Diferentes concepções de mundo e a leitura do texto literário
Cada época e cada povo têm uma medida para a aceitação ou a recriminação de certas ideias, as quais são claramente influenciadas pelos valores construídos ao longo da História nas diversas sociedades humanas. Essa medida para o julgamento de eventos simples ou de fatos extremamente decisivos é pautada por uma concepção de mundo, o modo como se enxerga uma existência, os valores que devem ser incorporados a ela.
A educação, os eventos históricos, as reflexões filosóficas, a cultura, o cotidiano e a complexidade humana colaboram para a construção de um modo de atuação na sociedade, de experimentação do dia a dia, de produção artística.
Todas as épocas e todas as sociedades são regidas por concepções de mundo que influenciam, por algum período, o comportamento da maioria de seus participantes. Quando essa medida para a atuação humana se torna insuficiente às novas questões existenciais, culturais, sociais e políticas, outras concepções se formam e, aos poucos, os paradigmas (padrões) começam a mudar. Entretanto, um novo paradigma não elimina o anterior, e isso implica a coexistência de modos diferentes de observar o entorno, de viver a vida, de atuar na própria realidade.
A leitura de um texto literário é bastante enriquecida quando se identificam, em alguma medida, algumas das concepções de mundo que orientam essa produção: seja porque se conhece o contexto — época, local, cultura, etc. — em que vive o autor, seja porque se tem algum conhecimento a respeito das experiências vividas por ele.
O texto literário revela os valores de um tempo e os grandes orientadores de uma ação. Não importa se imita, recria, destrói ou transcende a realidade: a literatura pode ajudar a identificar a moral, as tensões, os anseios de diferentes grupos em distintos momentos da história, ajudando-nos a compreender cada vez mais e melhor o ser humano. Observe como os textos literários se apropriam de elementos de outros textos, de outras narrativas e os transformam, dando a eles novas interpretações com base na cultura e nas concepções da época do autor que faz essa retomada. Vamos rever como isso ocorre nos textos lidos aqui.
▸ Dante Alighieri escreve, entre 1310 e 1321, uma das maiores obras do Ocidente a partir de uma concepção de mundo cristã medieval. Isso, porém, não o impede de ter o poeta latino Virgílio como guia em sua viagem ao Inferno, e a barca de Caronte, do canto III, é resgatada da mitologia grega.
▸ Mais de um século depois (1517), sem se referir diretamente a Caronte, Gil Vicente recupera a barca como veículo para transporte das almas.
▸ A ideia de que, após a morte, todos serão julgados por seus atos ocorre nas duas narrativas medievais e no Auto da Compadecida, texto teatral brasileiro do século XX.
1. Você lê livros, assiste a filmes ou a séries de televisão. Escolha uma dessas obras culturais e identifique:
a) referências a outras obras da cultura: quais são elas e de que modo ocorrem?
b) concepções de mundo e valores que orientam as ações dos personagens: quem são esses personagens, que valores representam?
c) se há coerência entre esses comportamentos e o contexto histórico representado na obra em análise. Explique: fazem sentido os comportamentos dos personagens no contexto em que são apresentados?
2. Os textos deste capítulo partem da concepção cristã de mundo, mas existem outras, oriundas de diversas culturas. Pesquise o universo espiritual de outras culturas (moçambicana, japonesa, escandinava, australiana, turca, judaica...). Por exemplo, quando um Maxakali (grupo indígena de Minas Gerais) morre, chega-se às vezes a queimar os pertences dessa pessoa, pois a doença e a morte são consideradas intervenções de espíritos, que podem espalhar o mal para os demais membros da aldeia. Componha um mural com os colegas para compartilharem essas descobertas.
©Creative Commons/Sandro Botticelli
Ilustração do italiano Sandro Botticelli, 1496, para o "Inferno", de A divina comédia, de Dante Alighieri.
Para ler outras linguagens
Ilustrações para a obra de Dante: uma barca para o inferno
A divina comédia já foi publicada em diversas edições. Algumas delas foram contempladas com as ilustrações de grandes artistas, como William Blake, Gustave Doré e Salvador Dalí. Cada um deles expressou suas impressões sobre o poema de acordo com suas experiências pessoais e com o contexto histórico e artístico em que viveu.
