Mário júlio de almeida costa



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zada para compreender as normas jurídicas estaduais relativas a

confissões religiosas. Observe-se, ainda, que os preceitos litúrgicos,

embora rigorosamente façam parte do direito canónico, não cos-

tumem ser nele integrados, mercê da sua índole especial (2).

Desde cedo, com origem no Oriente, se usou a palavra câno-

nes, em sentido amplo, para abranger todas as regras de direito

^anómcõ~p)7Tjuma acepção restrita, porém, p

apenas as normas emanadas dos concílios: os cânones conciliares.

( ) Ver, supra, págs. 126 e seg., o que se observou a propósito do quadro

jurídico do Estado Visigótico.

(2) Código de Direito Canónico, cân. 2. Tais normas formam o chamado

direito litúrgico.

(3) Deu-se-lhes esta designação (do grego "cânon" = regra, norma) com

o objectivo de distinguir os preceitos jurídicos canónicos dos civis ("nomoi",

"leges"). Apresentam normalmente uma forma sucinta e concisa, semelhante à

dos artigos dos diplomas legislativos modernos.

240


PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA

Em paralelo, designam-se decretos ou cartas decretais as epístolas ponti-

fícias, quer dizer, as normas jurídico-canónicas da directa iniciativa

dos Papas {^}.

Mas analisemos especificamente as fontes do direito canónico.

Atendendo à origem ou modo de formação das normas, estabelece-

-se uma distinção básica: as fontes de direito divino e as fontes de direito

humano.


As primeiras são constituídas pela Sagrada Escritura (Antigo e

Novo Testamento) e pela Tradição. Neste caso, a Igreja apenas

propõe ou interpreta declarativamente. A Tradição abrange as

obras dos Santos Padres, que foram os teólogos dos tempos iniciais

dãTlgreja Católica.

Arrêscentou-se às referidas fontes o costume, já pertencente

aos modos de formação do direito humano. Nele se detectam

influências de preceitos romanos.

Desde o século IV, em ritmo progressivo, dá-se um considerá-

vel aumento das normas jurídico-canónicas derivada de fontes de

direito humano. A saber: os decretos ou decretais dos pontífices

romanos (quanto à forma, designados bulas, breves, etc); as leis ou

cânones dos concílios ecuménicos; os diplomas emanados de autori-

dades eclesiásticas infra-ordenadas (bispos, superiores de ordens

religiosas, concílios particulares, etc); concórdias ou concordatas,

quer dizer, acordos entre a Santa Sé e os vários Estados; a doutrina

e a jurisprudência, integradas, respectivamente, pela obra científica

dos canonistas e pelas decisões da jurisdição eclesiástica; e, inclu-

sive, as normas jurídicas civis "canonizadas", isto é, que a Igreja

reconhecia nos seus tribunais.

(') Ver Gérard Fransen, Les décrétales et les collections de décrétales, Louvain,

1972.


241

HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

39. O direito canónico anteriormente ao século xii
Em geral, qualifica-se como período do direito canónico

antigo (ius vetus)(l) o que decorre desde o seu aparecimento até

cerca de meados do século XII. A uma primeira fase, caracterizada

pela quase exclusividade das chamadas fontes de direito divino, seguiu-

-se o progresso do costume e das outras fontes de direito

humano (2). Estas tornaram-se o modo normal de criação de precei-

tos jurídico-canónicos, convocados a disciplinar situações cada vez

mais vastas e complexas.

Não admira que, a breve trecho, se sentisse a necessidade de

colectâneas que reunissem e sistematizassem essas normas. As pri-

meiras tiveram origem oriental. Viriam, contudo, a difundir-se no

Ocidente, com a inclusão de preceitos pontifícios e de disposições

conciliares respeitantes a esta parte da Europa.

Conhece-se um número apreciável de tais colectâneas. Apenas

se destacam algumas que têm maior relevância para a história do

nosso direito: os Capitula Martini, cuja organização, em 563, se

deveu a S. Martinho de Dume(3), e a Collectio Hispana, também

chamada Collectio Isidoriana, porque erradamente atribuída a S. Isi-

doro de Sevilha (4).

Esta última, mandada elaborar pelo Concílio de Toledo, no

ano de 633, recebeu, mais tarde, aprovação oficial do Papa Alexan-

(') Divide-se, correntemente, a história do direito canónico em quatro

períodos: o período do "ius vetus" (do início até ao Decreto de Graciano —1140), o

período do "ius novum" (de 1140 ao Concílio de Trento —1564), o período do "ius

novissimum" (de 1564 ao primeiro Codex luris Canonici—1918) e o período posterior a

Í9Í8. Entretanto, com o actual Codex luris Canonici, cuja vigência se iniciou em

fins de 1983, abriu-se uma nova fase na evolução do direito canónico (ver, infra,

págs. 244 e segs.).

(2) Ver Jean Gaudemet, Les sources du droit de 1'Eglise en Occident: du If au

Vlf siècle, Paris, 1985.

(3) Ver, supra, pág. 117, nota 1.

(4) Ver, supra, págs. 140, nota 2, e 143.

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PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA


dre III (1159/1181) para a Igreja hispânica. Continha normas dos

concílios peninsulares, entre os quais se contam os de Braga, que

assim passaram ao Decreto de Graciano, adiante mencionado (!).

Também algumas vezes as colectâneas jurídicas seculares con-

tinham preceitos sobre matérias eclesiásticas. Foi o que sucedeu

com as compilações de Justiniano, as codificações visigóticas e as

capitulares dos monarcas francos.

O desenvolvimento do direito canónico postulava uma cres-

cente necessidade do seu estudo. A elaboração das respectivas nor-

mas e das colectâneas que as iam reunindo e coordenando reflecte

os progressos sucessivos da doutrina canonística. Esta era cultivada,

como a especulação teológica, nos centros eclesiásticos. Mas não

poderá dizer-se que, antes dos fins do século XI ou, mesmo, dos

meados do século XII, existisse uma ciência do direito canónico sis-

temática e aprofundada, inclusive, com suficiente demarcação da

teologia e do direito romano.

( ) Ver, infra, pág. 245. Sobre as colectâneas canónicas desta época, ver

Gérard Fransen, Les collections canoniques, Louvain, 1973. Entre nós, pode

cônsultar-se a exposição desenvolvida de Braga da Cruz, Hist. do Dir. Port., cit.,

págs. 349 e segs. Saliente-se, ainda, a Collectio Hadriana, oficializada para a Igreja

franca no tempo de Carlos Magno. Essa colectânea resultou de uma actualização,

devida ao Papa Adriano I, da Collectio Dionisiana, organizada por Dionísio, o

Exíguo, em Itália, nos fins do século V ou começos do século VI (ver, também,

as colectâneas indicadas, supra, pág. 209, nota 1).

Recorde-se, a propósito, que Dionísio, o Exíguo, foi quem introduziu o uso

de datar pelo nascimento de Jesus Cristo, em vez da era de César. No nosso país,

a data passou a determinar-se a partir do nascimento de Cristo (nos documentos

em latim "Anno Domini"), com base numa lei de D. João I, de 22 de Agosto de

1460, que reduziu esse ano ao de 1422, portanto, descontando 38 anos (Ord.

