Língua Portuguesa volume 1



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5. Releia o último verso do soneto de Florbela Espanca. Pode-se afirmar que esse verso interrompe as repetições encontradas nos versos anteriores e contraria o que foi dito até esse momento.

Vamos entender como se conseguiu tal efeito:

a) Que expressão do último verso representa uma oposição a “Sonho que”, repetida nos versos anteriores?

b) Todos os sonhos enumerados nos versos anteriores são negados por uma palavra do último verso. Qual é essa palavra?

c) As reticências no interior do último verso provocam uma interrupção na leitura (enquanto os versos anteriores são de leitura mais fluente, contínua). Além disso, a pausa que as reticências indicam antes de “E não sou nada!...” torna mais dramático e expressivo o final do poema. Considerando essas afirmações, faça leituras expressivas do soneto. Primeiro, leia-o da forma como ele está pontuado; depois, faça a leitura como se, no último verso, não houvesse as reticências.

6. O som dos versos também contribui para a tradução da ideia principal de um poema. Releia o soneto, agora atentando para o som representado pelas consoantes oclusivas b, d, p, q e t. Nesse contexto, a frequência desse som:

a) sugere serenidade e dá suavidade aos versos.

b) sugere contenção de sentimentos, dando certa dureza aos versos.

c) ajuda a criar um clima adequado ao final do poema, em que o eu lírico revela uma visão negativa de si mesmo.

d) torna os versos fluidos e alegres.

Observe a escansão deste verso:

escansão: ato de decompor um verso em seus elementos métricos.

©Ukbar Filmes/Reprodução



Cena do filme Florbela, de Vicente Alves do Ó, Portugal, 2012, inspirado em determinado período da vida de Florbela Espanca. A atriz Dalila Carmo, em cena, representa a poetisa. Segundo a imprensa, esse foi o filme mais visto em Portugal em 2012.

Mes / mo os / de al / ma/ pro / fun / da e in /sa / tis / fei / ta!

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A sexta e a décima sílabas poéticas, destacadas no verso, são tônicas, isto é, são pronunciadas com mais intensidade que as outras. Em todos os versos de um soneto, certas sílabas devem ser tônicas. Isso ajuda a dar ritmo ao poema.



7. Exceto no primeiro verso, Florbela Espanca seguiu essa regra à risca.

a) Escolha qualquer verso do soneto “Vaidade” e comprove essa afirmação.

b) Releia o soneto em voz alta observando a intensidade sonora que recai sobre a sexta e a décima sílabas poéticas. Perceba como isso contribui para dar cadência aos versos.

8. O título do soneto aqui apresentado é “Vaidade”. Leia duas acepções (sentidos) dadas pelo dicionário a essa palavra.

vai.da.de[…] 1. Qualidade do que é vão, vazio, firmado sobre aparência ilusória. 2. Valorização que se atribui à própria aparência, ou quaisquer outras qualidades físicas ou intelectuais, fundamentada no desejo de que tais qualidades sejam reconhecidas ou admiradas pelos outros.

HOUAISS, Antonio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.


Por que as consoantes b, d, p, q e t são chamadas de oclusivas?

Oclusivo é aquilo que causa oclusão, fechamento, obstrução passageira de uma abertura.

Experimente pronunciar essas consoantes lentamente, prestando atenção na posição e no movimento dos lábios e da língua. Note que há um obstáculo à passagem do ar: quando é expelido da boca, o ar sai de maneira “explosiva”.

a) Que palavras ou versos do soneto confirmam o segundo sentido do termo vaidade?

b) Qual dos sentidos encontrados no dicionário poderia ser associado com mais precisão ao último verso do poema (“acordo do meu sonho... E não sou nada!...”)? Por quê?

c) Que sentido da palavra vaidade o poema exprime? Explique sua resposta.

O que um poema comunica, em geral, não diz respeito apenas ao poeta ou ao eu lírico, mas também revela aflições e sentimentos que podem ser compartilhados por muitas pessoas em alguma fase da vida. Assim, ao ler o soneto aqui estudado, pode-se depreender dele sua essência e verificar se nos identificamos com ela. Veja:

“Sonho que sou a Poetisa eleita,

[...]

acordo do meu sonho... E não sou nada!...”



Se substituirmos a expressão “a Poetisa eleita” por qualquer outra relacionada à nossa realidade, nos daremos conta de que, em muitos momentos da vida, sonhamos ser especiais, sonhamos nos destacar em alguma área e, despertados do sonho (no sentido de aspiração, desejo), muitas vezes percebemos estar distantes daquilo que desejávamos ser.

9. Durante a leitura do soneto, você se identificou, em algum momento, com o eu lírico? Conhece alguma história que poderia ilustrar o mesmo sentimento expresso por ele?

Note que a poetisa compôs todos os versos com dez sílabas poéticas e seguiu o esquema de rimas ABAB/BABA/CCD/EED: nas duas primeiras estrofes, fez rimas cruzadas (o primeiro verso rima com o terceiro, e o segundo rima com o quarto); nas duas últimas estrofes, fez rimas emparelhadas (entre dois versos seguidos); além disso, rimou o último verso da terceira estrofe com o último verso da quarta estrofe.

Mas por que observar esses detalhes? Porque a poesia é uma arte literária que, se soubermos compreendê-la no que tem de mais particular — a integração entre conteúdo e forma —, nos proporcionará prazer e descobertas.

Habilidades leitoras

Para ler o soneto “Vaidade”, você:

inicialmente identificou a ideia principal do texto;

procurou os elementos que se repetiam e, desse modo, reforçavam a ideia principal;

analisou alguns recursos que construíram a sonoridade dos versos e tentou associá-los ao conteúdo do poema;

verificou que o texto literário comunica algo que diz respeito ao artista e ao ser humano de modo geral;

buscou identificá-lo com sua história pessoal, fazendo um exercício de associação de ideias;

identificou uma oposição às ideias reiteradas ao longo dos versos e analisou-a, descobrindo que a integração entre o conteúdo e a forma em um poema proporciona aquilo que chamamos de prazer estético.



Texto 2

O próximo soneto é de um poeta brasileiro, Guilherme de Almeida, considerado exímio sonetista.

Soneto XXXII

Guilherme de Almeida

Quando a chuva cessava e um vento fino

franzia a tarde tímida e lavada,

eu saía a brincar, pela calçada,

nos meus tempos felizes de menino.

Fazia, de papel, toda uma armada;

e, estendendo meu braço pequenino,

eu soltava os barquinhos, sem destino,

ao longo das sarjetas, na enxurrada...

Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,

que não são barcos de ouro os meus ideais:

são feitos de papel, são como aqueles,

perfeitamente, exatamente iguais...

— Que os meus barquinhos, lá se foram eles!

Foram-se embora e não voltaram mais!

ALMEIDA, Guilherme de. Nós. São Paulo: Oficinas de O Estado de São Paulo, 1917.

armada: conjunto de navios de guerra.
©iStockphoto.com/Vizerskaya
O autor

Guilherme de Almeida (1890-1969) nasceu em Campinas (SP). Foi poeta, jornalista, dramaturgo, advogado, tradutor e ensaísta. Boa parte de sua produção poética é marcada pelas formas fixas, como o soneto, e por temas melancólicos. Foi o primeiro modernista a entrar para a Academia Brasileira de Letras, em 1930. Entre suas principais obras, destacam-se: Nós (1917), A dança das horas (1919), Cartas do meu amor (1941), Meus versos mais queridos (1967). Fotografia de 1952.

Folhapress/Folhapress



Interpretação do texto

1. Lendo esse soneto, percebemos que, em relação ao conteúdo, ele poderia ser dividido em duas partes: uma representada pelas duas primeiras estrofes e a outra pelas duas últimas. Considerando essa organização da composição poética, responda a estas questões em seu caderno:

a) Do que trata cada parte do poema?

b) Que tempo verbal predomina em cada parte e qual a relação dele com o conteúdo do texto?