1. Observe como cada um desses artistas representou o trecho lido do Canto III, a travessia de Caronte pelo rio Aqueronte, que leva ao Hades, ou ao mundo dos mortos. Depois, responda às questões propostas a seguir.
I
William Blake/museu Ashmolean, oxford, Reino Unido
Aquarela produzida em 1826 pelo artista inglês William Blake (1757-1827) para uma edição de A divina comédia. Dimensões:
37,2 cm × 52,3 cm.
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II
Gustave Doré/Coleção Particular
Xilogravura produzida por volta de 1951 pelo artista catalão Salvador Dalí (1904-1989) para uma edição de A divina comédia.
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III
SALVADOR DALÍ/COLEÇÃO PARTICULAR
Xilogravura produzida em 1857 pelo artista francês Gustave Doré (1832-1883) para uma edição de A divina comédia.
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e) Prof., abra espaço para a expressão dos alunos. A escolha variará de acordo com a leitura, com a interpretação que cada um fizer da imagem.
a) O que há em comum nas representações da figura de Caronte?
b) Há também diferenças significativas. A que você atribui essas diferenças?
c) Duas das ilustrações representam a mesma cena, mas de perspectivas diferentes. Quais são? Descreva-as.
d) Qual momento do Canto III é representado na ilustração I? Descreva-a diferenciando-a das demais.
e) Qual das ilustrações você escolheria para traduzir a dramaticidade da cena descrita no Canto III. Por quê?
E por falar em...
Teatro — Flash mob
O flash mob (ou mob) — abreviação de flash mobilization em inglês, que significa "mobilização relâmpago" — é uma manifestação instantânea de um grupo de pessoas que se reúnem em um local público para produzir determinada ação. Tudo começa por meio de e-mails ou por redes sociais: pela internet, um grupo de pessoas combina uma manifestação pública, em praças, estações de transporte público, shopping centers, etc. com o objetivo de divulgar um protesto, defender uma causa, etc. de forma lúdica. Em geral, é caracterizado por coreografias e músicas de fundo.
O mob é uma manifestação pacífica, divertida e ocorre de maneira inesperada para a maioria da população. No dia e na hora combinada, os envolvidos se reúnem no local escolhido e começam a dançar, a atuar e a mobilizar o público que assiste ao evento. Terminada a apresentação, vão embora como se nada tivesse acontecido.
Em alguns casos, os participantes procuram provocar uma ação de alguém que passa pelo local. E, assim que um indivíduo toma a atitude esperada, desencadeia-se a ação coletiva.
Alguns mobs têm como objetivo a mobilização das pessoas por uma causa. Trata-se de uma ação para gerar reflexão e, quem sabe, mudar o comportamento. Um exemplo disso foi a iniciativa adotada pelos alunos do Curso de Saúde Ambiental da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra (ESTeSC), Portugal. A ação ocorreu no Centro Comercial Dolce Vita, Coimbra, 2011. A ideia era homenagear a atitude cidadã de quem jogasse na lixeira uma garrafa de PET deixada no chão. Os participantes ficaram próximos, discretamente, mas observando o comportamento de quem passava por ali. Assim que alguém tomasse a atitude esperada, seria homenageado por todos.
1. O flash mob citado também é uma forma de transmitir uma mensagem moralizante assim como as peças lidas neste capítulo? Explique.
2. Esse é um meio eficiente para transmissão de uma mensagem, para incentivar uma mudança de atitude? Explique.
3. Agora é a vez de vocês organizarem um flash mob a fim de sensibilizar as pessoas para a importância da saúde ambiental. Possível roteiro de ação:
Youtube/Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra (ESTESC), PORTUGAL/ESECTV
Cena do flash mob Saúde Ambiental em que a atitude da pessoa que deposita a garrafa na lixeira desencadeia a homenagem. O flash mob foi organizado por alunos da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra, Portugal, em 2011.
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▸ Escolham o local. Deve ser um lugar público pelo qual transitem muitas pessoas e que tenha uma lixeira apropriada para se colocar a garrafa de PET que será deixada no piso perto delas. Deve ser um local em que os participantes da ação possam se espalhar discretamente, que permita visibilidade para a observação de quando alguém pegar a garrafa do chão e jogá-la na lixeira. Consulte os responsáveis pelo local, consulte as leis que regem seu funcionamento para saber se é possível executar a ação pretendida.
