. Acesso em: 9 maio 2016.
Uma língua pode apresentar diferenças de uma região para outra em um mesmo país, e seu uso pode variar também entre os diversos países e territórios em que é falada. Assim, a língua portuguesa em uso na Europa (Portugal e territórios como Açores e Madeira), na África (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e outros), na América Latina (Brasil) e na Ásia (Timor-Leste e regiões como Macau e Goa) apresenta diferenças em relação ao léxico (conjunto de palavras), à fonética (sons que formam as palavras) e à sintaxe (modo como as palavras se organizam). Essas diferenças podem ser notadas tanto nos usos mais informais como nos mais formais de uma língua, embora ocorram com maior frequência em contextos de informalidade.
7. A tirinha a seguir faz parte de uma publicação portuguesa. Leia-a.
©Peanuts Worldwide LLC./Dist. by Universal Uclick
Schulz, Charles M. Peanuts: obra completa (1950-1952). Porto: Afrontamento, 2004. p. 42.
a) Indique uma diferença em relação ao uso de verbos e pronomes entre o português de Portugal, que aparece nos diálogos da tirinha, e o português falado no Brasil.
b) Na tirinha lida, é possível perceber usos mais formais ou mais informais da fala? Dê exemplos.
c) Analisando o contexto, procure explicar o significado da palavra gira.
d) Reescreva as falas da tira utilizando características do português em uso no Brasil.
8. Há variedades linguísticas que são próprias de pessoas que têm a mesma profissão ou se dedicam à mesma atividade. São os jargões, que se caracterizam pela presença de diversos termos técnicos, pouco compreensíveis para quem não tem o conhecimento específico. Leia com atenção os excertos a seguir.
I. “Os sintomas esquizofrênicos, que normalmente aparecem na juventude, ainda intrigam as neurociências; pesquisadores se voltam à bioquímica cerebral, em especial aos aspectos genéticos e moleculares, para explicar as alucinações, os delírios e os distúrbios cognitivos e afetivos, típicos do transtorno que afeta cerca de 1% da população mundial.”
II. “O acesso à justiça é exercício da cidadania. Um Estado que tem por fundamento a cidadania [art. 1o, II, CF/88] há de estabelecer mecanismos de isonomia material no processo aos despossuídos, cuja desproporção de poder econômico em relação à parte contrária há de ser equalizada [art. 5o, LXXIV, CF/88].”
III. “A marca mais presente de minha administração é a delegação de responsabilidade e de autoridade. Nunca acreditei em empresas que são vendidas como a de um único dono ou de um presidente, que faz e acontece. O sucesso da organização depende das pessoas que nela trabalham. Para isso, precisamos ter profissionais competentes, bem remunerados e alinhados estrategicamente.”
a) No caderno, associe cada trecho lido a um dos possíveis veículos de circulação indicados no quadro abaixo.
▸ . Acesso em: 1 mar. 2016.
▸ Revista Administrador. n. 308, fev. 2012.
▸ Revista Viver Mente e Cérebro. Edição especial Doenças do Cérebro. n. 4. Duetto: São Paulo, 2010.
b) Levante hipóteses sobre o grupo social ou profissional a que pertence o enunciador de cada trecho e indique as palavras e/ou expressões que o levaram a dar as respostas apresentadas no item acima.
Qualquer variedade linguística é válida desde que permita uma comunicação eficiente. Vemos, porém, que uma variedade pode ser adequada em uma situação e inadequada em outra. Por exemplo: uma linguagem repleta de termos característicos de uma região pode ser inadequada em um jornal de circulação nacional, porque leitores das demais regiões podem ter dificuldade para entendê-la, embora essa mesma linguagem seja perfeitamente adequada à comunicação cotidiana entre as pessoas daquele lugar.
Existe uma variedade linguística, entretanto, à qual a sociedade costuma atribuir mais valor por ser a variedade empregada pelo grupo social de maior prestígio. Essa variedade linguística, denominada variedade-padrão, é a linguagem empregada, por exemplo, em jornais, em determinadas revistas, em artigos acadêmicos, em livros didáticos e em telejornais. Ainda que definir o grupo com mais ou com menos prestígio possa ser objeto de discussão, é importante dominarmos a variedade-padrão da língua para empregá-la nas situações comunicativas mais formais.
9. Leia esta tira com atenção.
Calvin & Hobbes, Bill Watterson © 1992 Watterson/Dist. by Universal Uclick
WATTERSON, Bill. O melhor de Calvin. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 27 ago. 2002.
a) A história da tira apresenta duas situações. Como você a dividiria para evidenciar os dois momentos diferentes vividos pelos personagens?
b) Como você explicaria a variação da linguagem empregada na tira?
c) Na tira, há duas variantes linguísticas que nos ajudam a perceber contextos diferentes da história. Em seu caderno, indique os diferentes usos.
Conclusão
O uso da língua varia de uma pessoa para outra de acordo com fatores como: espaço (região geográfica ou país) no qual é falada, grupo social, nível de escolaridade, idade, sexo, profissão, entre outros. Às variações linguísticas determinadas por esses fatores chamamos de variedades ou dialetos.
Já as variações que ocorrem na fala ou na escrita de uma mesma pessoa conforme a situação de comunicação, mais formal ou menos formal, são denominadas registros.
Eduardo Medeiros/Arquivo da editora
Atividades de fixação
1. (Enem, 2006, adaptado)
Aula de português
Carlos Drummond de Andrade
A linguagem
na ponta da língua
tão fácil de falar
e de entender.
A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a priminha.
O português são dois; o outro, mistério.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Esquecer para lembrar. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979.
esquipático: incomum, esquisito.
aturdir: perturbar a mente ou os sentidos; atordoar, estontear.
função emotiva (ou expressiva): função da linguagem centrada no próprio emissor, revelando seus sentimentos, suas emoções, suas impressões pessoais.
Responda às questões a seguir no caderno.
Questão A
Explorando a função emotiva da linguagem, o poeta expressa o contraste entre marcas de variação de usos da linguagem em:
a) situações formais e informais.
b) diferentes regiões do país.
c) escolas literárias distintas.
d) textos técnicos e poéticos.
e) diferentes épocas.
Questão B
No poema, a referência à variedade-padrão da língua está expressa no seguinte trecho:
a) “A linguagem / na ponta da língua” (v. 1 e 2)
b) “A linguagem / na superfície estrelada de letras” (v. 5 e 6)
c) “[a língua] em que pedia para ir lá fora” (v. 14)
d) “[a língua] em que levava e dava pontapé” (v. 15)
e) “[a língua] do namoro com a priminha” (v. 17)
2. (Enem, 2012)
Sou feliz pelos amigos que tenho. Um deles muito sofre pelo meu descuido com o vernáculo. Por alguns anos ele sistematicamente me enviava missivas eruditas com precisas informações sobre as regras da gramática, que eu não respeitava, e sobre a grafia correta dos vocábulos, que eu ignorava. Fi-lo sofrer pelo uso errado que fiz de uma palavra num desses meus badulaques. Acontece que eu, acostumado a conversar com a gente das Minas Gerais, falei em “varreção” — do verbo “varrer”. De fato, trata-se de um equívoco que, num vestibular, poderia me valer uma reprovação.