2. Na primeira parte do texto, predominam as ideias de felicidade (“tempos felizes de menino”), de realização (“Fazia, de papel, toda uma armada”) e de confiança no futuro (“eu soltava os barquinhos, sem destino”). Que ideias predominam na segunda parte?

3. Leia estas observações produzidas sobre o soneto de Guilherme de Almeida em estudo. Transcreva a(s) alternativa(s) correta(s) no caderno.

a) Na primeira parte do poema, as frases são mais longas e menos interrompidas pela pontuação.

b) Na primeira parte, há vários pontos-finais no interior dos versos, o que favorece o suspense da descrição.

c) A segunda parte traz mais frases curtas que a primeira e outros sinais de pontuação, além das vírgulas e das reticências.

d) A leitura da primeira parte é mais fluida (fácil, fluente) que a da segunda.

e) A extensão das frases e a pontuação contribuem para reforçar as ideias expressas em cada parte.

f) Não se pode perceber relação entre a pontuação e as ideias expressas no poema.

Observe que a pontuação é um importante recurso expressivo na construção de um poema, pois, por meio dela, é possível garantir maior fluidez do texto ou, ao contrário, promover seu truncamento em razão do excesso de interrupção das ideias. De todo modo, é essencial interpretar a pontuação, considerando sempre as informações recorrentes.



4. Esse poema, escrito na primeira metade do século XX, é comovente porque trata de uma questão comum a grande parte das pessoas: a oposição entre um momento de clara felicidade (muitas vezes localizado na infância) e um momento de perda dos ideais, dos sonhos.

a) Para você, o que são ideais?

b) Para o eu lírico do poema, a felicidade da infância e os ideais construídos nela seriam muito difíceis de alcançar na vida adulta. Você se identifica com esses pensamentos? O que pensa sobre seus sonhos de infância e seu futuro?

Conhecimentos linguísticos

Figuras de sintaxe: anáfora, anacoluto e hipérbato

Para relembrar

Uma oração pode ser formada por dois termos: sujeito e predicado.

Sujeito é o termo com o qual o verbo concorda, geralmente composto de uma expressão com valor de substantivo, ou seja, que equivale a um substantivo. Quando o sujeito de uma oração é retomado nas orações seguintes, ele pode ser substituído por um pronome ou mesmo ficar elíptico (omitido).

Observe:


O grego foi a primeira língua internacional; / ele serviu de base para muitos idiomas, / mas hoje [o grego] é falado em poucos lugares.

sujeito da 1a oração = O grego

sujeito da 2a oração = ele

sujeito da 3a oração (elíptico) = o grego

Predicado é tudo o que resta na oração se tirarmos dela o sujeito. Veja:

O grego foi a primeira língua internacional, / ele serviu de base para muitos idiomas, / mas hoje é falado em poucos lugares.


Em nossa língua, a posição habitual do sujeito é antes do verbo, mas é possível encontrá-lo em outra posição. Por exemplo:

Uma linda homenagem aos atletas ocorreu durante a abertura dos Jogos Olímpicos.

Ocorreu uma linda homenagem aos atletas durante a abertura dos Jogos Olímpicos.

predicado da 1a oração = foi a primeira língua internacional

predicado da 2a oração = serviu de base para muitos idiomas

predicado da 3a oração = mas hoje é falado em poucos lugares
Em língua portuguesa, a ordem mais frequente da oração é a direta: sujeito + verbo + complementos (objeto direto, objeto indireto, adjuntos adverbiais). Por exemplo: “As aulas já começaram nesta escola?”.

Estamos tão acostumados com essa ordem que, sobretudo na língua falada, podemos acabar nos confundindo e transferindo a concordância da ordem direta para uma frase que está na ordem indireta.

Assim, quem diz uma frase como “Nesta escola já começou as aulas?” pode estar — por engano — concordando o verbo começar com o antecedente nesta escola, que não é sujeito — mas, sim, adjunto adverbial —, porém está na posição habitual do sujeito.

Muitas vezes, a construção de uma frase se afasta da estrutura gramatical a que estamos habituados, para que um de seus elementos seja destacado. Chamamos de figura de sintaxe ou de construção a esse recurso expressivo.



1. A anáfora (ou repetição) é uma figura de sintaxe em que palavras ou expressões se repetem no início ou no fim de várias orações ou versos. É sobre essa figura de sintaxe que se apoia parte da construção do soneto “Vaidade”, de Florbela Espanca. Veja os casos de anáfora do poema e depois relacione cada estrofe às possibilidades de interpretação dadas a seguir.
Caso 1

Sonho que sou a Poetisa eleita,”

Sonho que um verso meu tem claridade”

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...”

Caso 2

“aquela que diz tudo e tudo sabe,”



que tem a inspiração pura e perfeita,”

que reúne num verso a imensidade!”

Caso 3

mesmo aqueles que morrem de saudade!”



Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!”

Caso 4


E quando mais no céu eu vou sonhando,”

e quando mais no alto ando voando,”


Luiz Sacilotto/Coleção Particular

Luiz Sacilotto. Concreção 5522, 1955. Óleo sobre madeira. Dimensões: 48 cm × 57 cm. Observe o ritmo impresso, por esse artista brasileiro, no fundo vermelho pelas formas retangulares sobre esse fundo, espaçadas regularmente em retângulos que se ampliam da esquerda para a direita no plano de cima e que diminuem em ritmo parecido no plano de baixo. Observe a alternância das cores verde e preto, repetindo-se também e ajudando a compor um ritmo por meio da linguagem visual.

  1. Enumeração das qualidades do eu lírico.

  2. Desejo de rendição de todos à beleza de seus versos.

  3. Desejo de reconhecimento.

d) Indício de perda dos limites, de possibilidade de frustração.

2. Releia este verso do soneto de Guilherme de Almeida:

“— Que os meus barquinhos, lá se foram eles!”



  1. Quantos verbos e, portanto, quantas orações há no verso?

  2. Lembrando que sujeito é o termo da oração com o qual o verbo concorda e que ele não pode ser separado do predicado por vírgula, identifique o sujeito no verso acima.

  3. O pronome eles se refere a qual termo anterior?

  4. Analisando o trecho “lá se foram eles”, observamos que ele é sintaticamente completo: há um sujeito (eles) e um predicado (lá se foram). Portanto, qual termo de “— Que os meus barquinhos, lá se foram eles!” não tem função sintática?


3. Segundo o Dicionário eletrônico Houaiss, anacoluto é um “período iniciado por uma palavra ou locução, seguida de pausa, que tem como continuação uma oração em que essa palavra ou locução não se integra sintaticamente, embora esteja integrada pelo sentido”.

Considere essa informação e a resposta ao item d da questão anterior e explique como se dá o anacoluto no verso: “— Que os meus barquinhos, lá se foram eles!”.



4. Observe este verso do poema:

“Fazia, de papel, toda uma armada”



  1. Reescreva-o na ordem direta.

  2. Alterar a ordem sintática de um termo em uma oração é um excelente recurso para realçar o termo que é deslocado de sua posição habitual e colocado em outra posição. Que termo foi realçado por ter sofrido deslocamento?

  3. Releia a terceira estrofe do soneto. Com o que o eu lírico compara os seus barquinhos feitos de papel?

  4. Ao fazer o deslocamento do termo nesse verso, o que o eu lírico realça?

Conclusão

Existe, na língua portuguesa, uma maneira habitual de organizar os termos dentro de uma oração, de organizar as orações em períodos mais complexos e de organizar os períodos no texto. Às vezes, porém, nos afastamos um pouco do usual para tornar nossos textos mais expressivos.

Quando esse desvio da norma diz respeito à repetição de termos, ou a uma inversão dos termos na oração, ou a uma interrupção na estrutura da frase, ele é chamado de figura de sintaxe ou de construção. A anáfora, o anacoluto e o hipérbato são exemplos de figuras de sintaxe.

A anáfora consiste na repetição de uma ou mais palavras no início de duas ou mais orações, períodos ou versos sucessivos. Por exemplo:

Lá vai o trem com o menino

Lá vai a vida a rodar

Lá vai ciranda e destino

[...]


