Mário júlio de almeida costa



Yüklə 4,3 Mb.
səhifə23/35
tarix08.05.2018
ölçüsü4,3 Mb.
#50302
1   ...   19   20   21   22   23   24   25   26   ...   35

diplomas legais avulsos. É a chamada legislação extravagante. Aliás,

uma nomenclatura já conhecida ( ).

Deve salientar-se,.antes de tudo, que se utiliza aqui o conceito

de lei num sentido muito mais amplo do que aquele que lhe corres-

ponde no direito moderno (3). Ainda se ignorava o princípio da

separação de poderes, de que decorria a diferenciação das esferas

legislativa, administrativa e judicial (4). Ao tempo, qualificava-se

como lei, de um modo geral, toda e qualquer manifestação da von-

tade soberana destinada a introduzir alterações na ordem jurídica


obra e do autor, M. J. Almeida Costa, "Nota de Apresentação", págs. 9 e

segs.). Acompanha esta edição um Auxiliar Jurídico (Rio de Janeiro, 1869), do

mesmo Cândido Mendes de Almeida, que consiste num apêndice, com

legislação, jurisprudência e doutrina, portuguesas e brasileiras.

(*) Cfr., supra, págs. 286 e seg.

(2) Cfr., supra, pág. 246, no âmbito do direito canónico, e págs. 281 e segs.,

a propósito da legislação portuguesa.

(3) Sobre as questões referentes ao conceito de lei e à função legislativa,

ao longo da evolução do direito português, incluindo análises estatísticas

reveladoras, consultar António Manuel Hespanha, "Nota do Tradutor", in

John Gilissen , Introdução Histórica ao Direito, Lisboa, 1988, págs. 318 e segs. (trad.

de A. M. Hesi anha/L. M. Macaísta Malheiros do original Introduction historique

au droit, Bruxelles, 1979).

(4) Qu«nto à génese do princípio da separação de poderes, ver, infra, págs.



379 e segs.

290
estabelecida. Nem sequer se consideravam necessários os requisitos

PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA


da generalidade e da permanência. Posto que se reconhecesse, em

princípio, que a lei propriamente dita devia ser de aplicação geral e

abstracta, não repugnava dar-se a mesma designação a diplomas

sem tais características.

b) Espécies de diplomas
Continuava a centralizar-se no monarca a criação do

direito (*). Todavia, a sua vontade legislativa manifestava-se de

formas diversas. Daí que, paralelamente, se distinguissem vários

tipos de diplomas (2).

Os mais importantes eram as cartas de lei ( ) e os alvarás. Ambos

deviam passar pela chancelaria régia (4), embora existissem diferen-

ças formais e de duração. Quanto ao formulário, as cartas de lei

começavam pelo nome próprio do monarca ( ), ao passo que os

alvarás continham a simples expressão "Eu ElRei"( ); além disso,

criou-se a prática de, na assinatura, aparecer, respectivamente,

( ) Cfr., supra, págs. 254 e segs.

(2) A respeito destas espécies legislativas, consultar Vicente José Ferreira

Cardozo da Costa, Compilação Systematica das Leis Extravagantes de Portugal,

Lisboa, 1806, "Discurso Preliminar", págs. IX e segs., e Paulo Merêa, Resumo

das Lições de História do Diréto Português, cit., págs. 141 e segs.

( ) Também designadas cartas patentes ou apenas cartas ou leis (em sentido

restrito).

(4) Ord. Man., liv. II, tít. 20, pr.; Ord. Hl., liv. II, tít. 39.

(5) Por ex.: "Dom Manoel per graça de Deus Rey de Portugal e dos

Algarves d'aquem e d'alem Mar em Africa Senhor da Guine e da conquista

navegaçam comercio, etc. A quantos esta Nossa carta virem (...) (Carta de Lei

de 18 de Abril de 1506; A.N.T.T. — Col. Esp., p. I., cx. 37, n.° 9).

(6) A substituição da tórmula "Nós ElRei" pela de "Eu ElRei" é

determinada num assento da Casa da Suplicação de 1524, que D. João III

subscreveu. Esta alteração indicia a sobreposição absolutista do poder real à

vontade dos povos, expressa em Cortes, conjugada com a do soberano (ver

Cândido Mendes de Almeida, Auxiliar Jurídico, cit., vol. I, págs. 111 e seg.).

