Língua, texto e ensino Outra escola possível



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- É certo, concordou o negociante.

- Então, fez o pintor, vinte mil cruzeiros de menos. Agora também não é ne­cessário dizer "nesta casa". Se o freguês passa por aqui e vê: "se vende ovos frescos", já sabe que é nesta casa. Ele não vai pensar que é na casa ao lado, não é mesmo?

- Certíssimo, exclamou o comerciante.

- Então, continuou o pintor, por que colocar "Se vende"? Se o freguês potencial lê "Ovos frescos" já sabe que se vende. Ninguém pensaria que o senhor vai abrir uma casa comercial para alugar ovos ou apenas para expô-los, certo?

- É mesmo, espantou-se ainda mais o comerciante.

- Quanto ao "frescos", continuou impávido o pintor, refletindo melhor, não é de boa psicologia usar essa palavra. "Fresco" lembra sempre a hipótese contrária, a de ovos "velhos". Não deve nem ter passado pela cabeça do comprador a ideia de que seus ovos podem ser outra coisa senão frescos. Portanto, tiremos tam­bém o "frescos".

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- Certíssimo! Berrou o negociante, agora profundamente entusiasmado com a dia­lética do pintor. Façamos, portanto, apenas "OVOS", tout court Por favor, desenhe aí só essa palavra, bem bonita, bem clara: OVOS! Só ovos, ovos em si mesmos, que se vendam pela sua pura e simples aaparência de ovos, pelo seu inimitável oval!



- Então vamos lá, concordou o pintor. Mas antes de começar a usar o pincel, voltou-se para o negociante, preocupado:

- Mas, me diga aqui, amigo pensando bem, por que vender ovos?

(Millôr Fernandes. Tempo e contratempo.

Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, s. d.)
Repare-se que os argumentos do pintor para suprimir qualquer in­formação incidem, sempre, sobre o fato de que a informação pode ser in­terpretada como já presumida, consensualmente, na situação de interação. Não é necessário, portanto, que se explicite o que já está, de um jeito ou outro, contido no que é afirmado, como se pode ver, por exemplo, na justi­ficativa do pintor: "Não é necessário dizer 'nesta casa'. Se o freguês passa por aqui e vê: 'se vende ovos frescos', já sabe que é nesta casa. Ele não vai pensar que é na casa ao lado, não é mesmo?" Argumentos do mesmo tipo são apresentados para justificar por que não é necessário dizer que "se vendem ovos" ou que eles "são frescos".

Daí que muita coisa não precisa ser dita explicitamente, confirmando- se o princípio de que o discurso, para ser pragmaticamente relevante e coerente, tem que ser incompleto.


5.1.2. Numa dimensão mais específica

A pressuposição, como se verá, conta com algum tipo de suporte le­xical ou morfossintático; ou seja, está contida no próprio significado de uma palavra (por exemplo, em 'voltar' está pressuposto que já se esteve presente antes) ou de uma estrutura sintática (por exemplo, em 'deixar de' está pressuposto que algo já não acontece mais). Depende, portanto, mais do conteúdo linguístico explicitado do que das condições particula­res da situação de comunicação.

Conforme Mira Mateus et alii (1983, p. 166), a pressuposição está su­jeita à seguinte condição:

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Diz-se que uma asserção A1 pressupõe outra asserção A2 se a verdade de A2 for condição necessária mas não suficiente da verdade de A1, isto é, a verdade de A2 não garante a verdade de A1.


Assim, por exemplo, em:

(8) Todos os professores da Universidade Estadual do Ceará são brasileiros, está pressuposto que:

(9) A Universidade Estadual do Ceará tem professores.

Conforme está estipulado nas condições acima descritas, a afirmação de (9) não garante a verdade de (8).

Nesse âmbito da pressuposição específica, vale a pena fazer algumas distinções. Vejamos.

- A pressuposição existencial - está presente nos sintagmas nomi­nais com artigo definido e outros determinantes; como, por exem­plo, nas expressões seguintes:

(10) 'o carro'; 'o presidente da República', 'meu carro'; 'vários alunos' etc.

Nessas construções, fica declarada a existência (real ou imaginária) da entidade à qual nos referimos. Ou seja, se eu digo 'meu carro', é porque eu te­nho um carro, nem que seja apenas no meu desejo ou nas minhas fantasias.