Afons., liv. IV, tít. 66; cfr., também, o tít. 1, § 58). Todavia, já antes do referido

preceito imperativo, não se mostrava inédita a prática do sistema.

243


HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

40. Movimento renovador do direito canónico


Verifica-se, do século XII em diante, uma grande renovação

na esfera do direito canónico. Representa um facto histórico para-

lelo ao incremento dado ao estudo do direito romano, que encontra

idênticas ou aproximadas causas justificativas (!). Até a prepara-

ção e os graus académicos obtidos nos dois domínios jurídicos — "in

utroque iure" ou, abreviadamente, "in utroque", segundo expres-

são consagrada — estavam interligados, pois constituíam, ao tempo,

atributo do jurisconsulto completo.

Não se afigura exacto, porém, considerar que existiu um

renascimento canonístico. Esse qualificativo, já objecto de reticên-

cias quanto ao direito romano ( ), mostra-se, aqui, de todo injustifi-

cado. Como resulta das considerações precedentes, nunca houve

qualquer quebra de continuidade na evolução jurídico-canónica. O

direito da Igreja sempre conheceu uma linha de progresso.

Nesta época, ocorre tão-só um impulso de transformação

normativa e dogmática que, ao lado do sucedido com o direito

romano justinianeu, teve os seus pressupostos no século XI ( ). Dois

vectores caracterizam, de facto, a renovação canonística: não ape-

nas se organizaram colectâneas mais perfeitas de normas, em substi-

tuição das anteriores, mas também se procedeu à reelaboração cien-

tífica do direito canónico baseada nesses corpos legais. Analisam-se

ambos os aspectos.


40.1. Colectâneas de direito canónico elaboradas desde o século Xll.

O "Corpus Iuris Canonici"


Ao aparecimento de novas colectâneas de direito canónico

não foi estranha a tendência para a uniformização e centralização

deste sistema jurídico. Pelos fins do século XI, na verdade, inicia-se

(!) Ver, supra, págs. 207 e segs.

(2) Ver, supra, págs. 206 e segs.

(3) Ver, supra, págs. 207 e segs.

244

PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA


um esforço pontifício de unificação normativa da Igreja, contrário

a particularismos nacionais ou regionais e que atribuía essencial-

mente à Santa Sé a criação dos preceitos jurídico-canónicos.

Nessa linha se enquadra o Decreto de Graciano. Elaborado à

volta de 1140, significa um marco importante na evolução do

direito canónico. Deveu-se a João Graciano, monge e professor em

Bolonha, que procurou fazer uma síntese e compilação dos princí-

pios e normas vigentes. A obra aparece designada, nos manuscritos

mais antigos, por Concórdia discorâantium canonum, visto que o seu

autor tinha como objectivo coordenar, harmonizar e esclarecer

preceitos de diversas proveniências, agrupando-os de forma siste-

mática e não cronológica ou geográfica. Ressalta a posição autó-

noma do direito canónico perante a teologia. Embora se tratasse de

uma colectânea privada, difundiu-se como lei geral da Igreja,

mercê da amplitude e da perfeição técnica, sob o nome de

Decreto (1).

Seguiram-se as Decretais de Gregório IX} também designadas

apenas Decretais (2). São uma colectânea de normas pontifícias poste-

riores à obra de Graciano, que S. Raimundo de Penafort organizou

a solicitação de Gregório IX. O mesmo Papa promulgá-la-ia no

ano de 1234. Divide-se essa compilação em cinco livros (3), tendo

revogado as disposições canónicas subsequentes aoJDècrèlo nela não

incluídas.

(l) Em português antigo, utilizava-se a palavra Degredo. A respeito do

Decreto de Graciano e do seu autor, veja-se Stephan Kuttner, Gratian and the

Schools ojLaw, ÍÍ40-Í234, London, 1983.

( ) Encontram-se frequentemente citadas pela sigla X, abreviatura da

palavra latina "extra", que resultou de os autores medievais as denominarem

Decretales extra decretum Graciani vagantes.

(3) O liv. I ("judex") compreende as normas relativas à jurisdição hierár-

quica eclesiástica, o liv. II ("judicium") trata do processo canónico sobre matéria

civil, o liv. III ("clerus") ocupa-se do estado, dos direitos e deveres do clero, o liv.

IV ("connubia") é respeitante a esponsais e casamento, e o liv. V ("crimen")

disciplina o processo canónico em matéria criminal e as penas canónicas.

245

HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



O Decreto e as Decretais completavam-se, numa relação idêntica

à assinalada, no âmbito romanístico, entre o Digesto e o Código.

Aquele condensava o direito antigo da Igreja e estas o seu direito

novo.


Entretanto, continuaram a publicar-se numerosas epístolas

pontifícias. Coube a Bonifácio VIII a iniciativa de uma colectânea

que abrangesse o conjunto dessas normas canónicas aparecidas após

as Decretais. Assim surgiu, com data de 1298, o Livro Se^jni Sexto

de Bonifácio VIII. A designação deriva da sua complementaridade

relativamente às Decretais, mas o novo diploma constituía um corpo

autónomo que utilizava, aliás, a sistematização gregoriana, em

cinco livros.

Ainda recebeu aprovação oficial uma outra colectânea conhe-

cida pelo nome de Çfetmtánas. O Papa Clemente V, decorrido o

Concílio de Viena (França), em 1311/1312, determinou a compila-

ção dos cânones dele resultantes, acrescentados de decretais pró-

prias. Todavia, a morte desse pontífice fez com que a obra só fosse

aprovada por João XXII, em 1317, depois de revista.

Fecham a série duas compilações de índole privada. Efectiva-

mente, cerca de 1500, deram-se à estampa, pela primeira vez, as

quatro colectâneas já indicadas. Ora, o editor acrescentou-lhes, de

sua conta e risco, um apêndice com decretais posteriores a 1317,

agrupando-as em secções distintas: numa, as de João XXII e, nou-

tra, as dos Papas subsequentes. Daí os qualificativos de Extravagantes

de João XXII e de Extravagantes Comuns. A palavra "extravagantes"

indica que são textos que se encontram fora das colecções

autênticas.

As referidas colectâneas de direito canónico, no seu conjunto,

vieram a integrar o Corpus Iuris Canonici, posto que três delas, como

se observou, não houvessem nascido oficializadas. Essa designação,

simétrica à de Corpus Iuris Civilis, que corresponde ao complexo das

obras jurídicas romano-justinianeias ( ), tornou-se corrente desde

(') Ver, supra, pág. 205, nota 1.

246


PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
1580, quando Gregório XIII aprovou a versão revista de tais compi-

lações anteriores. Trata-se das fontes básicas do direito canónico

até ao primeiro Codex Iuris Canonici, que Bento XV promulgou em

1917 f1).

40.2. Renovação da ciência do direito canónico.

Decretistas e decretalistas


As colectâneas de direito canónico organizadas do século XII

ao século xiv demonstram uma extraordinária actividade legislativa

da Igreja, muito superior à dos monarcas dos Estados coevos.