291


HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

"ElRei" ou apenas "Rei"^). Pelo que tocava à duração, deviam

promulgar-se em carta de lei as disposições destinadas a vigorar

mais do que um ano e através de alvará as que tivessem vigência

inferior (2). Contudo, desde cedo, tanto as diferenças formais como

as relativas à duração sofreram frequentes excepções ou desrespei-

tos (3), passando a confundir-se os dois tipos de diplomas. Aparece-

ram, assim, os chamados alvarás de lei, alvarás com força de lei ou em

forma de lei (4).

Num plano menos relevante situavam-se os decretos. Não prin-

cipiavam pelo nome do monarca e, visto que, normalmente, se

dirigiam a um ministro ou tribunal,\terminavam, via de regra, com

uma expressão endereçada ao destinatário (5). O âmbito próprio

dos decretos cingia-se à introdução de determinações respeitantes a

casos particulares. Entretanto, com o decurso do tempo, também

acabariam por conter, algumas vezes, preceitos gerais inovadores.

Outros diplomas abrangidos na designação genérica de leis

eram as cartas régias, perfeitamente distintas das cartas de lei. Com

(') Vicente José Ferreira Cardozoda Costa, Compilação Systematica, cit.,

"Discurso Preliminar", págs. IX e seg., escreve: "Nota-se bem a diversidade da

Assinatura, ainda que não sei que esta differença seja estabelecida por alguma das

nossas leis: nas Cartas costuma ser o titulo do Soberano precedido do artigo o

Rei, a Rainha, o Principe, ou ElRei, e quasi sempre assina com guarda, quando

nos Alvarás se assina sem o artigo Rei, Rainha, Principe".

(2) Ord. Man., liv. II, tít. 20, § 5; Ord. Fil., liv. II, tít. 40.

(3) Também se desrespeita a imposição de que os novos diplomas não

podiam revogar qualquer preceito das Ordenações sem lhe fazerem referência

expressa, com declaração do seu conteúdo. Esta exigência de revogação expressa

encontrava-se prevista nas Ord. Man., liv. II, tít. 49, §§ 1 e 2, e nas Ord. Fil., liv.

II, tít. 44.

(4) As cartas de lei e os alvarás, atendendo à matéria de que tratavam,

podiam receber designações especiais. Por ex.: regimentos, quando relativos à

organização dos tribunais ou aos direitos e obrigações dos funcionários públicos;

estatutos, caso disciplinassem alguma corporação; forais, se respeitantes à organiza-

ção municipal ou aos tributos locais.

(5) Designadamente: "F... o tenha assim entendido e faça executar".

292

PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓN1CA


efeito, as cartas régias constituíam verdadeiras cartas, quer dizer,

epístolas dirigidas a pessoas determinadas, que começavam pela

indicação do destinatário, mas cujo formulário variava consoante a

sua categoria social ( ). O soberano, como nos alvarás, assinava-as

tão-só com a palavra "Rei".

Denominavam-se resoluções os diplomas em que o monarca

respondia às consultas que os tribunais lhe apresentavam, normal-

mente acompanhadas dos pareceres dos juízes respectivos. Embora

as resoluções visassem casos concretos, a tendência era para a sua

aplicação analógica, tornando-se leis gerais.

Recebiam o nome de provisões os diplomas que os tribunais

expediam em nome e por determinação do monarca. Cabiam, pois,

no conceito amplo da lei. Não raro, surgiam na sequência de um

decreto ou resolução régia e destinavam-se a difundir o seu con-

teúdo. As provisões, em regra, apenas levavam a assinatura dos

secretários de Estado de que dimanavam. As que eram subscritas

pelo soberano, à maneira dos alvarás, confundiam-se com estes,

quanto ao valor legislativo. Dava-se-lhes, então, o nome de provisões

reais ou provisões em forma de lei.