- A pressuposição factiva - está presente nos chamados 'verbos ou expressões factivas', ou seja, verbos e expressões cuja informação a eles adicionada é entendida como um fato verdadeiro. Por exemplo, no texto em que aparecessem os segmentos seguintes:

(11) Eu lamento que a derrocada tenha-se instalado nas instituições financeiras,

(12) Eu estou feliz por ver que acontece a reflexão sobre a educação nacional,

(13) Alegro-me que a escola tenha revisado seus projetos de ensino,

as informações que complementam a predicação verbal são tidas como fatos que aconteceram realmente, que já tiveram lugar num intervalo de tempo passado. E essa interpretação é autorizada pela natureza factiva (de 'fato') dos verbos que constituem o núcleo desses predicados.

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- A pressuposição léxico-semântica - está presente no uso de uma pa­lavra que tem, além de seu próprio significado, um outro não-expressado, mas reconhecível. Por exemplo, quando dizemos a alguém que:

(14) A empresa conseguiu enfrentar o desafio de uma forte concorrência,

é porque se pressupõe que ela 'tentou' mais de uma vez, obtendo êxito, afinal. O mesmo acontece quando dizemos:

(15) A empresa conseguiu enfrentar o desafio de novo,

pressupõe-se que ela já tinha conseguido antes.

Ou, na afirmação de que:

(16) O Banco Central começou a aquecer a economia do país,

pressupõe-se que ele não o fazia antes. Em:

(17) O Banco Central parou de aquecer a economia do país, pressupõe-se que ele o fazia antes. Em:

(18) O Banco Central voltou a aquecer a economia do país, pressupõe-se que ele havia feito isso antes e que, agora, havia deixado de faze-lo.

...


Daí que o estudo significativo do léxico não se esgota pelo simples fato de se procurar saber, em listas de palavras, seus significados. É preciso ir além para identificar os sentidos (explícitos e implícitos) que essas palavras, em determinados contextos de uso, podem assumir ou implicar.

...
Na verdade, o domínio que temos do léxico de nossa língua permite que, adequadamente, use-mos e interpretemos essas palavras e locuções.

- A pressuposição não-factiva - está associada a um número de verbos, expressões e estruturas cuja informação a eles vinculada deve ser interpretada como não sendo um fato real. Por exemplo:

(19) Eu sonho com uma casa no campo... Eu queria ter... Se eu tivesse uma casa... Eu teria uma casa, se...

- A pressuposição contrafactual - está associada a um número de verbos, expressões e estruturas cuja informação a eles vinculada deve ser interpretada como não sendo possível no mundo real.

(20) Se eu tivesse asas, iria te encontrar agorinha!

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• A pressuposição estrutural - está presente na forma como são organiza­das certas estruturas frasais. Por exemplo, vejamos o que é possível pres­supor a partir do sentido dos interrogativos nos enunciados abaixo.

(21) Quando foram (serão) divulgados os novos projetos da escola?

(22) Onde foram (serão) divulgados os novos projetos da escola?

(23) Como foram (serão) divulgados os novos projetos da escola?

em que se pressupõe que esses projetos já foram ou serão, de fato, divulgados.

É da mais alta relevância ter em conta que as pressuposições permane­cem válidas na negação. Assim, em A empresa não conseguiu enfrentar o desa­fio de uma forte concorrência, está igualmente pressuposto que ela tentou.


5.2. A implicação

Outra distinção merece ser feita, ainda que sumariamente, entre a pressuposição e a implicação.

Para relembrar, voltemos um pouco.

Quando se diz, por exemplo, que Todos os professores da Universidade Es­tadual do Ceará são brasileiros, está pressuposto que: A Universidade Estadual do Ceará tem professores. No entanto, em: A Universidade Estadual do Ceará tem professores, não se pode garantir que esses professores sejam brasileiros.

Na implicação é o contrário: a verdade de uma afirmação depende ne­cessariamente da verdade da outra. Por exemplo, dizer que:

(24) Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos implica admitir que ele já não é candidato.

Observemos, por exemplo, a implicação contida no par de enunciados (25 e 26).

(25) Ontem à noite, Paula viu aquele professor na reunião do Departamento.

(26) Aquele professor foi visto ontem na reunião do Departamento. (Enunciado implicado em (25)).