Confrontam-se, em decorrência, dois ordenamentos de direito

comum, quer dizer, básicos e de vocação universal: um deles

assente nesses textos e o outro baseado nos preceitos romanísticos.

E sabido que as relações entre o Império e a Igreja assinalaram o

problema político nuclear da época, com reflexos manifestos sobre

a relevância dos srtemas normativos civil e canónico. À teoria

curialista do predomínio pontifício, contrapõe-se a imperialista da

separação de poderes. A conciliação ou aliança das duas jurisdições,

a temporal e a espiritual, exprimia-se na fórmula "utrumque ius",

que procurava significar a unidade de objectivos morais ("salus

animae")(2).

Essa querela desenvolvida por civilistas e canonistas não se

limitou ao plano especulativo ou teórico. Envolveu, ainda, aspectos

(') Mediante a constituição Providentissima Mater Ecclesia, de 27 de Maio de

1917, para entrar em vigor no dia 18 de Março de 1918. O actual Codex Iuris

Canonici foi promulgado por João Paulo II através da bula Sacrae Disciplinae Leges,

de 25 de Janeiro de 1983, e iniciou a sua vigência a 27 de Novembro do mesmo

ano. Sobre este último diploma, ver as sínteses de F. d'Ostilio, La storia dei nuovo

Códice di diritto canónico, Città dei Vaticano, 1983, e António Leite, O novo Código

de Direito Canónico, in "Brotéria", cit., vol. 118, n.° 1, págs. 3 e segs.

(2) Ver, entre outros, Cavanna, Stor. dei dir. mod. in Eur., cit., vol. I, em

especial págs. 54 e seg.

247


HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

práticos. Mas, para além de tal controvérsia, colocou-se aos cano-

nistas a tarefa, que se conhece, de actualização normativa do

direito da Igreja e da subsequente interpretação e aplicação desses

preceitos. Ocorreu, em síntese, uma empenhada renovação da ciên-

cia do direito canónico.

Salientámos, antes, que o movimento se encontra em ligação

íntima com o estudo do direito romano. Orientou-se, essencial-

mente, pelos mesmos caminhos científicos. A construção do direito

canónico teve lugar mediante o emprego sucessivo da metodologia

dos Glosadores e dos Comentadores (*). Por outras palavras: os

processos de exegese, em especial as glosas e os comentários, que os

legistas utilizavam em face dos textos romanos foram transpostos

para a interpretação das colectâneas de direito canónico, maxime do

Decreto e dos Decretais. Consoante os canonistas se dedicavam à pri-

meira ou à segunda dessas fontes, era-lhes dada, respectivamente, a

designação de decretistasjo^ decretalistas.

41. Penetração do direito canónico na Península Ibérica


41.1. Considerações gerais
A renovação legislativa e doutrinal do direito canónico não

tardaria a difundir-se pela Europa. Desde cedo, teve reflexos

aquém-Pirenéus (2).

Recorde-se que os peninsulares que se deslocaram aos centros

italianos e franceses de ensino do direito eram na sua maioria ecle-

(') Ver, supra, respectivamente, págs. 210 e segs., e págs. 235 e segs.

(2) Consultar, por ex., António Garcia y Garcia, La penetración dei Dere-

cho clásico medieval en Espana, in "An. de Hist. dei Der. Esp.", cit., tomo XXXVI,

págs. 575 e segs. (artigo republ., após algumas alterações, no livro do autor "Est.

sobre la Can. Port. Med.", cit., págs. 67 e segs., sob o título La penetración dei

Derecho clásico medieval en la Península Ibérica).

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PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÕNICA
siásticos, a quem as respectivas instituições proporcionavam grandes

facilidades para início ou prosseguimento de tais estudos no estran-

geiro. Embora se dedicassem ao direito romano, cuja dogmática se

lhes tornava necessária, orientavam-se, sobretudo, para o direito

canónico.

E longa a lista dos decretistas e dos decretalistas com o cog-

nome de hispanos ( ). Alguns canonistas peninsulares ocuparam

posições de destaque, inclusive nas cátedras bolonhesas e de outras

Universidades. Já se aludiu ao caso paradigmático de João de

Deus(2). A um espanhol, Raimundo de Penafort, confiou Gregó-

rio IX a elaboração das Decretais (3).

Também se operou uma divulgação considerável dos textos de

direito canónico, através de numerosas cópias, realizadas ou não na

Península, e até de traduções. Inúmeros documentos medievais se

referem a esses códices (4).

Deve considerar-se, ainda, o ensino do direito canónico nas

Universidades peninsulares. Não terá sido comparável, em profi-

ciência e prestígio, ao de Bolonha, que se tomou como modelo (5).

Porém, a adopção de idênticos métodos, géneros de literatura jurí-

dica e sistemas pedagógicos nunca deixaria de produzir alguns

resultados positivos. O Estudo Geral dionisiano abrangeu, logo de

início, o magistério do direito canónico e do direito romano (6),

(!) Ver, supra, pág. 226, nota 4, os exemplos de Pedro Hispano e Vicente

Hispano.


(2) Ver, supra, pág. 227, onde, na nota 1, também se recorda um estudo

sobre o canonista português Domingos Domingues.

( ) Ver, supra, pág. 245.

(4) Cfr. a bibliografia indicada, supra, págs. 223, nota 1, e 228, nota 1.

(5) Ver A. Garcia y García, L

Espana, cit., in "An. de Hist. dei Der. Esp.", tomo XXXVI, especialmente

págs. 586 e segs. (quanto à republ. do referido estudo, ver a indicação feita, supra,

nota 2 da pág. anterior).

(6) É o que resulta da já mencionada Bula de 9 de Agosto de 1290, do

Papa Nicolau IV (ver, supra, págs. 228 e segs.).

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



bem como se determinou a existência de um doutor "in decre-

tis" e de um mestre "in decretalibus'^1).

Tinha interesse prático e não apenas especulativo o conheci-

mento do direito canónico. Esse sistema jurídico aplicava-se, quer

nos tribunais eclesiásticos, quer nos tribunais civis ou seculares.

Existia, com efeito, uma organização judiciária da Igreja, ao lado

da organizaçãojudiciária do Estado ( )

a) Aplicação nos tribunais eclesiásticos


Apresentava-se o direito canónico, antes de tudo, como o

ordenamento jurídico próprio dos tribunais eclesiásticos. Ora, a

competência destes fixava-se em razão da matéria ("ratione mate-

riae") e em razão da pessoa ("ratione personae"). Vejamos os dois

fundamentos.

Havia, na verdade, certas matérias que pertenciam à jurisdi-

ção canónica. Exemplifica-se com as respeitantes a matrimónio,


(l) Na carta de privilégios outorgada à Universidade em 15 de Fevereiro

de 1309, D. Dinis estabeleceu que nela houvesse, não só esses dois professores de

direito canónico, mas também um de direito romano ("in legibus") (ver Chart.

Univ. Port., cit., vol. I, págs. 43 e segs. — n.° 25, designadamente pág. 44).