Pois o meu amigo, paladino da língua portuguesa, se deu ao trabalho de fazer um xerox da página 827 do dicionário, aquela que tem, no topo, a fotografia de uma “varroa” (sic!) (você não sabe o que é uma “varroa”?) para corrigir-me do meu erro. E confesso: ele está certo. O certo é “varrição” e não “varreção”. Mas estou com medo de que os mineiros da roça façam troça de mim porque nunca os vi falar de “varrição”. E se eles rirem de mim não vai me adiantar mostrar-lhes o xerox da página do dicionário com a “varroa” no topo. Porque para eles não é o dicionário que faz a língua. É o povo. E o povo, lá nas montanhas de Minas Gerais, fala “varreção” quando não “barreção”. O que me deixa triste sobre esse amigo oculto é que nunca tenha dito nada sobre o que eu escrevo, se é bonito ou se é feio. Toma a minha sopa, não diz nada sobre ela, mas reclama sempre que o prato está rachado.
ALVES, R. Mais badulaques. São Paulo: Parábola, 2004 (fragmento). In: Marisa Lajolo e outros. Caminhos da linguagem. São Paulo: Ática, 1977.
De acordo com o texto, após receber a carta de um amigo “que se deu ao trabalho de fazer um xerox da página 827 do dicionário” sinalizando um erro de grafia, o autor reconhece:
a) a supremacia das formas da língua em relação ao seu conteúdo.
b) a necessidade da norma-padrão em situações formais de comunicação escrita.
c) a obrigatoriedade da norma culta da língua, para a garantia de uma comunicação efetiva.
d) a importância da variedade culta da língua, para a preservação da identidade cultural de um povo.
e) a necessidade do dicionário como guia de adequação linguística em contextos informais privados.
3. (Enem, 2012)
Texto 1
Antigamente
Antigamente, os pirralhos dobravam a língua diante dos pais e se um se esquecia de arear os dentes antes de cair nos braços de Morfeu, era capaz de entrar no couro. Não devia também se esquecer de lavar os pés, sem tugir nem mugir. Nada de bater na cacunda do padrinho, nem de debicar os mais velhos, pois levava tunda. Ainda cedinho, aguava as plantas, ia ao corte e logo voltava aos penates. Não ficava mangando na rua, nem escapulia do mestre, mesmo que não entendesse patavina da instrução moral e cívica. O verdadeiro smart calçava botina de botões para comparecer todo liró ao copo-d’água, se bem que no convescote apenas lambiscasse, para evitar flatos. Os bilontras é que eram um precipício, jogando com pau de dois bicos, pelo que carecia muita cautela e caldo de galinha. O melhor era pôr as barbas de molho diante de um treteiro de topete, depois de fintar e engambelar os coiós, e antes que se pusesse tudo em pratos limpos, ele abria o arco.
ANDRADE, C. D. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983 (fragmento).
Texto 2
Palavras do arco da velha
|
Expressão
|
Significado
|
Cair nos braços de Morfeu
|
Dormir
|
Debicar
|
Zombar, ridicularizar
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Tunda
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Surra
|
Mangar
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Escarnecer, caçoar
|
Tugir
|
Murmurar
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Liró
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Bem-vestido
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Copo-d’água
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Lanche oferecido pelos amigos
|
Convescote
|
Piquenique
|
Bilontra
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Velhaco
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Treteiro de topete
|
Tratante atrevido
|
Abrir o arco
|
Fugir
|
FIORIN, J. L. As línguas mudam. In: Revista Língua Portuguesa, n. 24, out. 2007 (adaptado).
Na leitura do fragmento do texto “Antigamente”, constata-se, pelo emprego de palavras obsoletas, que itens lexicais outrora produtivos não mais o são no português brasileiro atual. Esse fenômeno revela que:
a) a língua portuguesa de antigamente carecia de termos para se referir a fatos e coisas do cotidiano.
b) o português brasileiro se constitui evitando a ampliação do léxico proveniente do português europeu.
c) a heterogeneidade do português leva a uma estabilidade do seu léxico no eixo temporal.
d) o português brasileiro apoia-se no léxico inglês para ser reconhecido como língua independente.
e) o léxico do português representa uma realidade linguística variável e diversificada.
Atividades de aplicação
1. Leia a seguir um trecho do livro A língua de Eulália, de Marcos Bagno.
[...]
— Ontem eu e Sílvia rimos da fala da Eulália... É por aí?
Irene balança a cabeça afirmativamente.
— Exatamente por aí, Emília. Quantas vezes você já ouviu alguém dizer Cráudia, grobo, pranta, ingrês, broco e teve muita vontade de rir, se é que não riu gostoso? Ou, então, teve pena do “pobre coitado” que “não sabe português” e fala tudo “errado”? Afinal, os professores, os livros, as gramáticas e os dicionários nos ensinam que o “certo”, o “bonito” é falar Cláudia, globo, planta, inglês, bloco...
Emília, Sílvia e Vera estão muito sérias, atentas a cada palavra de Irene.
— Mas será que é mesmo assim tão engraçado? — pergunta Irene. — Vamos ver.
Ela se levanta, vai até a lousa e escreve algumas palavras:
igreja Brás praia frouxo escravo
— Leiam com cuidado estas palavras — pede Irene. — Tudo bem com elas, não é? Estão “certas”, não estão?
— Aparentemente sim — responde Vera.
— E de fato estão — confirma Irene. — Mas se você for buscar a história dessas palavras e descobrir de que modo elas ficaram com a forma que hoje têm em português “certo”, é provável que tenha uma grande surpresa...
Irene entrega a cada uma delas uma folha impressa.
— Deem uma olhada neste quadro...
Latim
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Francês
|
Espanhol
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Português
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ecclesia
|
église
|
ecclesia
|
igreja
|
Blasiu
|
Blaise
|
Blasiu
|
Brás
|
plaga
|
plage
|
plaga
|
praia
|
sclavu
|
esclave
|
sclavu
|
escravo
|
fluxu
|
flou
|
fluxu
|
frouxo
|
— E então, Emília? — provoca Irene. — Não lhe parece engraçado que onde havia um L em latim (L que se conservou em francês e espanhol) surgiu um ridículo R em português? [...]
— Decifre logo esse enigma, Irene — pede Emília —. Minha curiosidade está me mordendo toda!
