Mário júlio de almeida costa



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da pág. 190, e os autores para que remete. Ver, por ex., Marcello Caetano,

Hist. do Dir. Port., cit., vol. I, págs. 283 e segs.

(2) Ver, supra, nota 2 da pág. anterior.

(3) Além dos graus de licenciado em Artes (correspondendo ao "trivium"

e ao "quatrivium") e em Medicina. Lê-se nesse texto: "Quodque Scolares in

artibus et iure Canónico ac Civili ac Medicina (...) possint (...) in studio licentiari

predicto" (ver a oh. cit. na nota 2, in fine, da pág. anterior). O ensino da Teologia

ficava reservado aos conventos de certas ordens religiosas (Dominicanos e

Franciscanos).

(4) Ver, supra, pág. 222.

(5) O próprio D. Dinis, como se observou, transferiu a Universidade para

Coimbra, em 1308. Com D. Afonso IV, no ano de 1338, regressou a Lisboa, mas

o mesmo monarca, em 1354, fê-la viajar, de novo, até Coimbra. D. Fernando,

em 1377, estabeleceu-a, outra vez, na capital. A fixação definitiva da Universi-

dade em Coimbra deveu-se a D. João III, quando corria o ano de 1537.

(6) Ver M. J. Almeida Costa, Leis, Cânones e Direito (Faculdades de), in

"Dic. de Hist. de Port.", cit., vol. II, págs. 677 e segs. Quanto ao ensino universi-

tário em geral, consultar o estudo já cit. de Mário BrandAo/M. Lopes de

Almeida, A Universidade de Coimbra. Esboço da sua História, Coimbra, 1937.

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PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓN1CA
Esse ensino autóctone não estancou a atracção das Univer-

sidades estrangeiras famosas. Constitui, porém, mais um factor de

difusão do direito comum.
d) Legislação e prática jurídica de inspiração romanística
A influência do direito comum também se revelou nas leis e

noutras fontes jurídicas nacionais. Analisaremos, oportunamente,

como se desenvolveu, entre nós, a legislação geral ('). Todavia,

salienta-se, desde já, que foram notórios os reflexos romanísticos na

disciplina consagrada por esses novos preceitos.

O mesmo se observa quanto à prática jurídica. Designada-

mente, no domínio tabeliónico, houve sintomas do direito romano

renascido.


e) Obras doutrinais e legislativas de conteúdo romano
Refira-se, por último, a elaboração, nessa época, de algumas

obras jurídicas, escritas originariamente em castelhano. Tais obras,

de índole doutrinal e legislativa, mostram forte influência do

direito comum, quando não constituem mesmo resumos ou sínteses

dos seus princípios. Enquadram-se, pois, no movimento de difusão

romanística peninsular. A sua tradução para português indicia a

grande voga que alcançaram no nosso país, inclusive como fontes

subsidiárias (2).

Pelo que respeita às obras doutrinais, salienta-se a importância

das Flores de Derecho ou Flores de las leys e dos Nueve tiempos de los

pleitQSj ambas da autoria de Jácome (ou Jacobo) Ruiz, também

conhecido por Mestre Jácome das Leis (3). Trata-se de compêndios

( ) Ver, infra, págs. 254 e segs.

(2) Ver, págs. 261 e seg.

(3) Ver Paulo Merèa, A versão portuguesa das "Flores de las leys" de Jácome

Ruiz, in "Rev. da Univ. de Coimb.", cit., vol. V, págs. 444 e segs. (estudo

231

HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



relativos ao processo civil de inspiração romano-canónica, que

tendia a substituir o sistema foraleiro e consuetudinário vigente, de

raiz germânica. Aliás, a literatura processual do direito comum terá

sido a que primeiro se repercutiu na Península e decisiva para a

recepção prática desse sistema (').