Quanto aos professores de direito canónico, parece que apenas um veio a ser

nomeado (consultar M. J. Almeida Costa, Leis, Cânones e Direito (Faculdades de),

cit., in "Dic. de Hist. de Port.", vol. II, págs. 677 e segs., especialmente pág.678).

(2) Sobre a aplicação, entre nós, dos preceitos aprovados pelo Concílio de

Trento, que decorreu de 1545 a 1563, e abordando-se o problema das questões

que cabiam na competência dos tribunais eclesiásticos e também dos tribunais

civis (os casos "mixti fori"), consultar Marcello Caetano, Recepção e execução dos

decretos do Concilio de Trento em Portugal, in "Rev. da Fac. de Dir. da Univ. de


250
Lisb.", cit., vol. XIX, págs. 7 e segs.


PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
bens da Igreja, testamentos com legados e demais benefícios

eclesiásticos.

Por outro lado, determinadas pessoas só podiam ser julgadas

nos tribunais da Igreja. Assim sucedia com os clérigos, ainda que a

contraparte não possuísse a mesma qualidade, e todos aqueles a

quem se concedesse tal privilégio. A evolução, porém, foi no sen-

tido de limitar a outorga do foro eclesisásticoí1).
b) Aplicação nos tribunais civis

O direito canónico aplicava-se também nos tribunais civis.

Discute-se quanto a saber se alguma vez vigorou, entre nós, como

fonte imediata e mesmo prevalecente sobre o direito nacional. A

opinião generalizada manifesta-se em sentido afirmativo, com base

numa decisão de D. Afonso II tomada na Cúria de Coimbra de

1211 (2).

De qualquer maneira, ainda que tenha sido, num primeiro

momento, direito preferencial, o sistema juridico-canónico passaria,

a breve trecho, ao plano de fonte subsidiária, portanto, que só

intervinha na ausência de direito pátrio (3). E, em tal quadro, a sua

( ) Desde cedo o tema se encontra disciplinado (cfr. o Livro das Leis e

Posturas, Lisboa, 1971, págs. 57 e segs., e 380 — ed. promovida pela Faculdade de

Direito da Universidade de Lisboa; sobre esta colectânea de legislação anterior às

Ordenações Afonsinas, ver, infra, pág. 264).

(2) O trecho que interessa é o seguinte: "(...) Outrosy estabeleçeo que as

sas leys sseiam guardadas e os dereytos da santa egreia de Roma conuem a ssaber

que sse forem feitas ou estabeleçudas contra eles ou contra a santa egreia nom

ualham nen tenham." (Port. Mon. Hist. —Leges et Cons., cit., vol. I, págs. 163 e

seg.). Nesse sentido, ver, por todos, NunoJ.Espinosa Gomes da Silva, Sobre a lei

da Cúria de 12ÍÍ respeitante às relações entre as leis do Reino e o direito canónico, in

"Revista Jurídica", cit., n.° 1 (1979), págs. 13 e segs., e Hist. do Dir. Port., cit., vol.

I, pág. 124, e Martim de Albuquerque/Rui de Albuquerque, Hist. do Dir. Port.,

cit., vol. I, págs. 114 e seg. De aviso contrário é Braga da Cruz, O direito

subsidiário, cit., págs. 188, nota 16, e 218, nota 50 da pág. anterior. Sobre a Cúria

de Coimbra de 1211, cfr., supra, pág. 192.

(3) Assim se explica que nas Ordenações Afonsinas (liv. II, tít. 9), ao

regular-se o problema das fontes subsidiárias, se tenha apenas sentido necessidade

251

HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



prioridade sobre o ordenamento romano dependia de os preceitos

deste conduzirem a pecado ( ).

42. O direito comum
Já se conhece a expressão direito comum, repetidas vezes uti-

lizada. Importa, agora, que, de forma conclusiva, precisemos o seu

significado.

Designa-se direito comum ("ius commune") o sistema normativo

de fundo romano que se consolidou com os Comentadores e consti-

tuiu, embora não uniformemente, a base da experiência jurídica

europeia até finais do século xvill. Alude-se, ainda, a direito

comum romano-canónico, ou, em paralelo, a direitos comuns

("iura communia"), o que salienta a relevância deste segundo ele-

mento ("ius canonicum")(2). Assim, a expressão, tanto se encontra

de afirmar o predomínio do direito nacional sobre o direito romano e não já

sobre o direito canónico — "o que significa, como é óbvio, que não havia, a este

respeito, um problema em aberto, como a respeito do direito romano" (Braga da

Cruz, O direito subsidiário, cit., pág. 218, nota 50 da pág. anterior; ver, também,

Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, Hist. do Dir. Port., cit., vol. I, pág. 195).

(') Ver, infra, págs. 261 e segs., e 307 e segs.

( ) Sobre a controvérsia respeitante ao conceito, aos caracteres intrínsecos

e aos elementos constitutivos do direito comum, ver F. Calasso, // conceito di

"diritto comune", II problema storico dei diritto comune e // diritto comune come fatto spiri-

tuale, in "Introduzione ai diritto comune", Milano, 1951 (reimpressão em 1970),

respectivamente, págs. 33 e segs., págs.79 e segs., e págs. 139 e segs., li problema

storico dei diritto comune e i suoi reflessi metodologia nella storiografia giuridica europea, in

"Storicità dei diritto", Milano, 1966, págs. 205 e segs., e Médio Evo dei Diritto, cit.,

vol. I, especialmente págs. 372 e segs., A. Cavanna, Stor.del dir. mod. in Eur., cit.,

vol. I, designadamente págs. 95 e segs., e Giovanni Santini, Ius commune — ius

generale. I tre sistemi normativi generali: diritto naturale, delle genti e rotnano, in "Rivista di

Storia dei Diritto Italiano", cit., vol. LVI, págs. 31 e segs. Salienta-se, ainda, o

estudo de Luigi Prosdocimi, // diritto canónico di fronte ai diritto secolare nelVEuropa dei

secoli XVI-XVIII, in "La formazione storica dei diritto moderno in Europa", cit.,

vol. I, págs. 431 e segs.

252

PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA


usada, restritivamente, para abranger apenas o sistema romanístico,

como, num sentido amplo, que compreende também outros seg-

mentos integradores, muito em especial o canónico, mas não esque-

cendo o germânico e o feudal. Razões históricas explicam esses dois

sentidos ( ).

Ao direito comum contrapunham-se os direitos próprios ("iura

própria"), quer dizer, os ordenamentos jurídicos particulares. Em

face desse direito geral, assumem relevância, devido às circunstân-

cias políticas e económicas, os direitos locais ou dos vários Estados,

formados por normas legislativas e consuetudinárias.

Os Comentadores ocuparam-se, não só das relações entre o

direito romano e o direito canónico, mas também das que interce-

diam entre o "ius commune" e o "ius proprium". Este segundo

problema conduziu a esquemas diversificados no tempo e de país

para país.