GULLAR, Ferreira. Melhores poemas. 6. ed. São Paulo: Global, 2000.
No anacoluto, a frase começa com um termo que tem como continuação não a sequência esperada, mas uma oração completa sintaticamente. O termo inicial, então, fica solto, e a frase parece quebrada:

Essa viagem, quem me dera ter ido para Manaus!

Quem ama o feio, bonito lhe parece.

Hipérbato, por fim, é a inversão da ordem direta dos termos de uma oração:

Sempre muito de cachorro eu gostei.

Atividades de fixação

1. Nos versos a seguir, você encontrará figuras de sintaxe. Leia-os com atenção.

“...eles, o seu único desejo é exterminar-nos.” (Almeida Garret)

“Não fui eu, que te não ousei dizê-lo. / Não foi um outro, porque o não sabia. / Mas quem roçou da testa teu cabelo / E te disse ao ouvido o que sentia? / Seria alguém, seria?” (Fernando Pessoa)

“Não te esqueças daquele amor ardente / que já nos olhos meus tão puro viste.” (Luís de Camões)

“Amo do nauta o doloroso grito / em frágil prancha sobre o mar de horrores / porque meu seio se tornou pedra.” (Fagundes Varela)

“Por que não voltas, mulher que passas? / Por que não enches a minha vida? / Por que não voltas, mulher querida [...]” (Vinicius de Moraes)

nauta: marujo, marinheiro.
Em seu caderno, escreva os versos:


  1. em que a repetição enfatiza um desejo.




  1. em que a ideia inicial é interrompida e um termo, que parecia importante à informação, acaba ficando solto.




  1. em que os termos da oração foram invertidos para dar realce a outro.




  1. em que a repetição enfatiza a negação de uma declaração de amor cuja autoria permanece desconhecida. Nesses versos, há também um caso de inversão de termos para realçar a proximidade dos amantes.


2. Leia e identifique a figura de sintaxe em cada caso. Escreva as respostas no caderno.

a) Nem tudo que ronca é porco,

nem tudo que berra é bode,

nem tudo que reluz é ouro,

nem tudo que se quer falar se pode.

Quadrinha popular.


b) De médico, poeta e louco, todo mundo tem um pouco.


  1. Na barba do tolo aprende o barbeiro novo.




  1. Os livros, não sei o que fazer com eles.




  1. Perdão, quem disse que estou arrependido para pedi-lo?

3. Orações fora da ordem direta não são exclusividade de textos poéticos. Elas podem ser encontradas em outros gêneros textuais, até nos que reproduzem a linguagem cotidiana. Leia esta tira:

Nem tudo que ronca é porco,

nem tudo que berra é bode,

nem tudo que reluz é ouro,

nem tudo que se quer falar se pode.

Quadrinha popular.

© 2001 Joaquín Salvador Lavado (Quino)/ Acervo do cartunista

QUINO. Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 2001.



  1. Reescreva na ordem direta a fala do primeiro quadrinho.

b) Tente explicar o emprego da ordem indireta nessa fala.



4. A repetição no último balão é fundamental para a construção do humor da tira a seguir. Explique qual sensação do menino a repetição ajuda a enfatizar.

Peanuts, Charles Schulz © 1968 Peanuts Worldwide LLC. / Dist. by Universal Uclick

SCHULZ, Charles M. Você tem muito o que aprender, Charlie Brown! São Paulo: Conrad, 2004. p. 40.

Atividades de aplicação

1. Saber identificar uma figura de sintaxe só é válido se conseguimos perceber de que maneira esse recurso ajuda a ressaltar os sentidos de um texto.

Leia o poema a seguir e faça no caderno o que se pede.



Igual-desigual

Carlos Drummond de Andrade

Eu desconfiava:

Todas as histórias em quadrinhos são iguais.

Todos os filmes norte-americanos são iguais.

Todos os filmes de todos os países são iguais.

Todos os best-sellers são iguais.

Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são iguais.

Todos os partidos políticos são iguais.

Todas as mulheres que andam na moda são iguais.

Todas as experiências de sexo são iguais.

Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais

e todos, todos

os poemas em verso livre são enfadonhamente iguais.

Todas as guerras do mundo são iguais.

Todas as fomes são iguais.

Todos os amores são iguais.

Iguais todos os rompimentos.

A morte é igualíssima.

Todas as criações da natureza são iguais.

Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.

Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa.

Ninguém é igual a ninguém.

Todo ser humano é um estranho

ímpar.


ANDRADE, Carlos Drummond de. A palavra mágica. Rio de Janeiro: Record, 1998.
gazel: poesia amorosa, geralmente erótica, dos persas e dos árabes.

virelai: forma poética e musical francesa muito popular entre os séculos XIII e XV.

sextina: poema de forma fixa geralmente composto em versos decassílabos e seis estrofes de seis versos.

rondó: composição poética com estribilho constante.

M. C. Escher. Céu e água, 1938. Xilogravura. Dimensões: 43,5 cm × 43,9 cm. Observe como essa obra também trabalha a questão de semelhanças e diferenças

M.C. Escher/M.C. Escher Foundation, Baar, Países Baixos



  1. Que figura de sintaxe se destaca no poema? E que ideia expressa no poema é reforçada por esse recurso?




  1. No final do poema, no entanto, a repetição da estrutura sujeito (todos os) + verbo de ligação (é/são) + predicativo do sujeito (igual/iguais) é interrompida, retomada e interrompida novamente. A primeira interrupção acontece com o verso “Iguais todos os rompimentos”, no qual ocorre hipérbato. Essa inversão sintática do verso é acompanhada também por uma inversão da ideia principal do poema? Explique sua resposta.

c) Copie o verso que marca a segunda mudança de estrutura no poema. Que relação você vê entre essa mudança e o conteúdo dos quatro últimos versos?



2. Leia o poema a seguir, do poeta e letrista carioca Chacal (1951-).

Sete provas e nenhum crime

Chacal

Havia a mancha de sangue no jaleco

E nenhum corpo

Havia a cadeira de rodas vazia

E nenhum suspeito

Havia o olhar rútilo, o rosto crispado

E nenhum motivo

Havia o cheiro impregnado no copo

E nenhuma digital

Havia o vírus, o bilhete, a arma branca

E nenhum delito

Havia em vão a confissão

E nenhum ilícito

Havia um gato emborcado no aquário

E peixe nenhum

CHACAL. Boa Companhia: poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.


jaleco: jaqueta curta; espécie de guarda--pó curto usado por médicos, dentistas, etc.

rútilo: brilhante, claro.

crispado: contraído, franzido.

ilícito: crime.

emborcado: de cabeça para baixo.

©iStockphoto.com/otisabi

A linguagem poética procura evidenciar a mensagem de maneira criativa. Pensando nisso, responda no caderno:


  1. Quais são as sete provas para o possível crime?




  1. Qual é a palavra que, a cada vez que se repete, indica uma situação em que há um acontecimento provocado por algo que não se pode definir?




  1. Escreva os sete indícios de que não poderia ter acontecido crime nenhum.




  1. Que palavra se repete para indicar falta de evidências criminais?

e) Os substantivos gato e peixe podem fazer referência, respectivamente, a:

policial e investigador

criminoso e vítima.

policial e bandido

cadáver e assassino


  1. No texto lido, a repetição de palavras e expressões tem a função de evidenciar a mensagem do poema, a ideia principal. Em torno de qual figura de sintaxe está organizado o poema?

3. Releia os dois últimos versos do poema.

  1. A sequência de pistas apresentadas ao longo do poema encaminha o leitor para a cena dada nos últimos versos?

  2. Que elementos desses últimos versos quebram a expectativa criada no poema?

  3. A quebra da expectativa, no último verso, coincide com uma quebra na estrutura. Explique essa afirmação.

d) Relacione a cena apresentada nos dois últimos versos ao recurso sintático usado na construção do poema e conclua, completando no caderno a frase a seguir. O poema pode sugerir que:

uma sucessão de expectativas que não se realizam seria uma metáfora para a própria vida.

as repetições do cotidiano transformam nossos sonhos em crimes.

o gato e o peixe são metáforas do desejo de todo ser humano de cometer um delito.