Observemos que a implicação é, de fato, diferente do pressuposto. Por exemplo, são pressupostos de (25) que 'ontem aconteceu uma reunião';

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que 'Paula e o professor foram à reunião; que 'Paula não é cega', entre outros. Mas o fato de ter havido uma reunião e de lá terem estado Paula e o professor não garante que o professor tenha sido visto. Poderiam estar os dois na reunião e um não ter sido visto pelo outro. Na implicação, ao con­trário, a verdade de uma afirmação está presa à verdade da outra. Ou seja, se Paula viu o professor, o professor foi visto.

São distinções bem sutis, mas que fazem a di­ferença no cotidiano de nossas interações verbais. Considerá-las aqui responde a esse nosso interes­se de, cada vez mais, trazer para a explicitação os efeitos de sentido que são expressos ou que estão subjacentes às unidades e às estruturas da língua, até mesmo para que não pensemos que o mundo da língua se esgota nas regras "certas" das concor­dâncias, das regências e outras "ias".

Trazer à consideração essas diferenças tem, portanto, o objetivo de nos chamar a atenção para a complexidade da atividade verbal, na sua produ­ção e na sua recepção, complexidade que eviden­cia a importância dos sentidos que têm as palavras e as estruturas que elas constituem.

A linguagem se justifica pelos sentidos que ex­pressa, pelas intenções que manifesta. Sentidos e intenções que decorrem dos valores culturais dos grupos onde vivemos e interagimos. Durante mui­to tempo, em muitas aulas de língua, perdemos de vista este componente semântico, este componente pragmático da linguagem e nos detivemos em análises de sua morfologia e de sua sintaxe, como se essas coisas ti­vessem vida por si mesmas.

A serviço de que estão a morfologia e a sintaxe, a não ser a serviço do sentido e das intenções que nos ocorre expressar? Falamos, simplesmente, para dizer coisas que têm sentido, para cumprir intenções; não para exerci­tar a formação de categorias morfológicas ou sintáticas. Quando alguém diz

...


Será que a dificuldade maior de quem escreve é não saber discernir entre "um adjunto adnominal" e um "complemento nominal", entre um "se" partícula apassivadora e um "se" índice de indetermina­ção do sujeito? Como recuperar o tempo gasto com essas e outras explicações? Pondo, no centro de nossas atividades de sala de aula, o estudo, a análise, a exploração, a comparação, a observação, em textos, das especificidades dos sentidos e de seus efeitos na compreensão do que dizemos e ouvimos.

...


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que "vovó vai à vila" - o que carrega, naturalmente um sentido, - o diz com uma intenção qualquer; para responder, talvez, ao interesse de alguém que quer saber "para onde vovó vai" ou o que vai fazer essa tarde. Não diz sim­plesmente por dizer, muito menos para treinar a produção do som "v". Ou seja, é preciso que a palavra do outro desencadeie nossa própria palavra. É nesse ponto que sobressai o caráter descontextualizado do ensino da esco­la: a língua é vista "dessitualizadamente", sem referência a um dizer prévio, a uma finalidade específica de interação, onde dizer o que se diz se faz per­tinente porque corresponde a uma expectativa qualquer de um outro.

Voltemos às considerações acerca da natural incompletude do discurso.


5.3. A inferência

O termo 'inferência' é comumente reservado para informações implí­citas que são identificadas com apoio de nosso conhecimento de mundo, informações que se relacionam, portanto, com o 'saber partilhado' pelos interlocutores. A inferência está, assim, profundamente vinculada à vida, aos valores culturais da comunidade onde acontece a atividade verbal. As situações sociais, os cenários onde os 'atores' da atividade verbal interagem constituem os pontos de referência para as interpretações inferenciais.

Assim é que a associação interpretativa ente 'eleição' e 'campanha', entre 'eleição' e 'urna', entre 'eleição' e 'pesquisa', por exemplo, decorre do conhecimento que temos acerca de como essas entidades estão or­ganizadas em nossa experiência e que espaço, físico e cultural, dividem. Difere, portanto, da pressuposição, que se fundamenta em determinações linguísticas, derivadas dos traços semânticos das expressões ou das con­dições sintáticas em que essas expressões ocorrem.

Pela via dessas associações, estabelecidas com base em nossos co­nhecimentos de mundo, muitos vazios podem ser recuperados em nossas interações, até mesmo aqueles que, aparentemente, nada tinham de asso­ciáveis. Diante de alguém que nos informa que

(27) Amanhã as aulas vão começar,

é possível inferir uma outra informação; por exemplo, a de que:

(28) O trânsito na cidade vai piorar,

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ou que

(29) É preciso deitar-se mais cedo.