As obras legislativas decorreram da política seguida em tal

domínio por Afonso X, o Sábio (2). Procurou este soberano, não só

reivindicar para o monarca a criação jurídica, mas também a

uniformização e a renovação do direito dos seus Reinos. Destacam-

-se o Fuero Real e as Siete Partidas. Apenas lhes dedicaremos consi-

derações muito breves (3).

introdutório; republ., com alterações e acrescentamentos, nos seus "Est. de

Hist. do Dir.", cit., págs. 45 e segs.), e ano VI, págs. 341 e segs. (texto e tradu-

ção). A versão portuguesa das referidas obras encontra-se num códice conhecido

por Foros da Guarda, cuja data parece situar-se entre 1273 e 1282, portanto nos

fins do reinado de D. Afonso III ou começos do reinado de D. Dinis. Mas é

possível que tenha havido uma tradução anterior — de que esta representa uma

cópia grosseira—, embora não muito antiga (cfr. Paulo Merêa "Est. de Hist.

do Dir.", cit., págs. 61 e seg.).

(') Ver J. M. Font Rius, La recepción dei Derecho romano, cit., in "Recueil de

Mémoires et Travaux publié par la Société d'Histoire du Droit e das Institutions

des Anciens Pays de Droit Écrit", fase. VI, págs. 91 e seg.

(2) O reinado de Afonso X (1252/1284) aproxima-se cronologicamente do

de Afonso III de Portugal (1248/1279).

(3) Subsistem fundas controvérsias, inclusive sobre se houve uma verda-

deira política legislativa de Afonso X. Às dúvidas acerca da cronologia das obras

jurídicas desse monarca, acrescenta-se a da relacionação do chamado Fuero dei

Libro ou Libro dei Fuero, mais tarde conhecido por Especulo, e as Siete Partidas. A

opinião talvez predominante considera que o Especulo constituiu a base do texto

jurídico que, a partir de uma terceira redacção, já depois da morte de Afonso X,

passou a ser conhecido por Siete Partidas. Sustentam outros autores, porém, que

não chegou a terminar-se a redacção do Especulo, justificando-se, pelas aspirações

imperiais de Afonso X, que em seu lugar se elaborassem as Siete Partidas ou Livro

de las Leys. Além das obras indicadas, deve ainda mencionar-se, num plano

conexo, o Setenario, livro doutrinal dirigido à formação política e cívica, a uma

correcta consciência jurídica, especialmente dos reis. Entre a ampla bibliografia,

ver Afonso García-Gallo, El "Libro de las leys" de Alfonso el Sábio. Del Especulo a

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PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANONICA
O Fuero Real destinava-se às cidades que ainda não tivessem

"fuero", quer dizer, uma compilação das normas j""'jjfjiLir?l?IlJfIJ-

pais, ou às que, embora possuindo-o, quisessem substituí-lo por este

mais perfeito e actualizado. É um "fuero" extenso (^ organizado

com base em preceitos do Código Visigótico ("Fuero Juzgo") e

costumes territoriais castelhanos, domínio onde oferece particular

interesse uma importante colectânea anterior de direito local

("Fuero de Soria")(2). Ocupa-se do direito privado e do direito

penal. Nele existem consideráveis reflexos romanísticos e canonísti-

cos, que se produziram, sobretudo, através da recepção de soluções

jurídicas concretas ( )(4).

las Partidas, Nuevas observaciones sobre la obra legislativa de Alfonso X e La obra legislativa

de Alfonso X. Hechos e hipótesis, in "An. de Hist. dei Der. Esp.", cit., respectiva-

mente, tomo XXI, págs. 345 e segs., tomo XLVI, págs. 609 e segs., e tomo LIV,

págs. 97 e segs., Aquilino Iglesias Ferreiros, Alfonso X el Sábio y su obra legislativa:

algunas reflexiones e Fuero Real y Especulo, ibid., respectivamente, tomo L, págs. 531 e

segs., e tomo LII, págs. 111 e segs., Jerry R. Craddock, La cronologia de las obras

legislativas de Alfonso X el Sábio, ibid., tomo LI, págs. 365 e segs., e Robert A.

MacDonald, Problemas políticos y Derecho Alfonsino considerados desde três puntos de

vista, ibid., tomo LIV, págs. 25 e segs.