Irene sorri:
— Mas a coisa é bem simples, Emília. Existe na língua portuguesa uma tendência natural em transformar em R o L dos encontros consonantais, e este fenômeno tem até um nome complicado: rotacismo. Quem diz broco em lugar de bloco não é “burro”, não fala “errado” nem é engraçado, mas está apenas acompanhando a natural inclinação rotacizante da língua. [...]
BAGNO, Marcos. A língua de Eulália. 15. ed. São Paulo: Contexto, 2006.
Desse trecho, depreende-se que:
a) não se pode tratar a língua em termos de “certo” e “errado” porque, em geral, as ocorrências linguísticas atendem a padrões, tendências perfeitamente explicáveis pelas mudanças históricas.
b) para falar e para escrever muito bem, é necessário conhecer profundamente a história da própria língua, a origem das palavras e as transformações sofridas por elas.
c) a ocorrência de palavras como “brusa” e “Creusa” não pode ser explicada pelos mesmos critérios adotados na explicação de palavras como “pranta” e “broco”.
d) o preconceito linguístico é fundamental para que as pessoas mais pobres busquem escolarização e deixem de ser alvo de gozação.
2. (Enem, 2009)
Texto I
O professor deve ser um guia seguro, muito senhor de sua língua; se outra for a orientação, vamos cair na “língua brasileira”, refúgio nefasto e confissão nojenta de ignorância do idioma pátrio, recurso vergonhoso de homens de cultura falsa e de falso patriotismo. Como havemos de querer que respeitem a nossa nacionalidade se somos os primeiros a descuidar daquilo que exprime e representa o idioma pátrio?
ALMEIDA, N. M. Gramática metódica da língua portuguesa. Prefácio. São Paulo: Saraiva, 1999.
Texto II
Alguns leitores poderão achar que a linguagem desta Gramática se afasta do padrão estrito usual neste tipo de livro. Assim, o autor escreve “tenho que reformular”, e não “tenho de reformular”; “pode--se colocar dois constituintes”, e não “podem-se colocar dois constituintes”; e assim por diante. Isso foi feito de caso pensado, com a preocupação de aproximar a linguagem da gramática do padrão atual brasileiro presente nos textos técnicos e jornalísticos de nossa época.
REIS, N. Nota do editor. PERINI, M. A. Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática, 1996.
Confrontando a opinião defendida nos dois textos, conclui-se que:
a) ambos os textos tratam da questão do uso da língua com o objetivo de criticar a linguagem do brasileiro.
b) os dois textos defendem a ideia de que o estudo da gramática deve ter o objetivo de ensinar as regras prescritivas da língua.
c) a questão do português falado no Brasil é abordada nos dois textos, que procuram justificar como é correto e aceitável o uso coloquial do idioma.
d) o primeiro texto enaltece o padrão estrito da língua, ao passo que o segundo defende que a linguagem jornalística deve criar suas próprias regras gramaticais.
e) o primeiro texto prega a rigidez gramatical no uso da língua, enquanto o segundo defende uma adequação da língua escrita ao padrão atual brasileiro.
3. (Fuvest–SP)
“Você pode dar um rolê de bike, lapidar o estilo a bordo de um skate, curtir o sol tropical, levar sua gata para surfar.”
Considerando-se a variedade linguística que se pretendeu reproduzir nessa frase, é correto afirmar que a expressão proveniente da variedade diversa é:
a) “dar um rolê de bike”
b) “lapidar o estilo”
c) “a bordo de um skate”
d) “curtir o sol tropical”
e) “levar sua gata para surfar”
Produção de texto
Cordel
Cordel é um gênero de poesia popular impressa que nasce, em geral, para ser declamado. É, muitas vezes, nas feiras populares que o cordelista pega a viola e inicia a cantoria de seus versos.
Originados na literatura portuguesa, os primeiros folhetos no Brasil foram publicados no final do século XIX, na região Nordeste, e passaram a fazer parte da cultura local. Como viajavam por todos os lugares, até os mais ermos, divulgando e vendendo sua produção, os cordelistas daquela época tornaram-se uma importante fonte de informação para as pessoas que viviam no interior, onde nem mesmo o rádio era muito difundido. Assim, o folheto de cordel também ganhou a forte função social de informar a população. Ainda que hoje TV e rádio sejam bem acessíveis, muitos folhetos continuam tratando de temas que são notícia — como fatos políticos, o mundo artístico e esportivo, etc. — ou fazendo críticas aos problemas da sociedade.
O produtor desse gênero tem um papel social bem definido: é o cordelista. Ele é reconhecido por usar versos, rimas, inversões e jogos de palavras para tratar em seus textos dos mais diversos temas: a saga de heróis, a vida de santos, acontecimentos fantásticos e maravilhosos, fatos cômicos e satíricos, o cotidiano das pessoas, a política, o amor, a fidelidade, entre outros.
A intenção do cordelista é fazer o cordel chegar às mãos do povo, informando, divertindo e encantando. Por isso, a linguagem usada é acessível e cheia de ritmo e musicalidade.
Atividade — Como construir versos e estrofes de cordéis
Verso é cada uma das linhas de um poema. Diferentemente das linhas do texto em prosa, os versos têm ritmo e, como todo texto, têm sentido.
O sentido dos versos constrói as estrofes. Cada uma delas, no gênero cordel, costuma apresentar alguma ação que ajuda a compor a história apresentada.
Na estrofe a seguir, o autor conta um fato: o encontro do eu lírico com o saci, que estava chorando. Esse é o mote para a continuação da história. Leia a estrofe e os comentários sobre ela. Escreva uma continuação para o poema.
O saci e o eucalipto
Ditão Virgílio
Um dia fui passear
Lá no reino encantado
E em cima de um cupim
Eu vi o saci sentado
Com os olhos cheios d’água
Que há pouco tinha chorado
Então lhe perguntei
Por que estava desolado
[...]
O saci e o eucalipto
No título há dois elementos significativos: saci e eucalipto. Apenas o saci é mencionado na estrofe inicial. O segundo elemento, portanto, precisa ser mencionado nas demais estrofes.
Um dia fui passear
Neste verso, há uma informação completa — quando fiz o quê. Note que uma segunda informação — onde fiz — aparece no verso seguinte.
Lá no reino encantado
Observe que há nos versos do poema expressões que indicam tempo, localização, etc.
O poeta construiu rimas alternadas com o som final -ado. Ao escrever a continuação, lembre-se de utilizar um som que poderá ser repetido nos outros versos.
E em cima de um cupim
Cada verso pode mostrar uma informação circunstancial.
Se precisar, inicie seu verso com o conectivo e, dando continuidade ao anterior.
Eu vi o saci sentado
A estrofe é organizada a partir de uma ação/informação nuclear, ponto importante em que algo acontece ou alguém faz alguma coisa.
Com os olhos cheios d’água
Os versos seguintes trazem mais detalhes da informação nuclear. Este verso inteiro mostra como o saci estava.