Produção de texto

Soneto

O soneto é um poema, texto escrito em versos, caracterizado por ter uma estrutura fixa: duas estrofes com quatro versos, os quartetos, e duas estrofes com três versos, os tercetos.

Além de sua estrutura bem definida, outra característica do soneto é a concisão, isto é, a expressão de uma gama de informações em um número exato de versos, rigorosamente rimados e de mesma métrica.

Para chegar a essa construção tão racional e elaborada, o poeta deve considerar:

a métrica: além dos versos decassílabos, ou seja, de dez sílabas poéticas, os sonetos podem ter versos de doze sílabas poéticas (denominados alexandrinos), de sete sílabas poéticas (chamados de redondilha maior) ou de cinco sílabas poéticas (redondilha menor);

a sonoridade: existem regras para a disposição das sílabas tônicas no verso. Por exemplo, nos decassílabos, devem ser tônicas a sexta e a décima sílabas poéticas — ou a quarta, a oitava e a décima sílabas; nos alexandrinos, são tônicas a quarta, a oitava e a décima segunda sílabas poéticas;

o esquema de rimas: originalmente, os sonetos eram construídos com o esquema ABBA/ABBA/CDE/CDE.
Andrea del Castagno/Galleria degli Uffizi, Florença, itália

Andrea del Castagno. Francesco Petrarca, c. 1450. Afresco. Dimensões: 247 cm × 153 cm. Os poemas do italiano Francesco Petrarca (1304-1374), reunidos em uma coleção que foi denominada, posteriormente, por poetas renascentistas como O cancioneiro, serviram de modelo para os sonetos do português Luís Vaz de Camões (1524?-1580).

Como os textos não são estruturas fixas, imutáveis, mas estão se adequando às novas organizações culturais e às mudanças da sociedade, hoje há outras formas de dispor as rimas (observe os sonetos estudados neste capítulo) e até de organizar os versos nos sonetos. Já a estrutura das estrofes — dois quartetos e dois tercetos — permanece a mesma, facilitando assim o reconhecimento desse formato poético em diferentes momentos históricos.

A linguagem utilizada em um soneto vai depender da situação em que ele é produzido: desde os contextos mais formais aos mais informais, o soneto vai se adaptar às necessidades do locutor. Quanto aos temas, no início predominava a expressão dos sentimentos íntimos do eu lírico, principalmente os amorosos. Com o tempo, porém, surgiram sonetos satíricos, de temas históricos, entre outros. Na atualidade, o soneto pode tratar dos temas mais diversos, como também pode ser empregado com funções específicas em diferentes gêneros e suportes, por exemplo, o anúncio de revista ou de TV, a carta, etc.



Atividade — Como garantir a progressão textual no soneto por meio da repetição

Como você viu ao longo do capítulo, a anáfora pode servir para organizar as informações de um texto e garantir a progressão do assunto. A seguir, no início de outro soneto de Florbela Espanca, note que o último verso da primeira estrofe começa com uma expressão (tu és, talvez) que é recuperada no início da estrofe seguinte, em que é acrescentada nova informação.



Alma perdida

Florbela Espanca

Toda esta noite o rouxinol chorou,

gemeu, rezou, gritou perdidamente!

Alma de rouxinol, alma da gente,

tu és, talvez, alguém que se finou!
Tu és, talvez, um sonho que passou,

que se fundiu na Dor, suavemente...

Talvez sejas a alma, a alma doente

d’alguém que quis amar e nunca amou!


Bruna Assis Brasil/Arquivo da editora

ESPANCA, Florbela. Poemas. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

Com o objetivo de refletir sobre a anáfora como recurso de progressão textual em sonetos, você vai criar dois tercetos que poderiam finalizar o poema, dando sequência às duas estrofes iniciais. Para isso:

formem duplas e conversem sobre o sentido das estrofes dadas;

comecem o primeiro terceto repetindo a expressão “d’alguém que” e acrescentando novas informações e ideias;

comecem o segundo (e último) terceto repetindo uma expressão que vocês tenham usado no final da estrofe anterior;

a fim de garantir a rima ou de dar mais destaque a uma expressão, não hesitem em alterar a ordem direta da frase, criando um hipérbato, outro expressivo recurso poético.

Produção de autoria

Agora você vai produzir, individualmente, um soneto sem partir de um modelo: ele deverá ser uma criação sua. O tema é livre. Ao escrever, leve em conta as análises feitas no capítulo:

o som e o ritmo dos versos devem enfatizar o sentimento ou a ideia que se deseja expressar;

a concisão e a linguagem devem estar adequadas à situação;

a anáfora, o hipérbato e o anacoluto podem tornar seu texto mais expressivo.

A estrutura do soneto você já conhece: duas quadras e dois tercetos com versos de cinco, sete, dez ou doze sílabas poéticas. Para criar musicalidade, rime os versos seguindo um dos esquemas de rimas vistos no capítulo. A regularidade na tonicidade das sílabas poéticas é um recurso para poetas que dominam a técnica, mas que você também pode tentar empregar em seu soneto.


Preparando a segunda versão do texto

Na revisão do poema, verifique se:

as duas primeiras estrofes têm quatro versos e as duas últimas, três versos;

os versos têm cinco, sete, dez ou doze sílabas poéticas;

foi seguido um dos esquemas de rimas vistos no capítulo;

o som e o ritmo dos versos contribuem para tornar o soneto expressivo.


Reescreva os versos quantas vezes achar necessário.

Guarde seu poema, pois ele poderá ser publicado no final do ano na antologia de textos produzidos pela turma.


No mundo da oralidade

Oralização de poemas

Declamar um poema também é uma forma de produção oral de texto, já que, para isso, é preciso memorizá-lo e reproduzi-lo em outra modalidade: a fala. No entanto, recitar um poema não é apenas repeti-lo em voz alta, mas dar a ele sentido e vida por meio da voz e do corpo.

Isso mesmo: para declamar um poema, seu corpo deverá dizer tanto quanto sua voz. Assim, é fundamental preparar-se para essa atividade, buscando o modo mais adequado para reproduzir um texto escrito por meio da oralidade. O primeiro passo será escolher um poema. Releia os sonetos que você conheceu neste capítulo e selecione o seu preferido. Se quiser, declame um soneto produzido por você ou outro de sua preferência. O importante é ter em mente que, a partir deste momento, vamos nos preparar para uma nova produção: o recital.

Folhapress/Mauro Pimentel



O poeta português Alexandre Diaphra e a brasileira Roberta Estrela D’Alva na favela da Mangueira, no Rio de Janeiro, durante o Rio poetry slam, evento da Feira Literária Internacional das Periferias (Flupp), em 2014. Poetry slam é uma competição de poesia falada em que contam o ritmo e o improviso, entre outros aspectos da declamação de poemas

Recital é uma apresentação artística que se faz para um público. Existem recitais de canto, de música instrumental, de composições literárias.

Depois de escolhido o soneto, seu trabalho deve seguir alguns passos:

Repita-o várias vezes até memorizá-lo.

Tenha em sua mente o sentido do poema, para que a expressão do rosto e a do corpo possam apresentá-lo claramente aos outros. Se, por exemplo, você for declamar um poema que fala de um amor a distância, use sua fisionomia para informar isso: mostre um semblante triste, abatido. Abuse de posturas, olhares e gestos para validar o sentido do texto apresentado.

Dê um tom adequado ao seu poema. A prosódia, ou seja, a observação do ritmo, da altura e do tom dado à fala, pode ter uma função linguística (por exemplo, quando a frase é interrogativa: “Em que espelho perdi a minha face?”) ou pode indicar as emoções ou as intenções do locutor. Assim, se seu poema é triste, elabore um padrão prosódico mais triste, mais pesado, mais lento. Se for um texto de caráter divertido, alegre, dê outra prosódia a ele.

Olhe para a plateia e verifique se está agradando, se está envolvendo-a com sua produção oral. Se perceber que não, você pode falar mais devagar, dar mais pausas, pronunciar as sílabas tônicas com bastante vigor.