Ora, a relação entre "início das aulas" e "congestionamento do trânsito" não se dá por razões semânticas, quer dizer, não decorre de uma interde­pendência entre os valores de sentido das palavras aí presentes. Do ponto de vista estritamente semântico, "início das aulas" e "congestionamento do trânsito" não estão em nenhum tipo de inter-relação de sentido.

Não é, portanto, o conhecimento da língua que nos faz estabelecer en­tre essas expressões um nexo de coerência. É preciso conhecer os esque­mas da vida urbana, com suas práticas e repercussões, para entender por que as duas coisas - aulas em curso e engarrafamento do trânsito - se re­lacionam e podem entrar na constituição de um nexo coesivo e coerente. Por isso mesmo, é que não faz sentido analisar a língua fora do universo cultural do qual ela faz parte.

Quando lemos, à entrada de um restaurante, um aviso de advertência do tipo:

(30) É proibido entrar sem camisa,

ou um outro, em um estabelecimento comercial, informando:

(31) Aberto aos domingos,

acionamos o nosso conhecimento de mundo para resgatar o todo des­sas comunicações e, assim, entendemos o que nem foi preciso dizer: os homens (sabemos perceber que a advertência é para eles) também não podemos entrar sem calças; o estabelecimento está aberto todos os dias da semana, não somente aos domingos. Esses cálculos requisitaram mais que os elementos linguísticos explícitos.

O jornal Diário de Pernambuco, que circulou no domingo, 25 de janeiro des­te ano de 2009, trazia em caixa alta, na primeira página, a seguinte manchete:

(32) CASAIS TROCAM ALTAR POR JUIZ.

Imaginemos a dificuldade que um leitor proveniente de uma cultura mui­to diferente da nossa poderia sentir para entender de que "troca" se está fa­lando. Imaginemos as hipóteses de interpretação a fim de entender o porquê da referência a "altar" e a "juiz". Somente o recurso ao conhecimento de como,

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em nossa experiência cultural, esses elementos são distribuídos pode nos dar a chave da interpretação correta, apesar dos elementos não explícitos e apenas inferíveis: hoje os casais preferem o casamento civil ao religioso.

Em suma, estabelecer a coerência de um texto é uma atividade cognitiva bastante complexa. É um verdadeiro trabalho interpretativo; uma atividade de articulação entre o que é apanhado no enun­ciado e o que é selecionado no conjunto de dados contextuais que conhecemos. Envolve, pois, uma série de operações mentais, de fatores cognitivos, de conhecimentos, que, acionados, nos permitem "pescar" ou recuperar a coerência do que dizemos e ouvimos, considerando não apenas o que é pos­to na superfície do discurso, mas tudo quanto está pressuposto ou implicado naquilo que é dito, ou é inferível, a partir de nossas experiências de vida.

...


Os alunos poderiam ser orientados pelo professor para, em anúncios, em avisos, em notícias e reportagens, e tantos outros materiais, identificarem enunciados que somente podem ser entendidos se recorrermos ao nosso conhecimento de mundo. Todos os exemplos apresentados aqui - alguns como fragmentos de textos - são fatos textuais que podem ser observados e estudados, para que se entenda melhoro mundo das realizações discursivas.

...
Todos esses tipos de implícitos são comuns nas anedotas, nas tirinhas, nos cartuns, nos anúncios publicitários. A análise desses gêneros, na perspectiva de identificar os vazios que, paradoxalmente, completam o seu sentido e, assim, lhe dão relevância comunicativa, constitui um expediente significativo para se perceber os modos de funcionamento da interação verbal. Na verdade, é isto que importa: saber como ocorre a prática da linguagem.

Por todas as considerações feitas neste capítulo, fica evidente, mais uma vez, a insuficiência do conhecimento linguístico para a atividade da intera­ção verbal. Muito mais ainda a insuficiência do conhecimento estritamente gramatical. A tão divulgada incompetência dos alunos, em leitura e em elabo­ração de textos formais, não é, pois, fatalidade, nem fruto do acaso, nem tam­pouco decorrência da falta de dotes intelectuais dos alunos; é, com certeza, resultado de um ensino pobre, irrelevante e extremamente limitado ao mais exterior da superfície linguística: sua nomenclatura e suas classificações.