Mencionam-sefpor último, as portarias e os avisos. Tratava-se

de ordens expedidas pelos secretários de Estado ( ) em nome do

monarca. Distinguiam-se, entre si, pelo facto de as portarias serem

diplomas de aplicação geral (3), ao passo que os avisos se destina-

vam a um tribunal, a um magistrado, a uma corporação ou até a

(l) Eis o mais frequente: "F... Eu ElRei vos envio muito saudar".

(2) Sobre os secretários de Estado, a quem só na segunda metade do século

XVIII seria dada a designação de "ministros e secretários de Estado", ver Paulo

Merêa, Da minha gaveta — Os secretários de Estado do antigo regimen, in "Boi. da Fac.

de Dir.", cit., vol. XL, págs. 173 e segs. Quanto a esses cargos em Espanha, com

possível influência entre nós, durante o período filipino, ver José António Escu-

dero, Los Secretários de Estado y dei Despacho (1474-1724), 4 vols., Madrid, 1969.

(3) As portarias continham a fórmula introdutória seguinte: "Manda ElRei

Nosso Senhor (...)". Acrescia que, ao contrário dos avisos, levavam o selo das

Armas Reais.

293

HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



um simples particular (!). Também através destes diplomas,

exorbitando-se da sua finalidade própria, chegaram a promulgar-se

autênticos preceitos legislativos.

c) Publicação e início da vigência da lei


Ainda não se encontra, nas Ordenações Afonsinas, uma norma

expressa sobre o sistema de publicação das leis (2), nem mesmo ao

disciplinar-se o cargo de chanceler-mor ( ). Era essa, todavia, uma

das suas atribuições. Na verdade, não só ocupava a posição de

medianeiro entre o soberano e os súbditos (4), mas também lhe per-

tencia o expediente das cartas do rei, que, num sentido amplo,

englobavam os diplomas legais (5).

As Ordenações Manuelinas abordaram directamente a maté-

ria ( ). Atribuiram ao chanceler-mor, tanto a publicação das leis na

chancelarias da Corte, como o envio dos traslados respectivos aos

corregedores das comarcas. Tal incumbência foi confirmada pelo

novo regimento do chanceler-mor que D. João III outorgou em

1534, espeçiíicando-se que essa publicação na Corte se fizesse no

próprio dia da emissão das leis (7). As Ordenações Filipinas

limitaram-se a repetir o preceito (8).

(') Quanto à força normativa dos avisos, ver José Homem Corrêa

Telles, Commentario Critico á Lá da Boa Razão, em data de í8 de Agosto de 1769,

Lisboa, 1824, com. 3 ao preâmbulo.

(2) A respeito do período antecedente, ver, supra, págs. 256 e seg.

(3) Liv. I, tít. 2.

(4) Ord. Afon., liv. I, tít. 2, pr.

(5) Ver António Ribeiro de Liz Teixeira, Curso de Direito Civil Portuguez,

Coimbra, 1848, parte I, pág. 59.

(6) Liv. I, tít. 2, § 9.

(7) Regimento de 10 de Outubro de 1534 (ver José AnastAsio de

Figueiredo, Synopsis Chronologica, cit., tomo I, págs. 350 e segs.), incluído na

Colecção das Leis Extravagantes de Duarte Nunes do Lião, parte I, tít. 1 (cfr.,

especialmente, lei 1, § 9).

(8) Liv. I, tít. 2, § 10.

294


PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
Manteve-se, durante largo tempo, a prática de as câmaras

promoverem a transcrição, em livros para o efeito destinados, os

diplomas gerais e os de interesse local. Do mesmo modo, os tribu-

nais superiores possuíam livros próprios de registo das leis( ). A in-

trodução da imprensa, que levou à difusão de muitos dispositivos

legais através desse meio, não retirou interesse às referidas colectâ-

neas privadas, pois as tiragens seriam sempre reduzidas e só em

época tardia se tornaram obrigatórios os traslados impressos ( ) e

existiu uma folha oficial em que se publicavam os novos

diplomas i(3)l.