Que há pouco tinha chorado
Uma estrofe precisa trazer alguma informação que será desenvolvida na próxima. Note que o motivo para o choro será um tema que deverá ter continuidade no cordel.
Então lhe perguntei
A ação de “perguntar” é consequência de o eu lírico ter visto o saci chorando e também uma informação que encaminha para a próxima estrofe.
Não se preocupe com a rima dos versos ímpares, pois são versos brancos, isto é, não rimam com nenhum outro.
Por que estava desolado
No último verso da estrofe, temos o complemento do verso anterior, aquilo que foi perguntado pelo eu lírico. Muitas vezes, no encadeamento dos versos é que temos a completude de uma frase.
VIRGÍLIO, Ditão. Estórias de uma perna só. São Luiz do Paraitinga (SP), n. 19, ago. 2007. Livreto de cordel.
Use os recursos que você aprendeu sobre versos e estrofes na produção de mais duas estrofes para o poema “O saci e o eucalipto”.
Produção de autoria
Bruna Assis Brasil/Arquivo da editora
Escolha uma entre as propostas a seguir.
Proposta 1
Escreva um poema no estilo cordel, com quatro ou cinco estrofes de seis versos.
O tema pode ser um fato histórico que esteja estudando, a história de sua família, um conteúdo de Biologia, Física ou Química, etc. Use variedade linguística informal.
Lembre-se de que, mesmo escritos em versos, os cordéis podem ser narrativos, ou seja, contar uma história com começo, meio e fim.
Proposta 2
Muitos cordelistas usaram o cordel para fazer críticas ou denúncias. Você também pode escrever um com essa intenção. Para isso, é importante observar o entorno, identificar o problema, suas causas e as pessoas que mais diretamente podem se responsabilizar para resolvê-lo. Trata-se, nesse caso, de uma crítica responsável, que tem como objetivo denunciar a situação descrita para melhorá-la. Circule por sua escola ou percorra seu bairro, verifique cenários que possam não ser saudáveis para as pessoas: menosprezo pelos espaços públicos, falta de gentileza das pessoas, áreas abandonadas e falta de espaços de lazer para os jovens e as crianças, problemas no transporte público, descuido das vias ou das calçadas, etc.
Delimitada sua denúncia, identifique a quem pode ser dirigido o texto: para os moradores do bairro, para os estudantes da escola, para uma autoridade pública, etc.
Faça com que seja lido pelas pessoas a quem o texto é endereçado. Se for para os moradores do bairro, afixe seu cordel no mural de algum estabelecimento por onde circulam muitas pessoas; se for para uma autoridade, publique-o em um jornal local ou envie-o diretamente para tal autoridade, e assim por diante.
Lembre-se de que sua intenção não é ofender ninguém, mas apresentar, de forma respeitosa, um problema que pode ser solucionado, caso as pessoas mais diretamente envolvidas na questão se mobilizem para resolvê-lo. E isso pode incluir, muitas vezes, o próprio autor do cordel.
Preparando a segunda versão do texto
O cordel é um gênero oral. Assim, para corrigir seu texto, leia-o em voz alta e vá fazendo os acertos necessários. Confira:
▸ se todos os versos têm o mesmo número de sílabas poéticas;
▸ se todas as estrofes têm seis versos;
▸ se há informações que se amarram às estrofes seguintes;
▸ se os versos estão bem escritos;
▸ se apresenta uma história que se desenvolve ao longo das estrofes.
Se você escolheu a segunda proposta, verifique também:
▸ se há a apresentação clara de uma crítica, de uma denúncia;
▸ se o tom do cordel é respeitoso;
▸ se, no cordel, há uma proposta de solução, de modo a revelar comprometimento cidadão por parte do cordelista;
Refaça o que for necessário. Ao final da produção de autoria, apresente seu texto à classe.
Guarde seu poema de cordel para compor a antologia. Veja informações a seguir.
Para circular os textos — Antologia
Ao longo do Ensino Médio, você vai estudar diversos modelos textuais, ler vários textos, discutir sobre eles e perceber que há diferentes maneiras de estruturá-los para, então, produzi-los.
Como o professor não pode ser o único a ler os textos escritos por você, vamos organizar uma antologia do que será produzido ao longo deste ano.
Em todas as unidades do livro, há propostas de produção textual, e o objetivo é que elas sejam lidas não só pelo professor, mas que atravessem os muros da escola e cheguem à comunidade. Por esse motivo, vamos dar início à organização dessa antologia agora mesmo!
Antologia é uma coletânea de textos escritos em prosa ou verso. Normalmente, os textos escolhidos são organizados por tema, época ou autoria.
Para organizar a antologia, a classe deverá ser dividida em equipes e cada uma será responsável por um capítulo. Os capítulos serão divididos de acordo com os gêneros estudados no livro. Depois de o grupo decidir com qual deles ficou, é preciso ficar atento: a equipe deverá recolher e guardar, para usar na antologia, as produções de texto de todos os componentes do grupo e também as produções de colegas de outras equipes sobre as quais tenha interesse. As orientações para a organização da antologia são dadas na Unidade 8, na página 341.
Para facilitar a organização do trabalho, recomendamos que a leitura dessas orientações seja feita com alguma antecedência.
No mundo da oralidade
Sarau de cordéis
Cordel é literatura do povo para o povo, principalmente o nordestino. Mas há outras formas de cultura popular, ou seja, cultura feita e apreciada fora do circuito “oficial”. Leia a notícia a seguir sobre um evento que acontece toda quarta-feira na periferia da cidade de São Paulo (SP).
Cooperifa mistura todos os versos e leva até estrangeiro à periferia
Fabio Victor
Chamada ao palquinho, dona Efigênia, 72, de início gaguejou um pouco ao declamar seu poema em homenagem a Pelé, “Jogo de Bola”.
Mas logo pegou o jeito e, como quase todos os que se arriscam ali, foi ovacionada.
“O inimigo me odeia / mas eu não me importo / minha vida é livre / e faço o que gosto” — estes os últimos versos.
Ao final da noite, Efigênia Rodrigues Pereira, doméstica aposentada (repetindo: 72 anos), aluna do Ensino Fundamental de um colégio do Jardim Guarujá, zona sul de São Paulo, exultava. “A gente vai se soltando, tendo uma oportunidade de procurar o caminho dos famosos. Foi legal demais.”
Ela estava entre as 50 pessoas que declamaram algum texto poético no último sarau da Cooperifa, quarta passada, no bar do Zé Batidão.
Uma ida ao boteco do Jardim Guarujá, em frente a uma praça de bairro cercada por casas de bairro, na quarta à noite, explica por que, aos dez anos, o sarau virou a mais forte referência da cena literária da periferia paulistana.
Dona Efigênia e seus colegas de escola, todos adultos, se misturavam naquele dia a rappers, poetas de cordel e declamadores de todo tipo de versos, próprios ou alheios: confessionais, rimados, ingênuos, revoltados, livres.