(l) Ver, infra, pág. 259 e nota 2.

(2) Ver Gonzalo Martínez Díez, El Fuero Real y el Fuero de Soria, in "An.

de Hist. dei Der. Esp.", cit., tomo XXXIX, págs. 545 e segs.

(3) Ver Gonzalo Martínez Díez, Los comienzos de la recepción dei Derecho

romano en Espana y el Fuero Real, in "Diritto comune e diritti locali nella storia

dell'Europa. Atti dei Convegno di Varenna (12-15 gmgno 1V/9J", Milano, 1980,

especialmente pág. 260, e António Pêrez Martín, El Fuero Real y Murcia, in "An.

de Hist. dei Der. Esp.", cit., tomo LIV, especialmente págs. 69 e segs.

(4) A versão portuguesa do Fuero Real, que recua aos finais do século xm,

encontra-se também nos Foros da Guarda. Foi publicada por Alfredo Pimenta,

Fuero Real de Afonso X, o Sábio. Versão portuguesa do séc. xm, Lisboa, 1946, acompa-

nhada de introdução e notas que, não raro, carecem de rigor histórico-jurídico

(ver as recensões de Paulo Merèa, in "Boi. da Fac. de Dir.", cit., vol. XXI,

págs. 701 e segs., e Rafael Gibert, in "An. de Hist. dei Der. Esp.", cit., tomo

XVII, págs. 1118 e segs.). Posteriormente, o texto foi dado à estampa, com

leitura mais cuidada, por José de Azevedo Ferreira, Alfonso X—Foro Real, vol. I

(Edição e Estudo Linguístico) e vol. II (Glossário), Lisboa, 1987.

233


HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

As Siete Partidas constituem uma exposição jurídica de carácter

enciclopédico, essencialmente inspirada no sistema do direito

comum romano-canónico, mas em que se encontram também

sintetizados princípios filosóficos, teológicos, religiosos e morais, de

proveniências diversas, a propósito da fundamentação de vários

preceitos. Tiveram sucessivas reelaborações e o nome resulta da

sistematização em sete partes.

Discute-se sobre o alcance desta obra como fonte de direito.

Para certos autores, as Partidas não possuíram, durante largo tempo,

vigência oficial, limitando-se a respectiva aplicação aos tribunais do

rei. Outra corrente sustenta que Afonso X chegou a promulgá-las,

embora uma reacção popular e da classe nobre, em defesa dos seus

privilégios e costumes, levasse ao restabelecimento do direito

"velho", quer dizer, dos preceitos jurídicos tradicionais. De toda a

maneira, essa colectânea desempenhou um papel relevante na

formação dos juristas e receberia, pelos meados do século XIV, a

consagração legal de fonte de direito subsidiário (').

Não se duvida da enorme projecção das Siete Partidas entre nós.

Poderá afirmar-se que, dos mencionados textos jurídicos castelha-

nos, foram o mais difundido, como atestam provas históricas

inequívocas (2).

(') Além da bibliografia indicada, supra, pág. 232, nota 3, ver, por ex.,

García-Gallo, Manual, cit., tomo I, págs. 90 e seg., e 304 e segs., e Enrique

Gacto FernAndez/Juan António Alejandre García/José María Garcia

Marín, El Derecho Histórico de los Pueblos de Espam, cit., págs. 288 e segs. Quanto

à consulta da própria obra, sugere-se Las Siete Partidas. Glosadas por el licenciado G.

López (Ed. facsímil dei texto autêntico publicado en 1555), Madrid, reimpressão

de 1982 (3 vols.).

(2) Cfr., infra, págs. 261 e seg. Sobre os inúmeros fragmentos que abundam

nos arquivos portugueses, quer do texto castelhano, quer da versão em vernáculo,

consultar, por todos, Braga da Cruz, O direito subsidiário, cit., nota 35 da pág.

201. Ver, posteriormente, José de Azevedo Ferreira, Alphonse X—Primeyra Par-

tida. Édition et Étude, Braga, 1980, que se ocupa da sua difusão em Portugal (págs.