Pelos finais de 1518 (4) provideriçiou-se acerca do início da

vigência das leis: estas teriam eficácia, em todo o País, decorridos

três meses sobre a sua publicação na chancelaria e independente-

mente de serem publicadas nas comarcas. O preceito transitou para

as Ordenações Manuelinas (5), mas reduzindo-se o prazo de* vaca-

tio" a oito dias quanto à Corte. Entendia-se que a vigência dos

restantes diplomas, quer dizer, dos não submetidos à chancelaria,

começava na data da publicação. As Ordenações Filipinas conserva-

ram os prazos indieados(6).

(') Ver Martim de Albuquerque, Para a história da legislação e jurisprudência

em Portugal. Os livros de registo de leis e assentos dos antigos tribunais superiores, cit., in

"Boi. da Fac. de Dir.", vol. LVIII, tomo II, págs. 623 e segs., especialmente págs.

629 e segs.

(2) Ver, infra, pág. 393.

(3) Ver, infra, pág. 393.

(4) Alvará de 10 de Dezembro de 1518 (ver José AnastAsio de

Figueiredo, Synopsis Chronologica, cit., tomo I, pág. 231). Sobre o regime anterior,

cfr., supra, págs. 256 e seg. Quanto ao início da vigência dos diplomas legais, pode

adoptar-se o método sincrónico ou o método sucessivo, consoante a lei começa a

vigorar numa única data para todo o território do Estado, ou, progressivamente,

em vários momentos, nas suas diversas regiões ou localidades.

(5) Liv. I, tít. 2, § 9.

(6) Liv. I, tít. 2, § 10.

295


HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

Recorde-se que passavam obrigatoriamente pela chancelaria

as cartas de lei e os alvarás (!). Porém, com o tempo, não raro tais

diplomas foram considerados válidos mesmo sem que se cumprisse

essa exigência.

O conhecimento efectivo das leis variava, como é óbvio, em

função das distâncias que separavam as comarcas da Corte. As

maiores dificuldades verificavam-se a respeito do Ultramar. Daí

que se estabelecesse, em 1749, que as leis apenas se tornassem obri-

gatórias para os territórios ultramarinos depois de publicadas nas

cabeças das comarcas (2).
1

51. Interpretação da lei através dos assentos


O problema da interpretação da lei com sentido universal-

mente vinculativo para futuro foi disciplinado por um diploma da

segunda década do século XVI (3). Os seus dispositivos incluíram-se,

depois, nas Ordenações Manuelinas (4) e passaram às Ordenações

Filipinas (5).

(l) Ver, supra, pág. 291.

(2) Lei de 25 de Janeiro de 1749. Ver António Ribeiro de Liz Teixeira,

Curso de Direito Civil Portuguez, cit., parte I, pág. 59.

(3) Alvará de 10 de Dezembro de 1518 (ver José AnastAsio de

Figueiredo, Synopsis Chronologica, cit., tomo I, pág. 231). A interpretação

autêntica da lei constituía uma faculdade do monarca. Conhecem-se numerosos

diplomas interpretativos de preceitos anteriores. Também era frequente o rei

presidir às reuniões dos tribunais superiores e logo aí decidir as dúvidas

interpretativas que se levantavam. Na origem do referido alvará de D. Manuel I,

que confere tais funções à Casa da Suplicação, encontra-se o facto de se ter

perdido o uso de o soberano presidir a essas sessões dos tribunais superiores, em

virtude da complexidade crescente da administração (cfr. Braga da Cruz, O

direito subsidiário, cit., nota 109 da pág. 283, onde se analisam as várias modalidades

de assentos).

(4) Liv. V, tít. 58, § 1.

(5) Liv. I, tít. 5, § 5. Ver, também, o § 8 do Regimento da Casa da

296


PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
Determinou-se que, surgindo dúvidas aos desembargadores da

Casa da Suplicação sobre o entendimento de algum preceito, tais

dúvidas deveriam ser levadas ao regedor do mesmo tribunal. Este

convocaria os desembargadores que entendesse e, com eles, fixava

a interpretação que se considerasse mais adequada. O regedor da

Casa da Suplicação poderia, aliás, submeter a dúvida a resolução do

monarca, se subsistissem dificuldades interpretativas.