Parece de sustentar, de um modo geral, que, durante os sécu-

los XII e Xlli, o direito comum, pelo menos num plano teórico, se

sobrepôs às fontes com ele concorrentes. Seguiu-se, nas duas centú-

rias imediatas, um período de relativo equilíbrio, pois os direitos

próprios foram-se afirmando como fontes primaciais dos respecti-

vos ordenamentos e o direito comum tendeu a passar ao simples

posto de fonte jurídica subsidiária. O termo desse ciclo, em come-

ços do século XVI, dá-se com a independência plena do "ius pro-

prium", que se torna a exclusiva fonte normativa imediata, assu-

mindo o "ius commune" o papel de fonte subsidiária apenas mercê

da autoridade ou legitimidade conferida pelo soberano, que perso-

nificava o Estado (2).

(') Ver, por ex., A. Cavanna, Stor. dei iir. mod. in Eur., cit., vol. I, págs. 96

e seg.

(2) Destacam a evolução referida F. Calasso, II problema storico dei diritto



comune, cit., in "Introduzione ai diritto comune", págs. 125 e seg., e V. Piano

Mortari, Dialettica e giurisprudenza. Studio sui trattati di diakttica legale dei sec. XVI, in

"Annali di Storia dei Diritto", cit., vol. I, pág. 369. Também se reporta a essa

253


^-v

HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

Entre nós, alguns preceitos legais e várias obras de jurisconsul-

tos mencionam o direito comum no sentido que acabamos de anali-

sar. Contudo, também se encontram referências correntes a direito

comum com o significado de direito português ("ius nostri regni"),

ou seja, o direito que devia aplicar-se de preferência a qualquer

outro. Deste modo se procurava exprimir a ideia de que o sistema

romanístico só vigorava, no nosso país, a título subsidiário, pela sua

autoridade intrínseca e não extrínseca (1).

43. Fontes do direito português desde os meados do século xm

até às Ordenações Afonsinas


É altura de aludir às fontes do direito português desta época,

quer dizer, dos meados do século xm aos meados do século xv.

Visam-se, portanto, as fontes anteriores às Ordenações Afonsinas,

que marcam a indicada autonomização progressiva em face das

ordens jurídicas dos outros Estados peninsulares. Acresce que se

manifestam, fora de dúvida, reflexos da introdução do direito

romano justinianeu e do novo direito canónico decretista e

decretalista.


I —A legislação geral transformada em expressão da vontade do monarca.

Publicação e entrada em vigor da lei


, Uma análise do quadro das fontes de direito a_ partir de

Afonso III patenteia a supremacia das leis gerais. O que não signi-

fica que estas fossem, desde logo, o principal repositório do direito

periodização e aos autores indicados António Manuel Hespanha, História das

Instituições, cit., pág. 480, nota 1029.

(') Ver Paulo MerEa, Direito romano, direito comum e boa razão, in "Boi. da

Fac. de Dir.", cit., vol. XVI, págs. 539 e segs., e Martim de Albuquerque,

Portugal e a "lurisdictio Imperii", cit., in "Rev. da Fac. de Dir. da Univ. de Lisb.",

vol. XVII, págs. 334 e segs.

254


PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓN1CA
vigente. Era ainda o costume que configurava o grande lastro jurí-

dico da época. Mas a lei, que também recebia as designações~cle

decreto ou degredo, ordenação, carta e postura, passou a ter o predomínio

entre os modos de criação de preceitos novos.

Este fenómeno é concomitante com as crescentes influências

romani sticas e canonísticas(!). Os dois aspectos denunciam um

nexo de reciprocidade: a recepção, maxime, do direito romano jus-

tinianeu veio favorecer a actividade legislativa do monarca; e, vice-

-versa, o desenvolvimento da legislação geral fomentou a divulga-

ção dos preceitos do direito romano e do direito canónico, que,

muitas vezes, nela deixaram sinais marcantes.

Sem dúvida, o surto legislativo resultou do reforço de autori-

dade régia. A difusão dos princípios romanos, como "quod principi

placuit legis habet vigorem" e "princeps a legibus solutus est"( ),

alicerçava poderes públicos ilimitados do monarca nas esferas

executiva, judiciária e legislativa (3). Inicia-se o caminho da centra-

lização política e da relacionada unificação do sistema jurídico.

Cada vez mais se iria polarizando no rei a criação do direito,

embora, decerto, conhecendo algumas atenuações de ordem prá-

tica, designadamente as que decorriam da colaboração das Cortes

ou das prerrogativas dos municípios. A lei passa a considerar-se,

não só um produto da vontade do soberano, mas ainda uma sua

actividade normal.

Na monarquia leonesa, a promulgação de diplomas gerais era

um facto raro, que exigia a convocação da Cúria para a sua discus-

são e subsequente aprovação. O mesmo se verificou com os nossos

primeiros reis (4).

(*) Cfr., supra, pág. 217.

(2) Cfr., respectivamente, Digesto, 1, 4,1, e 1, 3, 31.

(3) Consultar V. Piano Mortari, Dialettica e giurisprudenza, cit., in "Annali

di Storia dei Diritto", vol. I, especialmente pág. 368, e os autores aí indicados na

nota 279. Destaca-se a obra de Dieter Wyduckel, Princeps Legibus Solutus. Eine

Untersuchung zur fruhmodemen Rechts- und Staatslehre, Berlin, 1979.

(4) Cfr., supra, págs. 191 e seg.

255

HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



Desde Afonso III, a situação modifica-se. A lei deixa de cons-

tituir uma fonte esporádica e transforma-se no modo corrente de

criação do direito. Além disso, é elaborada sem necessidade do

suporte político das Cortes. Em contrapartida, patenteia-se o pro-

gressivo recurso do monarca ao apoio técnico de juristas de forma-

ção romanística e canonística.

Ultrapassam o número de duzentas as leis do tempo de Afon-

so III, onde cabe destacar a atenção dedicada à matéria de processo.

Essa dinâmica legislativa acelerou-se nos reinados subsequentes.
Apreciemos como tais diplomas chegavam ao conhecimento

público e o prazo da sua entrada em vigor. Faltava, a este respeito,

um regime fixo(!).

Visto que não existia a imprensa, as leis eram manuscritas e

reproduzidas através de cópias. Devia começar-se pelo registo dos

diplomas na chancelaria régia, o que não configurava, ainda, uma

verdadeira publicidade como esta se entende modernamente.

Assumia mais o sentido de mecanismo de fiscalização da autentici-

dade das leis e de elemento de prova do direito em vigor.

Tornou-se frequente a utilização dos tabeliães para dar publi-

cidade aos preceitos legais. Existem inúmeros exemplos em que o

monarca, nos próprios diplomas, lhes impunha o encargo de

registá-los nos seus livros e a obrigação da respectiva leitura

pública. Consoante a importância da lei, assim variavam o prazo e

a periodicidade desta proclamação. Via de regra, estabelecia-se um

ano, ao ritmo de uma leitura em cada semana, nalguns casos com

referência ao domingo. Mas, não raro, se determinava uma leitura

"amiúde" ou "muito amiúde", ou mensal, ou, inclusive, uma vez

(') Ver Gama Barros, Hist. da Adm. PúbL, cit., 2.a ed., tomo I, págs. 136 e

segs., que fornece apoio ao que passamos a expor.