Unindo a todos, o gosto de ir ao palquinho declamar.
Um mês antes, noutra noite acompanhada pela reportagem, estavam lá dois gringos: a alemã Ingrid Hapke, 32, pesquisadora da Universidade de Hamburgo, e o performer americano Raphi, 30.
“Sarau igual ao da Cooperifa não tem igual no mundo. Em Nova York, o Nuyorican tem uma energia parecida, mas aqui a galera escuta, se entrega à poesia. A diversidade é incrível — não é qualquer lugar da periferia que aceita um gringo”, disse Raphi.
[...]
Articulador de tudo e idolatrado ali, o poeta Sérgio Vaz abre os trabalhos, e é amparado por um time de MCs (mestres de cerimônias) que introduzem os recitadores.
Antes do início, um dos MCs puxa o grito de guerra: “Povo unido. Povo inteligente. É tudo nosso!”. Ao que todos respondem: “Uh, Cooperifa, uh, Cooperifa”. Enquanto se lê, “o silêncio é uma prece”, conforme o mantra lembrado a toda hora pelos MCs.
São cerca de 200 pessoas todas as quartas. Nada barra o sarau. A audiência ignora grandes jogos de futebol (não há TV no local). Durante os ataques do PCC em 2006, quase tudo na quebrada fechou — o sarau aconteceu.
Mesmo quem começou a organizar saraus antes de Vaz, como o poeta Binho, no bairro do Campo Limpo, admite que a Cooperifa “catalisou o que estava por aí”.
O escritor Ademiro Alves, o Sacolinha, um dos estilos mais vigorosos entre os nomes surgidos na periferia, conta que até frequentar o sarau era duro divulgar seu trabalho. “Meu público leitor era minha mãe e uma vizinha. Hoje tenho um exército”.
[...]
©Cooperifa/Viviane de Paula
Sarau da Cooperifa, em foto de 2011.
Folha de S.Paulo. São Paulo, 17 set. 2011. Ilustrada, p. E4.
Você acabou de ler trechos de uma reportagem sobre um sarau que ocorre em São Paulo. Você já esteve em uma reunião literária como essa?
Nossa sugestão aqui é que a classe organize um sarau com os cordéis que fizeram durante o trabalho deste capítulo. Esse sarau pode ser realizado na sala, durante a aula, ou em outro horário, de acordo com a orientação do professor.
Além dos cordéis, quem quiser mostrar desenhos, pinturas, tocar um instrumento ou cantar também será bem-vindo.
Para fazer o sarau, será preciso preparar a apresentação oral dos cordéis: ao contrário do que se imagina, oralizar não é apenas ler um texto em voz alta, mas também preparar essa leitura, garantindo que tenha o tom adequado, seja compreendida por todos, etc.
1. Escolhido o texto, siga as instruções para a produção do sarau. Considere:
a) o tom do texto escolhido: leia em silêncio e identifique o tom do texto, isto é, se ele é mais cômico, mais triste, mais romântico, etc.;
b) o volume da sua voz: não grite durante a apresentação, mas também não fale muito baixo. Encontre o volume adequado ao ambiente;
c) as pausas necessárias: ao ler, fale devagar. Faça a leitura dos enunciados que se complementam de uma vez; não faça pausas em excesso nem deixe de fazê-las quando necessário;
d) o ritmo: observe os versos e as rimas. Dê destaque a essa construção para que o leitor perceba o ritmo construído pelos recursos estudados.
2. Para a apresentação o professor vai escolher, na classe, um “mestre de cerimônias”, isto é, um apresentador. No dia combinado, o mestre de cerimônias vai organizar a ordem dos textos, apresentar os participantes e iniciar o sarau.
Aproveite para...
... ler
©Editora Moderna/Reprodução
Amor, história e luta: antologia de folhetos de cordel, de Márcia Abreu, editora Moderna.
Este livro traz alguns dos mais conhecidos folhetos nordestinos, permitindo ao leitor conhecer diversas formas de cordel e a história dessa literatura popular. Centenas de notas ajudam a compreender o vocabulário e dão referências históricas e culturais.
Cordel: Minelvino Francisco Silva, de Minelvino Francisco Silva, editora Hedra.
Poeta popular e xilógrafo dos mais talentosos na poesia e no talhe, o baiano Minelvino Francisco Silva viveu intensamente o universo do cordel, passando por todas as modalidades. Sua obra percorre boa variedade de temas, como contos de encantamento, de amor, de animais, de fatos políticos e do cotidiano, entre outros. Acervo PNBE.
Cordel: Patativa do Assaré, de Patativa do Assaré, editora Hedra.
Patativa do Assaré é um dos mais importantes cordelistas do país. Seus poemas são inspirados em seu cotidiano, suas alegrias e seus sofrimentos e mostram o vínculo existente entre o poeta, o sertão e a cidade. Acervo PNBE.
O que é literatura de cordel, de Joseph M. Luyten, editora Brasiliense.
A literatura de cordel sofreu uma mudança considerável nos últimos anos. Se antigamente o cordel era um dos raros veículos de informação e formação de grande parte da população do interior do Brasil, principalmente a do Nordeste, hoje ele tem grande importância como portador de reivindicações sociais e políticas.
... assistir a
O milagre de Santa Luzia, de Sérgio Roizemblit (Brasil, 2008).
Documentário que aborda a cultura popular brasileira por meio da sanfona, instrumento que está presente no Brasil de norte a sul, com os ritmos mais variados. Nessa viagem somos acompanhados pelo sanfoneiro Dominguinhos e descobrimos que Luís Gonzaga, um dos maiores compositores brasileiros e importante artista na divulgação da música regional, nasceu no dia de Santa Luzia.
... acessar
www.fabiosombra.com.br
Blog de Fábio Sombra, cordelista, violeiro e pesquisador do folclore. Além de escrever livros de cordel e outros temas ligados a tradições culturais, Sombra realiza também palestras e oficinas ligadas à poesia e à música popular.
Por meio de seu blog, o poeta mantém-se em permanente contato com os leitores, além de registrar informações sobre livros de sua autoria, pesquisas e projetos culturais. Acesso em: 1o mar. 2016.
Literatura
“Mais que nunca é preciso cantar”
Para começar
Interdisciplinaridade com: Arte, Educação Física, Geografia, História.
Não escreva neste livro.
1. Você encontrará a seguir três letras de música brasileira contemporânea e, depois, três cantigas compostas na Idade Média (na história da Europa, período que vai do século V ao século XV).
Observe que, quanto ao conteúdo, cada uma das cantigas medievais poderia ser associada a uma das canções contemporâneas. No caderno, faça essa associação indicando os três pares possíveis.