CXX e segs.) e fornece amplas indicações bibliográficas (págs. CXLVII e segs.).

234


PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
36. Escola dos Comentadores
Durante o século XIv desenvolveu-se uma nova metodologia

jurídica. Corresponde à Escola dos Comentadores(l), assim cha-

mada porque os seus representantes utilizavam o comentário como

instrumento de trabalho característico, à semelhança do que

ocorreu com os Glosadores a respeito da glosa.

É essa a denominação para que continuamos a propender,

embora também outras se justifiquem: as de Escola Escolástica e

Escola Bartolista, tendo em atenção, respectivamente, a sua matriz

científica, com precedentes nas esferas teológico-filosóficas, e o

jurista mais representativo, Bártolo de Sassoferrato; ou, ainda, a de

Escola dos Práticos ou dos Consultores ("Konsilíatoren"), que

evidencia a acção significativa destes juristas no plano do direito

aplicado, através de "consilia"(2). Presta-se a confusões o nome de

Escola dos Pós-Glosadores, enquanto tal qualificativo, do mesmo

modo, aparece, não raro, atribuído aos Glosadores que escreveram

depois da Magna Glosa (3). Conclui-se, em suma, que nenhuma das

designações referidas se mostra indiscutida.

(l) Quanto a esta escola, ver Calasso, Médio Evo dei Diritto, cit., vol. I,

págs. 563 e segs., Koschaker, Europa y el Derecho Romano, cit., págs. 143 e segs.,

Wieacker, Hist. do Dir. Priv. Mod., cit., págs. 78 e segs., Th. Viehweg, Tópica e

Jurisprudência (tradução portuguesa da 5.a ed. alemã, de 1973, por Tércio Sampaio

Ferraz Jr.), Brasília, 1979, págs. 59 e segs. (na versão italiana Tópica e giurispru-

denza, de G. Crifò, Milano, 1962, págs. 67 e segs. — com base na l.a ed. alemã,

de 1953), Vicenzo Piano Mortari, II problema deWinterpretatio iuris nei commentatori,

in "Annali di Storia dei Diritto — Rassegna Internazionale", vol. II, Milano,

1958, págs. 29 e segs., Norbert Horn, Die juristische Literatur der Kommentatorenzeit,

in "Ius Commune", cit., vol. II, págs. 84 e segs., Cavanna, Storia dei diritto

moderno in Europa, cit., vol., I, págs. 137 e segs., e 635 e segs. (bibliografia), e

Manlio Bellomo, Società e istituzioni in Itália, cit., págs. 453 e segs.

(2) Cfr. Wieacker, Hist. do Dir. Priv. Mod, cit., pág. 79.

(3) Ver, supra, pág. 217.

235


HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
a) Origem e evolução da escola. Principais representantes

Dois aspectos básicos explicamjue tenha surgido uma mudança

de orientação do pensamento jurídico. Desde logoTlTdecaaência da

Escola dos Glosadores. O seu método, na verdade, não foi sufi -

ciente para transformar o sistema romano num direito actualizado,

capaz de corresponder às exigências evolutivas da_época:

Aponta-se, além disso, o prestígio e a generalização do método

dialéctico ou escolástico. Aplicado com êxito na especulação teoló-

gica e filosófica, não admira que se comunicasse ao estudo do

direito.


Esta metodologia apresenta especificidades manifestas em rela-

ção à anterior. Caracteriza-se, antes de mais, por uma aberta

utilização da dialéctica aristotélica no estudo do direito. As

primeiras manifestações recuam à formosa escola francesa de

Orléans, pelos fins do século xin e começos do século xiv, com

Jacques de Révigny e Pierre Belleperche, mas encontrou o seu

pleno desenvolvimento em Itália.