▸ Separem uma garrafa de PET. Providenciem bexigas de ar coloridas ou outros objetos que serão distribuídos entre os participantes para, no momento certo, homenagear o cidadão em foco.
▸ Convidem as pessoas. Expliquem a ação, o objetivo e os passos do mob pretendido.
▸ Orientem todos a se misturar às pessoas do local e a ficar atentos à movimentação perto da garrafa.
▸ Combinem quem vai discretamente deixar a garrafa perto da lixeira e quem vai iniciar as palmas e levar o balão até a pessoa que colocar a garrafa na lixeira.
▸ Providenciem para que os participantes tenham claro quais são os movimentos a serem executados assim que alguém jogar a garrafa na lixeira. Todos deverão, por exemplo, se dirigir à pessoa, batendo palmas e levando os balões.
▸ Vejam a possibilidade de filmar o flash mob, e verifiquem qual é o melhor ponto do local.
▸ Terminada a homenagem, dispersem-se como se nada tivesse ocorrido.
Organizem o mob em lugar público evitando complicações legais. Pesquisem as leis que regem o trânsito de cidadãos pelo local para se certificarem de que o evento estará dentro da lei. Se forem interrogados por policiais, não discutam. Dispersem todos os envolvidos se for essa a orientação da polícia. Orientem os participantes a agir pacificamente.
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Aproveite para...
... ler
A divina comédia, de Dante Alighieri, Editora 34.
Edição bilíngue (italiano e português) dessa obra do poeta italiano Dante Alighieri. Italo Eugenio Mauro é o tradutor responsável pela versão em português. Acervo PNBE.
Auto da Índia. Auto da barca do inferno. Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente, Editora Senac.
Com introdução e notas do professor Benjamin Abdala Júnior, essa obra reúne três peças teatrais de Gil Vicente. Acervo PNBE.
... assistir a
A farsa da boa preguiça, de Luiz Fernando Carvalho (Brasil, 1995).
A obra homônima de Ariano Suassuna deu origem a essa minissérie produzida por uma rede de televisão brasileira. Nela, o poeta popular Joaquim Simão, casado com Nevinha, tem três grandes fraquezas: preguiça, poesia e amor.
O auto da Compadecida, de Guel Arraes (Brasil, 2000).
O filme é inspirado na peça teatral de mesmo nome escrita por Ariano Suassuna. No sertão da Paraíba, um sertanejo mentiroso (João Grilo) e o maior covarde da região (Chicó) sobrevivem à custa de pequenos golpes. Em um desses golpes, envolvem-se com um temido cangaceiro, que os persegue pela região.
... acessar
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/
Site de Portugal que disponibiliza para o leitor diversos textos de autores portugueses de diferentes épocas, incluindo trechos de obras de Gil Vicente. Acesso em: 8 abr. 2016.
Unidade 3
Uma forma para a arte
Nesta unidade, você vai estudar uma forma fixa de poema — o soneto. Vai ler e comparar poemas que expressam a relação amorosa em épocas e contextos distintos. Observará de que modo a construção do sentimento do eu lírico e de sua relação com o ser amado afeta as escolhas de linguagem na produção textual.
Objetivos
Ao final desta unidade, verifique o que você aprendeu em relação aos seguintes objetivos:
Identificar a ideia principal de um soneto.
Reconhecer os elementos que se repetem para reforçar a principal mensagem do soneto.
Analisar a relação entre conteúdo e forma no poema.
Compreender a ordem direta e indireta e o efeito das inversões na ordem das frases.
Deduzir o significado de palavras desconhecidas com base no sentido do verso em que aparecem.
Identificar e analisar figuras de sintaxe: anáfora, anacoluto, hipérbato.
Reconhecer as características do soneto.
Produzir um soneto e recitar um poema.
Ler e comparar textos poéticos que têm em comum em sua construção a relação do eu lírico com um suposto ser amado.
Analisar uma escultura inspirada pela mitologia greco-romana com o intuito de observar a construção de papéis sociais envolvidos em uma relação amorosa.
Ler e discutir textos que procuram analisar a concepção do amor nos tempos atuais.