Letra 1
Meu bem-querer
Djavan
Meu bem-querer
É segredo, é sagrado
Está sacramentado
Em meu coração
[...]
Meu bem-querer
Meu encanto,
Estou sofrendo tanto
Amor, e o que é o sofrer
Para mim que estou
Jurado pra morrer de amor?
DJAVAN. Djavan ao vivo — v. 1. [S.I.]: Sony Music, 1999. 1 CD. Faixa 3.
Letra 2
Metade
Adriana Calcanhotto
[...]
eu perco as chaves de casa
eu perco o freio
estou em milhares de cacos
eu estou ao meio
onde será que você está agora?
CALCANHOTTO, Adriana. A fábrica do poema. [S.I.]: Sony Music, 1994. 1 CD. Faixa 4.
Letra 3
Não enche
Caetano Veloso
Me larga, não enche!
Você não entende nada e eu não vou te fazer entender.
Me encara de frente:
É que você nunca quis ver, não vai querer, nem vai ver
Meu lado, meu jeito,
O que eu herdei de minha gente e nunca posso perder.
Me larga, não enche!
Me deixa viver, me deixa viver,
Me deixa viver, me deixa viver...
[...]
Pra rua! Se manda!
Sai do meu sangue, sanguessuga, que só sabe sugar.
Pirata, malandra!
[...]
VELOSO, Caetano. Livro. [S.I.]: Polygram, 1998. 1 CD. Faixa 10.
©iStockphoto.com/catrinka81
Cantiga A
Ai eu coitada!
Como vivo em gran cuidado
por meu amigo
que ei alongado!
Muito me tarda
o meu amigo na Guarda!
[...]
D. Sancho I. In: SPINA, Segismundo. Lírica trovadoresca. São Paulo: Edusp, 1996.
Cantiga B
Quando mi-agora for’e mi alongar
de vós, senhor, e non poder veer
esse vosso fremoso parecer,
quero-vos ora por Deus preguntar:
senhor fremosa, que farei enton?
Dized’ai! coita do meu coraçon!
[...]
TORNEOL, Nuno Fernandez. In: SPINA, Segismundo, A lírica trovadoresca. São Paulo: Edusp, 1996.
Cantiga C
Ai dona fea! Foste-vos queixar
porque vos nunca louv’en meu trobar
mais ora quero fazer um cantar
en que vos loarei toda via
e vedes como vos quer loar:
dona fea, velha e sandia!
[...]
Guilhade, Joan Garcia de. In: SPINA, Segismundo. Presença da literatura portuguesa. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1969.
gran: grande.
cuidado: preocupação.
amigo: namorado.
que ei alongado: que se encontra distante de mim.
Guarda: cidade portuguesa.
fea: feia.
trobar: cantar.
mais ora: mas agora.
loar: louvar.
toda via: sempre.
sandia: louca.
alongar: separar.
senhor: senhora.
poder veer: puder ver.
fremoso parecer: aparência formosa.
dized’: dizei.
coita: sofrimento amoroso.
coraçon: coração.
©iStockphoto.com/catrinka81
2. Responda no caderno: o que cada par de textos tem em comum quanto ao assunto?
Foi possível comparar as canções populares contemporâneas com as cantigas medievais porque essas composições têm algumas características em comum. Em períodos históricos e lugares distintos do mundo, muitas vezes o ser humano vivencia emoções semelhantes, passa por experiências que apresentam pontos de contato entre si.
A arte em geral — aqui, em especial, a literatura — permite a expressão dessas experiências e a observação dos aspectos únicos de inúmeras circunstâncias vividas.
Este capítulo proporciona a observação de outros pontos de contato de composições poéticas brasileiras de hoje com as cantigas da Idade Média. Você vai poder comparar cantigas com um poema popular e com a letra de música de uma MC. A musicalidade dos poemas, sua vocação para serem expressos em voz alta e de forma ritmada estarão presentes neste estudo.
Biblioteca Monasterio del Escorial, Madri, Espanha
Grupo de trovadores em iluminura do século XIII feita para o manuscrito das Cantigas de Santa Maria, do rei Alfonso X, o Sábio, de Leão e Castela.
Comparando textos
Texto 1
Catulo da Paixão Cearense foi um poeta bastante popular em seu tempo. Suas composições ficaram muito conhecidas e não poucas vezes ele foi convidado a declamar seus poemas em festas de autoridades públicas. Grande conhecedor da língua portuguesa, o poeta soube combinar rico vocabulário com a sonoridade do falar mais espontâneo de pessoas do povo. O trecho de poema que você lerá a seguir trata da disputa de dois cantadores pelo amor de uma bela moça.
cantador: cantor, poeta popular.
marruêro: marrueiro, domador de touros.
caborge: caborje, feitiço.
istrepe: estrepe, espinho.
caxinguelê: pequeno roedor das matas.
pru mode: por causa.
mucuim: parasita da pele.
afulemado: raivoso.
temperar: afinar.
puntiá: tocar na viola.
fazer pinto cessá xerém: fazer bonito.
pinho: violão ou viola.
jaó: ave cujo canto é considerado melancólico.
O marruêro
Catulo da Paixão Cearense
[...]
Lá, pras banda onde eu nasci,
já se falava do amô:
todas as boca dizia
que era farso e matadô!
[...]
Nas marvadage do amô
não hay cabra que não caia,
quando o diabo tira a roupa,
tira o chifre e tira o rabo
pra se visti c’uma saia!
Se adisfoiando no samba,
cantando uma alouvação,
eu vi a frô dos caborge
das morena do sertão!
Trazia dento dos oio
istrepe e mé, cumo a abeia!
Oiou-me cumo uma onça!...
E, ao despois, cumo uma oveia!
Aqueles oio xingoso,
eu confesso a vasmincê,
ruía a gente pru dento
que nem dois caxinguelê!
[...]
Pru mode daqueles oio,
dois marvado mucuim,
um violero, afulemado,
partiu pra riba de mim!
Temperei minha viola,
intrei logo a puntiá,
e ambos os dois se peguemo,
n’um disafio, ao luá!
[...]
Só despois que nestas corda
fiz pinto cessá xerém,
vi que o bichão se chamava:
— Manué Joaquim do Muquém!
Manué Joaquim era um cabra
naturá de Piancó!...
Quando gimia no pinho,
chorava, cumo um jaó!
Eu, marruêro, arrespundia
nestas corda de quandu,
e os acalanto se abria,
cumo as frô do imbiruçu!
Foi despois do disafio,
quando eu saí vencedô,
que os canto e os gemê dos pinho
n’um turumbamba acabou!!
Inquanto nós dois cantava,
sem ninguém tê dado fé,
tinha fugido a caboca
cum o Pedro Cachitoré!!!
[...]
Tinha fugido, marruêro,
aquela frô dos meus ai,
cumo uma istrela que foge,
sem se sabê pra onde vai!!!
[...]