Pode encarar-se a passagem dos Glosadores aos Comentadores

sem solução de continuidade. Aqueles já_se prevaleceram da téc-

nica ,escolástica. Só que a sua utilização acentuou-se com os

Comentadores. Daí resultaram diferenças substanciais de tipo

didáctico e relativas ao enfoque das fontes justinianeias. Os novos

esquemas de exegese dos textos legais são agora acompanhados de

um esforço de sistematização das normas e dos institutos jurídicos

muito mais perfeito do que o dos Glosadores. Encara-se a matéria

jurídica, predominantemente, de uma perspectiva lógico-sistemática

e não, sobretudo, exegética. Para tanto, articulam-se parâmetros

filológicos, analíticos e sintéticos (!).

(') Cfr. Wieacker, Hist. do Dir. Priv. Mod., cit., pág. 64, e Cavanna, Stor.

dei dir. mod. in Eur., cit., vol. I, págs. 142 e seg.

236

PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÕNICA





A atitude dos Comentadores foi de grande pragmatismo.

Voltaram-se para uma dogmática dirigida à solução dos problemas

concretos. Também os Glosadores tiveram presentes as exigências

normativas do seu tempo. No entanto, ao contrário destes, os

Comentadores desprenderam-se, progressivamente, da colectânea

justinianeia. Quer dizer, em vez de estudarem os próprios textos

romanos, aplicaram-se, de preferência, às glosas e, depois, aos

comentários sucessivos que sobre elas iam sendo elaborados^ Ao

lado de tais elementos, socorreram-se de outras fontes, designada-

mente dos costximesloçais,, dps direitos estatutários ^e~. do direito

canónico. Chegaram, assim, à criação de novos institutos e de

novos ramos do direito.

A transição entre as duas escolas deu-se através dos pós-

-acursianos(1). O período mais criativo dos Comentadores decorre

dos começos do século XIV aos meados do século XV. Embora tenha

Zjio^em França, foi na Itália que a nova metodologia encontrou

3 desenvolvimento. A este país pertenceram os Comentadores

mais famosos, como, no século xiv, Cino, Bártolo e Baldo, no

século XV, Paulo de Castro e Jasão (1435/1519). Este último já

testemunha do período de decadência da Escola.

À frente de todos situou-se Bártolo (1314/1357), quer pela sua

extensa produtividade, quer pela influência que exerceu. Assim

como Irnério no século xn e Acúrsio nojjéculo_2^H> Bártolo é o

jurisconsulto que simboliza o século XIV. De tal maneira que se

criou o aforismo de que ninguém é bom jurista se não for

bartolista" ("nemo bónus iurista nisi sit bartolista").

Os comentários de Bártolo adquiriram prestígio generalizado.

Inclusive, tornaram-se fonte subsidiária no ordenamento jurídico de

vários países europeus. Em Portugal, por exemplo, as Ordenações

determinaram a sua aplicação suDletivaao lado da Glosa de

(') Ver, supra, pág. 217.

(2) Ver, infra, págs. 262, 307 e segs., e 361 e seg. Consultar M. J. Almeida

237


HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

b) Significado da obra dos Comentadores

Como se expôs, os aspectos básicos da metodologia dos

Comentadores foram a utilização dos esquemas mentais dialécticos

ou escolásticos, o afastamento crescente da estrita letra dos textos

justinianeus, interpretados ou superados de maneira desenvolta, a

utilização de um sistema heterogéneo de fontes de direito e o acen-

tuado pragmatismo das soluções. Tudo produziu um avanço da

ciência jurídica e a sua maior conformidade às exigências práticas

da época.

Daí resultaram, consoante também se observou, os alicerces

de instituições e disciplinas que não tinham raiz em categorias do

direito romano ou que este apenas encarava casuisticamente. Isto se

verificou em âmbitos jurídicos relevantes, maxime do direito comer-

cial e marítimo, do direito internacional privado, do direito civil,

do direito penal e do direito processual.

Através dos seus comentários, pareceres e monografias, os

juristas desta escola criaram uma literatura jurídica cujo prestígio se

difundiu pela Europa adiante. Deu-se, numa palavra, mais um

passo nítido no caminho que levaria à moderna ciência do direito.

