejum com o bojo da colher. “Oh, coma a coisa, não a esmague”, dizia Melena, mas com suavidade. Desde que a tipóia do queixo fora retirada, mãe e filha começaram a prestar alguma atenção uma à outra. Para sua surpresa, Melena às vezes achava Elphaba afetuosa, do jeito que um bebê deve ser.

Essa paisagem era a única coisa que ela vira desde que deixara a elegante mansão de sua família ― a superfície varrida pelo vento do lago de Água Mortiça, as distantes casinhas de pedra escura e as chaminés de Margens Agitadas do outro lado, as colinas se estendendo em torpor mais além. Ela enlouquecia; o mundo não era nada além de água e carência. Se uma bagunça de elfos acontecesse ali no quintal, ela saltaria para junto deles para ter companhia, para fazer sexo ou cometer um crime.

“Seu pai é uma fraude”, ela disse para Elphaba. “Ausente, cuidando de si, todo o inverno deixando-me só você como companhia. Coma essa papinha, pois você não vai conseguir outra se jogá-la no chão.”

Elphaba pegava o peixe e o jogava no chão.

“Seu pai é um charlatão”, continuava Melena. “Ele foi muito bom de cama para um homem religioso, e foi assim que eu soube seu segredo. Homens santos devem estar acima dos prazeres terrenos, mas seu pai gostava de sua farrinha da meia-noite. Era uma vez! Não devemos nunca lhe contar que sabemos que ele é uma farsa, isso partiria seu coração. Não queremos partir seu coração, queremos?” E aí Melena irrompia em gargalhada estrondosa.

O rosto de Elphaba não sorria, imutável. Ela apontava para o peixe.

“Papinha. Papinha caiu no chão. Papinha agora é pros insetos”, Me-lena dizia. Ela deixava a gola de seu roupão de primavera cair um pouco mais e a canga rosa de seus ombros nus girava. “Vamos passear hoje à beira do lago pra você morrer afogada?”

Mas Elphaba nunca se afogava, nunca, porque ela nem mesmo chegava perto do lago.

“Talvez a gente possa dar uma voltinha de barco e aí você cai!” Melena gritava.

Elphaba virava a cabeça para um lado como se escutasse alguma parte de sua mãe que não estivesse intoxicada pelas folhas e pelo vinho.

O sol saía de trás de uma nuvem. Elphaba franzia as sobrancelhas. O roupão de Melena escorregava. Seus seios abriam caminho por entre os sujos folhos da gola.

Olhem para mim, pensava Melena, mostrando meus peitos para uma criança a quem não posso dar leite por medo de amputação. Eu que era a rosa de Pedras do Ninho. Eu que fui a beldade da minha geração! E agora estou reduzida a companhias que nem sequer desejo, minha garotinha torta e espinhenta. É mais um gafanhoto que uma menina, com essas pequenas coxas angulosas, essas sobrancelhas arqueadas, esses dedos agressivos. Ela está no momento de aprender como qualquer outra criança, mas não encontra deleite neste mundo: empurra e quebra e mordisca sem nenhum prazer. Como se tivesse a missão de provar e avaliar todos os desaponta-mentos da vida, dos quais Margens Agitadas é generosamente suprido. Peço perdão ao Deus Inominável, ela é um horror, ela é. Ela é.

“Ou a gente podia dar uma caminhada pelos bosques hoje e colher as últimas bagas do inverno.” Melena se sentia cheia de culpa por sua falta de sentimento materno. “Podemos fazer uma torta com elas. Podemos colocá-las numa torta? Vamos fazer isso, benzinho?”

Elphaba ainda não falava, mas ela balançou a cabeça e começou a ficar agitada para descer. Melena começou um joguinho de bater palmas de que ela não tomou conhecimento. A criança grunhia e apontava para o chão, e arqueava suas longas pernas elegantes para explicar seu desejo. Então, dava sinais em direção ao portão que levava do quintal da cozinha para o galinheiro.

Havia um homem encostado às estacas do portão, de aparência tímida e faminta, com uma pele da cor das rosas ao crepúsculo: um vermelho sombrio, do tom da penumbra. Ele trazia um par de sacolas de couro nos ombros e costas, e um cajado de andarilho, e um rosto perigosamente bonito e desprovido de expressão. Melena soltou um grito penetrante e se re-compôs, colocando sua voz num registro mais baixo. Havia muito tempo não falava com ninguém e só dirigira a palavra uma vez a um caminhante queixoso. “Deus do céu, você nos assustou!”, gritou. “Está procurando comida?” Ela perdera o jeito do convívio social. Por exemplo, seus seios não deviam apontar para o homem daquele jeito. Contudo, não fechou seu roupão.


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