O recital poderá ser feito em sala de aula numa data previamente combinada com o professor.



Aproveite para...

... ler

©Editora L&PM/Reprodução

Companhia das Letras/Reprodução

©Editora L&PM Pocket/Reprodução


Cem sonetos de amor, de Pablo Neruda, editora L&PM.

Os principais poemas de amor do poeta chileno Pablo Neruda (1904-


-1973), prêmio Nobel de Literatura de 1971.

Livro de sonetos, de Vinicius de Moraes, editora Companhia de Bolso.

A obra reúne sonetos de Vinicius de Moraes escritos ao longo de trinta anos. O livro ainda conta com nove sonetos publicados depois da morte do escritor. Acervo PNBE.



Livro dos sonetos, organizado por Sérgio Faraco, editora L&PM.

Sonetos clássicos de 84 escritores brasileiros e portugueses, como Camões, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Augusto dos Anjos, entre outros.



... assistir a

O carteiro e o poeta, de Michael Radford (França/Itália/Bélgica,1994).

Este filme, que recebeu vários prêmios, entre eles o Oscar de melhor trilha sonora em 1996, mostra o exílio político do poeta chileno Pablo Neruda em uma ilha na Itália e sua amizade com um tímido carteiro, contratado para cuidar da correspondência do poeta.



Vinicius, de Miguel Faria Júnior (Brasil, 2005).

A realização de um show em homenagem a Vinicius de Moraes é o ponto de partida para a reconstrução da carreira do poeta, cantor e compositor.



... acessar

www.jornaldepoesia.jor.br

Acervo com a produção de poetas, contistas e críticos que escrevem em língua portuguesa. Há tanto obras de escritores consagrados quanto textos de novos autores. Acesso em: 28 jan. 2016.

www.releituras.com



Site que reúne a produção de diversos escritores nacionais e estrangeiros, com acesso a biografias, textos ilustrados, cinemateca e informações sobre vestibulares. Acesso em: 28 jan. 2016.
Literatura

Eu te gosto, você me gosta desde tempos imemoriais”



Para começar

Provavelmente você tem alguma ideia do que seja o amor. Já o experimentou, ouviu falar dele, criou expectativas e talvez tenha vivido alguma frustração em relação a ele. Mas como defini-lo? Do que se compõe o amor: experiência física, sentimentos, mitos? Até que ponto a ideia que temos do que seja isso e as experiências que creditamos a isso afetam nossa vida e nossas expectativas de convívio?

Ao longo da História, as noções de relacionamento afetivo, sexualidade, casamento — elementos que associamos em alguma medida ao amor — passaram por inúmeras transformações. Por exemplo, no século III, os seguidores do cristianismo acreditavam que o casamento casto era o ideal, pois só se podia amar a Deus. No século XVIII, o amor romântico, esse que ainda persiste nos finais felizes de filmes e telenovelas, era motivo de riso. Bem antes, na Grécia antiga, falava-se desses e de outros tipos de relacionamento.

Não escreva neste livro.

Interdisciplinaridade com: Arte, Biologia, Filosofia, História, Sociologia.

Em um belíssimo ensaio intitulado “O complexo de amor”, o filósofo francês Edgar Morin defende que o ser humano é, ao mesmo tempo, sujeito do amor (agente dessa experiência) e submisso a ele. Afirma o filósofo que o amor constitui-se de um conjunto de elementos — físicos, mitológicos, antropológicos, imaginários — que se cristalizam na concepção e na experiência que temos do amor. Ao indagar-se sobre em que momento essa cristalização ocorreu na História, ele se reporta à tese apresentada no livro A origem da consciência e a ruptura do espírito bicameral, do psicólogo estadunidense Julian Jaynes. Leia o trecho em que ele explica essa tese:

©Europa Filmes/Reprodução

Capa do DVD do filme Tristão e Isolda, de Kevin Reynolds, 2006, inspirado na história de origem oral conhecida como "Tristão e Isolda", uma das histórias de amor que melhor representa o chamado amor romântico. Essa narrativa tem inspirado livros e filmes desde a Idade Média até hoje: um homem e uma mulher se apaixonam e enfrentam inúmeros empecilhos na realização desse amor. Na foto, a espada à frente do casal representa sobretudo a proibição desse amor e as dificuldades enfrentadas pelo par amoroso, que, sempre impedido de ficar junto, cada vez se sente mais apaixonado.

[...] Sua tese é a seguinte: nos impérios da Antiguidade, o espírito humano é bicameral. Isso não quer dizer apenas que há dois hemisférios no cérebro, mas que há duas câmaras. A primeira é ocupada pelos deuses, pelo rei-deus, pelos padres, pelo império e pelas ordens que vêm de cima. A pessoa obedece como um zumbi a tudo o que é decretado, porque tudo que vem do alto da sociedade é de natureza divina e sagrada. A segunda câmara é ocupada pela vida privada; ocupamo-nos com os negócios, ensaiamos sobreviver, temos relações afetivas, sexuais, com a esposa. Mas as duas coisas são separadas, e o sagrado e o religioso encontram-se concentrados numa única câmara.

A irrupção da consciência aconteceu na Atenas do século V, onde a comunicação se abre entre as duas câmaras: então cessa a hipersacralidade da primeira, assim como a trivialidade da segunda. Em suma, a sacralidade vai poder precipitar-se e fixar-se sobre um ser individual: o ser amado.

O amor vai aparecer e ser tratado como tal numa civilização em que o indivíduo se autonomiza e se desenvolve. Tudo aquilo que advém do sagrado, do culto, da adoração, pode, então, projetar-se sobre um indivíduo de carne que constituirá o objeto da fixação amorosa. O amor adquire expressão no reencontro do sagrado e do profano, do mitológico e do sexual. Será cada vez mais possível realizar experiência mística, extática, a experiência do culto e do divino, através da relação de amor com um outro indivíduo.

MORIN, Edgar. Amor, poesia, sabedoria. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 20-21.
Fotoarena/Corbis

Edgar Morin (1921-), antropólogo, sociólogo e filósofo francês. Como reação à sociedade fragmentada em que vivemos hoje, Morin propõe o conceito de pensamento complexo buscando recuperar noções de multiplicidade e diversidade perdidas.

1. Reúna-se com três ou quatro colegas e, após conversarem sobre as ideias do texto, pesquisem imagens, letras de música, filmes, poesias que deem ideia do amor como culto a um indivíduo, em que fique clara a mistura entre o desejo e a sacralização do outro. Escolham um dos elementos pesquisados e apresentem-no para a turma com uma análise do lugar ocupado pelo ser amado na situação descrita.

2. Nesse mesmo ensaio, Edgar Morin defende que, se o amor é experimentado ao menos pelos mamíferos em geral, ou seja, existe mesmo sem o uso da palavra, com a experiência física e afetiva, a nomeação desse conjunto complexo de elementos a que chamamos amor tem um grande aliado cultural. Leia:

La Rochefoucauld afirmava que, se não houvesse romances de amor, este nunca seria conhecido. Seria a literatura constitutiva do amor, ou ela simplesmente o catalisa, tornando-o visível, sensível e ativo? De qualquer modo, é pela palavra que simultaneamente se exprimem a verdade, a ilusão


e a mentira que podem circundar ou construir o amor.

La Rochefoucauld: François de La Rochefoucauld (1613--1680), moralista francês.

catalisar: desencadear um processo pela própria presença ou existência; estimular, incentivar.


  1. De acordo com esse trecho, há uma relação profunda entre a ideia que se tem do amor e a literatura. Quais são as duas possibilidades expostas?




  1. Converse com os colegas e o professor: em sua opinião, o amor retratado nos filmes, nos romances, nas telenovelas, nas letras de música corresponde à sua ideia de amor? Ou se trata apenas de uma idealização desse sentimento? Justifique.