Ao longo da segunda metade do século XV. inicia-se o declínio

dos Comentadores,. O método escolástico, utilizado por juristas

talentosos, tinha sido criativo e permitira descobrir o verdadeiro

espírito ("ratio") dos preceitos legais. No entanto, logo que passou

a um emprego rotineiro, conduziu à estagnação, à mera repetição

de argumentos e de autores.
Costa, Romanisme et bartolisme dam le droit portugais, in "Bartolo da Sassoferrato

— Studi e documenti per il VI centenário", vol. I, Milano, 1962, págs. 313 e segs.

(versão portuguesa, com retoques, in "Boi. da Fac. de Dir.", cit., vol. XXXVI,

págs. 16 e segs.), Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, Bártolo na História do Direito

Português, in "Rev. da Fac. de Dir. da Univ. de Lisb.", cit., vol. XII, págs. 177 e

segs., e Martim de Albuquerque, Bártolo e Bartolismo na História do Direito Portu-

guês, in "Boi. do Min. da Just.", cit., n.° 304, págs. 13 e segs. Sobre Bártolo e a

sua obra, ver os valiosos estudos reunidos in "Bartolo da Sassoferrato — Studi e


238
documenti per il VI centenário", cit., vols. I e II, Milano, 1962.


PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
Esgotaram-se, desde certa altura, as possibilidades potenciais

da Escola. As suas primeiras gerações de juristas como que estanca-

ram as virtudes da mudança metodológica realizada para a actuali-

zação e sistematização do direito vigente. Seguiu-se o uso abusivo

do princípio da autoridade e o excesso de casuísmo. Os juristas

desta fase de decadência perderam as preocupações de criação ori-

ginal. Limitaram-se, via de regra, a enumerar e citar, a propósito

de cada problema, não só todos os argumentos favoráveis e desfa-

voráveis a determinada solução, mas também a lista dos autores

num e noutro sentido.

A "opinião comum" ("communis opinio") ou mesmo a "opi-

nião mais comum" ("magis communis opinio"), assim obtida, era

considerada a exacta. Observe-se que as Ordenações Manuelinas

atribuíram o alcance de fonte subsidiária a "comum opinião dos

doutores", que sobrepõem à Glosa de Acúrsio e aos Comentários

de Bártolof1).

37. O direito canónico e a sua importância
Abordou-se o problema do renascimento do direito romano e

da correspondente recepção em Portugal. Cabe, de seguida, aludir

à renovação simultânea verificada no âmbito do direito canónico e

à influência que exerceu entre nós. Foram dois fenómenos com

manifesta interligação.

O direito canónico, como se apreciará, teve um significado

muito valioso no quadro histórico do, sistema jurídico português,

que se prolonga até aos tempos modernos. O mesmo ocorreu, aliás,

quanto à generalidade dos países de formação cristã (2). Na época, o

(') Ord. Man., liv. II, tít. 5, § 1. Ver, infra, págs. 310 e segs.

(2) A importância do direito canónico para a formação da consciência

jurídica europeia é sinteticamente destacada por H. Thieme, Unidad y pluralidad

en la historia dei Derecho europeo, cit., in "Revista de Derecho Privado", tomo


239


XLIX, pág. 695.

HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

direito canónico disciplinava múltiplos aspectos das relações sociais

que se encontram hoje confiados à legislação estadual. Além de

que, em virtude do relevo que a Igreja sempre possuiu, o conheci-

mento das suas instituições e organização, que é dado sobretudo

pelo respectivo sistema jurídico, apresenta grande interesse para a

história social e política (J).

38. Conceito de direito canónico
Tornam-se necessárias algumas considerações prévias. Haverá

que precisar, antes de mais, o conceito e as fontes de direito canó-

nico. A isso vamos.

Entende-se por direito canónico o conjuntode normas jurídi-

cas que disciplinam as matérias da competência da_Igreja Católica.

Entre outras designações que tem recebido, destaca-se a de direito

eclesiástico. Mas esta expressão é equívoca, porque igualmente utili-


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