As soluções definidas ficavam registadas no Livro dos Assentos e

tinham força imperativa para futuros casos idênticos. Surgem, deste

modo, os assentos da Casa da Suplicação como jurisprudência obri-

gatória (*). Trata-se do antecedente histórico dos assentos dos tri-

bunais que estão na cúpula da organização judiciária, maxime do

Supremo Tribunal de Justiça (2).

A Casa da Suplicação era o tribunal superior do'Reino, que

acompanhava a Corte, mas que acabaria por se fixar em Lisboa (3).

Suplicação de 7 de Junho de 1605 (in José Justino de Andrade e Silva, Collecção

Chronologica da Legislação Portugueza (1603-1612), Lisboa, 1854, págs. 130 e seg.).

(') Sobre um confronto possível com as façanhas, ver, supra, pág. 191, nota 1.

Em Decreto de 4 de Fevereiro de 1684, admitiu-se, todavia, a alteração dos

assentos no caso de "injustiça notória" (ver José Justino de Andrade e Silva,

Collecção Chronologica, cit., (1683-1700), pág. 7).

(2) Ver A. Castanheira Neves, O instituto dos "assentos" e a função jurídica

dos supremos tribunais, Coimbra, 1983 (sep. da "Revista de Legislação e de

Jurisprudência"). Quanto ao quadro 'moderno dos assentos, ver uma síntese, infra,

na segunda parte da nota 7 da pág. 357.

(3) Sobre os antigos tribunais superiores, que resultaram de desintegrações

sucessivas do tribunal da Corte (Tribunal da Corte ou Casa da Justiça da Corte,

depois Casa da Suplicação, e diferenciação da Casa do Cível, também, por vezes,

designada Casa do Cível e Crime), ver Marcello Caetano, Hist. do Dir. Port.,

cit., vol. I, págs. 482 e segs. Dos autores precedentes, destacam-se Afonso

Costa, Lições de Organisação Judiciaria, Coimbra, 1897, págs. 96 e segs., e Alberto

dos Reis, Organização Judicial. Lições feitas ao curso do 4.° ano jurídico de 1908 a 1909,

Coimbra, 1909, págs. 169 e segs., embora com algumas imprecisões. A respeito

da Casa da Suplicação, ver Martim de Albuquerque, O Regimento Quatrocentista

da Casa da Suplicação (ed. de 1982), cit., onde, a um estudo introdutório, se seguem

297


HISTORIA DO DIREITO PORTUGUÊS

Na mesma cidade funcionava a Casa do Cível, que constituía uma

segunda instância, competente para conhecer dos recursos das cau-

sas cíveis de todo o País, ressalvadas as sentenças proferidas no local

onde se encontrasse a Corte e cinco léguas em redor, cuja apelação

iria ao tribunal da Corte, assim como para conhecer dos recursos

das causas criminais provenientes de Lisboa e seu termo (!).

Ora, com o objectivo de descentralizar os tribunais de recurso

e indo ao encontro de solicitações anteriores, Filipe I, em 1582,

deslocou a Casa do Cível para o Porto, transformando-a na Rela-

ção do Porto (2). A nova Casa da Relação do Porto funcionava

como tribunal de segunda a última instância, quanto às comarcas

do Norte, em matéria crime; e o mesmo se verificava em matéria

cível, excepto se o valor da causa ultrapassasse determinado mon-

tante (alçada), hipótese em que existiria possibilidade de recurso

para a Casa da Suplicação (3).

a reprodução anastática do texto latino, com leitura paleográfica de Eduardo

Borges Nunes, e a tradução portuguesa de Miguel Pinto de Meneses. Nesse

estudo introdutório, são analisados alguns aspectos problemáticos do texto,

designadamente o da sua natureza jurídica de verdadeira lei, de simples

regulamento interno ou até de escrito particular. Quanto ao Regimento da Casa

da Suplicação de 7 de Junho de 1605, pode ser consultado, como se indicou, in

José Justino de Andrade e Silva, Colecção Chronologica (1603-1612), cit., págs. 129

e segs. Ver Paulo Merêa, Bosquejo histórico do recurso de revista, in "Boi. do Min.

da Just.", cit., n.° 7, págs. 43 e segs., e M. J. Almeida Costa, Suplicação (Recurso

de), in "Verbo — Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura", vol. 17, Lisboa, 1975,

pág. 881.