No que tange à gramática, pouco se explora, por exemplo, as infor­mações implícitas que decorrem do uso de certas categorias gramaticais,

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como é o caso do artigo definido, dos pronomes indefinidos, dos quantifi­cadores, para citar apenas esses.

Vejamos o início de uma fábula escrita por Millôr Fernandes.

A GALINHA REIVINDICATIVA ou THE HEN'S LIBERATION Em certo dia de data incerta, um galo velho e uma galinha nova encontra­ram-se no fundo de um quintal e, entre uma bicada e outra, trocaram im­pressões sobre como o mundo estava mudado. O galo, porém, fez questão de frisar que sempre vivera bem, tivera muitas galinhas em sua vida sentimental e agora, velho e cansado, esperava calmamente o fim de seus dias.

Observemos que somente podemos concluir que a galinha se mostrou insa­tisfeita recorrendo ao sentido de oposição expresso pelo conectivo 'porém'. Em nenhum outro momento há qualquer referência às suas queixas. No início da fábula, a situação de ambos - galo e galinha - é apresentada com neutralidade: conversavam sobre como o mundo está mudado. Essa neutralidade é desfeita por conta do que fica contido no uso da adversativa 'porém'. Ou seja, é também com categorias gramaticais que se constrói o sentido dos textos. Categorias que têm funções, que provocam sentidos, que implicam o estabelecimento de certas con­clusões. Não apenas categorias que têm um nome.

De fato, a escola tem subestimado todo esse con­tingente de informações implícitas, que, de um jeito ou de outro, fica "subjacente". Já que seu trabalho ainda incide preferencialmente sobre a morfologia das pa­lavras e a sintaxe da frase, ou, no caso do texto, sobre o que está expresso em sua superfície, a imensa ques­tão dos implícitos, dos "vazios" fica de fora. É como se tudo o que é dito estivesse expresso literalmente, ou à vista sobre as linhas do texto ou na sequência dos sons. Perde-se com isso a oportunidade de explorar um ponto que é constitutivo da linguagem em uso e que representa, portanto, uma das condições da am­pla competência comunicativa dos sujeitos.

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Ingedore Villaça Koch e Vanda Maria Elias, em Ler e compreender—os sentidos do texto, nos ofereceram um ótimo exemplar de como explorara multiplicidade de elementos que concorrem para que encontremos os sentidos do texto. Também vale a pena a consulta à obra de Norma Discini, Comunicação nos textos, onde podemos encontrar um farto material com análises e fundamentações bem consistentes.

...


Constantemente, somos assediados por um con­junto de informações, que, na maioria das vezes, são muito mais relevantes pelo fato de que não estão ex­plicitadas na superfície. Os propósitos de manipulação ­

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a que somos submetidos cada dia, quase sempre, se escondem, exatamen­te, na sutileza do que está apenas subjacente. Basta ver quanto a publicidade em geral se vale da força dos 'ditos' apenas pressupostos, evocados ou suge­ridos. Basta estar atento ao discurso da esfera política, que, muitas vezes de propósito, "joga" com esses "não-ditos explícitos", na esperança de que não saibamos encontrar lá dentro os sentidos implicitados.

Se somos feitos pela linguagem, não podemos deixar de ter a clara consciência do caminho que percorremos, com veredas e atalhos, preci­sos e imprecisos, retos e tortuosos. Os professores não podem furtar-se à responsabilidade de desenvolver nos alunos as habilidades de percebe­rem como se delineiam as trilhas certas e como se traçam as artimanhas em que estão escondidas "as segundas intenções".

Aulas de línguas, estudos de línguas: não seriam uma oportunidade feliz para se analisar como ocorrem as múltiplas atuações comunicativas das pes­soas, e desenvolver a consciência do que se pode fazer com a linguagem? Não seriam uma oportunidade feliz para se explorar os ganhos e os riscos a que es­tamos expostos pelos discursos soltos ao ar ou pintados no papel ou na tela?

Eles são mais, muito mais mesmo que conjuntos de sons, que "papéis pintados", que sinais eletrônicos... Podem curar, podem ferir; são trans­parentes; são opacos; revelam mesmo quando parecem ocultar; salvam e podem ser ameaças.

Ninguém pode, pois, ficar à beira do que os discursos superficialmen­te expressam.

...


são como um cristal, as palavras.

Algumas, um punhal, Um incêndio.

Outras, orvalho apenas. Secretas vêm, cheias de

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