Fotoarena/Album



Javier Bardem e Julia Roberts em cena do filme Comer, rezar, amar, de Ryan Murphy, 2010, inspirado no livro homônimo da jornalista Elizabeth Gilbert. Nessa história, a personagem Elizabeth (Julia), depois de desilusões amorosas, viaja para longe. Entre suas novas experiências, dedica-se à busca do autoconhecimento. Ao encontrar Felipe (Bardem), ela vive o conflito entre deixar-se levar pelo romance, e perder seu equilíbrio, ou perder o romance e manter o equilíbrio.

Leia a seguir dois poemas de amor escritos em períodos diferentes: o primeiro é do século XVI, e o segundo do século XII. Verifique o lugar ocupado pelo interlocutor em cada um deles e compare os sentimentos do eu lírico.



Comparando textos

Texto 1

Camões, além de ter escrito o poema épico Os lusíadas, no qual canta os feitos heroicos do povo português, compôs sonetos que expressam o conflito de sentimentos e de sensações em que vivia. E o amor estava entre uma das causas desse seu “desconcerto”. Veja como isso ganha vida no poema a seguir.

desconcerto: desarrumação; transtorno; desacordo.

ser de jeito: ser possível.



"Tanto de meu estado me acho incerto"

Luís Vaz de Camões

Tanto de meu estado me acho incerto,

que em vivo ardor tremendo estou de frio;

sem causa, juntamente choro e rio;

o mundo todo abarco e nada aperto.

É tudo quanto sinto um desconcerto;

da alma um fogo me sai, da vista um rio;

agora espero, agora desconfio,

agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao céu voando;

numa hora acho mil anos, e é de jeito

que em mil anos não posso achar uma hora.

Se me pergunta alguém por que assim ando,

respondo que não sei; porém suspeito

que só porque vos vi, minha senhora.

Espaço Ilusório/Arquivo da editora

CAMÕES, Luís Vaz de. Lírica. São Paulo: Cultrix, 1997. p. 67.

O autor

Luís Vaz de Camões (1524?-1580), o maior poeta português, é admirado até hoje por muitos. Sua obra mais reconhecida, Os lusíadas, foi publicada em 1572. Nesse poema épico, Camões conta as aventuras dos portugueses (ou lusíadas) durante o período das Grandes Navegações.

©Wikimedia Commons/George J Hagar



Rafael Sanzio. Escola de Atenas, 1511. Afresco. Dimensões: 5 m × 7 m. Nessa obra, o tema homenageia a Antiguidade clássica, além de o artista se valer, em sua concepção, de técnicas avançadas em sua época, como a perspectiva, que ajuda a criar, na tela, a impressão de profundidade da imagem.

O mundo de Camões

Camões viveu quando as Grandes Navegações já tinham consagrado seus heróis, navegadores como Vasco da Gama.

No campo político, as navegações haviam fortalecido as monarquias e reduzido o poder da Igreja. Se o mundo sagrado deixava de ser o centro das preocupações da sociedade, o ser humano começou a ocupar esse lugar central.

Os artistas europeus recuperaram o interesse pela filosofia e pela arte da Antiguidade clássica (a dos antigos gregos e romanos), além de cultuar o racionalismo, o gosto pelos mitos clássicos e a procura, na expressão artística, por equilíbrio e simetria. Vivia-se um movimento de renovação artística, intelectual e científica que os historiadores chamam de Renascimento.

Raffaello Sanzio/palácio do Vaticano


  1. O que o eu lírico expressa nesse poema?




  1. Esse soneto pode ser dividido em quatro partes, cada uma delas contendo um período organizado em cada uma das estrofes. A declaração do eu lírico inicia-se com a constatação da inconstância de seus sentimentos: “Tanto de meu estado me acho incerto” e segue com a figuração dessa inconstância até o final da terceira estrofe. A cada parte há um aspecto diferente dessa inconstância, que é revelado também nas escolhas formais.

  1. Os sentimentos expressos na primeira estrofe são concomitantes? Que elementos linguísticos comprovam sua resposta?

  2. E os sentimentos expressos nos dois últimos versos da segunda estrofe, eles são concomitantes? Que elementos linguísticos comprovam sua resposta?

  3. Quais são os desarranjos expressos na terceira estrofe? Em sua opinião, eles são da mesma natureza dos desconcertos expressos nas duas primeiras estrofes? Explique sua resposta.

  4. A última estrofe de um soneto é fundamental para a conclusão do seu sentido. Não é incomum que ela seja uma surpresa, uma revelação. Não é diferente com este de Camões. Qual a revelação apresentada na última estrofe?

  1. Considere a intencionalidade do poema e explique: o que teria levado o eu lírico a encerrar o soneto dessa maneira?

Texto 2

Neste livro, você já teve oportunidade de saber que, durante os séculos de XII a XIV, momento em que a poesia estava diretamente ligada à música, cantava-se o desencanto, o sofrimento por amor, louvavam-se a mulher e os amores impossíveis, entre outros temas.

O poema a seguir é uma cantiga de amor, composta no século XIII. Trata-se de uma declaração a uma pessoa amada. Leia atentamente a cantiga e compare-a ao soneto de Camões (Texto 1), que foi publicado séculos depois desse poema.

A lírica de Camões

Os poemas líricos de Camões revelam os dilemas da época em que ele viveu, quando a busca de uma explicação racional para as coisas do mundo coexistia com valores medievais. Seus temas são universais: a efemeridade da vida; as relações conflitantes entre o que acredita ser correto, racional, e as injustiças que vê à sua volta; as contradições do amor.

O soneto, nova forma poética utilizada na obra de Camões, permitia a ele construir poemas — com introdução, desenvolvimento e conclusão — por meio dos quais o eu lírico questiona a própria emoção, e não apenas a confessa.

alongar: separar.

senhor: senhora.

fremoso parecer: aparência formosa.

dized’: dizei.

coita: sofrimento amoroso.

coraçon: coração.

pesar: magoar-se.

ca: que.

alhur: em outro lugar.

pois: após.

u: onde.


Quando mi-agora for’ e mi alongar

de vós, senhor, e non poder veer

esse vosso fremoso parecer,

quero-vos ora por Deus preguntar:

senhor fremosa, que farei enton?

Dized’ai! coita do meu coraçon!


E dizede-me: en que vos fiz pesar,

por que mi-assi mandades ir morrer?

Ca me mandades ir alhur viver!

E pois m’eu for e me sem vós achar,

senhor fremosa, que farei enton?

Dized’ai! coita do meu coraçon!

E non sei eu como possa morar

u non vir’vos, que me fez Deus querer

ben, por meu mal; por én quero saber:

e quando vos non vir, nen vos falar,

senhor fremosa, que farei enton?

Dized’ai! coita do meu coraçon!

Luciano Tasso/Arquivo da editora

TORNEOL, Nuno Fernandes. In: SPINA, Segismundo. Lírica trovadoresca. São Paulo: Edusp, 1996.



O autor

Nuno Fernandes Torneol, sobre o qual pouco se sabe, provavelmente desenvolveu suas atividades como trovador na corte de dom Fernando III (1201-1252) ou na de seu filho, dom Alfonso X (1221-1284). No Cancioneiro da Ajuda e nos cancioneiros quinhentistas da Vaticana e da Biblioteca Nacional, há 22 cantigas atribuídas a esse trovador, reveladoras de sua habilidade como compositor e de sua capacidade de reformulação dos motivos líricos.

©Wikimedia Commons



Retrato de dom Fernando III pintado em iluminura do século XIII produzida para o Índice dos privilégios reais, manuscrito guardado na Catedral de Santiago de Compostela, Espanha.

1. Tanto no soneto de Camões quanto na cantiga de Torneol, há, claramente marcadas, certas reações provocadas pelo desejo do eu lírico pela pessoa amada. Contudo, o que provoca esse sentimento e a forma de expressá-lo são significativamente diferentes. No caderno, responda:

a) Em cada um dos poemas, o que provoca o estado de desconcerto ou de sofrimento do eu lírico?


b) Que tipo de relação entre o eu lírico e a pessoa amada é sugerido em cada um dos poemas?
2. A cada contexto, ou seja, tempo e lugar, a forma de expressão do sentimento se transforma. Considerando a cultura e os valores do leitor de hoje, indique no caderno:

a) Qual dos poemas representa o sentimento de forma mais dramática e fatalista? Justifique sua resposta com versos do poema.