256

PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA


por ano. Exigia-se o registo dos textos legais ainda a outras entida-

des, mormente às que tinham de aplicá-los.

Também o início da vigência da lei não obedecia, como se

observou, a um regime uniforme. Prática corrente terá sido a da

aplicação imediata. Conhecem-se, todavia, diplomas em que se fixa

uma "vacatio legis" mais ou menos extensa ('). De qualquer modo,

a aplicação das normas deveria depender da sua difusão efectiva ao

alcance dos destinatários, que demorava a alargar-se a todo o terri-

tório. Mas, dados os condicionalismos da época, não faltariam


II —^Resoluções régias


incertezas, arbitrariedades e soluções casuísticas (2).

Ao lado das. providências legislativas de iniciativa do monarca,

havia outras por ele tomadas em Cortes, perante solicitações ou

queixas que lhe apresentavam. Eram as resoluções régias. Estas

traduziam-se, de facto, nas respostas do soberano aos\ agravamentos

feitos pelos representantes das três classes sociais (3).

Sempre que as resoluções régias continham normas a observar

para futuro, estava-se em face de autênticas leis do ponto de vista

substancial. Apenas diferiam dos diplomas que o rei elaborava motu

próprio pelo processo de formação. A sua publicidade verificava-se,

normalmente, através dos traslados ou cópias que os procuradores

dos concelhos ou outros interessados pediam.

(]) Por ex., numa Lei de 12 de Setembro de 1379, sobre a prova dos con-

tratos, estabelece-se um prazo de sessenta dias a partir da data da publicação na

Corte (Gama Barros, Hist. da Adm. Públ, cit., 2.a ed., tomo I, pág. 143).

( ) Encontra-se um caso de consagração expressa da não retroactividade

da lei num diploma incluído no Livro das Leis e Posturas, ed. cit., pág. 448.


(3) Ver, supra, pág. 172, nota 4.



257
( ) Ver. sunr/i riácr 1

HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

III — Decadência do costume como fonte de direito '
Sabemos que o costume continuou a ser um vasto repositório

do sistema jurídico vigente. Contudo, diminuiu de significado como

fonte de criação de direito novo, plano em que cedeu a primazia à

lei.


Os jurisconsultos, entretanto, passaram a considerar os precei-

tos consuetudinários, não já, apenas, na perspectiva de uma mani-

festação tácita do consenso do povo, mas, também, como expressão

da vontade do monarca. Assim decorria das concepções romanísti-

cas. Quer dizer: se o rei não publica leis contrárias an msi-nme.

revogando-o, é porque tacitamente o aceita f1).

IV — Forais e foros ou costumes
A importância dos forais manteve-se. Ainda se conhecem bas-

tantes de D. Afonso III e de D. Dinis. Em todo o caso, a partir de

D. Afonso IV, praticamente, deixaram de outorgar-se novos forais.

Assume, nesta época, grande relevo uma outra fonte de direito

local: os foros ou costumes. Dediquemos-lhes a nossa atenção.

Dá-se o nome de foros ou costumes (2) a certas compilações

medievais^ concedidas aos munid^iosjou simplesmente organizadas

por iniciativa destes. Alguns autores preferem a designação de esta-

tutos municipais. Trata-se de codificações que estiveram na base da

vida jurídica do concelho, abrangendo normas de direito político e

administrativo, normas de direito privado, como as relativas a con-

tratos, direitos reais, direito da família e sucessões, normas de

direito penal e de processo. São, na verdade, fontes com aplitude e

(') Ver, infra, págs. 301 e seg.

(2) Ver, por todos, M. J. Almeida Costa, Foros ou Costumes, in "Dic. de

Hist. de Port.", cit., vol. II, págs. 283 e seg., republ., sob a epígrafe Estatutos

Municipais, in "Temas de História do Direito", cit., págs. 58 e segs.

258


PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
alcance muito mais vastos do que os forais, cujos dispositivos fre-

quentemente transcrevem.

Os elementos utilizados na elaboração destas colectâneas

tinham proveniência diversa: ao lado de efectivos preceitos consue-

tudinários, encontram-se sentenças de juízes arbitrais ou de juízes

concelhios, opiniões de juristas, normas elaboradas pelos próprios

municípios a respeito da polícia, higiene ou economia, e até mesmo

normas jurídicas inovadoras de natureza legislativa, que o compila-

dor introduzia. Não raro se poderá descobrir influência nítida do

direito romano renascido. Com os foros ou costumes, "inicia-se

uma nova era na codificação do direito peninsular, porquanto, não

obstante as deficiências de técnica próprias da época, já se procu-

ram expor neles duma maneira completa e ordenada as normas de

direito consuetudinário, fixando-as com precisão e dispondo-as

num sistema'^1).

Em Leão e Castela, aparecem estes foros extensos ("fueros

extensos") (2) desde os fins do século XII, se bem que o maior

número pertença às duas centúrias imediatas. Quanto ao nosso país,

de acordo com a opinião corrente, os que restam teriam sido elabo-

rados durante a segunda metade do século XIII e o século XIV.

Convirá observar que os foros ou costumes se agrupam em

famílias e que o estudo dessas áreas jurídicas de fixação do direito

consuetudinário medieval apresenta, sob vários aspectos, grande

interesse histórico. Depois de reduzido a escrito, o direito de uma

íocãliáaTie^Tra^rTéquentemente comunicado a outra, no todo ou em

parte, mas recebendo, via de regra, adaptações maiores ou meno-

res. É o que se verifica, por exemplo, na Extremadura Castelhana,

com os foros de Sepúlveda, Cuenca (os primeiros redigidos,

embora com base no direito consuetudinário de Sepúlveda), Teruel

( ) Paulo Merêa, Resumo das Lições de História do Direito Português, cit, pág. 53

(2) Por contraposição a foros breves ("fueros breves"), que são os forais.

Consultar a bibliografia indicada, supra, pág. 188, nota 1.

259

HISTORIA DO DIREITO PORTUGUÊS



e Uclés; ou, paralelamente, na Estremadura Leonesa, a respeito dos

nossos quatro foros da região de Riba-Coa (Alfaiates, Castelo

Bom, Castelo Rodrigo e Castelo Melhor, anteriores à integração

destes territórios em Portugal) e dos foros de Coria, Cáceres e

Usâgre — todos eles derivados de um modelo comum desconhecido

ou perdido, talvez o direito costumeiro de Cidade Rodrigo ou,

eventualmente, de Ávila ( ).

V — Concórdias e concordatas


Já se esclareceu em que consistiam estas fontes de direito ( ).

Resta salientar que sempre persistiram múltiplos diferendos, entre o

clero e a realeza, após a subida ao trono de D. Afonso III. Daí que

aumentassem os acordos que lhes punham termo, quer celebrados

com as autoridades eclesiásticas do Reino, quer directamente com o

Papado.