Oswaldo Goeldi. Abandono, 1937. Xilogravura colorida. Dimensões: 17,3 cm × 21,8 cm. A xilogravura do brasileiro Goeldi (1895-1961) é predominantemente negra, mas o artista possibilita o contraste com a claridade da luz em alguns traços abertos na madeira. A cor vermelha é aplicada no coração do personagem central, em primeiro plano, e na Lua, no alto da cena. Essa cor reforça o estado de abandono da figura sentada, encolhida sobre si mesma, acompanhada apenas pela Lua, sua única companheira nessa noite ao ar livre. OSWALDO GOELDI/COLEÇÃO ARY FERREIRA DE MACEDO. ©ISTOCKPHOTO.COM/PESKYMONKEY
Língua e produção de texto
O soneto
Para começar
Você sabe o que é um soneto?
Soneto é uma forma poética fixa nascida, provavelmente, na Sicília, Itália, no início do século XIII. Da mesma maneira que as cantigas provençais, o soneto surgiu como canção ou letra escrita para música. É composto de dois quartetos e dois tercetos, um esquema mais ou menos rígido de rimas e número, em geral, fixo de sílabas poéticas em cada estrofe.
Veja, a seguir, a primeira estrofe de dois sonetos. Logo abaixo, as sílabas poéticas da estrofe estão separadas, as rimas estão indicadas com cores e o número de sílabas está marcado na lateral. Observe inicialmente o rigor da forma e identifique, ainda que de modo parcial, a ideia de cada fragmento.
Trecho de soneto I
Não escreva neste livro.
A meu pai doente
Augusto dos Anjos
Para onde fores, Pai, para onde fores,
Irei também, trilhando as mesmas ruas...
Tu, para amenizar as dores tuas,
Eu, para amenizar as minhas dores!
[...]
ANJOS, Augusto dos. Todos os sonetos. Porto Alegre: L&PM, 1997.
©Shutterstock/dobrik
Academia Paraibana de Letras, joão pessoa/Lins Fotografias
Jurandir Maciel. Augusto dos Anjos, 2014. Bronze fundido. Dimensão: tamanho natural. Escultura em exposição permanente na Academia Paraibana de Letras, em João Pessoa. Augusto dos Anjos (1884-1914), de Engenho Pau d’Arco (PB), foi poeta e professor.
Pa / ra on /de / fo / res, / Pai, / pa / ra on/ de / fo / res, A (dez sílabas poéticas)
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I / rei / tam / bém / tri / lhan / do as / mes / mas / ru / as... B (dez sílabas poéticas)
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Tu, / pa/ra a/ me / ni / zar / as / do /res / tu / as, B (dez sílabas poéticas)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Eu, / pa / ra a / me / ni / zar / as / mi / nhas / do / res! A (dez sílabas poéticas)
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Trecho de soneto II
Soneto do amor maior
Vinicius de Moraes
Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.
[...]
MORAES, Vinicius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998.
©Shutterstock/Liashenko Iryna
Futura Press/O Dia
Vinicius de Moraes (1913-1980), poeta, compositor, diplomata e crítico de cinema, do Rio de Janeiro (RJ). Entre seus poemas, destacam- se: “Soneto da fidelidade”, “A rosa de Hiroxima”, “Soneto do amor total”, “Soneto da separação”. Fotografia de 1970.
Mai / or / a / mor / nem / mais / es / tra / nho e / xis / te A (dez sílabas poéticas)
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Que o / meu, / que / não / sos / se / ga a / coi / sa a / ma /da B (dez sílabas poéticas)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E / quan / do a / sen / te a / le / gre, / fi / ca / tris / te A (dez sílabas poéticas)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E / se a / vê / des / con / ten / te, / dá / ri / sa /da B (dez sílabas poéticas)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
1. Junte-se a um colega, escolham uma estrofe de um dos sonetos aqui apresentados e façam o que se pede.
a) Para dar continuidade ao soneto, procurem criar o primeiro verso da segunda estrofe. Garantam que haja dez sílabas poéticas, que o assunto seja o mesmo e que a rima corresponda à rima do primeiro verso da estrofe que vocês escolheram.
b) Se vocês conseguiram elaborar o primeiro verso da segunda estrofe, procurem agora compor os outros três, garantindo o mesmo número de sílabas e o esquema de rimas da estrofe escolhida.
2. Após a resolução da atividade 1, conversem com os demais colegas:
a) Com quais aspectos da produção do soneto cada dupla se preocupou mais?