Alegre, passava um bando
das verde maracanã!...
Fermosa, cumo a caboca,
vinha rompendo a minhã!
[...]
Eu tinha o corpo fechado
pra tudo o que é marvadez!
Só de surucucutinga
eu fui murdido trez vez!...
Tando cum o corpo fechado,
pras feitiçage do amô,
pensei que eu tava curado!
[...]
Pra riba de mim, Deus pode
mandá o que ele quizé!
O mundo é grande, marruêro!...
Grande é o amô!... Grande é a fé!...
Grande é o pudê de Maria,
isposa de São José!...
O Diabo, o Anjo mardito,
foi grande!... Cumo inda é!!
Mas porém, nada é mais grande,
mais grande que Deus inté,
que uma chifrada, marruêro,
dos oio d’uma muié!
quandu: feijão de corda, que se come verde; guandu.
acalanto: tipo de composição musical.
imbiruçu: árvore que dá flores brancas muito bonitas.
turumbamba: conflito ou briga em que se envolvem muitas pessoas.
maracanã: tipo de ave de cor esverdeada.
minhã: manhã.
surucucutinga: certa cobra venenosa.
ANDREA EBERT/arquivo da editora
CEARENSE, Catulo da Paixão. Meu sertão. 15. ed. Rio de Janeiro: A Casa do Livro, 1967. p. 61-71.
O autor
Catulo da Paixão Cearense (1863-1943), poeta, músico e compositor, nasceu em São Luís (MA). Mudou-se com os pais, aos 17 anos, para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como relojoeiro. Participava da vida boêmia da cidade com músicos ligados ao choro. Uma de suas composições, “Luar do sertão” (1908), é considerada um hino para o sertanejo. Atribui-se a Catulo o fato de o violão, antes desprezado e perseguido, tornar-se conhecido e prestigiado nos salões das camadas econômicas mais privilegiadas.
©Creative Commons
1. O poema “O marruêro” narra em versos uma história que envolve um drama vivido pelo eu lírico. Em seu caderno, descreva esse drama.
2. Quais são os termos usados para se referir à moça por quem o eu lírico se encantou?
3. Que artifícios o eu lírico usa para descrever a intensidade de sua decepção com o fato de a moça ter ido embora com outro homem?
Texto 2
O desencanto e o sofrimento amoroso são temas dos quais a literatura se ocupa há séculos. Em determinadas épocas, chegaram a marcar grande parte de uma produção literária. Foi o que aconteceu do século XII ao XIV, momento em que a poesia estava diretamente ligada à música e era apresentada nas cortes por trovadores que expressavam em suas letras a louvação a uma mulher, geralmente destacando a impossibilidade de esse amor se realizar.
Leia a seguir uma cantiga de amor que representa essa produção literária, composta por dom Dinis, um trovador do fim do século XIII, e em seguida compare a decepção amorosa nela descrita com a expressa no poema lido anteriormente, de Catulo da Paixão Cearense.
Preguntar-vos quero por Deus,
Senhor fremosa, que vos fez
mesurada e de bon prez
que pecados foron os meus
que nunca tevestes por ben
de nunca mi fazerdes ben.
Pero sempre vos soub’amar,
des aquel dia que vos vi,
mais que os meus olhos en mi,
e assin o quis Deus guisar,
que nunca tevestes por ben
de nunca mi fazerdes ben.
Des que vos vi, sempr’o maior
ben que vos podia querer
vos quigi, a todo meu poder,
e pero quis Nostro Senhor
que nunca tevestes por ben
de nunca mi fazerdes ben
Mais, senhor, ainda con ben
Se cobraria ben por ben.
DOM DINIS. In: SPINA, Segismundo, A Lírica trovadoresca. São Paulo: Edusp, 1996, p. 312.
O autor
Dom Dinis (1261-1325), rei e trovador português, em escultura (foto) exposta na primeira universidade de Portugal, fundada por ele próprio, em Coimbra. Filho de dom Afonso III, rei de Portugal, dom Dinis subiu ao trono em 1279 com a morte de seu pai. Protagonizou um dos mais longos e brilhantes reinados portugueses. Amante das artes e letras, cultivou as cantigas. Registros indicam ser ele o primeiro monarca português alfabetizado de fato.
LatinStock/Alamy/Sergio Azenha
Cantigas trovadorescas
As cantigas trovadorescas são consideradas os primeiros registros literários em língua portuguesa. Ao ler essas cantigas, constatamos as mudanças pelas quais as línguas passam, pois há termos nelas que dificilmente reconhecemos. No tempo em que os trovadores escreviam suas cantigas e o reino de Portugal se formava, a língua falada era muito diferente do português que conhecemos hoje. Falava-se o galego-português.
Data provavelmente de 1198 a composição da primeira cantiga em galego-português de que se tem registro, a “Cantiga da Guarvaia” ou “Cantiga da Ribeirinha”, de Paio Soares de Taveirós.
As cantigas são classificadas em lírico-amorosas e satíricas. As lírico-amorosas dividem-se em cantigas de amor e de amigo, e as satíricas em cantigas de escárnio e de maldizer. Eram compostas para serem cantadas ou recitadas com o acompanhamento de um instrumento musical, como viola, flauta, alaúde, cítara ou harpa. Quem as compunha era o trovador (daí o nome Trovadorismo), geralmente um nobre, um cavaleiro; quem as cantava era o menestrel — um músico que fazia parte da corte — ou um jogral — um recitador de nível social mais humilde.
São comuns nessas cantigas alguns recursos típicos da música e da poesia popular até hoje, como o paralelismo (repetição de sentidos e de estruturas sintáticas em estrofes diferentes).
As cantigas produzidas entre os anos 1250 e 1350 foram reunidas em coleções de textos, os cancioneiros. Os mais conhecidos são o Cancioneiro da Ajuda, o Cancioneiro da Biblioteca Nacional e o Cancioneiro da Vaticana.
Cantigas de amor
As cantigas de amor dessa época seguiam as regras do denominado amor cortês, que consistiam em jamais revelar o nome da amada e em nunca expor seu sentimento de forma que fosse desagradável a ela. De alguma maneira, essas regras reproduziam a relação social entre os donos de terras e as pessoas a quem esses proprietários cediam parte delas, para plantação, exigindo, em troca, respeito a determinadas regras.
Além disso, a idealização da mulher amada, o espírito de submissão a esse amor inatingível, também se liga ao fato de toda a sociedade europeia da época pensar que a vida humana e tudo o que se fazia na Terra estaria diretamente ligado à vontade divina.
mesurado: comedido, contido.
prez: valor, mérito.
pero: no entanto, porém.
des: desde.
guisar: proporcionar, destinar.
“vos quigi, a todo meu poder”: quis você, o mais que pude.
mais: mas.
“...ainda con ben / Se cobraria ben por ben”: o bem que vos quero pelo bem que me deveríeis fazer.