Um ponto de atrito era o beneplácito régio, que se reconduzia

à exigência de ratificação das determinações da Igreja, maxime pon-

tifícias, respeitantes ao nosso país. Mas o instituto conservar-se-ia,

apenas com uma abolição temporária de D. João II ( ).

(') Ver, entre outros, Luís F. Lindley Cintra, A Linguagem dos Foros de

Castelo Rodrigo, Lisboa, 1959, designadamente a "Introdução", págs. XXI e segs.

(reed. desta obra — Lisboa, 1984), e José Artur Duarte Nogueira, A organização

municipal da Extremadura Leonesa nos sécs. XII e XIII, in "Boi. da Fac. de Dir.", cit.,

vol. LVIII, tomo II, págs. 373 e segs.

Os foros ou costumes do nosso país encontram-se editados tia Collecção de

Livros Inéditos de Historia Portugueza, tomo IV, Lisboa, 1816, págs. 527 e segs.,. e

tomo V, Lisboa, 1824, págs. 365 e segs., e nos Port. Mon. Hist. —Leges et Cons.,

cit., vol. 1, págs. 739 e segs., e vol. II (Lisboa, 1868), págs. 1 e segs. Além dos já

referidos, lembramos, por ex., os foros ou costumes da Guarda, Santarém, Santa-

rém comunicados a Oriolla, Santarém comunicados a Vila Nova de Alvito, Beja,

Évora, Torres Novas e S. Martinho de Mouros.

(2) Ver, supra, págs. 193 e seg., onde é indicada bibliografia sobre o tema.

(J) Além do estudo clássico de Manuel de Oliveira Chaves e Castro, O

Beneplácito Régio em Portugal, Coimbra, 1885, consultar Eduardo Nunes/Martim

260


PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
VI — Direito subsidiário
Apesar da variedade de fontes de direito que referimos, exis-

tiam muitos e frequentes casos omissos, isto é, situações para que

não se encontrava disciplina no sistema jurídico nacional ([). Só

mais tarde, com as Ordenações Afonsinas, o legislador estabeleceu

uma regulamentação completa sobre o preenchimento das lacu-

nas ( ). Até então, o problema foi deixado, basicamente, ao critério

dos juristas e dos tribunais.

Quando as fontes jurídicas portuguesas não forneciam solução

para as hipóteses concretas, recorria-se em larga escala ao direito

romano e ao direito canónico, assim como ao direito castelhano. O

que era natural, em face do impacto da difusão romanística e cano-

nística( ). Uma prova da grande importância subsidiária que pos-

suíam tais direitos logo resulta do facto de existirem versões portu-

guesas de obras com esse conteúdo.

Na generalidade, os juízes, sobretudo a nível das comarcas,

apresentavam-se manifestamente impreparados para um acesso

directo às fontes romano-canónicas. Daí que, numa primeira fase,

se hajam utilizado textos de segunda mão, quer dizer, influenciados

por essas fontes ou que ofereciam mesmo sínteses dos seus

preceitos (4).

Assim se explica que circulassem, no nosso país, desde o

século XIII, com o carácter de fontes subsidiárias, certas obras de

de Albuquerque, Parecer do Doutor "Velasco di Portogallo" sobre o beneplácito régio

(Florença, 1454), Lisboa, 1968 (sep. de "Do Tempo e da História", II), sobretudo,

págs. 111 e segs., com amplas referências bibliográficas.

(') Sobre o problema do direito subsidiário em si, ver, infra, págs. 304 e

segs.

(2) Ver, infra, págs. 307 e segs.



( ) Ver, supra, págs. 222 e segs., e págs. 248 e segs., respectivamente.

(4) A respeito do que escrevemos sobre o tema, consultar a análise de

Braga da Cruz, O direito subsidiário, cit., págs. 192 e segs.

261


HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

proveniência castelhana já antes indicadas: a^Flnrpjfy D^çJui p os

Nueve tiempos de los pleitos,, de Mestre Jácome das Leis, ao lado do

Fuero Real e das Siete Partidas^ as famosas /colectâneas jurídicas resul-

tantes da politica legislativa de Afonso X. Todas elas, como sabe-

mos, foram traduzidas para vernáculo, a fim de se facilitar a sua

consulta; e conjectura-se que, embora mais umas do que outras, se

tenham divulgado consideravelmente ( ).

A aplicação supletiva das referidas obras de origem castelhana

apenaT^derívava da autoridade intrínseca do conteúdo romano-

-canónico que lhes servia de alicerce. Tanto, assim, que a sua utili-

zação abusiva — especialmente a das Partidas —, em detrimento de

preceitos genuínos de direito romano e de direito canónico, foi

objecto, nos meados do século xiv, de protestos levados ao rei e

por este acolhidos (2).

Entendia-se, em síntese, que as fontes subsidiárias se circuns-

creviam ao direito romano e ao direito canónico, onde quer que se

contivessem. Pela mesma época, começaram a traduzir-se os cor-

respondentes textos legislativos e alguns importantes textos de dou-

trina que os esclareciam. As Decretais de Gregório IX já se encontra-

vam vertidas para português em 1359. Outro tanto sucedeu, antes

de 1426, com o Código de Justiniano, acompanhado da Glosa de Acúxsia

e dos Comentários de Bártolo, por ordem de D. João I (3). O monarca

determinou, inclusive, que se fizessem resumos interpretativos dos

vários preceitos, sempre que se tornassem necessários, com o objec-

( ) Ver, supra, págs. 231 e segs.

(2) Provisão de D. Pedro I de 13 de Abril de 1361 e Capítulos das Cortes

de Elvas do mesmo ano (ver, por todos, Braga da Cruz, O direito subsidiário, cit.,

págs. 202 e segs., notas 37 e 38, e, anteriormente, M. J. Almeida Costa, Roma-

nismo e Bartolisrno no Direito Português, cit., in "Boi. da Fac. de Dir.", vol. XXXVI,

págs. 25 e seg.

(3) Tradução que sucessivos autores atribuíram erradamente a João das

Regras. Ocupa-se do tema Braga da Cruz, O direito subsidiário, cit., nota 44 da

pág. 207.

262

PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA


tivo de evitar discrepâncias jurisprudenciais. Destinaram-se dois

exemplares da obra à Câmara de Lisboa para consulta de

interessados. l

Não houve o intuito de promover o direito romano à catego-

ria de fonte imediata, mas tão-só o de assegurar uma sua correcta

aplicação a mero título subsidiário('). Todavia, como em épocas

posteriores, muitas terão sido as preterições indevidas das normas

jurídicas nacionais. E também frequentes, no âmbito subsidiário, as

sobreposições de fontes indirectas às que proporcionavam o conhe-

cimento genuíno dos preceitos romanísticos e canonísticos.

44. Colectâneas privadas de leis gerais anteriores às Ordenações

Afonsinas


O progressivo acréscimo de diplomas avulsos tornava necessá-

ria a sua compilação. E, de facto, vários documentos da época reve-

lam a existência de colectâneas de leis do Reino anteriores às Orde-

nações Afonsinas. Todas essas colectâneas apresentam o traço

comum de não terem sido objecto de uma promulgação legislativa.