▸ garantia de coerência de ideias entre o conteúdo da primeira estrofe e o conteúdo da segunda;
▸ precisão nas rimas e rigor no número de sílabas poéticas;
▸ todos os itens ao mesmo tempo.
b) Quais características pessoais e culturais um sonetista necessitaria ter? Justifique sua resposta.
c) Para escrever um soneto, é necessário ter talento, inspiração e capacidade de expressar uma ideia ou um sentimento de forma concisa? Explique sua resposta.
Você estudará, a seguir, dois sonetos. Observe como as reflexões de cada poeta sobre sentimentos comuns à maior parte das pessoas foram expressas em seus versos.
Texto 1
O poema a seguir é de Florbela Espanca, poetisa que encontrou no soneto a forma perfeita para sua arte.
Vaidade
Florbela Espanca
Sonho que sou a Poetisa eleita,
aquela que diz tudo e tudo sabe,
que tem a inspiração pura e perfeita,
que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
para encher todo o mundo! E que deleita
mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
aos pés de quem a Terra anda curvada!
E quando mais no céu eu vou sonhando,
e quando mais no alto ando voando,
acordo do meu sonho... E não sou nada!...
ESPANCA, Florbela. Poemas. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Bruna Assis Brasil/Arquivo da editora
deleitar: deliciar, causar prazer.
A autora
Florbela Espanca (1894-1930) nasceu em Vila Viçosa, em Alentejo, Portugal. Escreveu sonetos e contos importantes na literatura portuguesa. Muito à frente do seu tempo, foi uma das primeiras feministas de Portugal. Sua poesia é conhecida por um estilo peculiar, com forte teor emocional. Florbela teve uma vida conturbada e seu talento só foi plenamente reconhecido bem depois de sua morte.
©Creative Commons
Interpretação do texto
1. Transcreva no caderno a informação que traduz mais claramente a ideia principal do poema:
a) Está claro para o eu lírico o seu valor pessoal e o valor de sua poesia, daí sua necessidade de reconhecimento.
b) Sonhar é parte do processo para atingir a perfeição poética, possível apenas por meio de um saber vasto e profundo.
c) O eu lírico marca a oposição entre seu sonho de ser especial, de ter seu talento reconhecido e o que pensa sobre si mesmo: que não é nada.
A palavra reiterar significa repetir, dizer ou fazer algo novamente. Em um poema, a reiteração de certas construções ou sons serve para retomar a ideia principal do texto e intensificá-la.
Ler um poema, muitas vezes, implica identificar sua ideia central e verificar os recursos utilizados pelo poeta para reiterá-la e, assim, fazê-la mais expressiva. É o que vamos trabalhar a seguir.
2. Identifique os versos em que o eu lírico revela seu sonho de ser a “poetisa eleita”.
3. Para efeito de análise, vamos marcar no poema quatro estruturas que se repetem:
Sonho que sou a Poetisa eleita,
aquela que diz tudo e tudo sabe,
que tem a inspiração pura e perfeita,
que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
para encher todo o mundo! E que deleita
mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
aos pés de quem a Terra anda curvada!
E quando mais no céu eu vou sonhando,
e quando mais no alto ando voando,
acordo do meu sonho... E não sou nada!...
Bruna Assis Brasil/Arquivo da editora
Veja como se completa a expressão “Sonho que”:
Sonho que sou a Poetisa eleita, um verso meu tem claridade para encher todo o mundo! sou Alguém cá neste mundo...
Agora, no caderno, escreva como se completam estas expressões:
a) aquela que / aquela de
b) mesmo aqueles / mesmo os
c) e quando mais
4. Ao observar os trechos ligados à expressão “Sonho que”, percebe-se que a ideia reiterada nessa estrutura é a de que o eu lírico deseja ser único e que seus versos sejam especiais a ponto de iluminar a vida das pessoas.
Volte às respostas da atividade anterior e conclua: qual é a ideia reiterada nos trechos que formam as outras três estruturas?
O último verso de um soneto tem grande importância para a construção de sua ideia principal; por isso é chamado de chave de ouro. Ele pode acrescentar uma informação completamente nova, alterando os versos anteriores. Muitas vezes, por ser surpreendente, é o verso que fica na memória do leitor.
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