  1. Qual dos poemas procura definir o sentimento, numa tentativa de explicá-lo por meio da razão? Justifique sua resposta com versos do poema.


3. Já vimos que a literatura revela aspectos da cultura, dos valores de uma época. Assim, um tema como o amor pode ser tratado de formas distintas em diferentes épocas, apesar de revelar as mesmas sensações universalmente sentidas.

a) Há algum elemento na forma de tradução do amor na cantiga escrita no século XIII que, em sua opinião, pode ser observado no soneto de Camões, escrito no século XVI? Qual?




  1. Considerando o estudo dos dois poemas feito até agora, Camões dá continuidade a uma forma de expressar o amor e os sentimentos, ou marca uma ruptura ao inovar não apenas na forma (soneto), mas também no conteúdo?


Texto 3

Com os poemas já propostos neste capítulo foi possível entrar em contato, por meio de diferentes expressões, com uma visão do amor arrebatador, que é provocado por encontros repentinos, avassaladores, aquele amor baseado em um ideal de sensações que se alimentam, muitas vezes, da própria impossibilidade. Mas há outras formas de expressar o amor e de declará-lo.

Você vai ler agora o poema de uma das maiores poetisas portuguesas do século XX, Sophia de Mello Breyner Andresen. Publicado em 1962, esse poema declara o amor sob outra perspectiva, diferente da observada nos poemas estudados até aqui. Qual seria?

Glowimages/Art Images Archive



Nesta cena, vemos um cavaleiro, um arauto (mensageiro) e uma senhora. Essa imagem encontra-se em um quarto do castelo de Peratallada, Catalunha, Espanha, [s.d.].

Para atravessar contigo o deserto do mundo

Sophia de Mello Breyner Andresen
Para atravessar contigo o deserto do mundo

Para enfrentarmos juntos o terror da morte

Para ver a verdade, para perder o medo

Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo

Minha rápida noite meu silêncio

Minha pérola redonda e seu oriente

Meu espelho minha vida minha imagem

E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro

Sem os espelhos vi que estava nua

E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste

E aprendi a viver em pleno vento.

Espaço Ilusório/Arquivo da editora

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Livro sexto. 8. ed. Lisboa: Editorial Caminho, 2006.



A autora

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), poetisa e escritora de literatura infantil, natural do Porto (Portugal), estudou Filologia. Publicou em periódicos literários portugueses de sua geração — Cadernos de Poesia (1940-1942), Távola Redonda (1950-1954) e Árvore (1951-1953) — e participou de atos contra a ditadura de Salazar, que então dominava o país. Fotografia de 1988.

Getty Images/Ulf Andresen



1. O poema pode ser dividido em quatro partes: uma decisão e sua finalidade; a descrição da vida que foi abandonada; a situação que o eu lírico passa a experimentar após a decisão; e a constatação do sentido dessa resolução.

a) Parafraseie, ou seja, conte com outras palavras, o conteúdo da primeira estrofe, que corresponde à decisão do eu lírico.


b) Que recurso poético é usado na enumeração das motivações do eu lírico? Qual é o valor estilístico desse recurso?
2. O que o eu lírico relata na segunda estrofe? Qual é a justificativa dada para seus atos?
3. A terceira estrofe é iniciada por uma expressão adverbial de lugar, “Cá fora”. A que se refere essa expressão?
4. Descreva o que acontece com o eu lírico na terceira estrofe.
5. Ao lermos o poema até o final da quarta estrofe, criamos certa expectativa de desfecho. Como você esperava que esse texto fosse concluído?
6. Procure explicar o final do poema. Em sua opinião, esse poema pode ser considerado uma declaração de amor? Explique sua resposta.

7. No poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, o amor é tratado sob uma perspectiva diferente daquela observada no soneto de Camões e na cantiga de amor de Torneol. Explicite essa diferença.
8. Reúna-se com alguns colegas e escolham um poema ou uma letra de música de que vocês gostem e que seja uma declaração de amor. Talvez essa declaração seja bem diferente das que vocês leram aqui.

a) Elaborem uma apresentação oral sobre esse poema ou canção procurando identificar:

As características do eu lírico e as características de seu interlocutor.

A quem o eu lírico se declara.

Como é esse sentimento que ele declara.

De que maneira, pelo texto, se imagina que a pessoa amada reaja à declaração.

b) Apresentem à classe o poema ou a canção e essas reflexões sobre a obra.

c) Depois das apresentações, discutam com a classe toda: esses textos poéticos (apresentados por vocês e lidos neste capítulo) mostram, dentro do contexto histórico e cultural a que pertencem, respeito ou desrespeito pela pessoa amada? Quais são as características das figuras femininas descritas ou sugeridas?



A quem se dirige o eu lírico

Em comum com os dois outros textos, o poema “Para atravessar contigo o deserto do mundo” traz uma primeira pessoa, o eu lírico que escreve (um eu), e uma segunda pessoa, aquela a quem ele se dirige, com quem conversa (um tu). Nos dois primeiros casos, o eu lírico corresponde a uma voz masculina e, no terceiro caso, a uma voz feminina. Há, em cada poema, a subjetividade do eu lírico, que expressa experiências pessoais alimentadas e mediadas por possibilidades materiais e culturais de uma época.

O eu lírico de Luís de Camões racionaliza seus sentimentos porque é parte da cultura de seu tempo a busca de explicações, de nomes para os eventos, incluindo as sensações nesse movimento. Nuno Fernandes Torneol apenas expressa o que sente, fazendo da mulher amada e impossível a razão da própria vida; na verdade, esse comportamento é reflexo das práticas de submissão entre o ser humano e Deus, entre servo e senhor, entre vassalo e suserano, próprias do sistema feudal da Idade Média. Por sua vez, o eu lírico do poema de Sophia Mello Breyner Andresen expressa a condição feminina de certa época: aquela que escolhe viver com alguém para atravessar a própria existência, despojar-se de suas referências e criar outras em função da nova situação de vida.

Na expressão dessas ideias, as características do tu, a quem se dirige o eu lírico, afetam a forma de expressão desse eu. É em função do tu que se dão as escolhas lexicais, os arranjos sintáticos, a ordem na exposição das ideias. E é por meio da interação que percebe entre o eu e o tu da composição poética, reais ou fictícios, explicitada na voz do eu lírico, que o leitor pode apreender conceitos e valores que marcam certas relações através do tempo.

Retomem o trabalho de vocês realizado na atividade 8 e discutam: quais as características do tu a quem se dirige o eu lírico das letras das canções pesquisadas?

©Dreamstime.com/Konstanttin



Para ler outras linguagens

Vênus e Marte: modelo de casal?

O movimento de renovação artística, intelectual e científica pelo qual passou a Europa nos séculos XIV ao XVII abalaram as concepções de mundo e os valores que se cultivavam nessa época. Além de propor novidades, recuperou alguns valores dos antigos gregos e romanos, buscando inspiração na mitologia da Antiguidade clássica, valorizando noções de equilíbrio e simetria nas artes visuais. Essa arte também serviria de modelo para outras posteriores, que também retomariam ideais de beleza e equilíbrio. Veja, por exemplo, a imagem ao lado.

Inspirada na imagem de um casal da mitologia grega, Afrodite (ou Vênus, para os romanos) e Áries (ou Marte, para os romanos), o escultor italiano Antônio Canova (1757-1822) e seu grupo de artistas recuperam, com essa obra, valores da Antiguidade clássica que são também valores da época de Luís Vaz de Camões.

A proposta desta seção é convidar você a observar as características desses personagens e identificar os valores sociais atribuídos a cada um deles. A partir disso, pode-se refletir sobre o significado da construção desse casal e seu reflexo nos dias de hoje.



1. Reúna-se com um colega.

a) Observem a representação desse casal e descrevam de que maneira cada um deles é representado: sua aparência física, indícios de sua personalidade e modo de vida, como parece ser a relação entre eles.


b) Segundo o que vocês observaram no item a, essa escultura segue os valores de simetria, equilíbrio e harmonia? Explique.

c) Em sua opinião, essa imagem do masculino e do feminino e da ideia de um casal ainda vigora hoje em dia? Justifique com exemplos.