Daqui não se conclua, porém, que algumas delas não pudessem

estar ligadas a órgãos públicos, como a chancelaria régia ou os

tribunais.

Apenas duas chegaram até nós: o Livro das Leis e Posturas e as

Ordenações de D. Duarte. Ambas se caracterizam pela sua índole

privada.

Uma e outra das mencionadas colectâneas incluem, ao lado de

verdadeiras leis, costumes gerais e jurisprudência do tribunal da

Corte. Tem-se admitido que constituiriam trabalhos preparatórios

das Ordenações Afonsinas.

(') Corroborando esta opinião de Braga da Cruz, O direito subsidiário, cit.,

págs. 207 e segs., ver Martim de Albuquerque, Bártolo e Bartolismo na História do

Direito Português, cit., in "Boi. do Min. da Just.", n.° 304, págs. 23 e segs.

263

HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



Esta hipótese, aventada por João Pedro Ribeiro (l), tornou-se

comummente aceita. Alexandfle Herculanos sustenta, inclusive, que

representariam momentos sucessivos da actividade de João Mendes,

como o primeiro dos juristas incumbidos da elaboração do projecto

dessa codificação oficial (2). Tais conjecturas, em todo o caso,

levantam grandes dúvidas (3).


a) Livro das Leis e Posturas
Das duas colectâneas que se conhecem, o Livro das Leis e Postu-

ras (4) é a mais antiga. A sua elaboração situa-se nos fins do século

xiv ou princípios do -século XV. Nela encontramos preceitos de D.

Afonso II, D. Afonso III, D. Dinis e D. Afonso IV, além de uma

lei, posteriormente acrescentada, do Infante D. Pedro, que se tem

identificado com o futuro D. Pedro I.

Não houve nesta obra o propósito de coordenar a legislação,

mas apenas o de coligi-la. Isso se infere da ausência de um plano

sistemático e da repetição de alguns textos, em diversos lugares,

com variantes significativas.


b) Ordenações de D. Duarte

Não constituem as Ordenações de D. Duarte (5), como poderia

supor-se, uma codificação oficial devida a esse monarca. Trata-se,

consoante já salientámos, de uma colectânea privada que deriva o

nome por que é conhecida do simples facto de ter pertencido,

segundo se crê, à biblioteca de D. Duarte, o qual lhe acrescentou

(') Nas já cit. Reflexões Históricas, parte II, Coimbra, 1836, Reflexão n.° 11,

págs. 132 e segs.

(2) Port. Mon. Hist.—Leges et Cons., cit., vol. I, págs. 149 e 151. Ver, infra,

págs. 269 e seg.

(3) Ver Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, in Livro das Leis e Posturas, ed.

cit., "Introdução", págs. X e segs.

(4) Consultar o estudo e a edição indicados na nota anterior.

(5) Ver M. J. Almeida Costa, Ordenações, in "Dic. de Hist. de Port.", cit.,

vol. III, Lisboa, 1968, pág. 206, e in "Temas de História do Direito", cit., págs.

264


PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
um índice ("tavoa") da sua autoria e um discurso sobre as virtudes

do bom julgador (l).

A colectânea de que nos ocupamos f consta de um códice da

primeira metade do século XV. Compreende leis que vão de D.

Afonso II a D. Duarte.

Resultam diferenças consideráveis do confronto desta colectâ-

nea com a anterior. Nas chamadas Ordenações de D. Duarte, não só

existe um maior número de leis, mas também rareiam as repeti-

ções. Acresce que os diplomas se encontram dispostos por reinados

e, dentro de cada um deles, agrupando-se os respeitantes à mesma

matéria.
45. Evolução das instituições
Levaria muito longe inventariar as grandes mudanças que se

operaram, ao longo desta época, em sectores fundamentais, tanto

do direito público como do direito privado. Apenas faremos algu-

mas rápidas considerações (2).

Produziu-se, como sabemos, uma crescente penetração das

normas e da ciência dos direitos romano e canónico, com progres-

siva substituição do empirismo que predominava na vida jurídica da

fase precedente (3). O nosso país ia-se integrando no mundo dos

"iura communia".

Revelou-se importante, desde logo, a influência dessas novas

doutrinas em matéria de direito político, maxime pelo que toca ao

61 e segs., e, posteriormente, Ordenações del-Rei Dom Duarte, Lisboa, 1988 (que

reproduz o Cód. 9164 dos Reservados da Biblioteca Nacional de Lisboa), com

uma."Introdução" de Martim de Albuquerque, págs. V e segs., e uma "Nota

Prévia de Codicologia e Textologia" de Eduardo Borges Nunes, págs. XXVII

e segs.


(') Nele se reproduz cerca de metade do capítulo LX do Leal Conselheiro.

(2) Remete-se novamente para a exposição de Gama Barros, Hist. da Adm.

PúbL, cit., 2.a ed., passim, e para as sínteses de Paulo Merêa, Resumo das Lições de

História do Direito Português, cit., págs. 118 e segs., e de Marcello Caetano, Hist.

do Dir. Port., cit., vol. I, págs. 359 e segs., e 553 e segs., o último dos quais tão-só

versa os direitos criminal e processual.

(3) Ver, supra, págs. 194 e segs.

265


HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

desenvolvimento do poder real^). Também se mostram significati-

vas as alterações realizadas nos outros domínios do direito público e

na esfera do direito privado.

Por exemplo, a defesa da ordem jurídica torna-se encargo

exclusivo do Estado, que aparece como titular único do "ius

puniendi", em oposição a todas as manifestações de justiça privada

ou autotutela do direito. Verifica-se a cisão entre o processo civil

e o processo criminal, sobrepondo-se, no primeiro, o sistema inqui-

sitório, ou seja, de actuação oficiosa, ao antigo sistema acusatório.

Assim como se dão transformações relevantes em matéria de prova,

a respeito do ónus desta e da hierarquização do valor probatório

dos diversos meios de prova admitidos.

Quanto ao direito criminal, de acordo com uma progressiva

publicização, observa-se certa tendência para o predomínio das

penas corporais, em detrimento das penas pecuniárias. Daí que se

acentue o seu fim repressivo (2).

Não menos profunda foi a evolução do direito privado.

Salientamos as mudanças verificadas nas instituições familiares e

sucessórias. Igualmente, despontam novas doutrinas, quer sobre

obrigações e contratos, quer sobre os modos de aquisição da pro-

priedade, a posse, a enfiteuse, as servidões, a hipoteca, o penhor e

outros institutos.

Num balanço de conjunto, poderá admitir-se que as influên-

cias romanísticas tenham sido predominantes. Sectores houve,

todavia, onde prevaleceram orientações do direito canónico. Estas

últimas demonstraram muito específico relevo na disciplina da

família, mas fizeram-se ainda sentir, de modo expressivo, noutras

áreas, como as da posse, da usucapião e do direito e processo

criminais.

(') É clássico o estudo de Paulo Merea, O poder real e as cortes, Coimbra,

1923.


(2) Ver, António Manuel de Almeida Costa, O Registo Criminal, cit.,

especialmente págs. 59 e seg.

266

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