Escritos com séculos de diferença, “O marruêro”, de Catulo da Paixão Cearense, e a cantiga do trovador medieval dom Dinis apresentam significativas diferenças. Entretanto, é possível verificar semelhanças: a dor pelo amor não correspondido, a submissão do homem a uma figura feminina. Há semelhanças também no registro de algumas palavras, atestando que termos hoje relacionados ao registro informal ou popular da língua não são meros erros, e sim revelam um pouco do percurso histórico da língua.
1. Qual é o drama vivido pelo eu lírico da cantiga de amor produzida por dom Dinis?
2. Nos dois textos um mesmo motivo leva o eu lírico a se encantar pela figura feminina.
a) Qual é esse motivo?
b) Há uma diferença, entretanto, no comportamento das duas mulheres. Descreva essa diferença.
c) A partir dessa diferença, explicite qual das duas figuras femininas parece ser mais inacessível, mais idealizada.
d) Nessas produções, é diferente a forma de representar a figura feminina. O fato de os textos traduzirem valores de épocas distintas pode ajudar a esclarecer tal diferença? Justifique sua resposta levando em conta a organização social na Idade Média e as características do amor cortês.
3. Na cantiga de amor de dom Dinis, o eu lírico faz elogios à amada empregando a palavra fremosa, ao passo que o eu lírico do texto poético de Catulo da Paixão Cearense utiliza frô e fermosa. Embora a palavra formoso, do latim formosus, já existisse no português medieval, as formas fremoso e fermoso eram as mais usadas, e junto com a palavra flor, do latim flos, floris, já existiram as formas frol e fror. Copie no caderno a proposição correta.
a) As palavras formosa e flor, na época de dom Dinis, deixaram de ser usadas e passaram a ser escritas fremosa e fror.
b) O poema popular conserva uma das formas antigas da palavra formosa — fermosa.
c) A palavra frô é uma invenção de Catulo da Paixão Cearense, pois na escrita da palavra flor nunca tinha sido utilizado o grupo consonantal fr.
4. Os textos lidos também apresentam semelhanças quanto à estrutura. Responda no caderno:
a) Que pessoa gramatical o eu lírico da cantiga de amor usa ao se dirigir à amada? Justifique com palavras do texto.
b) O eu lírico do texto poético de Catulo da Paixão Cearense se dirige a um amigo usando qual pessoa gramatical? Justifique com palavras do texto.
5. Ao dirigir-se a seu interlocutor, o eu lírico de cada um dos textos lidos faz uma evocação. Escreva as palavras, ou a expressão, usadas para fazê-la em cada texto.
6. Observe que os poemas são produzidos tendo em vista interlocutores distintos. Esse fato acarreta grande diferença nas escolhas lexicais, na forma de expressar a desilusão amorosa e mesmo no tom de cada um dos poemas. Qual é a diferença que se verifica em escrever sobre um amor não correspondido para um “marruêro” (no caso, um conhecido do eu lírico) e escrever sobre isso diretamente para a pessoa amada?
7. No texto de Catulo da Paixão Cearense, há palavras grafadas de acordo com o modo como são faladas em diferentes regiões do Brasil. O autor busca rimas entre elas ou com palavras grafadas tal qual a variedade-padrão da língua. Cite pelo menos três casos dessas ocorrências.
8. Muitos dos poemas de Catulo da Paixão Cearense eram escritos para serem lidos e declamados. O próprio poeta não poucas vezes foi convidado para declamar seus poemas em festas de autoridades públicas e em teatros. Pensando nesse fato, qual é a importância de se grafarem termos de seus textos respeitando a fala de pessoas que não usam a variedade-padrão da língua na fala?
9. O texto poético de Catulo da Paixão Cearense, escrito no século XX, tem semelhanças com as cantigas da Idade Média, ligando-se a elas por diversas tradições populares. Você diria que a linguagem empregada nessa composição pode ser vista como uma forma incorreta de escrever? Explique a importância dessas questões para o texto poético levando em conta seus pontos de contato com as cantigas.
Texto 3
O poema é uma forma de expressão utilizada por artistas de diferentes movimentos culturais, em diferentes épocas. Trata-se de um gênero que permite explorar a pluralidade de sentidos de uma expressão e reforçar esses sentidos por meio do ritmo. Além de ser uma experiência formal, o poema possibilita a descrição de alguém ou de uma cena, a expressão de sentimentos, de ideias, de denúncias, a representação do eu por meio de um extravasamento, etc. A expressão de uma denúncia é o que alcança a atriz-MC Roberta Estrela D’Alva com o poema que você vai ler a seguir.
Dura ação
Roberta Estrela D’Alva
Não adianta esmurrar a ponta da faca
Não adianta lutar como um guerreiro de Esparta
E exibir a cicatriz como prêmio da guerra
Ser a pedra que estilhaça o vidro da janela.
O grito, o rosnar, a absoluta certeza
A absoluta razão, a absoluta regra, a absoluta beleza
O mais perfeito entendimento, a precisão, a destreza
O ouvido absoluto, a nota certa, a pureza
A perfeição vinda de um ser imperfeito é imperfeita
Uma mentira, um arremedo, uma imitação malfeita
E a rigidez, a dureza, toda dedicação para consegui-la
É o mais precioso tempo perdido em tentar contemplá-la
Mas sou forte, sou viga, sou aço
Assim sei viver, é como me acho
Seguro, controlo, retenho, não vou
É o que reconheço, é o que tenho, o que sou.
Subindo a escada que desce
Desfiando o tecido que tece
Vendo um bebê na criança que cresce.
Indo dormir quando o sol aparece
Ai, que assim me quebro
Ai, que assim me arrebento
Ai que assim continuo fingindo e pretendendo
Ai, me ensina a ser flor
Quero ser rio, ser fonte, correr
Fazer sustentável em minha presença a leveza do ser
Quero brincar, florescer, coração
Quero meus pés em contato com o chão.
E se machucar, com um assopro sarar
Sem ver que dá certo, confiar, confiar
E rir muito mais e pouquinho chorar
E do lago pro rio, do rio, pro mar
Dissolver as duras paredes que construí com músculos, areia e cal
E suavemente tornar maleável a dureza do metal
Retirar das flechas-palavras o veneno letal
Abrir mão do sempre certo, do sempre perfeito, do ideal
Correr o risco de sentir
Receber em meus braços, acolher, abrir
E quem sabe assim com as armas no chão
Poderei a mim finalmente entregar o perdão.
Poderei a quem devo pedir o perdão
Poderei finalmente aceitar o perdão
Poderei calmamente aceitar quem eu sou
Quem eu fui, quem virá, e saber pra onde vou.
©Shutterstock/de2marco
Jovens dançando break dancing. Fotografia de 2012.
Luciano Tasso/Arquivo da editora
Disponível em:
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