(') Ord. Afon., liv. I, tít. 7, liv. III, tít. 90, e liv. V, tít. 98 (ver Marcello

Caetano, Hist. do Dir. Port., cit., vol. I, págs. 484 e segs.).

(2) Lei de 27 de Julho de 1582. Discute -se sobre se Filipe I transferiu a

Casa do Cível de Lisboa para o Porto ou se pôs termo à Casa do Cível de Lisboa

e criou, em seu lugar, a Relação do Porto (ver, por todos, Martim de

Albuquerque, Para a história da legislação e jurisprudência em Portugal, cit., in "Boi. da

Fac. de Dir.", vol. LVIII, tomo II, págs. 627 e seg.).

(3) A alçada correspondia a cem mil réis ou a oitenta mil réis, consoante

se tratasse, respectivamente, de bens móveis ou de bens de raiz. Esses valores

foram triplicados por Lei de 26 de Julho de 1696 e de novo aumentados por

298


PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
Matinha-se, assim, alguma subalternidade da Relação do Porto

perante a Casa da Suplicação. De qualquer modo, esse tribunal

ficou com grande autonomia em face das comarcas do Norte, pelo

que os desembargadores da Relação do Porto se arrogaram o

direito de proferir também assentos normativos, embora nenhum

texto legal lhes outorgasse semelhante faculdade. Daí resultaram

naturais confusões e contradições interpretativas (1).

Entretanto, as Relações criadas no Ultramar — a de Goa

(1544), a da Bahia (1609) e a do Rio de Janeiro (1751) — seguiram o

exemplo (2). Todas elas passaram a tirar assentos interpretativos.

Apenas no século XVHI se pôs cobro a este abuso. A chamada Lei da

Boa Razão, de 18 de Agosto de 1769, determinou que só os assentos

da Casa da Suplicação teriam eficácia interpretativa (3).

Alvará de 13 de Maio de 1813. As comarcas de que havia recurso para a Relação

do Porto eram as das províncias de Entre-Douro-e-Minho e Trás-os-Montes e da

província da Beira, com excepção da comarca de Castelo Branco, por ficar mais

perto da Casa da Suplicação, e dos "aggravos dos feitos eiveis, que sairem dante

o Conservador da Universidade de Coimbra" (ver Braga da Cruz, O direito

subsidiário, cit., nota 110 da pág. 287).

Y1) Quanto às colectâneas de assentos, ver as indicações de J.-M. Scholz,

Legislação e Jurisprudência em Portugal nos Sécs. XVI a XVIII, cit., in "Scientia

Ivridica", tomo XXV, págs. 512 e segs., e Martim de Albuquerque, Para a

história da legislação e jurisprudência em Portugal, cit., in "Boi. da Fac. de Dir.", vol.

LVIII, tomo II, págs. 623 e segs. Encontra-se uma valiosa colecção de estilos,

assentos e outros arestos, in Cândido Mendes de Almeida, Auxiliar Jurídico, cit.,

vol. I, págs. 47 e segs., e vol. II, págs. 799 e segs. Também se inclui nessa obra

uma lista de preceitos das Ordenações e de leis extravagantes declarados por

assentos das Casas da Suplicação e do Cível (vol. II, págs. 789 e segs.).

(2) Os regimentos dos antigos tribunais superiores em Portugal e no Brasil

são publicados por Cândido Mendes de Almeida, Auxiliar Jurídico, cit., vol. I,

págs. 1 e segs. Indicam-se na mesma obra os regedores sucessivos da Casa da

Suplicação (vol. II, págs. 775 e segs.).

(3) Lei da Boa Razão, § 8(ver, infra, págs. 357 e segs.).Observe-se que a Rela-

ção do Rio de Janeiro se transformou em Casa da Suplicação para o Brasil,

através de Alvará de 10 de Maio de 1808, adquirindo competência para proferir

assentos interpretativos, no âmbito da sua jurisdição. A Casa da Suplicação do Brasil

299

HISTORIA DO DIREITO PORTUGUÊS




Yüklə 4,3 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   19   20   21   22   23   24   25   26   ...   35




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin