Insucesso Escolar Abordagem Psicopedagógica das Dificuldades de Aprendizagem



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Como temos vindo a analisar, a criança necessita de desenvolver uma série de aptidões: primeiro aprende uma linguagem auditivoverbal e só depois estará apta a sobrepor um sistema visuoverbal. As letras, escritas ou lidas, representam símbolos auditivos, que por sua vez representam experiências humanas, isto é, relações contextuais com o envolvimento concreto.

Em resumo, a sequência da comunicação verbal atravessa o seguinte desenvolvimento:


1) Aquisição do significado da linguagem dos adultos;

2) Compreensão da linguagem falada;

3) Expressão e utilização da linguagem falada;

4) Compreensão da linguagem escrita (leitura), domínio simbólico, equivalência entre o grafismo e o som (fonema) correspondente;

5) Expressão da linguagem escrita (escrever).
Só perspectivando esta hierarquia podemos perceber porque é que a aprendizagem da leitura faz parte do desenvolvimento total da linguagem. Não aprender a ler pode ter como consequência comprometer o desenvolvimento cognitivo (daí a importância da leitura em termos do desenvolvimento cognitivo).

Que conclusão podemos tirar daqui? Para já, a leitura não é uma entidade separada do desenvolvimentò intelectual da criança. Em segundo lugar, uatraso, na leitura acarreta outros tipos de atraso, como imaturidade social, estrangulaménto do significado da experiência, empobrecimento do vocabulário, desinteresse pela informação, etc. Não aprender a ler é como que um passaporte para a ignorância e a iletracidade.

Como é que dèvemos, então, proporcionar a todas as crianças a oportunidade de aprender a ler e de aperfeiçoar esta aptidão humana fundamental?
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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA


Para se responder a esta pergunta é preciso que se tome em ção um mínimo de conhecimento científico sobre as pré-aptidões para aprender a ler (conceito de prontidão).

Vários factores devemos apresentar:


1 ) Factores sociodinâmicos Estes factores, já abordados no capítulo anterior incluem: o nível eco nómico, cultural e linguístico dos adultos socializados que cercam a criança e dos quais depende, fundamentalmente, o seu desenvolvi= mento; a experiência social da criança; a oportunidade de espaço lúdico e de jogo que foi proporcionada à criança; a variabilidade da experiência que condiciona o desenvolvimento do vocabulário e a maturação cognitiva; a qualidade da vida familiar; a motivação e o envolvimento simbólico que se proporciona à criança; o conjunto das relações sociais que influenciam directamente a segurança e o desenvolvimento global da criança, etc.
2) Factores psicomotores

Estes factores compreendem: a maturidade neuropsicomotora global, o desenvolvimento psicobiológico da criança; a organização cerebral da postura; a estabilização da lateralidade; a consciencialização da imagem do corpo; a actividade rítmica; a orientação no espaço e no tempo; a dissociação, a diferenciação e a coordenação práxica global e essencialmente fina; a visão; a audição e o funcionamento dos órgãos da linguagem articulada, etc.


3) Factores emocionais e motivacionais e factores de personalidade Estes factores incluem a estabilidade emocional e motivacional, a concentração e a extensão da atenção, que são dependentes do autocontrolo tónico que a criança possui e que influenciam a atitude e o desejo de aprender.
4) Factores intelectuais

Estes factores incluem a capacidade global, as aptidões perceptivo e psicomotoras, a discriminação auditiva e visual e os seus processos sequenciais e simultâneos de tratamento de informação e as capacidade de raciocínio e de resolução de problemas que traduzem o comportamento adaptativo da criança, onde se associam os aspectos da comunicação verbal e da comunicação não verbal.


São a constelação e a interligação sistémica destes factores que traduzem a aptidão ou o conjunto de aptidões para aprender a ler. Claro que estas aptidões não se conseguem apenas em resultado da maturação da criança. Os pais, a escola e a sociedade em geral devem estar alertados para garantirem à criança um conjunto de factores de qualidade de vida que permitirão o seu desenvolvimento harmonioso antes de ela entrar para a escola. Esta situação
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é de tal importância que em inúmeros trabalhos de investigação se verifica uma correlação elevada entre crianças com dificuldades de aprendizagem e os seus níveis socioeconómicos desfavoráveis.

Aprender a ler exige não só uma maturação de estruturas de comportamento, mas também uma aprendizagem prévia que possibilite à criança o prazer dessa experiência. Urge, como conclusão, desenvolver centros materno-infantis de escolas pré-primárias em que se compense os arbítrios das desigualdades sociais. A escola pré-primária não é um luxo, é uma medida de prevenção fundamental para a construção de uma sociedade mais justa onde o direito à cultura seja propiciado em condições de igualdade de acesso logo à partida, a fim de combater um divisionismo educacional que é assustador, isto é, a divisão dos que sabem ler dos que não sabem ler.

Aprofundando a questão, as aptidões para a leitura devem considerar níveis de processamento da informação (Chalfant e Schefelin 1969), quer no plano auditivo, quer no plano visual.

Como aptidões auditivas fundamentais temos:


1 ) Acuidade

Frequência e decibéis;

Duração e velocidade do estímulo;

Transdução do siríal acústico em sinal auditivo.


2) PercepÇão

Discriminação de sons;

Discriminação fgura-fundo de sons;

Sequencialização de dados.


3) Descodificação

Análise; Síntese. 4) Reten ão

Extensão do estímulo;

Automatização;

Curto termo - longo termo.
5) Imagem
6) Interpretação e integração

Relação do estímulo auditivo com os outros estímulos (visuais, tácteis, quinestésicos, etc. ) e sua associação interneurossensorial.


Como apridões visuais mais importantes para o processo da leitura temos:
1 ) Acuidade Focagem;

Proximidade.


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2) Coordena ão oculomotora Orientação esquerda-direita;

Fixação;


Convergência; Acomodação.

Movimentos sacádicos.


3) Percep ão

Fusão;


Posição no espaço; Relações de espaço;

Consistência da forma;

Figura-fundo.
4) Lateralidade ocular

Olho dominante e seu funcionamento com o olho auxiliar.


5) Velocidade de recep ão e de transmissão
6) RetenÇão

Curto e longo termo;

Sequência;

Automatização.


7) Descodifica ão

Análise; Síntese.


8) Interpretação e integra ão

Relação do estímulo visual com os outros estímulos e sua associação interneurossensorial.


Daqui podemos concluir que as crianças aprendem normalmente quando deterzninadas condições e integridades estão presentes e se proporciona oportunidades educacionais adequadas.

De acordo com o que já se tratou em capítulos anteriores, temos como integridades, fundamentais da aprendizagem:


1) Factores psico e sociodinâmicos da aprendizagem (já focados); 2) Funções do sistema nervoso periférico (SNP): recepção da informação que inclui os receptores à distância: visão e audição; e os receptores proximais: tacto, quinestésico e proprioceptivo vestibular;

3) FunÇôes do sistema nervoso central (SNC): integração, selecção, retenção e combinação da informação.


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DISSECA ÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA


Por outro lado, a evolução da aprendizagem simbólica estabelece-se em função de três grandes avenidas sensoriais:
- Visão;

- Audição;

- Tactiloquinestésica.
O sentido do tacto e o sentido quinestésico conferem os primeiros dados da experiência, traduzem os primeiros anos da experiência da criança. em que o movimento ocupa um lugar privilegiado na conquista do mundo. Posteriormente surge a audição, que origina o desenvolvimento da linguagem, e por último a visão, que permite o acesso à linguagem escrita, isto é, ao domínio da actividade simbólica consubstanciada na Ieitura e na escrita.

Respeita-se aqui não só a evolução psicobiológica de Wallon 1968, como a embriologia mental de Piaget 1965. O primeiro demonst. rou que a evolução da criança passa primeiro por dados interoceptivos (funções neurovegetativas, função tónica, etc. ), depois por dados proprioceptivos (funções proprioceptivas vestibulares motoras, percepúvomotoras e psicomotoras) e, por último, por dados exteroceptivos (funções de eswturação espaciotemporal e funções simbólicas). O segundo confirmou, em termos experimentais, que a inteligência simbólica ou gnósica é antecedidá de uma inteligência prática e sensóriomotora.

Sem relacionarmos os dados psicobiológicos do desenvolvimento da eriança, como acabámos de ver, não podemos perspectivar cuidadosa e rigorosamente os processos da leitura.
Que tipo de dificuldade na leitura podemos então encontrar nas crianças ? As crianças com dificuldades na, leitura apresentam, em função de vários trabalhos experimentais, as seguintes características globais de comportamento:
1) Pcoblemas de lateralização e de orientação esquerda-direita; 2) Problemas de noção do corpo;

3) Problemas de orientação no espaço e no tempo; 4) Problemas de representação espacial;

5) Problemas de coordenação de movimentos;

6) Problemas de memória;

7) Problemas de grafismo e de expressão oral.
Como características, as crianças podem apresentar várias dificuldades no plano auditivo (dislexla auditiva) segundo Wepman 1960 e no plano visual (dislexia visual) segundo Frostig 1973.
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Do ponto de vista didáctico, podemos apresentar:
TIPOS DE DIFICULDADES AUDITIVAS
1) Dificuldades na compreensão das palavras;

2) Diflculdades na discriminação ou na identificação de sons familiar(telefone, porta, etc. );

3) Dificuldades em responder à linguagem falada (inêxito em seguir orientações espaciais, etc. );

4) Não relaciona a comunicação com a experiência concreta; 5) Não identifica animais ou pessoas em imagens;

6) Dificuldades na articulação de sons (não repete correctamente duas ou três palavras, ou frases simples, etc. );

7) Dificuldades em usar plurais, tempos de verbos, preposições, etc. (não completa frases com concordância gramatical, etc. );

8) A linguagem falada expressa é pobre, incorrecta e muitas vezés incompleta;

9) Não retém sequências de três palavras, nem as reproduz oralmente pela mesma ordem (na sequência: nãol pãol cão, pode alterar a sequência, dizendo: pão; cão; não, isto é, troca a ordem de palavras muito semelhantes no seu aspecto auditivo).


TIPOS DE DIFICULDADES VISUAIS
I) Dificuldades em perceber imagens;

2) Dificuldades em fixar ou focar (não consegue isolar um pormenor de um desenho ou de uma imagem);

3) Dificuldades nas relações espaciais (não diferencia perto/longe, alto/baixo, em cima/em baixo, à frente/atrás, à esquerda/à direita);

4) Dificuldades em discriminar formas, tamanhos, cores, etc. ; 5) Dificuldades de análise e de síntese visual (dificuldades na cópia de

desenhos geométricos, não completamento de figuras familiares incompletas, etc. );

6) Problemas de visão periférica e de focagem visual;

7) Di iculdades em manter conscientes as propriedades invariáveis de um objecto ou de uma imagem (não identifica 0 0 como quadrados ou não identifica a, com à,

a: A. ff);


8) Dificuldades em identificar sequências visuais (inêxito em situações de identificação, como por exemplo:

00 00 00 00 00


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DISSECA ÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA


9) Dificuldades de integração visuomotora (inêxito em realizar labirintos gráficos, dificuldades ao nível do grafismo rítmico com erros de reprodução e de orientação);
10) Dificuldades em discriminar a figura do fundo (não identifica um triângulo em fichas do tipo que se segue:

_ ou não identifica a palavra ucasa" noutra flcha A ou é incapaz de pintar o círculo na seguinte flcha:


A título de exemplo, apresentamos agora resumidamente as características de comportamento, algumas formas simples de diagnóstico e algumas estratégias educacionais por cada um dos principais tipos de dificuldade de aprendizagem da leitura: dificuldades auditivas e dificuldades visuais.
Dificuldades auditivas (dislexia auditiva disfonética)
Caracteristicas do comportamento
1) Problemas na captação e na integração de sons;

2) Não-associação dos símbolos gráficos com as suas componentes auditivas;

3) Não-relacionação dos fonemas com os monemas (partes e todo da palavra);

4) Confusão de silabas iniciais, intermédias e finais;

5) Problemas de percepção e imitação auditiva;

6) Problemas de articulação;

7) Dificuldades em seguir orientações e instruções;

8) Dificuldades de memorização auditiva;

9) Problemas de atenção;

10) Dificuldades de comunicação verbal.


Formas simples de diagnóstico
1) Inêxito em distinguir semelhanças e diferenças de sons (não diferencia tua, de sua, nem mão de não, );

2) Não identifica sons em palavras, nem sintetiza sons;

3) Não realiza a dissecação de silabas; 4) Dificuldades na composição de sons;

5) Dificuldades na sequência de sons;


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INSUCESSO ESCOL4R - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA


6) Dificuldades na retenção e na reprodução de estruturas rítmicas; 7) Dificuldades na leitura oral;

8) Dificuldades na compreensão da leitura;

9) Não fixa nem produz rimas nem lenga-lengas;

10) Dificuldades na articulação de palavras polissilábicas.


Algumas estratégias educacionais
1) Desenvolver a correspondência entre a visão e a audição; 2) Utilizar métodos visuais e globais, com recurso a imagens e fichas

coloridas e desenhadas;

3) Frases simples;

4) Refinar as aquisições auditivas (treino auditivo, discriminação e sequências auditivas);

5) Imitação e reprodução de sons e palavras;

6) Códigos rítmicos;

7) Agrupamento de sons;

8) Análise e síntese de sons com reforço visual;

9) Reauditorização;

10) Utilizar métodos tactiloquinestésicos (letras móveis);

11) Utilizar a leitura silenciosa;

12 Discussões orais e exposição de acontecimentos;

13) Utilização de figuras e bandas desenhadas.
Dióculdades visuais (dislexia visual discidética)
Caracteristicas do comportamento
I) Dificuldades na interpretação e na diferenciação de palavras; 2) Dificuldades na memorização de palavras;

3) Confusão na configuração de palavras;

4) Frequentes inversões, omissões e substituições;

5) Problemas de comunicação não verbal;

6) Problemas na grafomotricidade e na visuomotricidade; 7) Dificuldades na percepção social;

8) Dificuldades em relacionar a linguagem falada com a linguagem escrita.


Formas simples de diagnóstico
1) Dificuldades em conswir quebra-cabeças;

2) Dificuldades em copiar figuras geométricas e grafismos rítmicos; 3) Dificuldades de controlo visual (perseguição, fixação e rotação binocular);

4) Dificuldades em diferenciar forma, cor, tamanho e posição;
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DISSECAÇ'ÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA


5) Problemas de organização espacial e de sequência visual; 6) Dificuldades em identificar letras e palavras;

7) Dificuldades no uso de plurais e de tempos dos verbos;

8) Não relaciona imagens ou figuras com palavras; 9) Não reconhece imagens ou objectos comuns;

10) Não rememoriza palavras e imagens.


Algumas estratégias educacionais
I) Métodos analíticos e métodos fonéticos;

2) Relacionar letras com sons singulares;

3) Utilizar palavras com a mesma configuração; 4) Identificação de sons não verbais e verbais;

5) Associar sons (sintetizar silabas); 6) Utilização de famlias de palavras;

7) Pequenas frases e pequenas histórias;

8) Aperfeiçoar as dificuldades visuais com situações de visuomotricidade;

9) Discriminação e organização de pontos, formas e configurações; 10) Detectar pormenores em figuras incompletas;

11) Orientação diferenciada de palavras; 12) Sequência de estruturas de palavras;

13) Valorizar a velocidade de discriminação visual.
A criança pode fundamentalmente revelar dificuldade num plano, ou visual ou auditivo, como pode apresentar problemas em ambas as áreas de processamento da informação. Nada impede que a criança utilize a expressão oral, só que a integração e a assimilação da linguagem escrita se encontram comprometidas, podendo afectar, como é óbvio, o seu desenvolvimento cognitivo.

Para nos apercebermos destes problemas, e no sentido de podermos intervir, devemos estar aptos a construir elementos de diagnóstico ou de identificação visual e auditiva, a fim de conhecermos profundamente a criança, antes de orientarmos a sua aprendizagem, de acordo com as suas necessidades específicas, que devem ser conhecidas antecipadamente.

Somos de opinião de que o professor primário deve ele próprio construir os seus instrumentos de diagnóstico psicopedagógico (diagnóstico informal ou diagnóstico baseado no curnculo) a fim de conduzir a sua actividade mais coe rentemente, isto é, de acordo com umá criança concreta que se conhece nos seus comportamentos peculiares. Não há necessidade de sofisticados processos de diagnóstico, mas é do maior interesse o uso de instrumentos que permitam detectar precocemente qualquer dificuldade de aprendizagem, pois só assim uma intervenção psicopedagógica pode ser considerada socialmente útil, pois quanto mais tarde for identificada a dificuldade, menos hipóteses haverá para a solucionar correctamente.
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I I III

CAPÍTULO 14
ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS

E PSICOMOTORES DA DISLEXIA


Há mais de 100 anos, não havia um só país em que a maioria da população não fosse iletrada ou analfabeta. De facto, a alfabetização é algo muito recente. A estimativa da linguagem escrita, em termos históricos, cifra-se em cerca de 10 000 anos.

A. Marshack, citado por Geschwind 1985, evoca que o aparecimento da linguagem escrita se calcula em 30 000 anos, através de desenhos elaborados em peças de osso significando a produção metódica de sequências de marcas.

A produção metódica de sequências de marcas (Geschwind 1985) subentende uma transcendência e uma significação da acção. A estrutura universal da sintaxe é um prolongamento da eswtura biológica da acção. A sintaxe não emerge de uma acção acidental, esporádica ou arbitrária - ela espelha a acção e representa-a. Em termos filogenéticos e ontogenéticos, a acção precede a linguagem. Antes da linguagem falada, o gesto prepara a palavra, a emoção precede a comunicação, a comunicação não verbal dá origem à comunicação verbal. Trata-se de uma hierarquia e, consequentemente, de uma pré-estruturação neurobiológica (Myklebust 1968, 1975, 1978, Lenenberg 1967, Fonseca 1984). A acção coordenada, planificada e programada, que obedece a uma intenção e à obtenção de um determinado fim, tem também, contida em si própria, paráfrases e uma gramaticalidade (de Hirsch 1984).

Efectivamente, há uma semelhança entre a acção e a linguagem. A linguagem não guia a acção no início do seu desenvolvimento; pelo contrário, a linguagem começa por emergir da acção, depois segue-a, sustenta-a e suporta-a e só mais tarde ela antecipa verbalmente parte da acção, ou seja, da paráfrase. A linguagem é um componente da acção, uma marca que representa a experiência imediata, portanto sensoriomotora e concreta. A relação agente-acção-objecto é universal, está implícita numa sequencializaÇão de acções, que fazem sentido, e dão sentido à localização, aos atributos e à direcção das relações sujeito-objecto. O domínio da acção, que envolve uma complexa integração sensorial (proprioceptiva e exteroceptiva)


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INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA


implica uma discriminação perceptiva concomitante, de onde nasce a linguagem, que por sua vez depende de uma interacção social e colaboral, isto é, uma co-acção, segundo Wasburn e Howell, citados por Bruner 1974.
Figura l32 - Modelo de hierarquia da linguagem e das suas disfunções
A linguagem edifica-se a partir da acção, da motricidade, para posteriormente se libenar do contexto da acção. No bebé, para se compreender o que ele está tentando dizer, é necessário observar aquilo que está fazendo: Do Homo habilis ao Homo sapiens, o mesmo processo de continuidade ocone inexoravelmente. Nas sociedades primitivas (Hunter-Gatherer Societies), não se usava a linguagem fora da esfera da acção.

As várias teorias da origem da linguagem oferecem outros dados que ilustram a interdependência sistémica entre a acção e a linguagem. Barber 1977, por exemplo, apresenta as seguintes teorias sobre a origem da linguagem:


1) Teoria da imitação de sons da natureza (The Bow-Bow Theory choros de animais, gestos e sons de animais como um vocabulário primitivo);

2) Teoria das emoções institivas (The Pooh-Pooh Theory - expressões de dor e alegria, interjeições, sinais de aviso e de perigo);

3) Teoria nativista (The Ding-Dong Theory - uso da faculdade instintiva de expressões vocais);
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ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA DISLEXIA


4) Teoria do coesforço (The Yo-He-Ho Theory - evoca que a linguagem emerge dos barulhos e sons provocados por quem trabalha em conjunto, desenvolvendo um esforço muscular intenso que induz ao abrir e fechar da glote e das cordas vocais);

5) Teoria gestual (The Gesture Theory - presume que a linguagem verbal decorre da motricidade, reforçando que os centros cerebrais que controlam os movimentos da mão estão intimamente ligados aos centros que controlam os órgãos vocais;

6) Teoria musical (The Musical Theory - é uma teoria que procura unir as anteriores num todo, especificando que a origem da linguagem consiste em palavras muito longas, alternadas com intervalos musicais usando tons e timbres); por último, e ilustrando mais uma vez a interdependência da acção e da linguagem:

7) Teoria do Contacto (The Contact Theory - a linguagem é vista como o resultado da necessidade instintiva de contacto com os companheiros de grupo).


A linguagem libertou-se das condições a partir das quais -ela se pode perceber (input auditivo ou output tactiloquinestésico e oromotor do aparelho fonador), bem como das condições de comportamento que a acompanham (Bruner 1974).

Para se ilustrar tal dependência recíproca da acção e da linguagem, ou seja, da motricidade e da intencionalidade, o extremo-limite é o da linguagem escrita, que se liberta espacial e temporalmente das condições motoras e sensoriais que permitem a sua materialização. Na evolução da linguagem, depara-se-nos o facto de ela nascer da acção (acção sequencializada, ou produção metódica sequencializada ou produção metódica de sequências de marcas), para progressivamente se libertar e se tornar independente das condições sensoriomotoras da sua utilização.

A condição de sequencializar, de seriar, de ordenar temporalmente as acções é, para muitos autores (Luria 1966, 1969 e 1975, Das, Kirby e Jarman 1975), um processo mental imprescindível à compreensão, à elaboração e à expressão da linguagem.

A organização da linguagem, em termos psiconeurológicos, parece assim subentender substractos neurológicos que estão por detrás da organização, das praxias.

Piaget 1960, sobre esta questão, defme praxia como um sistema de movimentos coordenados (sequencializados, dizemos nós) em função de um resultado ou de uma intenção. É este o sentido da coordenação e da sequencialização, que queremos realçar na sintaxe da acção como alicerce da linguagem humana. Piaget 1960 e 1973 vai mais longe, quando evoca que tais sistemas de movimentos não são reflexos, nem automáticos, mas sim movimentos coordenados numa sequência espaciotempora! intencional.


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