2. Discuta com a classe toda: a imagem de masculino e feminino, ou mesmo de relacionamento amoroso, sugerida por essa imagem ligada a valores clássicos corresponde à sua opinião e/ou à opinião de sua geração?
3. Em grupos, procurem imagens artísticas que correspondam às formas de relacionamento amoroso de sua geração e compartilhem-nas com a classe.

@Glowimages/The Granger Collection The Granger Collection

Antônio Canova. Vênus e Marte, 1820-1830. Escultura em mármore. Dimensões: 233 cm × 125 cm × 60 cm.

E por falar em...



Amor

©Dreamstime.com/Lukas Gojda



Smartphones, tablets e notebooks, entre outros eletrônicos, fazem parte de nosso dia a dia. Essas inovações tecnológicas, quando difundidas pela primeira vez, foram consideradas meios de isolar as pessoas. Anos após seu lançamento, têm sido usadas justamente para garantir o contato mesmo a distância. As diversas redes sociais possibilitam encontros virtuais, ampliação de um círculo de amizades, divulgação de ideias para variados grupos. O problema é que essa facilidade de interação também tem favorecido um contato superficial entre as pessoas e uma ausência de comprometimento com o outro. Basta "curtir", não é necessário falar nem escrever. Um simples toque e tudo está resolvido. Mas é dessa velocidade e conveniência de encontros que as pessoas precisam?

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman trata dessas questões ao escrever sobre a fragilidade das relações atualmente. Leia, a seguir, parte de uma entrevista concedida por ele a uma revista brasileira e uma crônica em que a autora se refere ao livro Amor líquido, obra mais famosa desse sociólogo. Depois, guiando-se pelo roteiro de questões, discuta o tema com seus colegas.


Texto 1

http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/102755_VIVEMOS+TEMPOS+LIQUIDOS

Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar”

Sociólogo polonês cria tese para justificar atual paranoia contra a violência e a instabilidade dos relacionamentos amorosos

Adriana Prado

O sociólogo polonês radicado na Inglaterra Zygmunt Bauman é um dos intelectuais mais respeitados e produtivos da atualidade. Aos 84 anos, escreveu mais de 50 livros. [...] Um resultado e tanto para um teórico. Pode-se explicar o apelo de sua obra pela relativa simplicidade com que esmiúça aspectos diversos da “modernidade líquida”, seu conceito fundamental. É assim que ele se refere ao momento da História em que vivemos. Os tempos são “líquidos” porque tudo muda tão rapidamente. Nada é feito para durar, para ser “sólido”. Disso resultariam, entre outras questões, [...] a instabilidade dos relacionamentos amorosos. É um mundo de incertezas. E cada um por si. [...] Em entrevista à IstoÉ, por e-mail, o professor emérito das universidades de Leeds, no Reino Unido, e de Varsóvia, na Polônia, falou também sobre temas [...] muito caros aos brasileiros [...].



IstoÉ — O que caracteriza a “modernidade líquida”?

Zygmunt Bauman — Líquidos mudam de forma muito rápida, sob a menor pressão. Na verdade, são incapazes de manter a mesma forma por muito tempo. No atual estágio “líquido” da modernidade, os líquidos são deliberadamente impedidos de se solidificarem. A temperatura elevada — ou seja, o impulso de transgredir, de substituir, de acelerar a circulação de mercadorias rentáveis — não dá ao fluxo uma oportunidade de abrandar, nem o tempo necessário para condensar e solidificar-se em formas estáveis, com uma maior expectativa de vida. [...]



IstoÉ — Ao se conectarem ao mundo pela internet, as pessoas estariam se desconectando da sua própria realidade?

Zygmunt Bauman — Os contatos online têm uma vantagem sobre os offline: são mais fáceis e menos arriscados — o que muita gente acha atraente. Eles tornam mais fácil se conectar e se desconectar. Caso as coisas fiquem “quentes” demais para o conforto, você pode simplesmente desligar, sem necessidade de explicações complexas, sem inventar desculpas, sem censuras ou culpa. Atrás do seu laptop ou iPhone, com fones no ouvido, você pode se cortar fora dos desconfortos do mundo offline. Mas não há almoços grátis, como diz um provérbio inglês: se você ganha algo, perde alguma coisa. Entre as coisas perdidas estão as habilidades necessárias para estabelecer relações de confiança, as para o que der e vier, na saúde ou na tristeza, com outras pessoas. Relações cujos encantos você nunca conhecerá a menos que pratique. O problema é que, quanto mais você busca fugir dos inconvenientes da vida offline, maior será a tendência a se desconectar.



IstoÉ — E o que o senhor chama de “amor líquido”?

Zygmunt Bauman — Amor líquido é um amor “até segundo aviso”, o amor a partir do padrão dos bens de consumo: mantenha-os enquanto eles te trouxerem

©Wikimedia Commons/Forumlitfest

Bauman (1925-) chama a atenção para a temporalidade das relações e dos acordos da sociedade contemporânea, mergulhada na revolução digital. Fotografia de 2013.

satisfação e os substitua por outros que prometem ainda mais satisfação. O amor com um espectro de eliminação imediata e, assim, também de ansiedade permanente, pairando acima dele. Na sua forma “líquida”, o amor tenta substituir a qualidade por quantidade — mas isso nunca pode ser feito, como seus praticantes mais cedo ou mais tarde acabam percebendo. É bom lembrar que o amor não é um “objeto encontrado”, mas um produto de um longo e muitas vezes difícil esforço e de boa vontade.

IstoÉ — Nesse contexto, ainda faz sentido sonhar com um relacionamento estável e duradouro?

Zygmunt Bauman — Ambos os tipos de relacionamento têm suas próprias vantagens e riscos. Em um mundo “líquido”, em rápida mutação, “compromissos para a vida” podem se revelar como sendo promessas que não podem ser cumpridas — deixando de serem algo valioso para virarem dificuldades. O legado do passado, afinal, é a restrição mais grave que a vida pode impor à liberdade de escolha. Mas, por outro lado, como se pode lutar contra as adversidades do destino sozinho, sem a ajuda de amigos fiéis e dedicados, sem um companheiro de vida, pronto para compartilhar os altos e baixos? Nenhuma das duas variedades de relação é infalível. Mas a vida também não o é. Além disso, o valor de um relacionamento é medido não só pelo que ele oferece a você, mas também pelo que oferece aos seus parceiros. O melhor relacionamento imaginável é aquele em que ambos os parceiros praticam essa verdade.



IstoÉ — O que explicaria o crescimento do consumo de antidepressivos?

Zygmunt Bauman — Você colocou o dedo em um dos muitos sintomas da nossa crescente intolerância ao sofrimento — na verdade, uma intolerância a cada desconforto ou mesmo ligeira inconveniência. Em uma vida regulada por mercados consumidores, as pessoas passaram a acreditar que, para cada problema, há uma solução. E que esta solução pode ser comprada na loja. Que a tarefa do doente não é tanto usar sua habilidade para superar a dificuldade, mas para encontrar a loja certa que venda o produto certo que irá superar a dificuldade em seu lugar. Não foi provado que essa nova atitude diminui nossas dores. Mas foi provado, além de qualquer dúvida razoável, que a nossa induzida intolerância à dor é uma fonte inesgotável de lucros comerciais. Por essa razão, podemos esperar que essa nossa intolerância se agrave ainda mais, em vez de ser atenuada. [...]



IstoÉ — O que o sr. diria aos jovens?

Zygmunt Bauman — Eu desejo que os jovens percebam razoavelmente cedo que há tanto significado na vida quando eles conseguem adicionar isso a ela através de esforço e dedicação. Que a árdua tarefa de compor uma vida não pode ser reduzida a adicionar episódios agradáveis. A vida é maior que a soma de seus momentos.

ISTOÉ. São Paulo, Três, [s.d.]. Disponível em:


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